sexta-feira, 29 de novembro de 2013

É a isto que se chama democratocracia?

Na educação vivemos um momento singular: ninguém sabe o que faz, porque o faz e, mesmo, se o faz. Se exceptuarmos os docentes, que continuam a exercer, diariamente, com sentido de profissionalidade a sua actividade (apesar de tratados como pessoal indiferenciado, desqualificado e descartável) todos os restantes responsáveis do Ministério da Educação (ME) agem com uma indigência quase malévola, raramente prevendo (à excepção das de carácter financeiro) as consequências pessoais, familiares, materiais, técnicas e organizacionais, do impacto de grande parte das suas medidas aprovadas "à la carte".

Os últimos meses têm sido, como diria o nosso povo, "um fartar, vilanagem". Basta considerar os títulos das primeiras páginas dos jornais: "Ministério quer ver professores a comprar escolas"; "Ministério tem milhões para despedir professores"; Ministério tem milhões para o ensino privado". "Quem quiser educação de qualidade, que a pague"; "A inclusão regressa ao passado"; "Professores contratados têm que pagar a sua própria avaliação".

Vale a pena citar mais?

No actual contexto, não é possível vislumbrar uma medida preditiva do comportamento do ministro, ou de um qualquer dos seus secretários de Estado, talvez porque deve haver algum efeito de indução ao "chip" cerebral, quando entram, pela primeira vez, num qualquer elevador da 5 de Outubro.

O que afirmavam antes de entrarem para o governo, já não é palavra que se cite, ou aceite, como vinda de gente coerente e fiável.

Hoje, todos eles agem nos antípodas. Mais parecem personagens erráticas de um qualquer enredo dos antigos teatros de revista em que, de uma semana para a outra, se mudava a narrativa, os cenários e os diálogos, mas os personagens permaneciam, sempre os mesmos.

A generalidade dos professores contratados foi formada em instituições de ensino superior, avaliadas a acreditadas pelo próprio Estado? Tiveram estágios profissionalizantes, tutelados por professores seniores, que assistiram às suas aulas e avaliaram e classificaram a sua actuação? A maioria deles serviu (e bem) o sistema durante décadas?

Para o ME, nada disso interessa, porque o ministério entende que toda a profissionalidade docente se reduz a uma meia dúzia de conhecimentos teoréticos e pode ser avaliada, através de uma simples prova, corrigida, avaliada e classificada, por outros docentes, os quais nem foram preparados para isso.

Se essa prova foi construída, ou não, para ter um efeito de descriminação negativa, o que interessa ao mundo? Se a malfadada prova foi, ou não, estatisticamente validada, que importância tem isso para a ciência e a fidelidade dos seus resultados? Nada, mesmo nada interessa, desde que Nuno, o Incrato, e os seus secretários de Estado metam uns tostões a mais na caixa de esmolas do Orçamento.

E, pasme-se! As instituições de ensino superior que ainda formam docentes, face a todo este cenário, remetem-se a um silêncio que as envergonha, perante tamanho atestado de suspeita incompetência que o ME lhes pretende passar!

Admiro, também, que, até hoje, ninguém se tenha dado ao trabalho de coligir o que pensavam, ministro e alguns dos seus secretários de Estado, sobre estas matérias, meses antes de subirem as escadas do poder.

Que percurso científico e académico permite, a alguns deles, a insistência no disparate constante, tão nítido no nervosismo com que, publicamente, anunciam cada nova medida a implementar, e a acrescentar ao rol do vai vem de decisões inconsequentes, mas todas elas com um objectivo certeiro: o de promover a total desarticulação organizacional da Escola Pública que tínhamos - fiável e confiável - como o provaram centenas de estudos científicos, efectuados na última década.

Diariamente lançam-se para as escolas instruções aleatórias, descoordenadas, que uma boa parte dos responsáveis regionais e locais não sabe como interpretar e aplicar. Num dia avançam--se, impensadamente, mil passos, para, no dia seguinte, se regredirem dois mil: e, em ambas as situações, sem qualquer esclarecimento convincente, do porquê do fazer e do desfazer.

Nos pais, nos alunos, nos docentes, no pessoal não docente, no conjunto da comunidade educativa, cresce a incredulidade. Ninguém dá a cara por ninguém. É o reino do "Deus dará", do desencanto, das rotinas, do tempo preenchido em deslocações, em reuniões, em burocracias redundantes, em incongruências organizacionais e, sobretudo, na produção de muito estímulo à resiliência.

Como qualquer mortal sabe, estas situações ajudam em tudo, menos à promoção da qualidade do ensino que devíamos estar a proporcionar aos nossos alunos e, logo, ao futuro do nosso país.

Na Europa, Portugal introduziu, hoje, um fenómeno invulgar e inimaginável há meia dúzia de anos atrás: os milhares de professores que ficaram desempregados e foram obrigados a emigrar ou a mudar de profissão, constituem o maior desperdício de formação e de qualificação (e aí também estamos a falar de gasto de verbas, de tempo perdido, de estruturas malbaratadas…) a que a Europa jamais assistiu, em qualquer outra profissão.

Um dia, estes (des)governantes deverão prestar contas pelo que fizeram à Escola Pública portuguesa, que com tanto custo foi erguida sobre os escombros do salazarismo. Que o tempo seja curto e o juízo justo.

Por: João Ruivo

Inclusão social no mercado de trabalho

Estima-se que cerca de 10_ da população mundial vive com uma deficiência. Segundo a Organização Mundial do Trabalho cerca de 386 milhões de pessoas em idade ativa são deficientes e nestes casos o desemprego chega a 80_ em alguns países. No debate de hoje vamos tentar perceber qual é a situação de Portugal? O que diz a legislação sobre a inclusão no mercado de trabalho de portadores de deficiência? Continua a existir preconceito em contratar estes cidadãos? Há formação adequada para quem tem alguma espécie de deficiência?

Pode assistir ao programa clicando neste link: 

In: RTP

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Pragmáticos e idealistas…

Estou a chegar de um congresso organizado  pelo  Conselho  da Europa  em  que  se  falou de “Inclusão  total  para  os  alunos com  NEE”  (em  francês  “Pleine Inclusion”  e  em Inglês  “Full  Inclusion”).   Este  congresso,  no qual  fiz  uma  conferência  foi,  de certa forma, o lançamento oficial  de  um  documento  / recomendação que foi aprovado pelo Conselho  de  Ministros  do Conselho Europeu a 16 de outubro  e  mais  tarde  aprovado no Conselho  da  Europa  sobre  este tema.  Tive também  a  oportunidade  de participar no grupo  de peritos que sugeriu ao Conselho de  Ministros  o  texto que foi aprovado.Quem estiver interessado em consultar o texto desta recomendação que o Conselho de Ministros do Conselho Europeu faz a todos os 47 estados membros pode consultá-lo em: https://wcd.coe.int/ViewDoc.jsp?Ref=CM/Rec(2013)2&Language=lanEnglish&Ver=original&BackColorInternet=C3C3C3&BackColorIntranet=EDB021&BackColorLogged=F5D383

Esta  recomendação  aos  estados membros  do Conselho da Europa  – no qual obviamente se inclui  Portugal – é  bastante clara  sobre  o  reconhecimento do direito dos alunos com deficiência  a  uma educação  inclusiva. Direito é certamente uma das palavras mais fortes e mais fundamentais  do documento. 

Os países que até agora estiveram mais distantes da adoção de políticas de inclusão, procuram lá  chegar  através  de  uma via digamos “jurídica”. A lógica é  boa  de  ver:  se reconhecermos os direitos da criança a uma  escola  inclusiva, logo, ela mais cedo ou mais tarde, virá…

A lógica é esta mas as práticas são bem distintas. Por  exemplo: países  ricos  e prósperos como a Bélgica – tanto a comunidade  flamenga com a francesa - continuam a defrontar-se com grandes barreiras jurídicas à inclusão: na Flandres acaba de ser publicada uma lei favorável à Inclusão mas que diz também que só se pode consumar a inclusão se a criança for capaz de seguir o currículo da escola (!!!). Parece muito irónico, não é? É como se disséssemos que as mulheres podem ter os mesmos direitos dos homens se…forem homens…

Uma  outra  questão  é  a  dos meios que se colocam à disposição  para  que  a  inclusão se possa desenvolver. As queixas dos países que pertencem ao clube dos mais ricos do mundo são inumeráveis: não há possibilidade de melhorar o orçamento para a Inclusão. Mas vamos  ver: se queremos  assegurar os direitos mas não organizamos  as escolas nem os recursos  para  isso, para que servem estas boas intenções (Aquelas de que o Inferno está cheio…)?

Lembro a propósito que as pessoas que defendem a inclusão são frequentemente chamadas de “idealistas” e “utópicas”. Eu acho um elogio e sempre agradecerei  que  me chamem “idealista”. É que os “pragmáticos”, aqueles que parecem estar do lado certo e afirmativo das  reformas, ao primeiro constrangimento financeiro, atiram os direitos para o dia de “São  Nunca”,  e “pragmaticamente” acalentam os valores que levam à segregação, à separação e à exclusão social.

“Idealista”  eu?  Obrigado! Com certeza  e com muitíssimo  gosto!

David Rodrigues
Professor Universitário 
Presidente  da  Pró  –  Inclusão  – Associação  Nacional  de  Docentes de Educação Especial

In: Newsletter nº 66 da Associação Nacional de Docentes de Educação Especial

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Educação Especial: Pais e mães com o sonho de uma escola verdadeiramente inclusiva

São pais e mães que têm um sonho: querem que os filhos com necessidades educativas especiais tenham direito a educação de qualidade e a viver em sociedade e lutam contra a falta de condições nas escolas.

Estes pais e mães têm um sonho: a criação de uma escola verdadeiramente inclusiva. Esse é o único caminho, porque querem que os filhos vivam em sociedade, consideram.

Marcelina Souschek, mãe de uma menina com trissomia 21, diz que esta convicção é tão forte que estão disponíveis para ir onde for preciso em defesa dos filhos e dos direitos que lhes estão consagrados.

O ano letivo começou mal para as crianças com necessidades educativas especiais e por isso os pais não têm parado: avançaram com uma carta aberta ao ministro e como não tiveram resposta no dia 8 de outubro enviaram um postal por hora para o gabinete de Nuno Crato.

Estes pais e mães queriam mostrar-lhe que as crianças com necessidades educativas especiais têm um rosto, uma família, uma história e um projeto de vida individual.

Agora decidiram juntar as queixas de pais de todo o país. Já bateram à porta dos grupos parlamentares, vão interceder junto do provedor de justiça e principalmente querem uma resposta do Ministério da Educação.

In: TSF

O que revela esta prova sobre o estar em sala de aula?

Perplexidade é talvez o sentimento mais forte que me assola ao ver o tipo de prova tornada pública. Antes porém um breve comentário sobre a sua existência.

Em nome de quê o Ministério de Educação e Ciência não coloca restrições quanto à competência para ensinar a qualquer professor contratado, podendo lecionar nas escolas públicas durante mais de uma dezena de anos? Seguindo a lógica deste ministério, será que a natureza do vínculo laboral faz olhar para a qualidade de ensino de formas distintas? Onde está o reconhecimento da formação inicial de professores realizado no ensino superior, mesmo quando sujeito a um sistema de avaliação externa?

Quanto aos objetivos que este tipo de prova pretende avaliar novas questões se me colocam. Afirma-se que se pretende avaliar “conhecimentos e capacidades considerados essências para a docência nos diferentes níveis de ensino”. Contudo, desde logo emerge a questão de saber se “a leitura e interpretação de textos de diversas tipologias, a mobilização do raciocínio lógico e do pensamento crítico orientado para a resolução de problemas em contextos não disciplinares e o domínio da expressão escrita” são capacidades que caracterizam e distinguem o desempenho da função docente de outras práticas profissionais.

Poder-se-ia dizer que são capacidades importantes em diversas profissões ditas intelectuais, como seja a docência, cargos de administração superior, medicina, magistratura, engenharia… Será que se pensa também sujeitar outros profissionais a uma prova que teste este tipo de capacidades à entrada da profissão ou é apenas para os professores? E em caso afirmativo, qual a razão?

Uma vez mais, como em tantas outras decisões tomadas, este ministério parece inspirar-se em práticas existentes noutros países, como seja o GRE (Graduate Record Examination) aplicado nos Estados Unidos a estudantes à entrada de cursos de pós-graduação, e de forma inadequada aplica-as a uma situação distinta. Note-se que, no presente caso, o que se afirma é a necessidade de avaliar as competências para a docência, a quem já nela está, e não verificar se o indivíduo tem ou não capacidades para entrar numa nova situação, neste caso de natureza académica e não profissional.

O tipo de questões nesta prova modelo merece igualmente um comentário. É sabido que existe uma forte relação entre a matemática e o raciocínio lógico. Mas será esta relação a razão para diversas perguntas recorrerem a esta ciência? Fala-se em resolução de problemas em contextos não disciplinares, mas serão eles mesmo assim? Já agora, qual a cientificidade da opção, por exemplo, de “seis erros de sintaxe” ou de “dez erros de ortografia” para considerar uma pontuação nula de uma pergunta de construção?

Esta prova parece configurar um teste psicométrico sobre as funções psicológicas e competências funcionais enunciadas. Ora, como a psicometria nos diz, a validade e a fiabilidade de um teste exige no mínimo um processo de aferição à população a que se destina e nunca se pode tomar a nota obtida como a medida absoluta. Ela deve ser sempre relacionada com os resultados obtidos na população a que se destina.

Mascarar um teste que pretende avaliar conhecimentos e capacidades considerados essenciais para a docência nos diferentes níveis de ensino com um teste psicométrico é no mínimo enganador. Mas mais importante ainda, o que se fica a saber sobre a qualidade do desempenho da função docente de um candidato que obtenha a pontuação máxima nesta prova? Se uma das características essenciais da docência hoje é também ser capaz de antecipar situações de sala de aula e agir no momento face ao inesperado, o que uma prova deste tipo nos revela sobre isso?

Por: LEONOR SANTOS

Professora Associada do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa

In: Público

Crianças de ensino especial sem condições. “É um retrocesso brutal”

Associação Portuguesa de Deficientes considera este ano lectivo “desastroso” para as crianças com necessidades educativas especiais e prevê um agravar da situação para o ano, dado o corte anunciado de 14 milhões de euros.

Cerca de três meses após a abertura do ano lectivo, centenas de crianças do ensino especial de todo o país continuam sem professores, sem terapeutas e algumas sem matrícula. “É um cenário negro”, afirma à Renascença a directora Associação Portuguesa de Deficientes Ana Sezudo. 

“Continuamos a ter alunos sem matrícula, a ter falta de professores do ensino especial, falta de técnicos, falta de auxiliares e, portanto, as crianças com necessidades educativas especiais continuam com uma falta de apoio tremenda”, acrescenta. 

A responsável não aponta um número certo, mas calcula em centenas o número de alunos afectados. Os que estão inscritos “estão a receber apoio noutros sítios, nomeadamente em instituições que têm acordos atípicos com a Segurança Social”. 

“É um retrocesso brutal, é a segregação de crianças com necessidades educativas especiais e de crianças com deficiência. Segregação e institucionalização”, critica. Este é, por isso, nas palavras de Ana Sezudo, um ano lectivo “desastroso”. 

“Há uma falta generalizada de condições nas escolas de ensino regular para apoiar crianças que tenham necessidades educativas especiais, ao nível de profissionais e de currículos. Todo o ambiente escolar não está preparado, neste momento, para dar condições específicas a estes alunos”, refere. 

“Para o ano, não se prevêem melhorias, porque já foi anunciado um corte de mais 14 milhões do Orçamento do Estado para a educação inclusiva, portanto, aquilo que se prevê é um agravamento da situação”, conclui. 

Falta de profissionais em Coimbra 
A falta de professores e terapeutas do ensino especial é comum a muitas zonas do país. No distrito de Coimbra, são quatro os concelhos afectados: Lousã, Gois, Pampilhosa e Miranda do Corvo, num total de 180 alunos com necessidades educativas especiais. 

Só na Lousã são 90 as crianças desde Setembro. Muitas delas nem têm saído de casa por falta de capacidade financeira das famílias. O autarca Luís Antunes diz não ser possível esperar muito mais pela resposta do Governo. 

Em Setembro, o ministro da Educação, Nuno Crato, garantia estar a cumprir a lei no que se refere à colocação de professores de ensino especial. 

A Renascença visitou ainda a escola EB 23 da Maia, no distrito do Porto, que continua sem especialistas para o ensino especial. Ouça o áudio.

sábado, 23 de novembro de 2013

NUNO CRATO DEVE UM PEDIDO DE DESCULPAS

Apesar do título, não tenho, evidentemente, qualquer expectativa de que o Ministro da Examinação venha pedir desculpa publicamente pela proposta de uma Prova deAvaliação de Conhecimentos e Capacidades que permita o acesso à carreira de professores a ... Professores que já são professores, com prática avaliada, há muitos anos. O modelo de prova apresentado, considerando os objectivos a que se propõe, não é uma Prova, é um insulto, daí, de novo e de forma ainda mais veemente, a exigência de um pedido de desculpas.

Nuno Crato não vai apresentar este pedido de desculpas pois tal procedimento solicita integridade ética, a humildade e a competência que nos permite perceber quando erramos, bens obviamente ausentes do património do Ministro, enquanto Ministro, naturalmente, cujo discurso é pautado pela arrogância, incompetência e manha, para além de informado por uma agenda que tem pouco a ver com a sempre presente nas suas afirmações, qualidade, rigor e excelência no que respeita à escola pública.

Não é preciso, como o Público fez num exercício que nos deixa incomodados, pedir a adolescentes ou a estudantes de Ciências da Educação para resolverem a prova na componente "escolha múltipla" (80% do valor da prova) o que fizeram com sucesso, para perceber a dimensão anedótica mas trágica na sua essência da Prova com que se pretende torturar os professores.

Também não é necessário mobilizar conhecimento muito sofisticado na área da Avaliação ou dos conteúdos e competências exigidas para a função professor. Poderemos discorrer de forma empenhada sobre outras alternativas de avaliação para candidatos à entrada na profissão ou de avaliação de professores já em função. Nada do que se pode, deve, considerar tem a mínima relação com a Prova apresentada pelo Ministro Nuno Crato. O modelo de Prova apresentado é algo de surreal, não merece, deste ponto de vista, muitos comentários, é demasiado mau o que temos para reflectir.

Não sei como todo este processo irá acabar mas tenho uma certeza. A sua realização da Prova nestes termos e circunstância corresponde a um dos mais negros episódios da política educativa(?) das últimas décadas.

Só mesmo uma fortíssima mobilização dos professores, de todos os professores, sobretudo dos que vão avaliar pois os candidatos estão numa situação mais vulnerável, poderá evitar tal desastre.
Será possível?

Texto de Zé Morgado

O INDIGNO EXAME DO MINISTÉRIO DA EXAMINAÇÃO, O GRAU ZERO DA "POLÍTICA EDUCATIVA"

Através do Blogue DeAr Lindo conheci o Guião da Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades, o exame de acesso à carreira docente a que milhares de professores com anos de experiência avaliada terão de responder.

Não sei se chore, de vergonha e embaraço, se cerre os dentes de revolta eindignação, se me ria com a bizarra e incompetente obra cuja leitura se aconselha vivamente e que desde já deveria ser peça de análise obrigatória em qualquer curso de formação de professores, justamente para ilustrar de forma muito clara o que NÃO deve ser uma prova de avaliação de Conhecimentos e Capacidades para desempenhar a função de professor.
A prova, na sua componente comum tem duas partes, 32 questões de resposta múltipla com um peso de 80% no resultado final e um item de "construção (resposta extensa orientada)", coisa fina, também conhecida por "questão de desenvolvimento" ou ainda por "redacção", com um peso de 20%.

O Guião tem ainda alguns exemplos de Itens da secção de resposta múltipla que insultam a inteligência e o conhecimento sobre o trabalho dos professores e enuncia os critérios de apreciação do Item de "construção" avisando, por exemplo, que o uso indevido de maiúsculas será punido bem a utilização do Português pois a prova deve ser escrita em Acordês. Curiosamente, mas sem surpresa, os critérios de avaliação não fazem (não podiam fazer) uma única referência aos Conhecimentos e Capacidades para o exercício da função docente, que, parece, seria o objectivo da Prova. Aliás, para exemplo aqui fica.
"São classificadas com zero pontos as respostas que não atinjam o nível de desempenho mais baixo ou quando se verifique uma das seguintes condições:

–– afastamento integral do tema;
–– mais de seis erros de sintaxe;
–– mais de dez erros inequívocos de pontuação;
–– mais de dez erros de ortografia ou de morfologia."

Falta, creio, uma referência final informando que se os meninos tiverem alguma dúvida na Prova podem esclarecê-la junto dos Setôres que vigiam os trabalhos. Não falta, no entanto, a determinação que a Prova deve ser respondida a preto, a cor do luto pelo que está a ser feito em matéria de educação e ensino público. 

Para além de todas as considerações sobre a realização da prova que aqui tenho deixado em diferentes textos, o Guião agora conhecido é, para utilizar uma expressão cara a Paulo Portas, a linha vermelha que não podia ser ultrapassada.

A Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades é despudorada e manhosa na sua intenção, é vergonhosa e incompetente na sua estrutura e modelo, insulta a competência e a inteligência, desde logo dos professores a quem se destina, e representa o grau zero da Política Educativa do Ministério da Examinação.

Não é possivel olhar para isto sem um enorme sentimento de indignação e revolta pelo despudor, manha e incompetência de quem decide.

PS - Tenho alguma esperança, na minha idade é-se optimista por condição, sou avô, acho que o Ministro Crato, à semelhança do que fazem os gaiatos pequenos quando percebem que fazem burrada da grossa, muito grossa no caso, vai dizer que "era a brincar" ou que "foi sem querer". Se tal acontecer, os professores vão entender, mesmo sem esta aberração a Prova, a grande maioria está muito bem preparada e empenhada em entender e ajudar os gaiatos, apesar do Ministro.

Texto de Zé Morgado

Carta aberta de um professor ao primeiro-ministro: não farei qualquer exame retroactivo

Não temo como nunca temi qualquer forma de avaliação, mas não me sujeito ou humilho perante este cenário a que Vossa Excelência nos quer forçar.

O meu nome é Manuel Maria de Magalhães e sou professor profissionalizado do grupo 410 (Filosofia), desde 2002. Desde então fui contratado por 13 escolas, em cinco distritos diferentes (Viana do Castelo, Braga, Porto, Guarda e Viseu). Em todas excedi sempre aquilo que me era pedido, como prova o reconhecimento, em alguns casos público e formal, que alunos, colegas, órgãos das escolas e encarregados de educação prestaram ao meu trabalho.

Em termos de formação contínua de professores desprezei sempre as acções de formação promovidas pelo ministério através das suas direcções regionais, que conjugam o verbo "encher" na perfeição, para procurar na academia a continuação dos meus estudos sob a forma de congressos ou mesmo na execução de duas pós-graduações nas áreas em que o meu grupo disciplinar se move. Em todas as escolas o meu trabalho foi avaliado, de acordo com o estipulado, tendo inclusivamente sido dos primeiros a submeter-se voluntariamente às "aulas assistidas". Em consequência das suas políticas educativas encontro-me no corrente ano desempregado e sem perspectivas de encontrar colocação nesta área, tal como dezenas de milhares de colegas meus, muitos deles com uma história profissional bem mais dura do que a minha e muitos mais anos de serviço. É neste quadro que Vossa Excelência, através do seu ministro da Educação, nos quer obrigar a fazer um exame para poder continuar a concorrer ao ensino. Era a humilhação que faltava e a maior de todas.

Ao enveredar por este caminho, Vossa Excelência está a descredibilizar todos os docentes com provas dadas nesta causa que é tomada como uma missão em prol do desenvolvimento do país. Está a descredibilizar as universidades que nos formaram e as escolas que nos avaliaram. Está a destruir a credibilidade do próprio ensino, através de uma avaliação retroactiva, sem fundamento, obscura nos seus contornos, pois até esta data pouco se sabe sobre o processo, que é mais próprio de regimes ditatoriais revolucionários do que de democracias maduras, onde todas as partes devem ser ouvidas.

Estou de acordo consigo num ponto: a Educação não está bem,apesar dos esforços de tantos, mas residirá apenas na classe docente a causa desse mal? Já reparou que todos os governos eleitos impuseram uma política de Educação diametralmente diferente dos anteriores? Já se deu conta que a Educação foi verdadeiramente uma área em que se "atirou dinheiro" para cima dos problemas na esperança que passassem? No ensino, como em muitas outras áreas, também existiu o privilégio do betão face à formação. Quantas escolas não têm psicólogos, sobretudo clínicos, que tanta falta fariam aos inúmeros casos dramáticos que assolam milhares de alunos? Que vínculos tem o Estado, através da Segurança Social, para ajudar a estabelecer pontes entre as famílias e a Escola? O que se (não) tem feito em termos de prevenção da indisciplina em ambiente escolar, seja na sala de aula ou fora dela? O que fez o Estado para promover a autoridade (não autoritarismo) do professor e do auxiliar de acção educativa que ainda é tratado, à maneira do Estado Novo, como um mero contínuo, desprezando o seu vital papel nas escolas? Construir ou renovar escolas não chega… Se quer introduzir alterações em atitudes e comportamentos dos docentes, este não é seguramente o melhor caminho. Se analisar a formação que o ministério nos disponibiliza, constatará que não tem, na maioria dos casos, qualquer interesse em termos pedagógicos. Já pensou em fomentar a ligação entre as universidades e as escolas neste sentido? Ao persistir neste caminho, Vossa Excelência encerra em si o pior modelo de docência: o do professor que obriga os alunos a uma avaliação para a qual não os preparou.

Não temo como nunca temi qualquer forma de avaliação, mas não me sujeito ou humilho perante este cenário a que Vossa Excelência nos quer forçar. Não farei qualquer exame retroactivo, imposto de forma ditatorial. Se o preço a pagar for a exclusão definitiva do ensino, assumo-o. Mais importante do que as palavras que proferimos é o exemplo que perdura. A dignidade não está à venda e não posso ser incoerente com tudo o que tenho passado aos alunos que o Estado me entregou. Ainda assim tenho a esperança que Vossa Excelência tenha a humildade (uma das maiores, se não a maior, virtude humana) de reconhecer o erro que esta medida encerra e procurar novas soluções.

Professor de Filosofia

In: Público

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

A reorganização neoliberal da escola

A reorganização neoliberal da escola, em que os alunos são vistos como “clientes”, os professores como “colaboradores”, a aprendizagem como um “produto”, o sucesso académico como um indicador de “qualidade total”, o planeamento pedagógico como “acção de empreendedorismo”, a gestão escolar como “direcção corporativa” e os pais e a comunidade como “stakeholders”, e o investimento como um “custo orçamental”, esta reorganização, dizíamos, tem destruído uma boa (e talvez a melhor) parte do edifício da escola pública, enquanto escola democrática, inclusiva e meritocrática.

O pretenso ideal de fazer funcionar uma escola sem professores reflexivos, activos e motivados, sem custos e sem autonomia, foi experimentada por todos os sistemas mais ou menos autocráticos, mais ou menos ditatoriais. Os resultados também estiveram sempre à vista: no Portugal do início da década de setenta do século passado, quase metade da população era analfabeta e apenas sete em cada cem estudantes que terminavam o secundário continuavam estudos na universidade.

Décadas de investigação científica provaram que todo o desinvestimento na educação sempre redundou num atraso do desenvolvimento social, cultural e económico desses países e que as posteriores tentativas de recuperação do “tempo perdido” se revelaram demasiado lentas e de custos agravados. Portugal, infelizmente, também conhece essa realidade: quase quarenta anos após a revolução de Abril de 1974, o nosso país continua a ter níveis de iliteracia elevados, de insucesso e abandono escolar preocupantes, taxas de diplomados no ensino superior das mais baixas da comunidade europeia, e a prova é que ainda temos muitos estudantes com mais habilitações académicas que os seus pais e com avós analfabetos.

Nos últimos anos, os nossos responsáveis pela educação têm preferido a diminuição forçada do défice orçamental, ao espontâneo desenvolvimento e crescimento dos indicadores que ajudam a definir o conceito constitucional de “escola para todos”. Mais recentemente, a actual equipa do ME tem dado claros sinais de que prefere o elitismo à universalização do conhecimento, assim como prefere a “escola académica” à “escola do desenvolvimento integral”. Tem direito às suas opções e o dever de aceitar as divergências.

A situação, por isso mesmo, revela-se-nos preocupante. Com o ataque à escola pública e ao sistema nacional de saúde, caminhamos para um grave retrocesso que nos reconduzirá a uma sociedade que privilegia a exclusão, o lucro às pessoas, a divinização do primado do privado sobre o bem público…

E tudo isto acontece em pleno desenvolvimento da sociedade do conhecimento, da globalização, que também ela é partilha da inovação e do progresso. Acontece na escola onde os actuais alunos, apesar da sua natural diversidade, provêm de uma geração “digital”, e se revelam sujeitos activos e imprevisíveis quanto ao domínio das novas tecnologias e, sobretudo, quanto ao uso dos seus meios e conteúdos…

Ou seja, numa escola que alberga uma geração em que o acompanhamento das actividades dos alunos dentro e, também, fora da sala de aula, e em que a formação parental, proporcionada por essa mesma escola se revelaria fundamental, ninguém se pode dar ao disparate de afirmar que existem recursos humanos e tecnológicos dispensáveis. Recursos humanos cuja formação especializada custou tempo, dinheiro e muito investimento em estruturas e equipamentos, e que, de um momento para o outro, se vêem desperdiçados, num país que necessita ainda de muita educação e promoção cultural.

Aguardemos, impacientemente, que os estudos venham a revelar, uma vez mais, a correlação positiva que existe entre o desinvestimento na educação e o aumento do défice sociocultural da sociedade portuguesa, deixando-nos, eternamente, na cauda dos rankings dos países em que os níveis de desenvolvimento social, científico e tecnológico, são os principais indicadores da saúde e do bem-estar das suas populações.

Por: João Ruivo

ruivo@rvkj.pt

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

A Educação e as profecias autorrealizáveis

O facto é há muito tempo conhecido nos meios da sociologia e da psicologia social. Quando se faz uma previsão sobre algo, de imediato adotamos atitudes e mesmo ações que confirmem que o que nós previmos se vai realizar.


Por vezes até se diz “Não é que eu queira, mas…”. O que interessa é que cada um de nós fica predisposto e mesmo recetivo e ativo para aceitar como natural a realização da previsão que fez. Assim, mesmo que a previsão seja falsa (quase sempre é, porque é uma ”adivinhação”), a sua realização é incentivada de forma a que a realidade a venha a confirmar. Chama-se a este fenómeno as “profecias autorrealizáveis”.

Vivemos no mundo da Educação mergulhados em profecias deste tipo, isto é, opiniões que à força de serem propaladas acabam por ajudar a criar a base material para que as falsidades se tornem verdades. Não digam que esta perspetiva é maquiavélica e conspirativa. Quem tiver dúvidas que há profecias autorrealizáveis e que elas estão no meio de nós, que leia a espantosa entrevista que um senhor chamado Fernando Moreira de Sá deu a uma revista sobre a forma como ele e mais um grupo de “notáveis” combateu a favor da eleição de Pedro Passos Coelho. É um verdadeiro tratado profético…

Na Educação, estas profecias também campeiam e o seu objetivo é que se tornem, em breve, verdades. Vou dar três exemplos de profecias autorrealizáveis em que o atual Governo acalenta de forma direta ou indireta:

a) Os professores estão mal preparados
A seguir a um despedimento numeroso de professores, começa a ser alimentada a ideia de que os professores são descartáveis e profissionais “com dificuldades” para lidar com todas as questões da escola. Um exemplo é a introdução, neste momento, de um exame para o exercício da função docente. A mensagem que passa é que “é preciso pôr ordem” na incompetência através da seleção dos melhores professores. Portanto, a profecia é que há professores a mais, que os que existem podem ser substituídos e até com vantagem porque os que agora entram até fazem um exame de acesso.

Espera-se que os professores cumpram esta profecia: isto é, se sintam cada vez mais frágeis e por isso optem por atitudes, comportamentos e ações profissionais mais respeitadoras, mais convencionais. Tudo nesta profecia desaconselha que se corram riscos, que se seja criativo, que se faça algo para além daquilo que de mais tradicional imaginamos que a educação deve fazer.

b) Uma segunda profecia é sobre os alunos
A profecia é que os alunos são “completamente diferentes” de antes: são mais mal comportados, mais preguiçosos, menos preparados e menos motivados para a escola. Pessoas como eu, que são professores há várias décadas, não estranharão esta profecia: na verdade sempre ouvi os meus professores e os meus colegas professores dizer a mesma coisa: os alunos já não são como dantes… A profecia é que a escola não é capaz de lidar com todos os alunos. E a culpa disto é… dos alunos que são “completamente diferentes”. Coitadas das escolas incapazes de lidar com estes “índios” e a fazer o que é possível… Não nego – e conheço bem escolas muito problemáticas – que há comunidades em que os alunos são muito difíceis de ensinar.

Neste caso, os alunos também se sentem implicados nas tais profecias autorrealizáveis: “Dizem que eu não aprendo, então não vou mesmo aprender!” A questão é que não se pode colocar o ónus só nos alunos, mas pensar que estas escolas têm absoluta necessidade de mais meios, de mais consultoria, de mais apoio para poderem educar e ensinar alunos sobre os quais foi feita uma profecia de falhanço.

c) Uma terceira profecia é sobre a preparação das escolas para lidar com as dificuldades na aprendizagem
As escolas não têm possibilidade de lidar com alunos com dificuldades (eles atrasam os outros) e com deficiência (deviam ir para escolas “especiais”). Se não se colocarem nas escolas os meios que permitam responder e apoiar os alunos com dificuldades, vamos certamente cumprir esta profecia: escolas descapitalizadas de recursos, sem meios para apoiar atempada e eficazmente os alunos com dificuldades, cumprem a profecia de serem inadequadas como estruturas de inclusão.

Gostava de realçar que as profecias não são realidades e que muitas vezes são desejos que procuram tornar-se realidades. Na verdade, os professores não são descartáveis, não são incompetentes, os alunos mesmo em comunidades culturalmente muito descapitalizadas podem aprender e as escolas podem, através de políticas afirmativas de apoio, lidar com a diversidade dos alunos. Precisamos, pois, de contrapor outras profecias, de acreditar nos professores, nos alunos, na educação. Cada um de nós sabe o que significou na sua vida alguém que numa determinada altura, e mesmo com uma base muito pequena de evidência, acreditou em nós. Os nossos alunos todos beneficiariam muito disto que todos nós sabemos.

Por: David Rodrigues

Professor universitário, presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial

In: Público

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Educação, justiça e mercado

A educação é um bem social primário e uma condição essencial de justiça. E as condições essenciais de justiça não se podem jogar no mercado, por definição sobredeterminado pelo lucro.

A crescente intensidade do debate acerca da escola pública e do projeto do governo PSD/CDS, visando a sua mercantilização, tem toda a razão de ser. Mais ainda que a Saúde, a Educação está no centro das políticas públicas de justiça social.

Se é absolutamente certo que as políticas públicas de saúde são centrais na igualdade de acesso, cuidado e fruição da vida biológica (com as repercussões que isso tem nas condições de vida e dignidade pessoal), e sem escamotear a dimensão social deste elemento básico de dignidade, é no acesso à educação e à cultura que se joga não só o essencial da identidade, autoimagem e emancipação pessoais, mas as possibilidades de ascensão e equilíbrio social entre pessoas, grupos e classes. No limite, um excelente Serviço Nacional de Saúde poderia servir para qualificar as condições de saúde individuais e das famílias para a reprodução da desigualdade. Pelo contrário, um serviço nacional de educação, um sistema de educação pública, age não só sobre a infraestrutura biológica dos indivíduos e das famílias, mas sobretudo sobre as condições sociais e individuais de uma sociedade justa. Isto quer dizer, simplesmente, que é num serviço de educação pública que se joga a democracia de um país.

Uma sociedade justa e decente estabelece como condição necessária a criação e manutenção de um sistema de educação capaz de respeitar os interesses e dignidade dos indivíduos, num contexto de equilíbrio e justiça social. Uma sociedade em que o único interesse fosse o da livre competição física, económica ou meritocrática não seria uma sociedade porque seria incapaz de estabelecer horizontes de dignidade e valor comuns, reduzindo tudo ao sucesso e insucesso individuais, i.e., ao mais extremo subjetivismo/relativismo ético, a forma ética do neoliberalismo. Acontece que o sucesso individual de per si, resultado da força física, do mérito individual, das condições económicas de partida ou da sorte não se podem constituir como condições de justiça civilizacionalmente aceitáveis. Nenhum resultado social é justo se resulta da sorte. Ninguém merece que lhe saia o Euromilhões. Também nenhum resultado é justo se resulta de melhores condições de partida do vencedor. E também é fácil esclarecer o erro segundo o qual o mérito e o esforço legitimam o vencedor e as diferenças sociais que daí decorrem (desconto o perigoso absurdo de que um racismo genético legitima as diferenças, que é o mesmo que dizer que a acaso legítima a justiça). A capacidade de concentração, a resiliência e a capacidade de diferir as recompensas (tão importantes nas estratégias de sucesso social) não são, na sua expressão social, resultado de qualquer ingrediente místico, mas simplesmente condições socioeducacionais de base. Uma criança bem treinada naquelas competências alcançá-la-ás. Ora, ninguém escolhe a família, ou o país, em que quer nascer. Nascer aqui ou ali é um caso de sorte pura e, por isso, ninguém tem especial mérito pelos resultados que alcança a partir dessa origem. A questão a responder é, então: como equilibrar as evidentes diferenças de origem, de sorte ou, até, de capacidades naturais, em busca de uma ideia e uma prática de justiça que não ceda à falácia naturalista segundo a qual as coisas são justas se são como são?

Não há como ignorar, aqui, o justamente conhecido Princípio da Diferença, de John Rawls: “Todos os valores sociais – liberdade e oportunidade, rendimento e riqueza, e as bases sociais do respeito próprio – devem ser distribuídos igualmente, salvo se uma distribuição desigual desses valores, ou de todos eles, redundem em benefício de todos”. O que o Princípio da Diferença nos diz é que a diferença de rendimentos, e de oportunidades, só é justa se servir para ajudar todos, particularmente os que mais necessitam, já que, precisamente, a sua obtenção nunca é, a priori, justa, mas resultado das contingências naturais ou sociais.

O que isto tem a ver com a escola pública é que esta foi o instrumento que nas sociedades contemporâneas se encontrou para minimizar o peso das contingências naturais e sociais na determinação da desigualdade social. A escola pública dá (tenta dar) a todos as mesmas possibilidades de partida e, nos melhores casos, as mesmas condições de chegada, sem o que a igualdade de partida pode constituir, tão-somente, um outro expediente de legitimação da desigualdade. Sem retirar aos que têm mais talentos naturais ou condições socioculturais mais elevadas as suas condições de base, a escola pública aposta numa miscigenação social e num apoio educativo e social diferenciados, partindo do princípio de que essa mistura é boa para os mais e para os menos qualificados, no sentido em que as melhores condições de uns servem de catalisador de contexto para os que têm condições menos boas, favorecendo os resultados globais e dando justificação ética às diferenças sociais e aos resultados. Sem este espaço de justiça e deixado o resultado às leis do mercado, isto é, à competição das escolas pelos melhores alunos, excluindo os piores, o resultado será sempre injusto. 

Percebe-se, então, que uma ideia de justiça racional e eticamente sustentada rejeite a ideia e a prática de mercantilização do ensino. Desde logo porque condições básicas de justiça, como a educação, não podem depender de sistemas, como o económico, por definição amorais, no sentido em que carregam consigo a possibilidade de sucesso ou insucesso humano, decidido de modo completamente exterior à determinação da vontade individual ou democrática. Alguns dirão que o mercado educacional, por essa mesma condição de amoralidade e pela relevância do “produto”, terá que ser mais regulado que os outros mercados e que essa será a sua salvaguarda. Mas estas intenções têm tanto de ingénuo como de perigosamente mentirosas. As provas de que as coisas são assim estão aí, todos os dias, à vista dos que as queiram ver. A regulação do mercado educacional nunca impediu e nunca impedirá a transformação dos jovens e das crianças em instrumentos tendo como fins o lucro e a segregação social. 

A educação é um bem social primário e uma condição essencial de justiça. E as condições essenciais de justiça não se podem jogar no mercado, por definição sobredeterminado pelo lucro, funcionando como uma instância naturalista a que o sentido do humano é alheio. Por isso é que uma educação, um pensamento e uma ação progressistas, tradicionalmente identificadas com a esquerda política, têm de rejeitar a instauração de um mercado educativo, de que o "cheque ensino" é uma das formas, já que assim se instaura a “justiça” como uma função do mercado e daquela que é a sua forma mais essencial, a competição, em que uns perdem e outros ganham, em que uns se salvam e outros estão condenados à pobreza eterna.

PS. A ideia segundo a qual professores com mais de cinco, dez ou 15 anos de serviço, reconhecidamente bom e excelente serviço, devem fazer umas “provetas” de “conhecimentos e capacidades”, de cruzinhas e com uma redação de trezentas linhas, para que possam continuar a candidatar-se ao exercício das suas profissões, é daquelas ideias tão absolutamente estúpidas que o seu autor deveria cair redondo de vergonha. Mas em Portugal não. Em Portugal uma ideia estúpida parece ser vezes de mais o melhor caminho para a ideia estúpida seguinte.

Francisco Teixeira

Professor do ensino secundário, doutorado em Filosofia e especializado em Organizações Educativas e Administração Educacional

In: Público

Jovens com paralisia cerebral expõem obras de pintura

Seis jovens "artistas plásticos" de Beja e portadores de paralisia cerebral vão expor 22 quadros de pintura com as suas visões artísticas "descomprometidas" do mundo e da vida, a partir de quarta-feira, numa galeria de arte da cidade.

A 12.ª edição da exposição "Arte Numa Perspetiva Diferente" é inaugurada na quarta-feira, às 14:30, na galeria de arte da Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva (EDIA), numa cerimónia que deverá contar com a presença da ministra da Agricultura e do Mar, Assunção Cristas.

A exposição, promovida pelo Centro de Paralisia Cerebral de Beja (CPCB) e apadrinhada pela EDIA, no âmbito da sua política de responsabilidade social, poderá ser apreciada até 20 de dezembro.

As 22 obras da exposição deste ano, tal como os das edições anteriores, foram pintados por seis jovens "artistas plásticos" utentes do CPCB, para o qual vão reverter as receitas da venda dos quadros.

As obras, com títulos como "O parto", "Velho cansado", "Caras de bacalhau", "ET" ou "Engatatão", representam as visões artísticas "descomprometidas" que os seis "artistas plásticos" têm do mundo e da vida, explica a EDIA, num comunicado enviado à agência Lusa.

Os quadros foram elaborados no último ano letivo, no ateliê de pintura do Centro de Atividades Ocupacionais do CPCB, pelos "artistas plásticos", os quais, frisa a EDIA, ano após ano pintam os quadros e já assumiram a realização anual da exposição "como um quase ritual".

Segunda e EDIA, nos últimos 12 anos, a exposição tem vindo a afirmar-se como "um dos estímulos ao desenvolvimento intelectual" dos utentes do CPCB, "reforçando a sua integração social".

LL // MLM

Noticias Ao Minuto/Lusa

In: Notícias ao Minuto

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Pensar a Educação (2.º vídeo)

Conferência "Pensar a Educação" por António Nóvoa, no âmbito do Seminário "O Estado da Educação e as Ciências da Educação: leituras críticas e desafios", organizado pelo CNE e realizado no auditório do Conselho a 23 de Abril de 2013.



Via Facebook

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Pais de alunos com necessidades especiais exigem terapeutas

Os pais dos alunos com necessidades educativas especiais dos concelhos da Pampilhosa da Serra, Miranda do Corvo, Góis e Lousã vão manifestar-se este sábado contra as políticas educativas do governo. Com a redução drástica dos orçamentos, em alguns casos em mais de 60 por cento, há crianças no distrito de Coimbra que estão há vários meses sem terapias especializadas.


In: RTP

AS MOCHILAS DOS MIÚDOS

Um dia destes ia o Professor Velho, aquele que já não dá aulas, está na Biblioteca e fala com os livros, a sair da escola ao mesmo tempo da saída dos miúdos quando viu a Professora Sara parada ao portão a ver os miúdos a passar.

Olá Sara, estás a contar os alunos?

Olá Velho, tens cada uma, estava a reparar nas mochilas que carregam. Eu acho que alguns devem ficar com dores nas costas.

Até que tens razão, nós na escola pedimos coisas demais e que enchem as mochilas tornando-as pesadas, muito pesadas. Já se tem falado nisso, até os médicos.

Pois é Velho, se calhar não precisavam de carregar todos os dias tantas coisas, Passam tanto tempo na escola que já não deveriam ter que fazer alguns trabalhos em casa e alguns materiais poderiam ficar cá.

É verdade, deveríamos pensar nisso, mas deixa que te diga que às vezes ainda me preocupam mais os miúdos que andam com a mochila vazia, que também existem como tu sabes. É muito pesada.

Sim é verdade que alguns miúdos nunca trazem o que é preciso, mas porque é que dizes que é mais pesada.

Alguns miúdos andam com mochilas tão cheias que as coisas da escola já lá não cabem. Carregam uma escola que não alcançam e uma escola que não os alcança, uma família que não os aconchega por um tempo que não tem ou por um afecto que se perdeu no meio dos sobressaltos da vida. Carregam uma vida que não entendem ou uma pressão que não suportam. Carregam uma falta do que não sabem o que é nem como lidar com essa falta. Carregam uma solidão que assusta e um medo que às vezes faz fugir para a frente. Na verdade, há miúdos com mochilas vazias que pesam toneladas, já lá nem cabem os manuais e os materiais da escola.

Mas Velho …

Alguns destes miúdos de que te falei ainda levam “falta de material”.

Mas Velho …

Tenho que ir Sara, o meu autocarro está quase a passar, amanhã continuamos a conversa.

Texto de Zé Morgado

O coro que gelou o público

O público que assistia a um concerto de um coro infantil na Alemanha ficaram estupefactos não só pelas fantásticas vozes mas pelo que aconteceu a seguir.. Tudo aconteceu quando estavam a cantar a música Mad World de Gary Jules uma das crianças abandonou o coro, pouco segundos depois outra criança abandona também… A situação repetiu-se consecutivamente sem que os que ìam ficando parassem de cantar. Até que só restou um menino que revelou tudo “A cada 3 segundos morre uma criança por causas simples de evitar”

Na realidade esta surpresa tratava-se de uma original acção da ONG International Children’s Fund no Dia Mundial da Criança


quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Educação especial perde mais de 17 milhões de euros

A educação especial perde mais de 17 milhões de euros no Orçamento do Estado para 2014, entre as verbas previstas no âmbito do Ministério da Educação e do Ministério da Solidariedade, Emprego e segurança Social.

Nas notas explicativas dos Ministérios da Solidariedade, Emprego e Segurança Social (MSESS) e da Educação e Ciência (MEC), disponíveis no site da Assembleia da República, é possível constatar que a educação especial perde um total de 17.302.607 euros entre o definido no Orçamento do Estado para 2013 (OE13) e a verba prevista no Orçamento do Estado para 2014 (OE14).

Olhando para a nota explicativa do MEC, a verba definida para a educação especial sofre um corte de 6,6%, passando de 212.289.152 euros no OE13 para 198.232.208 no OE14, uma diferença de mais de 14 milhões de euros. 

A isto acresce o corte previsto no orçamento do MSESS, já que passa dos 27.559.311 euros definidos no OE13 para os 24.313.648 previstos no OE14, ou seja, menos 3.245.663 euros. 

Tudo somado, significa que a educação especial perde mais de 17 milhões de euros no seu orçamento. 

No entanto, a deficiência é dos poucos setores dentro do MSESS que sente um aumento no OE14, no caso um crescimento de mais de um milhão de euros. 

Na nota explicativa do MSESS é possível constatar que no OE14 estão definidos 143.565.938 euros para a deficiência. 

Um valor que representa um aumento de quase 1,5 milhões de euros relativamente à verba consagrada no OE13, onde estava definida uma verba total de 142.068.236 euros. 

Dentro da verba prevista no OE14, o maior aumento comparativamente a 2013 está na bonificação por deficiência a crianças e jovens, que sofre um aumento de 5,68% e tem direito a mais de 73,9 milhões de euros. 

Por outro lado, a educação especial é a rubrica que sofre a maior redução, com uma diminuição na verba atribuída de 11,77% e estando previstos cerca de 24,3 milhões de euros. 

A restante verba distribui-se pelo subsídio por assistência a terceira pessoa (jovens) (9.441.330 euros), por assistência a terceira pessoa (adultos) (4.093.293 euros) e pelo subsídio vitalícios e complemento extraordinário vitalício (31.740.858 euros).

Contactada pela agência Lusa, uma representante do movimento (d)Eficientes Indignados apontou que o aumento da verba consagrada à deficiência estará muito provavelmente relacionada com o crescimento do número de lares e residências assistidas.

Manuela Ralha apontou que, num movimento contrário a esse reforço orçamental, tanto os produtos de apoio como a educação especial sofrem uma redução face a 2013.

Relativamente à possibilidade de serem criadas novos lares e residências assistidas para pessoas com deficiência, a responsável apontou que serão apenas para pessoas com deficiências profundas ou deficiências cognitivas, deixando de fora as pessoas com deficiências motoras.

In: JN

CNOD e FENPROF denunciam «cortes» que estão a provocar um «retrocesso na Educação Inclusiva»

A Confederação Nacional dos Organismos de Deficientes (CNOD) considera que os «cortes» feitos pelo Estado português na Educação estão a levar a um «retrocesso» na Educação Inclusiva. A denúncia foi feita hoje, pelo presidente da CNOD, José Reis, no Funchal, onde participou num debate promovido em parceria com a Federação Nacional dos Professores (FENPROF).

O debate decorreu no âmbito do projecto “A importância da escola na inclusão social de crianças e jovens com deficiência”, co-financiado pelo Instituto Nacional de Reabilitação (INR), que está a percorrer o país com o objectivo de sensibilizar a comunidade educativa para esta problemática e conhecer a realidade local.

A iniciativa que decorreu na Escola Secundária Francisco Franco consistiu também, na apresentação de uma exposição com 10 painéis ilustrativos de experiências de inclusão escolar e social de crianças e jovens com deficiência (desde a Intervenção Precoce à Universidade).

No debate marcaram presença, além de dirigentes das organizações co-promotoras, o secretário-geral da FENPROF, Mário Nogueira, o presidente da delegação do Funchal da Associação Portuguesa de Deficientes (APD), Filipe Rebelo e demais membros da comunidade educativa.

A CNOD, tal como a FENPROF, exige o «cumprimento dos direitos consagrados na Constituição e na Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência», que o Estado português subscreveu, no sentido do acompanhamento destas pessoas pelos professores, técnicos e familiares.

Já foi solicitada uma reunião com o Ministro da Educação para debater estas situações e ver a melhor forma de as resolver mas tanto a CNOD como a FENPROF ainda não tiveram resposta.

Queixa à UNESCO e à OIT

O secretário-geral da FENPROF lamentou que «o corte brutal de recursos na Educação Especial» faz com que «neste momento, há alunos com necessidades educativas especiais, que não têm a possibilidade de frequentar a escola».

Caso a situação não seja resolvida até o final de Dezembro, a FENPROF juntamente com associações representativas das pessoas com deficiência irá apresentar uma queixa à UNESCO e à OIT, entidades que promoveram a Declaração de Salamanca subscrita pelo Estado português, «por violação dos compromissos internacionais».

Natércia Massas sentiu na pele estas dificuldades, quando há uns anos atrás procurou integrar o filho no Ensino Básico e responderam-lhe que não seria capaz de aprender. Valeu-lhe a teimosia. «Ao nível do Ensino Básico foi muito complicado porque sempre me disseram que não era possível. Eu, muito teimosa como sempre fui, entendi que era possível e o meu filho aprendeu a ler, a escrever, a fazer o 4.º ano, ir para o 5.º ano, dominar as tecnologias facilmente», explicou.

Mais tarde, optou pela integração pessoal e social. Por isso, «eu considero-me uma privilegiada em relação ao meu filho, porque tento sempre dar-lhe uma certa liberdade e integração pessoal e social», exclamou.

Funcionária na Escola Superior de Educação de Setúbal, teve oportunidade de levar o filho para lá com 17 anos. «Neste momento, tem 34 anos e está plenamente integrado, há uma inclusão, o que é muito importante a nível pessoal, há um desenvolvimento muito grande dele ali dentro», frisou. «É autónomo, faz teatro, está bem integrado na sociedade», salientou.

Natércia Massas faz parte da direcção da CNOD e da Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental (APPACDM) de Setúbal. «Neste momento, não luto propriamente pelo meu filho, mas luto por muitos que estão em condições muito, muito difíceis porque a inclusão está a ser cada vez mais difícil, cada vez mais as restrições são maiores», advertiu. Deixou, por isso um apelo aos pais para que recorram às instituições que os podem ajudar a fazer dos filhos «pessoas ainda mais desenvolvidas».

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

A minha escola pública

Tudo o que sou e sei devo-o à escola pública, à abnegada dedicação de professores, cujas memórias retenho com emoção e saudade. Não é mau ter saudade: é manter o lastro de uma história que se entrecruza com a dos outros, de muitos outros. É sinal de uma pertença que transforma as relações em laços sociais, frequentemente para toda a vida. Da primária ao secundário, e por aí fora, a presença desses homens e dessas mulheres foi, tem sido, a ética e a estética de uma procura do próprio sentido da vida. O débito que tenho para com eles é insaldável. A paciência solícita, o cuidado e a atenção benevolente do tratamento dispensado aos miúdos desbordavam de si mesmos para ser algo de grandioso. Ah! Dona Odete, como me lembro de si, da sua beleza mítica, da suavidade da sua voz, a ensinar-nos que o verbo amar é transitivo. Também lhe pertenço, e àqueles que falavam das coisas vulgares das ruas e dos bairros, da cadência melancólica das horas e dos dias, com a exaltação de quem suspira uma reza ou compõe uma épica.

Depois, foram os meus três filhos, instruídos em cantinas escolares republicanas, e aí estão eles, no lado justo das coisas, nesse regozijo dos sentidos que obriga ao grito e à cólera quando a repressão se manifesta. Escrevo destas coisas banais para designar o verdete e o vómito que me provocam o ministro Crato e o seu sorriso de gioconda de trazer por casa, quando, por sistema e convicção, destrói a escola republicana, aduzindo-lhe, com rankings e estatísticas coxas, a falsa menoridade da sua acção. Este ministro é um mentiroso, por omissão deliberada e injunção de uma ideologia de que é paladino. Não me interessa se abjurou dos ideais de juventude; se tripudiou sobre "O Eduquês", um ensaio dignificante; ou se mandou às malvas o debate que manteve com o professor Medina Carreira, num programa da SIC Notícias. Sei, isso sim, que os homens de bem devem recusar apertar-lhe a mão.

Ele não diz que a escola pública está aberta a toda a gente, e que a escola privada (com dinheiro nosso, dos contribuintes) é extremamente selectiva. Oculta que a escola pública acolhe os miúdos com fome, de pais desempregados, de famílias disfuncionais e desestruturadas, que vivem em bairros miseráveis e em casas degradadas, entregues a si mesmos e à raiva que os alimenta.

Não diz que a escola pública é a imagem devolvida da sociedade que ele próprio prognostica e defende. Uma sociedade onde uma falsificada elite, criada nos colégios, tende a manter-se e a exercer o domínio sobre os outros. Oculta, o Crato, que, apesar desse inferno sem salvação, fixado nos rankings numa humilhação atroz, ainda surgem alunos admiráveis, com a tenacidade e a dimensão majestosa de quem afronta a injúria e a desgraça. E esta imprensa, muito solícita em noticiar trivialidades, também encobre a natureza real do grande problema. Tapa os ouvidos, os olhos e a boca como o macaco da fábula.

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo acordo ortográfico

por BAPTISTA-BASTOS

In: DN