quinta-feira, 28 de junho de 2012

O que (se) espera (d)a escola no próximo ano?

Foi divulgado recentemente um estudo realizado por duas investigadoras do Instituto de Psicologia Aplicada (ISPA). Partindo de uma amostra de 807 professores, concluiu-se que metade dos professores portugueses sofre de síndrome de burnout, estado físico, emocional e psicológico relacionado com stress e ansiedade, que pode conduzir à depressão. Num nível elevado desta síndrome encontram-se 30% dos docentes. As causas de tão grave situação encontram-se, entre outras, na dificuldade de gestão dos problemas de indisciplina, no sentimento de desmotivação dos alunos para o estudo e na pressão para o sucesso, no desagrado com a carga letiva e com as responsabilidades não educacionais. 

Os números do desemprego crescem em muitas profissões, uma das quais a docência. 

Com a Revisão da Estrutura Curricular (26/03/2012), desapareceram as áreas curriculares não disciplinares e foi reduzida a carga letiva de várias disciplinas. Seguidamente, as Matrizes Curriculares do Ensino Básico e Secundário (cujas diferentes e sucessivas versões têm dificultado a preparação do próximo ano nas escolas) reduziram ainda mais o número semanal de aulas por grupos de disciplinas. Se associarmos estes factos ao aumento do peso dos exames na avaliação, poderemos facilmente adivinhar um ensino essencialmente virado para a aquisição de conhecimentos e treino a debitar em testes e exames. 

Para trás ficarão outras componentes essenciais na educação escolar (Ver artigo Para quando as reguadas). Obviamente, o desemprego docente crescerá. Serão esses professores verdadeiramente dispensáveis? 

Ou, pelo contrário, a falta de professores para aulas e outras atividades de apoio a alunos com dificuldades é uma realidade bem sentida por muitos estudantes e suas famílias? 

Sob o pretexto de dar maior autonomia às escolas, o MEC atribui aos diretores a responsabilidade de distribuir aos professores o tempo para desempenho de diversas funções, desde a direção de turma até à coordenação de departamentos, antes da responsabilidade do Ministério. Destaco alguns problemas:

  • Os professores que desempenharem esses cargos terão menos tempo para o fazer, embora o trabalho possa ser a dobrar. Dois exemplos:
    - os diretores de turma, agora com mais alunos por turma, terão, no entanto, menos tempo para exercer a sua função, o que levará a uma maior dificuldade de acompanhamento dos alunos e de contacto com as suas famílias.
    - os coordenadores de departamento (ex.: departamento de línguas, juntando Português, Francês, Inglês, Alemão e Espanhol), com mais professores e tarefas para coordenar, aumento resultante da junção de agrupamentos/escolas já grandes em "giga-agrupamentos", terão menos tempo do que tinham antes apesar do acréscimo de trabalho e responsabilidades.
O tempo para o exercício destes cargos, dantes determinado pelo Ministério, sendo agora menor no seu total (decisão do MEC), lança o odioso da sua distribuição por cada professor sobre os diretores dos agrupamentos, a pretexto de uma pretensa descentralização. Relembro que o exercício destes cargos foi uma das causas apontadas no estudo do ISPA para o burnout dos docentes.
  • O número de horas a que cada escola terá direito para o desempenho desses cargos e para outros fins, como os apoios educativos, vai depender de uma complicada fórmula (determinada pelo MEC) em que tem elevado peso o sucesso académico dos alunos da escola. Desta forma, escolas com sucesso receberão mais horas para esses efeitos, podendo dar melhores condições aos seus alunos; as escolas em que o insucesso for maior, receberão menos horas, e ver-se-ão a braços com falta de recursos para implementarem medidas de apoio aos alunos e de melhoria das aprendizagens. Podemos concluir que insucesso gerará escolas de 2ª e cada vez maior insucesso, enquanto que sucesso gerará escolas de 1ª e maior sucesso.
Por fim, imaginemos uma escola grande, até agora com um diretor e vários adjuntos, onde estes não têm mãos a medir para garantir o funcionamento da escola, de que destaco, apenas, a segurança dos alunos e os problemas disciplinares. Imaginemos essa mesma escola, integrada num "giga-agrupamento", tendo na sua gestão agora em permanência apenas um adjunto, que não terá os mesmos poderes de atuação que o diretor nem mesmo exercerá essa função a tempo inteiro. Como se pode esperar que as escolas funcionem com segurança e garantam condições de aprendizagem? 

É caso para dizer, "Ó, tempo, não voltes para trás!". Tanto caminho se fez para dar vida às escolas e dói ver essa vida escoar-se cada vez mais. 

Consultas feitas:
Despacho-normativo n.º13-A/2012, de 5 de junho 
Revisão da Estrutura Curricular (26/03/2012)
Matrizes do Ensino Básico e Secundário (aprovadas em 31 de maio)
Edição online do jornal Público de 11/06/2012


Por: Armanda Zenhas

In: Educare

Regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário e de formadores e técnicos especializados

Foi publicado o Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, que estabelece o novo regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário e de formadores e técnicos especializados. Do articulado do normativo, destaco apenas os aspetos mais particulares com implicações nos docentes de educação especial.

O diploma regula os concursos para seleção e recrutamento do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, constituindo estes o processo normal e obrigatório de seleção e recrutamento do pessoal docente.

Prevê, ainda, os procedimentos necessários à operacionalização da mobilidade de docentes colocados nos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário na dependência do Ministério da Educação e Ciência.

O diploma aplica-se à generalidade das modalidades de educação escolar, excetuando-se , entre outras, a seguinte modalidade de educação escolar que constitui objeto de diplomas próprios: c) Instituições de educação especial abrangidas pela Portaria n.º 1102/97, de 3 de novembro, alterada pelo Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, pela Lei n.º 21/2008, de 12 de maio, e pelo Decreto -Lei n.º 281/2009, de 6 de outubro.

Para efeito da graduação profissional dos docentes de carreira com formação especializada em educação especial, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do ECD, é aplicado o disposto no n.º 1, relevando para a classificação profissional a graduação obtida no curso de especialização (n.º 4 do art. 11º).

In: Incluso

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Inclusão: tensões e territórios educacionais

2, 3, 4 de julho de 2012

17h30

Anfiteatro do Instituto de Educação

Entrada livre e gratuita, sujeita à lotação do anfiteatro (cerca de 400 lugares)

Objetivos
Promover um espaço de socialização, construção de conhecimento e discussão sobre a temática da inclusão escolar.
Problematizar as políticas e as práticas de inclusão escolar.

Público alvo

Académicos, professores e interessados na temática da inclusão escolar.

PROGRAMA
2 de julho
17h30
Abertura

João Pedro da Ponte
Diretor do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa
 
Painel Essa estranha diferença

Introdução
Jorge Ramos do ÓUniversidade de Lisboa
Moderação
Justino MagalhãesUniversidade de Lisboa
Intervenção
Madalena KleinUniversidade Federal de Pelotas/Brasil
Maura Corcini Lopes, Universidade de Lisboa e Universidade do Vale do Rio dos Sinos/Brasil
3 de julho
17h30
Painel A escola continua “indiferente à diferença”

Introdução
Sérgio NizaCentro de Formação Cooperada do Movimento da Escola Moderna
Moderação
Isabel FreireUniversidade de Lisboa
Intervenção
Pascal PaulusFundação Aga Khan e Universidade de Lisboa
Inês Filipe, Escola Básica Integrada da Malagueira – Évora
4 de julho
18h00
Painel Inclusão e equidade

Introdução
Alfredo Veiga-Neto, Universidade Federal do Rio Grande do Sul/Brasil
Moderação
Ana Paula Caetano, Universidade de Lisboa
Intervenção
David RodriguesInstituto Piaget /Lisboa, UIDEF - IEUL
Margarida César, Universidade de Lisboa


Comissão Organizadora
Maura Corcini Lopes, Sérgio Niza e Jorge Ramos do Ó

In: Instituto de Educação, Universidade de Lisboa

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Violência na escola: conta-me como foi...


Convenhamos: sempre houve bullying na escola. Todos guardamos memória disso. Na escola e no emprego, na família e no desporto, nos quartéis e nas igrejas, nos partidos e, até, nos mais insuspeitos grupos de amigos... Sempre o houve, onde e quando se agregaram pessoas e se formaram grupos onde coexistem fortes e fracos, chefes e chefiados, agressores e vitimados, ou seja, sempre e quando de desenvolveram relações de desigualdade na partilha do poder. 

Em variadíssimas gerações, e por diversos motivos, os "caixa de óculos", os "pencudos", os "pés de chumbo", as "mamalhudas", os "gungunhanas", os "espinafres", os "fanhosos", os "minorcas", os "graxistas", os "dentolas", os "cabelos-de-rato", as "asas-de-corvo", os "nerd"..., sempre foram motivo de jocosidade e, logo, também vítimas de processos de exclusão e de achincalhamento, verbal e quantas vezes físico, pelos seus pares. Outras vezes, dizia a voz dos sociólogos, tudo isso até favorecia a socialização do indivíduo pelo grupo. 

Noutros tempos, pouco ou nada se sabia fora das paredes das instituições educativas; ou então, tudo se perdia entre regras de falsa etiqueta proporcionadas pela paridade e homogeneidade dos grupos sociais que tinham acesso à escola, sobretudo aos níveis de escolaridade mais avançados. Hoje, felizmente, sabe-se mais e, sobretudo, sabe-se melhor. Por exemplo, dizem-nos que 40% das crianças portuguesas são vítimas debullying. E, nesse escandaloso número, ainda nem se contabiliza a violência psicológica exercida por alguns jogos de consola, por alguns sites que as crianças e jovens visitam e até por alguns programas de televisão a que assistem, sem qualquer controlo parental. 

O que mudou entretanto? Tanta coisa! Desde logo, a democratização do acesso ao ensino (uma escola para todos) trouxe para a escola muitos jovens de diferentes culturas sociais, de diferentes "tribos urbanas", com as suas linguagens, gestos, símbolos, valores e vestuários diferenciadores em relação "ao outro" e identificadores "entre si". É que, também se sabe que o bullying se desenvolve mais quando os indivíduos são forçadas a coabitar, algumas vezes contra-vontade e noutras contranatura, no mesmo espaço e ao mesmo tempo. 

Depois, as lideranças começaram a centrar-se nos mais "desiguais" perante a maioria: a desigualdade dos que se automarginalizam face às regras, a dos manipuladores do poder, da força e da coação psicológica, a dos detentores de uma enorme capacidade de mentir e de resistir. O impacto foi de tal ordem de grandeza que gerou, em inúmeros casos, que os professores tivessem perdido a governação objetiva das instituições em que trabalham. Isto, quando não são eles mesmos a motivação e o principal alvo da violência que aí se desenrola. Todos os dias... Finalmente, tenhamos em conta que a exponencial evolução dos meios e dos processos de comunicação de massas (Internet, telemóveis, PCs portáteis, fotografia e filme digitais...) permitiu que o bullyingultrapassasse rapidamente as portas da escola, do bairro, da cidade, do país, revelando-se um verdadeiro campeão de audiências nas redes sociais da Internet - referimo-nos, claro está, ao cyberbullying, associado ao cybercrime. Nesta sociedade que tarda a reencontrar-se e onde até a imbecilidade humana tem direito à globalização; onde infelizmente não sobram exemplos de coerência e de ética; onde as famílias se constituem mais com base no "ter" do que no "ser"; onde se permite que todos os dias se destrua um pouco mais deste planeta que é a única casa de todos, não é de estranhar que desde muito cedo (98% das mães americanas inquiridas admitiram que os seus filhos, com menos de dois anos de idade, já tinham acesso e brincavam na Internet...) se incrementem as tentações totalitárias, desumanas e irracionais e que estas se sobreponham ao prazer de brincar, de conviver e de aprender com o "outro".

Por isso, hoje, a diferença situa-se na ténue fronteira da amplitude a que pode chegar a pressão dos pares sobre o indivíduo (o mal são os outros?) e da justificação que se quiser dar ao livre-arbítrio que conduz à seleção da vítima e da motivação. 

Por: João Ruivo

In: Educare

Cegueira. Aprender a viver sem uma luz ao fundo do túnel

O sotaque acentuado denuncia a proveniência alentejana de Ana Gil mal pronuncia as primeiras palavras. Chegou há menos de dois meses ao centro, depois de sofrer um derrame cerebral que lhe afectou os nervos ópticos. Aos 42 anos, a funcionária da Câmara Municipal de Sousel perdeu por completo a visão, mas os 25 dias em que esteve internada no Hospital de São José, em Lisboa, em Dezembro de 2011, deram-lhe tempo para reajustar prioridades. “Nos primeiros dias eu nem sabia se ia sobreviver. Mas a minha vontade era tanta que perder a visão foi o menos importante”, confessa.

Soube da existência do Centro Nossa Senhora dos Anjos através dos serviços sociais do hospital e candidatou-se à mesma entrevista inicial por que passam todos os utentes. A conversa serve para avaliar o estado psicológico de cada candidato e determinar se pode ser acompanhado durante alguns meses no espaço. “Para nós, o mais complicado é lidar com a depressão e o desalento das pessoas, porque isso perturba-as tanto que dificulta a aprendizagem”, confessa o psicólogo António Feliciano.

Ao cimo da Travessa do Recolhimento de Lázaro Leitão, em Lisboa, o centro dedica-se a dar uma nova esperança a pessoas que, como Ana Gil, perderam aquele que será o mais importante dos cinco sentidos: a visão. O espaço é o único em Portugal a trabalhar na reabilitação de pessoas com cegueira recém- -adquirida ou com baixa visão. Abriu portas há exactamente 50 anos e em 2011 a gestão foi transferida da Segurança Social para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Acolhe utentes de todo o país em regime de internato, com períodos que variam entre os seis meses e um ano. Ao longo desse tempo, os 12 técnicos do centro dão apoio a quem passou por uma perda súbita e irreparável. Uma perda que exige um luto, mas que não é sinónimo do fim. Ao fundo do túnel pode não haver luz, mas há uma nova oportunidade para viver.

“A tua realidade agora é outra”, disse Ana Gil a si mesma, ainda no hospital, “e o que ficou para trás ficou. Agora vais ter de encontrar soluções para enfrentar as coisas.” Nas primeiras semanas, o estado de espírito não se manteve sempre tão positivo, porque reaprender a viver quando se está a meio da vida é duro e a angústia acaba por ocupar o seu lugar. Mas para a utente mais recente do centro a adaptação à nova realidade foi rápida e em poucos dias ela passou a conhecer os cantos à casa. Porque é “uma pessoa despachada”, agarrou-se à aprendizagem das tarefas que são para si mais importantes: a informática – porque quer “voltar à actividade profissional que tinha” – e a mobilidade.

PRIMEIROS PASSOS Ana Gil é acompanhadas nessas áreas por técnicos especializados, como Ana Henriques, professora de Iniciação às Técnicas de Informação e Comunicação (TIC 1). Em voz alta, a professora dita, palavra a palavra, aquilo que deve ser escrito pelos dois utentes que naquela aula têm a primeira aproximação ao computador. Sentados em duas secretárias lado a lado, guiam os dedos pelo teclado com a ajuda de duas marcas que assinalam as letras E e J e que servem de referência para todas as outras. No ar, com a voz de Ana Henriques ressoa uma outra, metálica, que sai das colunas. O software de reconhecimento do ecrã serve de guia para os alunos e é a única forma de saberem os passos a dar quando estão frente ao ecrã. O computador representa a maior janela para um mundo fora da realidade rotineira. “Para uma pessoa cega, ter um computador com acesso à internet é estar acompanhada estando sozinha”, explica Arménio Nunes, professor de TIC 2. Ali os utentes “aprendem tudo o que precisam de saber fazer no correio electrónico, utilizam o Skype e o Messenger e navegam na internet”.

Para quem não esteja no centro, e não frequente acções de formação profissional, Arménio Nunes desenvolveu, há dez anos, o Programa de Apoio em Autonomias de Tecnologias de Informação e Comunicação. Um projecto que funciona como sistema de ensino à distância. A partir do gabinete, onde também dá aulas, responde actualmente a dúvidas de 17 alunos, uns do Porto outros dos Açores, e há até quem lhe escreva dos Estados Unidos. Garante que o prazer que tem nesta actividade vem de quando sente “as pessoas ficar mais contentes, a comunicar e com o amor-próprio a subir”.

AUTONOMIA A disposição dos alimentos no prato é guiada pelos ponteiros do relógio. A carne vai para as três horas, a salada ou os legumes para as 12 e o arroz ou as massas ficam entre as oito e as nove. Uma acção simples, como pôr a mesa, exige o mesmo método e rigor que todas as tarefas do quotidiano para quem, como Tânia, não tem o recurso da visão. Hoje tem 19 anos e chegou a Portugal em Novembro, ao abrigo de um protocolo para a área da saúde entre o Estado português e as antigas colónias. Os primeiros sinais de que algo não estava bem com os seus olhos apareceram quando era ainda uma criança de sete anos. Entretanto perdeu a quase totalidade da visão e tenta reaprender a naturalidade das actividades que antes realizava com simples recurso aos olhos. “Encaramos isto como uma escola, mas onde tem de haver tempo para a interiorização e para a reflexão, porque aceitar que se vai ficar cego para a vida é complicado”, diz Ana Magalhães, directora do centro desde Março. A reabilitação de cada utente é encarada de forma personalizada, com as suas necessidades e os momentos próprios de evolução, porque “é preciso tempo para pensar, é preciso dar espaço às pessoas para interiorizar as aprendizagens, algumas delas muito duras”.

Uma das maiores barreiras é a da falta de mobilidade. Alguns utentes chegam ao centro depois de meses limitados aos ambientes mais familiares, deslocando-se entre o quarto, a sala e a cozinha das suas casas. Readquirir o sentido de orientação, as noções de espaço e o equilíbrio são alguns dos principais momentos de aprendizagem após a perda da visão. Judite Martins esteve dois anos “presa à casa”, depois de um deslocamento da retina ter encerrado um processo de vários anos, entre perdas e recuperações da visão. A ex-utente interrompe por momentos a leitura em braille de um conto infantil – técnica que aprendeu no centro – para recordar os 12 meses que passou em reabilitação: “Fui à luta e aprendi tudo. Se no fim-de-semana tiver dez pessoas em casa”, diz com orgulho, “cozinho para todos sem precisar da ajuda de ninguém.”

“Há uma reaprendizagem para a vida”, sublinha Sónia Grilo, a mais recente técnica do centro, que faz o acompanhamento das aulas de actividade motora, piscina e mobilidade. Numa antecâmara da capela transformada em ginásio, a professora utiliza a recriação de um jogo de bowling para treinar a orientação com os utentes. Colocados numa ponta da sala, lançam pelo chão uma bola especial, com pequenos guizos no interior, tentando acertar com a direcção de onde veio o comando de voz de Sónia Grilo. Aplicados à vida quotidiana, exercícios como este vão permitir distinguir a proveniência de sons e ajudar a que as pessoas voltem a orientar--se no espaço.

“Os utentes que passam pelo centro podem sair daqui com um grau de autonomia satisfatório”, assegura o psicólogo António Feliciano. No entanto, há limitações que nunca serão ultrapassadas, “porque em termos de mobilidade as pessoas podem aprender a movimentar-se e a utilizar os transportes públicos, mas, excepto em casos excepcionais, ficam limitadas aos mesmos percursos”. O acompanhamento psicológico é, por isso, essencial para lidar com as frustrações que surgem com o processo de reabilitação, como o momento em que se começa a usar a bengala. Porque representa para o próprio uma limitação que não existia e porque se perde o anonimato perante a sociedade, apresentando quem não vê como alguém diferente.

“Para nós o mais complicado é lidar com a depressão e o desalento das pessoas, porque isso perturba-as tanto que dificulta a aprendizagem”, mas “como estão ocupadas e em contacto com outras, rapidamente surge uma esperança”, explica António Feliciano. Conseguir movimentar-se é um passo fundamental na conquista de autonomia, mas há outras tarefas do dia-a-dia que têm de ser trabalhadas. Na aula de Actividades da Vida Quotidiana – Competências Sociais, a aprendizagem de Tânia vai muito além de pôr a mesa. Ao passar os dedos por uma moeda de dois cêntimos apercebe--se de que há um veio a meio – “parecem duas moedas coladas” – que a distingue das outras. O truque para as notas é dobrá-las ao meio, enrolá-las em volta do indicador e unir as pontas por cima do dedo. A quantidade de papel que sobra, em função do tamanho de cada nota, permite perceber o que tem nas mãos. Um processo simples, embora demorado.

FUTURO LÁ FORA Foram precisos alguns anos de “reclusão” para que Paulo Almeida se “ambientasse à ideia” e aceitasse a nova fase da vida em que se encontra. Hoje garante que “quer fazer tudo o que fazia antes de perder a visão”. Prova disso é a exposição de fotografias que apresentou na cerimónia do cinquentenário do centro dos Anjos e que agora preenche as paredes do refeitório. Imagens captadas nos últimos dois meses, já como utente da instituição.

O prazer da fotografia é uma forma de preparar novos projectos, porque a vida fora do centro vai continuar quando estiver concluída a reabilitação: “Gostava de fotografar Lisboa da minha perspectiva, a perspectiva de alguém que não vê.” Outro objectivo que gostaria de alcançar seria tirar um curso de massagista, que lhe permitisse ter uma actividade regular mais tarde, porque “não existem muitas saídas para quem não vê”. “Daquilo que tenho verificado em experiências anteriores, é muito difícil recolocar as pessoas no mercado de trabalho”, lamenta Ana Magalhães, que tem sentido as dificuldades acentuarem-se nos últimos meses, com o agravamento da situação económica do país. “Neste momento há um grande vazio no mercado de trabalho”, aponta Sónia Grilo, o que dificulta a motivação dos utentes, pela falta de perspectivas. “Se nós temos de dar 100% no trabalho, eles têm de dar 5000% para mostrar que nunca falham”, defende a professora. “Depois de se conseguir renascer é voltar a matar a pessoa”, conclui a professora. “Por outro lado”, lamenta Paulo Almeida, “existem algumas leis no nosso país que não são cumpridas pelas empresas”, o que torna impossível o acesso a determinados postos de trabalho. “A sociedade trata-nos como uns coitadinhos, mas não me revejo nesse estatuto” porque “tenho tanto valor como uma pessoa que tenha todas as suas capacidades”, diz.

A par da marginalização profissional, ressalta dos testemunhos a sensação de alguma insensibilidade e incompreensão por parte da sociedade. Depois de se movimentar pela cozinha do centro, enquanto preparava o almoço para aquele dia – uma das actividades que ali se desenvolvem –, Teresa Rascão observou: “As pessoas querem ajudar e a primeira coisa que fazem é agarrar-nos no braço. Isso é errado, porque acabam por deixar-nos num espaço que para nós é vazio. Ficamos sem referências.” A experiência leva-a a defender que “toda a gente devia aprender como se agarra uma pessoa cega e como se deve caminhar em simultâneo com ela”, para evitar alguns acidentes que acabam por acontecer. Outro problema, destaca Paulo Almeida, são os passeios, que “não estão preparados para pessoas cegas”. Caixas de electricidade, carros nos locais errados e postes baixos no rebordo dos passeios são outros exemplos daquilo que, para quem não vê, representa um perigo eminente.

Actualmente há 14 pessoas em lista de espera para integrar o Centro Nossa Senhora dos Anjos e Ana Magalhães sublinha a disponibilidade da instituição para trabalhar com músicos ou estudantes da área que promovam actividades no local, pelo “papel lúdico-terapêutico” que a actividade representa. Para mais tarde está a ser pensada a abertura de apartamentos para residências individuais, que permitam trabalhar a autonomia dos utentes da instituição.

In: I online

sexta-feira, 22 de junho de 2012

A HISTÓRIA DO MIÚDO QUE SE CHAMAVA ELÁSTICO

Era uma vez um miúdo chamado Elástico que, na verdade, é um nome estranho para gente.

O que era ainda mais curioso é que o Elástico parecia mesmo um elástico, quando puxavam por ele esticava-se, esticava-se, ficava mesmo tenso. Quando o deixavam tranquilo, retomava o seu estar, calmo, como são os elásticos quando não estão esticados.

As pessoas não se davam conta de como o Elástico se sentia quando o esticavam.

Os pais, por desentendimento sem retorno, separaram-se, seguiram narrativas diferentes e ambos, por gostarem do Elástico, puxavam-no para si.

E ele, o Elástico, sentia-se puxado, ora por um ora por outro e ficava tenso, muito tenso mesmo.

Mas os pais, muitos são assim, quando se perdem deles não se querem perder dos filhos e, por medo de que isso aconteça, puxam muito pelos filhos, pelo que puxavam pelo Elástico.

Ele, muitas vezes, sentia-se mal, já quase nunca estava calmo, estava quase sempre tenso. Os pais, quanto mais o percebiam triste menos o percebiam a ele, só pensam em si, pais, e assim puxavam ainda mais por ele, para si.

Um dia, estão a adivinhar, o Elástico partiu-se. Os elásticos mesmo quando parecem fortes acabam por partir. Ou porque secam, ou porque a tensão foi demais.

Texto de Zé Morgado

O que é que isso interessa? Não sai no exame - Daniel Oliveira

Num país com baixos índices de escolarização e altos níveis de iliteracia, os pais tendem a confundir a preparação, a cultura e o conhecimento dos seus filhos com as notas que eles têm em exames. Este "conhecidómetro" instantâneo transformou-se no alfa e no ómega do nosso sistema educativo. Pouco interessa o que realmente se aprende na escola e qual a utilidade do que se aprende para o desenvolvimento intelectual, cultural, técnico e emocional (desculpem, "emocional" não, que é "eduquês") da criança (desculpem, "criança" não, que é "piegas") e do adolescente. A escola tem apenas uma função: preparar para os exames.

Um pai um pouco mais exigente, que tente acompanhar os estudos do seu filho, depara-se sempre com a mesma avassaladora e pragmática resposta: "pai, isso não me interessa, não sai no teste"; "mãe, não é assim que está no livro". A nossa escola promove duas coisas: a completa ausência de sentido crítico e a capacidade de memorização. Não desprezo a segunda, muitíssimo longe disso. Mas, se não me levarem a mal, não chega.

Na escola portuguesa também se despreza cada vez mais a capacidade de desenvolver projetos, em grupo ou individualmente, promove-se pouco o desejo de ir mais longe do que é debitado nas aulas e dá-se muito pouco valor à expressão oral. Depois de centenas de exames, um aluno com excelentes notas pode acabar a escola sem saber desenvolver oralmente uma ideia e sem conseguir argumentar num debate. Porque o essencial da avaliação é feita através de provas escritas, sem consulta, e iguais para todos.

Compreende-se esta opção: é aquela que melhor serve o raciocínio do burocrata. E para o burocrata a exigência não se mede por o gosto por aprender (ui, o que eu fui escrever!) e pelo desenvolvimento de capacidades que são forçosamente diferentes, de pessoa para pessoa. O burocrata abomina, pela sua natureza, as variações que lhe estragam os gráficos.

Os testes e exames não servem para avaliar o que se aprendeu nas aulas e fora delas, as aulas é que servem para os alunos se prepararem para os testes e exames. E avaliados de uma forma que, com raríssimas exceções, nunca mais vão voltar a experimentar na sua vida. Nunca mais, em toda a minha vida, me tive de sentar numa secretária e despejar por escrito o que, como a esmagadora maioria dos alunos, tinha decorado uns dias antes.

O ministro Nuno Crato passa por um reformador. Porque alguém meteu na cabeça das pessoas que há uma qualquer relação entre a "escola moderna" (um movimento pedagógico considerado libertário) e as práticas e teorias em vigor nas escolas públicas e no Ministério da Educação. Na realidade, a escola sonhada por Nuno Crato é muito próxima da escola que realmente temos. Ele apenas decidiu agravar todos os seus vícios: a "examinite" aguda, o domínio absoluto do que a gíria estudantil chama de "encornanço" e o predomínio burocrático da avaliação como princípio e fim das funções do ensino. Lamentavelmente, como poderemos ver comparando o nosso sistema educativo com os melhores da Europa - o finlandês, por exemplo, que tem os melhores resultados no mundo apenas tem, que eu saiba, um exame no fim do ensino secundário -, este sistema não prepara profissionais competentes, pessoas interessadas e cidadãos conscientes. Este sistema burocrático, pensado por burocratas, apenas forma excelentes burocratas.

Nuno Crato já tinha criado os exames no final do 2º ciclo e, absoluta originalidade em toda a Europa, no final do 1º ciclo. Promete agora a introdução de mais exames nacionais, no final de cada ciclo, em mais disciplinas. Não tenho a menor dúvida que a medida é popular. Popular entre muitos pais, que podem ver as capacidades dos seus filhos traduzidas em números, sem terem de acompanhar o que eles realmente sabem. Popular entre muitos professores com menos imaginação que têm assim metas bem definidas, sem a maçada de trabalhar com a singularidade de cada aluno.

A escola, como uma fábrica de salsichas, é o sonho do ministro contabilista, do professor sem vocação e do pai sem paciência. Não vale a pena é enganar as pessoas: não se traduz em qualquer tipo de "exigência" (uma palavra com poderes mágicos, capaz de, só por ser dita, transformar a EB 2 3 de Alguidares de Baixo no Winchester College) nem em mais qualificação profissional e humana dos jovens portugueses. Os países que conseguiram dar à Escola Pública essa capacidade seguiram o caminho oposto. Aquele que Nuno Crato abomina.

In Expresso

Via: Ensino Privado

Formação em Epilepsia para profissionais de educação

A EPI-APFAPE – Associação Portuguesa de Familiares, Amigos e Pessoas com Epilepsia, é uma instituição particular de solidariedade social, de âmbito nacional de e para pessoas com epilepsia que trabalhará na melhoria da qualidade de vida destas e das pessoas que cuidam delas.

Neste sentido, vem por este meio dar a conhecer a sua excelência o Projecto Escola Amiga da EPI.

O Projecto ESCOLA AMIGA DA EPI pretende dotar as Escolas de Ensino do 1.º, 2.º, 3.º Ciclos Regular e Ensino Secundário, bem como, Escolas de Ensino Especial de condições adequadas para integrar alunos com epilepsia. Face à pouca formação dos agentes educativos e dos estudantes sobre a epilepsia pretende-se a implementação de um Programa de Intervenção nos Agrupamentos de Escolas composto por:

- Formação em Epilepsia para profissionais de educação;

- Formação em Epilepsia para a turma do aluno com epilepsia.

Em Portugal, estima-se que existam cerca de 50.000 pessoas com epilepsia. Todos os anos surgem cerca de 5000 novos casos, na sua maioria crianças e adolescentes. Embora muitas crianças com epilepsia não revelem dificuldades no desenvolvimento psicossocial e cognitivo, alguns estudos indicam que a epilepsia pode estar associada a problemas de comportamento e aprendizagem.
Estas dificuldades são frequentemente ampliadas pelo preconceito e pelo estigma que derivam do desconhecimento sobre a doença e do desconforto perante as crises epilépticas.
A sensibilização para a epilepsia no contexto escolar revela-se especialmente importante pois é na escola que as crianças passam a maior parte do seu tempo e desenvolvem as competências psicossociais.

Para além disso, sabe-se que professores bem informados sobre a epilepsia poderão ser mais capazes de potenciar o desempenho dos alunos com epilepsia, de desfazer crenças e mitos profundamente errados sobre a doença e de mitigar os efeitos do estigma, usando a influência significativa que têm sobre os alunos para lhes transmitir conhecimentos e atitudes adequadas face à doença.

Os professores podem ter ainda um papel ativo no diagnóstico precoce da epilepsia e no acompanhamento dos alunos com epilepsia, fornecendo aos pais e médicos assistentes informações sobre os tipos de crises e aspetos do comportamento que podem estar associados à medicação anti-epiléptica e ou impacto psico-afectivo.

Documentos adicionais:

Folheto Informativo - Projecto ESCOLA AMIGA DA EPI: FolhetoDivulgacao_Epilepsia.pdf (971,84KB)

Ficha de pedido de Ação de (IN)Formação - Projecto ESCOLA AMIGA DA EPI: FichaInscricao_Epilepsia.pdf (180,71KB)

In: DREC

terça-feira, 19 de junho de 2012

Constança, disléxica, não conseguiu concluir o exame de Língua Portuguesa

Notícia de ontem do jornal Público refere que a aluna Constança não conseguiu concluir o exame de Língua Portuguesa do 9.º ano.

O Senhores do Ministério se tivessem o mínimo de consciência a esta hora estariam com ela bem pesada!!!

Relembro que o pedido ia no sentido de ser lido o enunciado do exame e que o mesmo ia fundamentado por relatórios de quem conhece realmente a aluna. Mais, a aluna realizou provas no 6.º ano com as mesmas condições.

Mas para mim levantam-se aqui algumas questões uma vez que o Júri Nacional de Exames veio argumentar que existem escolas que "facilitam" na leitura de enunciados, assim como um exagero nos "diagnósticos". E é aqui que está o problema central de todo este caso e que me custa muito a perceber.

Se as entidades competentes desconfiam das escolas e dos diagnósticos realizados existem serviços de inspeção para regularizar essas situações. Não se pode tomar medidas que causam um impacto verdadeiramente nefasto para a vida de crianças/jovens. Para além de que não é possível tomar medidas "chapa 4" para todos os casos, até porque cada aluno é um caso único e dentro da mesma problemática existem muitas diferenças.

Estas políticas de educação defendidas por quem não conhece a realidade escolar apenas vem reforçar a desconfiança que esses senhores dos gabinetes têm em quem realmente se interessa pela educação de crianças e jovens.


Documento MEC-MONITOR

Foi conhecido ontem o documento com o ponto de situação das medidas implementadas e a implementar nos próximos tempos pelo Ministério de Educação e Ciência.

Apenas saliento as imagens respeitantes à Educação Especial.


Através de: Blog DeAr Lindo

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Exames 2012: Mensagem n.º 11/JNE/2012 - esclarecimentos

O JNE emitiu nona informação. A Mensagem n.º 11/JNE/2012 contém esclarecimentos que devem ser lidos.

Pena é que os exames estão em curso. Deveriam ser mais céleres.

Os esclarecimentos são sobre:

- As folhas de prova e preenchimento do cabeçalho;

- Hora de início das provas;

- Instruções para a realização das provas;

- Provas de equivalência à frequência;

- Exames de desenho A (706) e geometria descritiva A (708);

- Provas dos alunos com necessidades educativas especiais de caráter permanente.

Através do Blog: ad duo

Contra as turmas de nível

Muito se tem falado sobre a possibilidade de formação de turmas de nível, o nome que se dá hoje em dia àquilo que nos meus tempos de estudante se aplicava apenas a filas de cada turma: a "fila dos burros" e a "fila dos inteligentes". A criança que eu era na altura, apesar de ter a sorte de estar na segunda dessas filas, achava degradante esta distinção e sentia revolta por ver colegas minhas (as turmas não eram mistas) assim discriminadas e humilhadas.


Hoje sou adulta e sou professora. Continuo a sentir da mesma forma relativamente à diferenciação dos estudantes em turmas de nível. Promoção de condições de aprendizagem? Não me parece que seja esse o seu resultado. Discriminação e rotulação são consequências certas. Vejamos um pouco mais pormenorizadamente algumas das consequências.


A formação de turmas de níveis de conhecimento provoca uma segregação nas escolas e um espírito competitivo, individualista e até egoísta. Aos níveis de conhecimento vêm, com muita facilidade, associados os níveis de comportamento e também a proveniência social. A estratificação vai-se consolidando e a escola para todos, que deveria suprir as carências que as crianças encontram na sociedade, cada vez menos cumprirá essa função e cada vez mais reproduzirá e agravará as diferenças. É inquestionável que a escola tem uma linguagem e uma cultura mais próximas da das classes sociais mais favorecidas, o que faz com que as crianças delas provenientes tenham, à partida, mais condições de sucesso.


A criação de turmas de nível cria expectativas relativamente ao sucesso dos seus estudantes, tanto neles próprios, como nos professores ou nas famílias. É o chamado efeito de Pigmalião, estudado por psicólogos americanos, que concluíram que as expectativas dos professores influenciam os resultados dos alunos (para o bem e para o mal). Ideia idêntica é transmitida pelo conceito de profecia autorrealizada, que explica que, se as pessoas acreditam em algo, mesmo que não seja verdadeiro, atuam como se o resultado fosse inevitável e ele acaba por se concretizar. Quem nunca ouviu pais explicarem que os seus filhos não são bons a Matemática porque eles próprios e toda a família sempre foram "burros para as contas"? E a profecia da família vai-se autorrealizando, porque a criança não acredita nas suas possibilidades de obter sucesso.


Em turmas de nível muito fraco, os alunos perdem a possibilidade de aprenderem uns com os outros. Nesse processo de aprendizagem interpares, beneficiam os alunos mais bem-sucedidos e os que têm mais dificuldades. Muitas vezes, a linguagem dos pares é mais próxima e mais clara, pelo que os que têm dificuldades conseguem resolvê-las; quem explica também beneficia, pois a matéria torna-se-lhes mais clara. Se alargarmos os benefícios para além das aquisições académicas, vemos que os estudantes desenvolvem competências de comunicação, espírito de solidariedade e de entreajuda, por exemplo.


Não são apenas os alunos de fraco rendimento que são prejudicados pelas turmas de nível. Nas turmas de alto rendimento irão existir estudantes antes considerados bons que não vão conseguir estar ao nível dos melhores, gerando-se fenómenos de falta de autoestima e desinvestimento escolar.


Há ainda a acrescentar que a formação destas turmas tem em conta os resultados das aprendizagens e não o processo e o progresso.


É certo que o MEC tem referido modelos como o "Turma Mais" e o "Fénix", que têm servido de argumento para a possibilidade de surgimento de turmas de nível. Contudo, estes projetos surgiram em contextos específicos, com apoios de instituições universitárias e com condições que não serão, certamente, aquelas que serão proporcionadas às escolas no próximo ano letivo, que já traz a promessa de turmas maiores e de menos espaços de apoio aos alunos (ex.: desaparecimento do Estudo Acompanhado e da Formação Cívica).


Por fim, gostaria de salientar que turmas organizadas por níveis favorecem a estratificação social e a reprodução de conhecimentos para serem debitados em exames, não promovendo a formação global do cidadão capaz de cooperar e de interagir numa sociedade heterogénea, como é aquela em que vivemos.

Por: Armanda Zenhas

In: Educare

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Inclusão Essencial e a Inclusão Eletiva


Por vezes, nós, os profissionais que lidam com a educação e a inclusão social das pessoas que necessitam de respostas diferenciadas para as suas necessidades singulares, somos desafiados pelos limites que a inclusão pode ter. E estes limites dizem muito sobre o conteúdo… (não é verdade que o conteúdo se define pelas fronteiras do que é e do que não é?)

Falarei de um limite que frequentemente leva a animadas e veementes trocas de opiniões. 
Este limite é estabelecido pelas respostas à seguinte questão. Até que ponto a existência de organizações e estruturas criadas para pessoas com deficiência (PCD) são contra a inclusão?

Antes de mais cabe lembrar que em 2006 num livro que organizei (“Investigação em Educação Inclusiva”) defendi a ideia que me parece pertinente e atual sobre a existência de dois tipos de inclusão: a inclusão essencial e a inclusão electiva. A primeira refere-se à urgência que os instrumentos básicos de participação social sejam assegurados às pessoas com condições de deficiência (PCD) sem qualquer discriminação. Falamos da participação ao nível da acessibilidade, do acesso à informação, à cultura, ao lazer, à Educação, à Saúde, ao emprego, etc. Sem esta inclusão essencial não é possível discutir qualquer opção subsequente. Trata-se dos direitos humanos e sociais obviamente universalizados e abrangendo as pessoas com deficiência.

Mas existe outra dimensão que não pode ser esquecida: as PCD têm direito a associarem-se como entendem e com a sua total e inalienável liberdade. Quem poderá dizer às pessoas surdas que não se devem juntar em clubes ou organizações próprias? Quem poderá dizer que as pessoas com PEA ou qualquer outro tipo de dificuldade não se poderão associar e desenvolver atividades próprias e destinadas em exclusividade aos seus membros? Quem me poderá impedir de estar, compartilhar a vida com as pessoas com as quais me sinto mais identificado? A isto chamamos a inclusão electiva no sentido em que a pessoa depois de ter assegurada as condições básicas de participação social a todos os níveis (inclusão essencial) pode optar por formas mais restritas, especializadas e situadas de participação dependente da sua motivação e projeto de vida. Precisamos assim de continuar a lutar denodadamente para que as PCD tenham todas as condições da Inclusão essencial para que livremente possam optar pelas modalidades de inclusão eletiva. Cada vez mais se torna essencial que esta inclusão essencial seja assegurada até por uma razão muito simples: não posso chamar “electiva” à opção que a pessoa é obrigada a fazer. Assim por exemplo se a resposta que a sociedade (saúde, educação, emprego, etc.) dá às PCD é claramente insuficiente ou de má qualidade, esta má qualidade inviabiliza que seja feita uma verdadeira escolha. Precisamos assim que as condições básicas de participação, inclusão, equidade e cidadania estejam asseguradas e aí sim… haverá uma verdadeira possibilidade de escolha de eleição do modelo que cada pessoa considera melhor para o seu desenvolvimento.

A questão acima parece pois poder ser respondida de forma simples: a criação de estruturas para serem frequentadas por PCD não é em si, contra a inclusão; é sobretudo um aviso que as estruturas de inclusão essencial precisam de ser melhoradas e que, sem esta melhoria, é natural e compreensível que outras soluções – ainda que menos dinâmicas, mais restritivas e “fechadas” proliferem. A questão central é pois, temos que continuar a melhorar a resposta que as estruturas regulares dão às PCD e às pessoas com dificuldades. Este é o caminho da inclusão essencial e muito caminho falta ainda percorrer para que se possa dizer: não é preciso qualquer estrutura “especial” tudo está assegurado e com qualidade pelas estruturas regulares.

Por: David Rodrigues
Presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial

In: Newsletter da 1ª Quinzena de junho de 2012, da Associação Nacional de Docentes de Educação Especial

terça-feira, 12 de junho de 2012

Segurança Social retira subsídio de invalidez a paralímpico sem mão

O nadador David Grachat nasceu sem a mão esquerda e recebia um subsídio vitalício por isso, mas o Estado agora diz que já não é inválido 

A frase “o Estado dá com uma mão e depois tira com a outra” seria um resumo cruel da situação actual do nadador paralímpico português David Grachat: já representou o país nos Jogos Paralímpicos de Pequim, em 2008, vai voltar a fazê-lo este ano em Londres e até recebe uma bolsa paralímpica de 320 euros mensais para treinar, financiada pelo Estado. O problema é que, ao mesmo tempo, deixou de ser considerado inválido pela Segurança Social, tendo perdido o subsídio de invalidez vitalício que recebia desde os 14 anos. David nasceu sem uma das mãos.

“Não faço isto por causa do dinheiro, mas por ser um direito meu, que deixou de ser respeitado sem qualquer justificação ou lógica por parte do Estado”, diz ao i o atleta, que actual- mente treina seis horas diárias para tentar bater os seus recordes de natação e levar a bandeira portuguesa a fazer boa figura, a partir de Agosto, no pódio londrino dos atletas com deficiência. David Grachat quer reaver o seu direito ao subsídio e “um pedido de desculpa pelo sucedido”.

A indignação do atleta faz sentido: em Janeiro de 2011 deixou de receber os 115 euros mensais de subsídio, atribuídos desde 2002 em regime vitalício, por um grau de invalidez de 60% causado por uma deformação congénita, que o levou a nascer sem a mão esquerda.

E assim começou o calvário. David Grachat enviou várias cartas a contestar o corte inexplicado de subsídio, até que em Junho foi a uma junta médica, onde se constatou que “ainda não me tinha crescido a mão esquerda, como é óbvio”, explica o atleta. Mas este “óbvio” afinal não o era assim tanto, pois em Novembro recebeu uma carta da Segurança Social a dizer que o pedido do subsídio tinha sido “indeferido por não ser portador de deficiência”. O i tentou obter uma reacção da Segurança Social, mas tal não foi possível até ao fecho desta edição.

“Esta luta não é só minha”, diz David Grachat, referindo-se à página pessoal do Facebook, onde na sexta-feira passada fez a denúncia do seu caso. Ali o caso espoletou vários comentários de apoio, muitos deles também a referir casos de deficientes com situações similares na Segurança Social.

Para David Grachat, “todo este caso é muito triste, pois era preferível que um cidadão não tivesse de ir para a comunicação social denunciar estas situações”.

“GRAÇAS A DEUS NASCI ASSIM” A natação entrou na vida de David por causa da deficiência congénita. Aos dois anos, a mãe apostou neste desporto “para reforçar os músculos e ganhar mais à vontade”, conta David, que tem um discurso muito positivo sobre a sua deficiência: “Costumo dizer que graças a Deus nasci assim, pois nunca soube o que é ter a mão esquerda e por isso nunca me fez falta.”

Participa em competições desde 1999 e destaca vários recordes que já bateu na sua categoria ao longo dos anos. “Em 2006 bati dois recordes europeus e fui vice-campeão da Europa em 2009. A par da natação, David está no curso de Ciências do Desporto na Faculdade de Motricidade Humana.

In: I online

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Políticas educativas: continuar a apostar nas medidas remediativas ou atuar preventivamente?

A escola não é só um espaço de escolarização é também um espaço de socialização e de desenvolvimento, e não foram as crianças ou as famílias que o ditaram, foi a evolução social e a sua ratificação legislativa.

A implementação da escola de massas, a consagração do direito de acesso à escolarização a todas as crianças e jovens, através da implementação da Lei de Bases do Sistema Educativo e o recente alargamento da escolarização para 12 anos trazem indubitavelmente deveres do Estado, para com as crianças, os jovens e as famílias. 

Todos os anos, em setembro, milhares de crianças e jovens preparam-se para iniciar mais um ano letivo. A escola será durante 10 meses o seu espaço privilegiado de vida, aí as famílias e a sociedade em geral esperam que eles aprendam novos conteúdos científicos, mas que também aprendam a viver em conjunto, os valores da comunidade, que aprendam a gerir as suas emoções e os seus comportamentos. Por isso, a escola não é só um espaço de escolarização, é também um espaço de socialização e de desenvolvimento, e não foram as crianças ou as famílias que o ditaram, foi a evolução social e a sua ratificação legislativa. Este papel que o Estado foi assumindo no crescimento e desenvolvimento das crianças e jovens exige que a escola adote um modelo de formação que seja lato, ou seja, um modelo de organização da educação que não seja exclusivamente baseado nas disciplinas científicas e nos professores como únicos atores escolares. Este modelo não poderá certamente responder às demandas de uma escola a tempo inteiro durante 12 anos. 

O insucesso escolar, o bullying, a depressão, o mal-estar docente, a indisciplina são problemas que atualmente afetam a maioria das escolas públicas e várias foram as soluções de remediação propostas para a sua resolução: aulas de estudo acompanhado, apoio ao estudo, aulas de educação para a cidadania, formação contínua de professores, aplicação de castigos. 

As questões que colocámos são as seguintes: a vida nas escolas melhorou? Conseguiram resolver-se os problemas? A resposta é sempre a mesma: não! Na realidade, estas medidas não resolveram nada, porque estas são medidas de âmbito curativo. É a aplicação do modelo médico à escola, quando a escola adoece injeta-se uma medida que se espera venha a ser curativa. Mas mesmo a medicina contemporânea defende que as medidas face aos problemas que já são conhecidos devem ser eminentemente preventivas, e não são estas medidas que tenho visto os sucessivos governos adotarem. Será que adotar medidas preventivas dos problemas não seria a melhor solução, mesmo em termos económicos? O atual Ministério da Educação tem vindo a mudar algumas das "prescrições" adotadas pelos anteriores governos, agora o foco está voltado para medidas que comprovadamente já tinham sido abolidas há muitos e muitos anos e que se foram revelando infrutíferas e que são próprias de uma escola de elites e não de uma escola de massas democrática: abolição de disciplinas de apoio ao estudo, aumento da carga horária de determinadas disciplinas científicas consideradas como nucleares, o fecho de escolas com poucos alunos, a colocação dessas crianças a muitos quilómetros de casa, o aumento do número de alunos por turma e a constituição dos mega-agrupamentos. Se realmente acreditarmos que a educação é para todos e que todos temos a ganhar com ela, então o modelo de formação tem de ser diferente. As escolas têm de ser comunidades educativas centradas essencialmente nas pessoas e nos seus contextos sociais. As escolas precisam de criar condições para um acolhimento personalizado das crianças (que já não são muitas atualmente) e não será certamente com turmas de 30 alunos que tal será conseguido. Por outro lado, temos os professores que ainda se continuam a formar e a integrar profissionalmente como especialistas disciplinares, não desenvolvendo na sua formação competências que lhes permita assumir uma identidade profissional múltipla que lhes permita responder a questões de organização administrativa, curricular, social e psicológica. Se existem profissionais especializados nestas áreas, porque é que as escolas não os integram? Será por questões económicas? E o dinheiro que se gasta com a manutenção desses profissionais no desemprego, com o insucesso repetido dos alunos, com as faltas que os pais dão ao emprego para irem tratar dos problemas dos filhos (indisciplina, depressão, vítimas de bullying), com as baixas médicas dos professores provocadas pelo burn outprofissional), com a deslocação dos alunos da periferia para os grandes centros, com a desertificação do interior do país e consequentemente com a baixa de natalidade. 

O pior de tudo é que parece que estamos sempre a lidar com um corpo social doente. Porque não apostar na prevenção antes que as medidas curativas se transformem em cuidados paliativos, não só da escola mas de toda a sociedade?

Por: Cristina Sousa

In: Educare

domingo, 10 de junho de 2012

Pré-escolar. A oportunidade para um bom começo

Há poucas oportunidades como o pré-escolar para anular a distância entre os que nasceram com tudo e os que não podem pedir aos papás que paguem o ballet, a música ou as explicações de matemática

Escolher uma creche ou jardim-de-infância será das decisões mais importantes que os pais tomam pelos filhos. Parece exagero, mas não é, garantem os especialistas. O pré-escolar é o princípio de tudo. É o ponto de partida que tem de arrancar bem para as crianças terem mais hipóteses de crescer e ser bem-sucedidas. Haverá poucas oportunidades como o pré-escolar para encurtar a distância que separa os sortudos dos menos afortunados, que não podem pedir aos papás que paguem o ballet, o teatro, a música ou até as explicações de matemática.

A creche e o jardim-de-infância são importantes para garantir a igualdade de oportunidades, mas isso só será verdade se oferecerem um plano educativo correcto às crianças, adverte o presidente da Associação de Jardins-Escolas João de Deus. “Um bebé oriundo de uma família muito desfavorecida ao ter acesso a uma creche com educadores de infância que sabem como estimular as suas funções cerebrais terá exactamente a mesma possibilidade de sucesso que o outro bebé, que nasceu numa família de um nível cultural e económico elevado”, defende António Ponces de Carvalho.

APRENDER A BRINCAR O pré-escolar é importante pela simples razão de grande parte das funções cerebrais do ser humano se desenvolver até aos cinco anos. Cálculo aritmético ou lógica são aptidões que se aprendem nos primeiros anos: “Mesmo a aprendizagem da leitura, sabe-se hoje, deve começar entre os quatro e os seis anos.” Boa parte do desenvolvimento do bebé depende portanto de uma educadora de infância que sabe o que está a fazer quando conta uma história ou brinca com jogos, plasticina ou folhas de papel: “É através destes estímulos que os meninos vão desen-volver as suas computações neuronais.” Sem esse bom ponto de partida, o de-senvolvimento neuronal será muito mais lento e limitado, diz Ponces de Carvalho.

É claro que nem tudo está perdido quando a criança perdeu essa oportunidade. É sempre possível aprender mais tarde. Só que nunca será com a mesma facilidade porque a estrutura cerebral perdeu a plasticidade que caracteriza a criança até aos cinco anos. E é por isso que o presidente das Escolas João Deus está convencido de que uma instituição que se limita a guardar as crianças enquanto os pais estão a trabalhar está a prestar um “péssimo serviço e a perder um tempo que é precioso para a criança crescer e se desenvolver em pleno”.

O pré-escolar é determinante não só porque ajuda a criança a crescer, mas também porque assume uma função diferente da escola básica, acrescenta o dirigente da Confederação Nacional de Associações de Pais (Confap). “Ao contrário do que acontece nos outros ciclos de ensino, em que a função dos encarregados de educação é complementar à escola, no pré-escolar há uma substituição do seu papel”, avisa Albino Almeida. Além de terem de assegurar os cuidados de saúde, a segurança, a educação e os afectos, as creches e os jardins-de-infância são os lugares onde os profissionais devem também estar preparados para detectar e despistar eventuais problemas, como dislexia, espectro de autismos, dificuldades auditivas ou de visão.

LIBERDADE DE ESCOLHA Escolher a melhor creche é no entanto uma capacidade muito limitada para os pais, defende o presidente da Confap: “Até aos três anos, não havendo oferta pública, a escolha fica muito limitada.” O resultado, explica Albino Almeida, são as “corridas desenfreadas” às instituições de futuras mamãs que querem assegurar um lugar nas escolas em que confiam: “Conseguir uma vaga depende sobretudo dos conhecimentos que se tem e das condições económicas”, diz Albino Almeida, defendendo que a escolha só acontece a partir dos três anos, em que além dos privados já existe uma rede pública de pré-escolar.

As listas de espera quilométricas são aliás o dia-a-dia das Escolas João de Deus em centros urbanos como Lisboa e Porto. “Tenho muitas crianças inscritas antes de nascerem. Damos prioridade aos irmãos e só essa regra é suficiente para preencher todas as vagas. Este ano, por exemplo, só nos três jardins-escola da capital temos milhares de candidatos”, conta Ponces de Carvalho. Por outro lado, há lugares por preencher nas zonas interiores, “o que é preocupante para um país que, sendo pequeno, encolhe ainda mais com esta concentração da população no litoral”.

Só que a liberdade de escolher o melhor pré-escolar para os filhos não se resume à maior ou menor oferta de instituições, avisa o dirigente da Associação de Escolas João de Deus.

Ao ter de optar entre público e privado, António Ponces de Carvalho questiona a possibilidade de escolher livremente quando “os pais têm por um lado de optar por uma instituição onde se paga e por outro por um jardim-de-infância que é gratuito”, remata.

In: I online

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Novo teste pode desvendar 3000 doenças no feto

Um grupo de cientistas norte-americanos conseguiu sequenciar o genoma de um feto às 18 semanas de gestação, utilizando para isso apenas uma amostra de sangue da mãe e de saliva do pai. Consequência disso é que o novo teste pode, no futuro, ajudar a detectar cerca de 3000 doenças, antes do nascimento. 

Até agora os investigadores já conseguiam ler o genoma dos fetos através do líquido amniótico. Contudo, o exame necessário, a amniocentese (uma técnica invasiva), apesar de amplamente utilizada pela medicina, acarretava alguns riscos para a gravidez.

Há dois anos um grupo conseguiu também sequenciar o genoma do bebé a partir do sangue da mãe, mas a análise revelou-se mais incompleta, uma vez que carecia de amostras paternas. A experiência ainda está confinada aos laboratórios mas, à semelhança das outras descobertas, o avanço reacende o debate sobre as questões éticas do diagnóstico pré-natal e eventuais decisões que se sucedem.

O trabalho em causa acaba de ser publicado na revista científica Science Translational Medicine e, segundo os autores, representa um grande avanço no diagnóstico pré-natal de doenças de base genética, com a grande vantagem de ser um método não invasivo. A sequenciação do genoma permite, por exemplo, detectar doenças como trissomia 21 (síndrome de Down), doença de Huntington, síndrome de Marfan, retinoblastoma, fibrose quística e uma forma da doença de Alzheimer.

O estudo foi conduzido por Jacob Kitzman e Matthew Snyder, no laboratório de Jay Shendure, da Universidade de Washington. Num comunicado, os autores adiantam que o método explorado permite uma visão mais clara do genoma, uma vez que detecta as variações mais subtis, ao incluir tanto material da mãe como do pai. Ao todo poderão ser detectadas cerca de 3000 doenças genéticas, ainda que a sua incidência média seja de apenas 1%.

Os investigadores explicam também que muitas das mutações genéticas não podem ser observadas directamente nos pais, mas sim na formação do óvulo, do esperma e na concepção, pelo que é mais útil uma leitura já durante a gestação e numa fase em que o feto já tem a sua formação avançada, como é o caso das 18 semanas.

Na mesma nota, o grupo explica que repetiu o mesmo método (análises ao sangue e saliva) num casal que já se encontrava mais perto do final da gravidez. Em ambos os casos no parto foi recolhido sangue do cordão umbilical e foi feita uma nova análise do genoma dos bebés para se comparar com a leitura feita durante a gestação, tendo os resultados sido muito satisfatórios, com uma taxa de sucesso de 98%.

Já há muito que os cientistas sabem que no sangue materno é possível encontrar amostras do ADN do feto. Apenas algumas semanas depois da concepção, cerca de 10% das células de ADN em circulação na mulher são já provenientes do bebé. Nesse sentido, vários laboratórios têm vindo a desenvolver alguns testes baseados apenas no sangue materno e que consigam, de forma segura e pouco dispendiosa, ser utilizados pelos médicos, para substituir o tradicional exame invasivo ao líquido amniótico.

A investigação agora dada a conhecer tenta ir mais longe e detectar mais doenças do que as que são comummente procuradas. “Esta solução melhorada é como ser capaz de ver que em dois livros que estão juntos num deles uma palavra numa página está mal escrita”, exemplificou Kitzman.

Durante a investigação, o grupo norte-americano conseguiu também perceber na amostra de sangue que parte da informação genética pertencia ao feto e que parte era apenas da mãe, isto é, quais eram os seus haplótipos. A molécula de ADN humano (ácido desoxirribonucleico) contém 3 mil milhões de pares de bases, sendo um par de bases um conjunto de dois nucleótidos (compostos que auxiliam os processos metabólicos) opostos e complementares na cadeia de ADN. As bases são as “letras” que compõem o ADN (Adenina, Citosina, Guanina, Timina) e ligam-se por pares.

No entanto, os investigadores alertam que a técnica ainda precisa de ser aprofundada até ser clinicamente utilizada, uma vez que é preciso trabalhar mais a interpretação de resultados, assim como os custos e autonomia do teste.

In: Público