sexta-feira, 28 de novembro de 2014

FUGIR PARA A ESCOLA

Há algum tempo convidaram-me para colaborar numa iniciativa no âmbito da educação e do universo dos miúdos que tinha com título genérico "Fugir para a escola". Achei muito curioso e hoje, sem perceber muito bem porquê, este enunciado emergiu da trama da memória e sugeriu umas notas.

Seria muito interessante, mas não passa, provavelmente, de um romantismo não compatível com a dureza crispada, agressiva e feia, dos tempos e da vida actual, imaginar que os miúdos quisessem fugir para a escola, não porque fugissem de algo mau, o contexto familiar, por exemplo, e que em bom rigor e lamentavelmente é por vezes tão mau que obriga a fugir, mas porque os miúdos quisessem correr para a escola por nela se sentirem bem.

É verdade que para a maioria dos miúdos a estadia na escola é positiva, no aprender, no ser e no gostar. No entanto, para alguns outros a escola é um lugar de onde apetece fugir e muitos destes acabam por fugir da escola ou sentirem-se empurrados para fora.

As escolas vão construindo muros cada vez mais altos e mais fortes. Nunca sei muito bem qual a verdadeira função dos muros da escola, impedir que os miúdos saiam ou impedir que os miúdos entrem. Acho que os muros da escola conseguem as duas coisas o que parece estranho.

Por outro lado, nos tempos que correm também muitos professores, bons professores, mostram por cansaço ou desesperança que já não fogem para a escola, um lugar de realização, de trabalho duro mas com uma das maiores compensações que se pode ter, ajudar gente pequena a ser gente grande.

O clima institucional, a burocracia, a deriva política vão levando a que a escola não apeteça, foge-se ou é-se empurrado para fora, apesar dos muros altos. Felizmente, muitos outros professores ainda conseguem fugir para escola, os alunos desses professores são miúdos com sorte.

Será que ficou mesmo impossível acreditar que os miúdos e os professores, de uma forma geral, queiram fugir para escola?

Texto de Zé Morgado

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Ações de Formação- ES Sacavém

O Centro de Formação da PIN-ANDEE (Pró-Inclusão- Associação Nacional de Docentes de Educação Especial" vai dinamizar as Ações de Formação "Currículo Específico Individual em contextos inclusivos" ( 25H - 1U.C) e "Dificuldades Específicas de Aprendizagem: Dislexia, Disortografia e Discalculia", a realizar na Escola Secundária de Sacavém, em parceria com o Centro de Formação de Escolas de Loures Oriental.

A calendarização das ações é a seguinte:


Cada ação de formação tem um custo de 30€ para Sócios da PIN-ANDEE e de 50€ para Não Associados. Os docentes pertencentes ao CF Loures Oriental têm prioridade de frequência devendo fazer a sua inscrição com a Dra. Ana Cristina Sampaio.

As restantes inscrições são aceites pela ordem de chegada e podem ser submetidas em:


Para mais informações contatar: cfproandee@gmail.com ou 927138331

Informação recebida via email.

Educação: É essencial fundamentar em vez de enunciar “novos paradigmas”

Sempre que leio ou ouço falar em “novo paradigma” e “Educação” na mesma frase sofro uma terrível ataque de urticária. Então quando a esse “novo paradigma” vem associada uma nova teorização sobre gerir as escolas a partir de modelos que lhes são exteriores fico com uma necessidade fenomenal de ansiolíticos e anti-histamínicos.

Porque eu já passei por imensos momentos em que novos paradigmas foram anunciados, enunciados e mesmo legislados. Raramente dei com as suas vantagens e nunca vislumbrei a sua avaliação, de modo a justificar a sua substituição.

E quase sempre apareceram justificados com a “falência” dos modelos ou paradigmas anteriores. A situação mais recente foi a de José Matos Alves em texto recente, aqui no PÚBLICO.

O meu problema coloca-se a diversos níveis. No plano conceptual, é para mim estranho que se tenha de “paradigma” uma noção tão simplista e mecânica, como se fosse uma peça que se muda num carro que está a ter problemas em arrancar. Um “paradigma” é uma teia complexa de fenómenos e relações que não se decreta de um dia para o outro, que não surge numa segunda-feira, na sequência de um decreto, de um despacho, de uma experiência diferente da norma tida como dominante. Muito menos de estados d’alma ou de convicções particulares de um determinado grupo de especialistas ou interessados nas mudanças que se apresentam como o indispensável “novo paradigma”.

No plano mais concreto, é muito raro que esses “novos paradigmas” apresentem uma fundamentação que os justifique para além de profissões de fé, baseadas em experiências episódicas e desenvolvidas em ambientes muito controlados e favoráveis ao seu sucesso. Na generalidade dos casos, a demonstração empírica das vantagens não corre qualquer risco com base nos exemplos escolhidos para as testar. É natural essa tendência para provar a sua própria profecia, mas não é a melhor maneira de provar algo que se pretende apresentar como “novo paradigma” a aplicar a todos os casos.

Mas concentremo-nos no processo presente de pressão em torno da implementação de mecanismos municipais de controle da gestão das organizações escolares, seja através da criação de escolas municipais (públicas) em concorrência com a rede pública tradicional, seja com a deslocação de níveis de decisão em matérias sensíveis das escolas (e da tutela) para as autarquias.

Este processo não pode ser apresentado ou enunciado como naturalmente bom apenas porque sim, porque descentralizar é bom e porque “aproximar” a gestão das escolas das comunidades é bom, sem que exista a demonstração clara dessa bondade, seja através da exposição de casos concretos de sucesso de experiências equivalentes em outras paragens, equivalentes à situação do nosso país, seja através da demonstração comparativa dessa bondade em relação ao modelo actualmente existente.

José Matias Alves declara no seu texto que irá basear o seu primeiro ponto “na demonstração da falência deste modelo” do modelo único de gestão das escolas públicas. Mas não o faz para além de considerações vagas, não sendo rigoroso na demonstração dos aspectos da anunciada falência. O que faliu? Foram os resultados dos alunos? Há que o demonstrar. Foi o papel social da escola? Há que o demonstrar. Foi a qualidade da prestação do serviço público de Educação numa sua visão mais vasta? Há que o demonstrar. O que José Matias Alves não faz, apenas alinhando os já muito repetidos argumentos de que um sistema centralizado e uniforme não é o melhor dos mundos. Com isso eu concordo e muito tenho protestado com o modelo único de gestão unipessoal dos mega-agrupamentos, porque conduziram a centralismos locais e a um crescente distanciamento do centro das decisões em relação a alunos, funcionários e professores.

Mas não chega dizer que está mal. Também acho que os contratos de autonomia são uma ficção. Mas há que explicar, no concreto, porquê e que alternativas se podem apresentar. Preferencialmente a partir das próprias escolas e não como imposições externas.

Eu discordo que a municipalização – por eventuais excelentes experiências singulares que se possam apresentar – seja a melhor solução e não acho que essa opção “aproxime” seja o que for, muito pelo contrário, pois esvazia cada vez mais as competências internas das organizações escolares.

Mesmo discordando da designação, considero que não existe nenhum “novo paradigma” que melhore seja o que for no funcionamento e quotidiano das escolas que não parta do interior da própria comunidade educativa e que não passe por um maior envolvimento activo de pais e encarregados de educação na resolução dos problemas das escolas e não na sua multiplicação. Por “envolvimento activo” não se entenda uma barragem de queixas e acusações, de contestações de classificações ou de entradas a bater em quem lhes comunique as malfeitorias dos educandos ou outras faltas de civismo.

Não há paradigma de gestão que supere a colaboração, sem desconfianças espúrias, entre aqueles que estão dentro das escolas e querem que elas funcionem da melhor maneira. Não é nenhum gestor, vereador, presidente de câmara ou junta que trará qualquer especial valor acrescentado para a superação de falhas ou insuficiências de um modelo que não faliu, como querem alguns fazer crer, mas apenas se foi tornando menos flexível nas soluções internas e cada vez mais permeável aos humores externos.

Um novo paradigma em Educação, no que à gestão das escolas diz respeito, só será possível através de uma revitalização dos mecanismos de cooperação e partilha de responsabilidades dos actores que estão dentro da escola (e nesse particular incluo naturalmente as famílias dos alunos) e não através da imposição de soluções externas, por muito bem pensantes e conceptualizadas que se apresentem.

A municipalização é apenas a nova moda destinada a limitar uma verdadeira autonomia das organizações escolares, colocando-lhes uma nova arreata de que só alguns políticos e especialistas sentem falta.

Por: Paulo Guinote

Ação de Formação "Educação Especial: supervisão e intervenção"

O Centro de Formação da PIN-ANDEE (Pró-Inclusão- Associação Nacional de Docentes de Educação Especial" vem por este meio divulgar da Ação de Formação "Educação Especial: supervisão e intervenção" acreditada com o registo CCPFC/ACC-77321/14- 25H - 1U.C que se vai realizar na Escola Secundária Garcia de Orta- PORTO, com a seguinte calendarização:

Meses
Dias
Horário

fevereiro


27

16h30 – 21h30

março


13

16h30 – 21h30

abril


17

16h30 – 21h30

maio



22

16h30 – 21h30



junho



4


16h30 – 21h30


A ação de formação tem um custo de 30€ para Sócios da PIN-ANDEE e de 50€ para Não Associados. Os docentes do Agrupamento Garcia de Orta têm prioridade de frequência devendo fazer a sua inscrição na Direção do Agrup.

As restantes inscrições são aceites pela ordem de chegada e podem ser realizadas até o dia 30 de janeiro em:


Para mais informações contatar: cfproandee@gmail.com ou 927138331

Informação recebida via email

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Que se aprende sentado? Aprende-se a estar sentado!

É difícil criar nas crianças de hoje a motivação para o conhecimento se elas forem meros sujeitos passivos do currículo.

Realizou-se em Setembro na Universidade do Porto um grande congresso de educação; certamente o maior congresso de educação da Europa. Um congresso recheado de comunicações e conferências proferidas por proeminentes académicos e estudiosos de todo o continente.

Numa das reuniões finais de avaliação do congresso, um professor de uma universidade do Norte da Europa, depois de ter tecido os rasgados elogios à organização – na verdade muitíssimo honrosa para o nosso país –, declarou que tinha um ponto “menos positivo” a apontar. A assistência aguçou o ouvido e fez-se um maior silêncio. Que seria? Disse ele: “Durante três dias estive sentado a ouvir, ouvir, ouvir a tomar notas. Estou exausto. Isto é quase desumano. Temos de encontrar formas diferentes de organizar estas reuniões.” A seguir houve algum silêncio, mas logo a sala estourou em sorrisos e em gargalhadas... Este colega estava exausto por estar sentado há três dias a tomar notas e certamente estava a mostrar a sua solidariedade com os alunos que estão sentados a tomar notas durante... 180 dias por ano.

Esta pequena história acorda o debate, nunca adormecido, sobre o que se aprende e como se aprende na escola. Ao consultarmos os manuais, os cadernos de fichas, textos de apoio, exercícios, etc. que os nossos alunos enfrentam na escola, só nos podemos lembrar de que os 180 dias sentados são certamente ainda poucos. Precisamos que os nossos alunos ainda se sentem mais: que vão mais algumas horas por semana para um “centro de estudos” fora da escola ou então para o “estudo acompanhado” na escola.

E porquê este reconhecido absurdo de obrigar, de forçar, crianças não só a aprender sentadas mas também a um ritmo de ensino que as obriga a trabalhar mais do que o já longo horário escolar? Muitas razões poderiam ser evocadas e discutidas, mas gostaria de refletir sobre duas delas:

Temos assistido a uma insuflação do currículo que faz com ele tenha presentemente muito mais conteúdos e muito mais exigência que antes. Esta inflação de conteúdos obriga a um ritmo muito mais intenso do que alguma vez se experimentou antes. São conhecidas as posições de associações de professores que consideram que os currículos atuais estão sobredimensionados e que não permitem espaços para que os conhecimentos sejam consolidados, explicados de maneiras alternativas, aplicados e relacionados com situações do quotidiano da criança. Vive-se a ideia de um currículo “é melhor” porque “é maior”, porque é “mais exigente”. Esta relação entre o tamanho e a qualidade é um pouco ingénua: não é por ser maior ou mais rápido que algo se torna melhor. Um exemplo: se quisermos tornar uma viagem ferroviária mais rápida, não basta ter uma locomotiva potente, é preciso que a ferrovia, que as carruagens, que as formas como estão atreladas umas às outras, estejam também preparadas para aproveitar a potência da locomotiva. Se não se tiver estes cuidados, teremos certamente uma locomotiva rápida mas também um comboio descarrilado, desatrelado e desconexo. Não basta pois acrescentar mais conteúdos do currículo e aumentar a cadência do estudo: o bom currículo é aquele que permite aprendizagens sólidas e consolidadas e que se constitui como um fator de desenvolvimento para todos os alunos e não só para aqueles que talvez pudessem acompanhar a tal locomotiva à desfilada.

Um outro aspeto a considerar são as estratégias de aprendizagem. Sabemos hoje – e sobretudo a partir dos estudos da neuropsicologia – que aprender é um ato complexo e que para que a aprendizagem seja efetiva é muito importante que ela seja feita em contextos ativos (isto é, em que o aluno participe no processo de aprendizagem e não seja só a parte estreita do funil por onde deslizam os conteúdos). Sabemos também que dispomos atualmente de um acervo impressionante de meios audiovisuais e de programas informáticos que podem aumentar a implicação do aluno da aprendizagem, que são formas extraordinárias de melhoria da motivação e de interesse. Estes meios, infelizmente, são ainda usados de forma muito restrita nas nossas escolas.

Precisamos de reinventar nas nossas escolas a alegria da aquisição conhecimento. Ninguém aceitaria um currículo elementar, mas é custoso aceitar que o currículo melhora só porque é maior e obriga a um ritmo acelerado em que “não se perca tempo”. É difícil criar nas crianças de hoje a motivação para o conhecimento se elas forem meros sujeitos passivos do currículo. Não se perde tempo quando se ensina de mais de uma maneira, quando se dá tempo para que as aprendizagens se consolidem e se apliquem a situações do dia a dia. Uma aprendizagem que faça sentido e que permita – como se diz em linguagem científica – que representação do real seja alterada pelo novo conhecimento.

E agora, desafio o meu colega universitário que se queixou dos três dias sentado a tomar apontamentos que imagine um novo modelo de congresso (ele é o próximo organizador). Não queremos que os investigadores em educação passem de novo por esta dura prova de ficar três longos dias sentados e a tomar notas.

Por: David Rodrigues

Professor universitário, presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial

OS CAMINHOS DAS ESCOLAS


Apesar da promoção de um modelo de educação que perde de vista a educação e se centra quase que exclusivamente na aprendizagem.

Apesar da promoção de uma ideia de escola assente na aprendizagem das "competências essenciais" de natureza instrumental e de que tudo o resto é supérfluo, por assim dizer.

Apesar da promoção da ideia de que, só por existirem, os exames, muitos exames, são a panaceia da qualidade na educação.

Apesar da promoção de um modelo de educação escolar que ao abrigo de uma falsa ideia de excelência selecciona os melhores e empurra os menos bem sucedidos ou dotados para percursos educativos de segunda ou mesmo para a exclusão.

Apesar da promoção de uma ideia de educação que transforma a escola num espaço de competição.

Apesar da definição de metas curriculares que, sendo necessárias, foram definidas de uma forma que transformará o trabalho do professor na gestão de uma "checklist" burocratizada e excessiva, sem espaço ou tempo para acomodar a diferença entre os alunos.

Apesar da promoção de um modelo de educação e escola, normalizado, burocratizado, que dificilmente responde à característica mais evidente de qualquer sala de aula, a diversidade dos alunos.

Apesar da retórica sobre autonomia das escolas que na prática mantém uma asfixiante e burocratizada centralização.

Apesar, finalmente, do Ministério da Educação, muitas escolas, muitas direcções escolares, muitos professores vão mostrando e trilhando outros caminhos.

Sorte a dos seus alunos. E a nossa.

Texto de Zé Morgado 

Crianças com deficiências fechadas em jaulas de instituição na Grécia

São alimentados através das grades, deitam-se em colchões forrados a plástico, vestem macacões de ganga. Lechaina fica na Europa e os responsáveis usam a crise para justificar a desumanidade.

São 65 pessoas, crianças e adultos. Têm graus de deficiência vários, problemas como autismo ou síndrome de Down. Vivem todos no mesmo edifício nos confins do Sul da Grécia, numa pequena aldeia. São tratados por seis funcionários. Os que têm alguma autonomia passam os dias numa sala, e à noite recolhem-se em camas gradeadas, como jaulas. Os outros passam todos os dias, todo o dia, dentro de jaulas. São alimentados através das grades, dormem num colchão de plástico, tomam banhos raros e apressados.

“Tudo é feito para que sobrevivam, sem se magoarem e sem dar o mínimo de chatice”, comenta Catarina Neves, uma psicóloga portuguesa que fez voluntariado no centro de Lechaina em 2008.

Nessa altura, um grupo de dez voluntários internacionais, que estiveram no local através do serviço de voluntariado europeu, fizeram uma campanha para chamar a atenção para o que se passava no centro. Fizeram queixas a todas as entidades que conseguiram, escreveram um blogue. O primeiro efeito prático foi que o centro deixou de receber voluntários.

Entretanto, o provedor das crianças grego criticou as condições do centro e disse que contrariavam os direitos humanos básicos. A responsabilidade anda a mudar do Ministério da Saúde, que foi quem respondeu pelo centro em 2011, na altura deste relatório, e o Ministério dos Serviços Sociais, que é quem é hoje apontado como responsável.

Nestes cinco anos, houve duas mudanças, aponta uma reportagem da semana passada da BBC: as barras de madeira das jaulas foram pintadas de cores mais alegres, E há duas meninas que vão à escola. De resto, continua tudo na mesma.

Catarina descreve: o edifício tem três pisos. No primeiro estão os residentes que têm alguma autonomia; são entre 20 e 30 e passam o dia numa sala, juntos, embora sem qualquer tipo de distracção ou actividade. À noite são metidos nas suas jaulas. Os restantes estão divididos nos outros dois pisos, e estão sempre dentro das suas jaulas, excepto quando passam uma meia hora cá fora com um dos funcionários, o que acontece cerca de duas vezes por semana.

Abandonados
São alimentados com colheradas através das grades (porque se os funcionários entram dentro da jaula para os alimentar podem-se sujar com a comida, e têm de ir lavar a roupa de seguida, lembra Catarina). Recebem dois sumos por dia. “Tentámos que lhes dessem água, mas responderam que não havia copos suficientes e que eles não podiam beber todos do mesmo copo”, comenta Catarina.

Deitam-se em colchões forrados a plástico – não há lençóis porque um dos residentes morreu ao comer tecido, são vestidos com macacões de ganga com um fecho atrás, para que não possam tirar bocados. A casa de banho são as fraldas, que os poucos funcionários mudam.

Quem lá vive foi abandonado. Durante os oito meses em que esteve no centro, Catarina viu apenas uma visita: um pai que foi ver um filho. “Disseram-me que vai lá duas vezes por ano.”

Catarina Neves conta como inicialmente ficou chocada com a atitude de quem trabalha neste centro, tratando tudo como normal. Mas ao sair não conseguiu “apontar o dedo a ninguém”. São seis funcionários para 70 pessoas. Os directores rodam – a actual já não é a que Catarina conheceu. Vítima dos cortes, a actual directora, Gona Tsoukala, não recebe salário há um ano. Explica à BBC: "Obviamente não devíamos ter as jaulas mas é impossível não as ter com tão pouco pessoal no centro”.

Mas Catarina não culpa a crise pela situação que se vive no centro. “Penso que o problema é sobretudo cultural”, diz. “Porque há residentes que tomam 30 comprimidos por dia para estarem calmos, e os comprimidos são caros”, argumenta. E na Grécia há um problema com a aceitação de pessoas com deficiência. “Há casos ali em que os pais e os funcionários das maternidades disseram às mães que os filhos morreram e deixaram-nos aqui.”

Chamar a atenção
Apesar de longe da Grécia, Catarina continua ainda a fazer campanha e a divulgar a situação dos residentes neste centro. “Sei que para mudar era preciso muito, mas gostava que pelo menos não continuassem a mandar pessoas para lá. Há pessoas a viver neste sítio há 20 anos.” E “há lá pessoas que poderiam ter a possibilidade de ter uma vida diferente”.

A maioria dos que estão dados como incapazes não têm limitações físicas. Poderiam fazer uma vida muito mais activa se tivessem alguns cuidados. O facto de não saírem, não terem estímulos, é que os deixa naquele estado. “Em Espanha há pessoas com síndrome de Down a estudar.”

Para Catarina Neves, o mais importante era assegurar que quem trabalha no centro tem formação para lidar com pessoas com deficiência, já que os que lá trabalham hoje não têm, e não querem trabalhar ali. Isso seria o início para, pelo menos, mudar o foco da mera sobrevivência das pessoas com o mínimo de problemas para os funcionários.

Mas a questão só fica sob os holofotes uns instantes, para depois desaparecer. Foi assim em 2008, em 2011, e agora, com a reportagem da BBC, uma crítica da Human Rights Watch e uma petição. “No início tínhamos dez antigos voluntários activos” a fazer campanha pela melhoria das condições no centro. “Agora somos duas.”

In: Público

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Escolas que questionam o sistema e dão a cada aluno o seu tempo

Há escolas que não têm manuais, nem aulas expositivas. Em algumas são os alunos que escolhem o que estudar e quando querem ser avaliados. Noutras, as notas não contam mais do que aprender a conhecer-se e a ser feliz.

O dia começa com uma roda. De mãos dadas, cantam, saltam à corda, dizem poemas. A professora toca flauta, fala do vento, eles rodopiam. Só depois vão para a aula. A Casa da Floresta Verdes Anos, colégio em Lisboa onde não há computadores nem quadros interactivos, não é a única a seguir uma via menos convencional.

N’Os Aprendizes, em Cascais, além do edifício onde decorrem as aulas, há uma casa, o Reino dos Sentidos, dedicada sobretudo à arte-terapia: não é só para meninos com necessidades educativas especiais, qualquer criança pode ir lá e tentar ultrapassar uma dificuldade através da pintura, música, neuroterapia, entre outras hipóteses.

Estes colégios são privados, mas a Escola da Ponte, Santo Tirso, do pré-escolar ao 3.º ciclo, é pública. Sem aulas expositivas, são os alunos que escolhem as matérias e quando querem ser avaliados.

São três exemplos, entre outros que não encaixam no sistema convencional. Não se vangloriam de serem os melhores nos rankings, mas garantem que as crianças aprendem e trabalham a criatividade, o espírito crítico, a cidadania, a liberdade, a responsabilidade.

“Não acreditamos na avaliação quantitativa, mas qualitativa. O professor olha para cada criança e vê se brinca, se come, se resolve um problema na sala, lá fora, se tem dificuldade a Português, a Matemática. Não há um melhor do que outro”, diz Rita Dacosta, directora da Casa da Floresta, colégio até ao 1.º ciclo que segue a pedagogia Waldorf.

Além desta pedagogia, Os Aprendizes cruza o método High Scope e o Movimento Escola Moderna. À fusão chamaram “Pedagogia do Amor”: “Está na moda falar em sucesso, não em amor. Mas preparar os miúdos para a vida não é só prepará-los tecnicamente. Ser bem-sucedido profissionalmente é ser feliz, realizado, trabalhar em algo produtivo, é cada um alcançar o máximo do seu potencial”, diz Sofia Borges, directora deste colégio até ao 2.º ciclo.

A gestora da Escola da Ponte, Eugénia Tavares, frisa que naquele estabelecimento – que funde várias correntes, mas tem forte influência do Movimento Escola Moderna -, “o aluno tem uma atitude mais activa na procura do conhecimento”. A coordenadora de projecto, Ana Moreira, acrescenta: “Nas aulas convencionais, um assunto é dado e quem apanhou, apanhou.”

Sérgio Niza, um dos fundadores do Movimento Escola Moderna e que já fez parte do Conselho Nacional de Educação (CNE), diz que o “método simultâneo” da maioria das escolas “resume-se a ensinar a muitos como se fossem um só”: “A monstruosidade disto é não haver respeito por cada um.”

Ludovina Silva é presidente da Associação de Pais da Escola da Ponte, tem lá dois filhos: “Quando saem da Ponte, são mais interventivos, questionam mais.” Nesta escola, há comissões de ajuda, uma assembleia: os alunos identificam os problemas da escola, debruçam-se sobre as soluções.

Admite que se sentiu “insegura” quando, no fim do 1.º ano, a filha não sabia ler: “Mas ela teve de lidar com a timidez e, na Ponte, trabalharam isso. É uma escola que respeita o tempo de cada aluno. Hoje é excelente aluna.”

Efeito “perverso”
Rita DaCosta assume que a Casa da Floresta é avessa à lógica dos melhores e piores: “Quando uma criança tem um não satisfaz, acha que é ela que não satisfaz. A partir daqui, é muito difícil trabalhar a criatividade e a auto-estima.”

Para o docente da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto e do Centro de Investigação e Intervenção Educativas, Rui Trindade, há um “efeito educativo perverso da valorização de um tipo de competitividade que poderá ser adequada para o desporto de alta competição”, mas, na escola, é “um obstáculo educativo” - é uma lógica em que o sucesso não é em função das “aprendizagens”, mas das notas.

No ano passado, a Casa da Floresta não teve exames nacionais. Mas, segundo o ranking do PÚBLICO, que inclui as notas dos alunos internos na 1.ª fase dos exames, n’Os Aprendizes, a média do 4.º foi 2,75 e, na Ponte, 3,67 – a média nacional foi 2,8. Ainda na Ponte, no 6.º foi 3, acima dos 2,71 nacionais e no 9.º foi 2,5, a mesma do país.

Rui Trindade ressalva que “bons resultados nos exames não significam, obrigatoriamente”, alunos “mais inteligentes, cultos e atentos aos outros e ao mundo”. E Sérgio Niza defende mesmo que há “um desvio de sentido” do Governo que, “sob a capa de um suposto rigor, é de um populismo desenfreado”: “Não compreende nada do que é essencial na escola, compreende tudo no plano empresarial. Joga com os alunos como se fossem mercadorias. Os exames sucessivos fazem fugir a escola da cultura e põem-na a repetir, a treinar, como se fosse treino desportivo”, nota, frisando que esse caminho forma pessoas “acéfalas e repetitivas” em vez de “criativas, críticas, imaginativas”.

Rui Trindade levanta outra questão: como se valoriza o erro enquanto forma de aprendizagem? Defende que a “qualidade da formação académica e técnica das pessoas” depende do modo como “se gere o erro como um desafio pedagógico tão inevitável quanto expectável”. E como se promove o autoconhecimento e a criatividade.

Para este investigador, “o problema” da escola convencional não é só “marginalizar” as disciplinas artísticas, mas “não aproveitar” as potencialidades do Português ou da Matemática. Incluir Os Maias ou as equações de 2.º grau nos programas não garante que os alunos cresçam de forma “significativa”: “É a relação que estabelecem com Os Maias ou as equações e o modo como tal relação é apoiada e gerida que pode constituir-se como oportunidade.”

Já o professor coordenador principal da Escola Superior de Santarém e membro do CNE, Ramiro Marques, é a favor dos exames no fim de cada ciclo: “Criam uma pressão adicional no desempenho de professores e escolas. Como as classificações podem ser comparadas entre escolas, permitem um sistema mais competitivo e permitem aos pais um conhecimento das escolas.”

Ramiro Marques considera que a pedagogia Waldorf ou o Movimento Escola Moderna são propostas pedagógicas que podem ter “resultados favoráveis”: “Mas necessitam de uma militância muito grande dos professores. Se aplicadas a escolas sem liderança muito forte, não atingem os resultados esperados. Não são propostas facilmente generalizáveis a todo o país”, nota, ressalvando ser “a favor da diversidade metodológica” desde que haja metas curriculares nacionais.

Trepar às árvores
Na Casa da Floresta, letras e números andam lado a lado com ecologia e criação. Não há bonecos que não sejam feitos pelas crianças, professores ou artesãos. Os miúdos não levam telemóveis nem ipads. Nas aulas, “estão três semanas a trabalhar Português, três semanas a trabalhar Matemática, sempre com a componente artística presente”. E vão muito lá para fora: “Temos uma horta de 600 metros quadrados, para onde eles vão com galochas, enxadas, ancinhos. Fazem actividades de Matemática e Português no meio das árvores, da natureza.” Têm Música, Inglês, Costura, Capoeira, Carpintaria. Não têm manuais nem trabalhos de casa.

Na pedagogia Waldorf, valoriza-se a época do ano: “O equinócio de Outono, o solstício de Inverno, o equinócio da Primavera, o solstício de Verão. Falamos sobre as colheitas nos problemas de Matemática. Toda a actividade vai beber a estes ritmos da terra”, diz Rita DaCosta.

Estarão as crianças demasiado protegidas, afastadas das exigências de uma sociedade cada vez mais competitiva? Pelo contrário, diz a directora, para quem esta dimensão onírica é “uma semente” que os alunos transportarão pela vida fora e que os ajudará a enfrentar as adversidades de outra forma.

Também n’Os Aprendizes foram buscar à pedagogia Waldorf a “educação pela arte” e o “desenvolvimento espiritual”. Do método High Scope retiraram a “aprendizagem activa”: “É aprender agindo sobre o mundo que me rodeia, com workshops, experiências”, diz Sofia Borges. Quando no 3.º ano se deu a Rosa dos Ventos, os meninos foram para rua e “perderam-se”: “Claro que o professor sabia onde estavam, mas era para perceberem onde era o Norte, o Sul, o Este e o Oeste.” Já ao Movimento Escola Moderna foram buscar a vertente comunitária que faz, por exemplo, com que as crianças participem na definição das regras.

Nesta escola também se respeita a “individualidade de cada um”. Não estão à espera que aprendam todos ao mesmo tempo. E defende-se que não é só na sala de aula que se incentiva a aprendizagem: “Uma criança que trepa às árvores está a desenvolver-se, a ultrapassar conflitos. Se não consegue trepar, vai ter de vencer uma frustração. É tão importante como o problema de Matemática. E, se calhar, com essa aprendizagem da árvore, vai olhar para o problema de Matemática de outra forma”, diz Sofia Borges.

Ali, antes das aulas, os miúdos fazem o brain gym, “pequenos exercícios físicos que predispõem o cérebro para as aprendizagens”. Depois, sentam-se em mesas redondas e podem ir circulando pelas actividades propostas pelo docente. “Há regras discutidas com as crianças, mas os adultos são os orientadores. Há um horário, uma estrutura, mas dentro dela há liberdade”, explica a directora.

Nesta escola, entre outras disciplinas, têm Filosofia, Expressão Plástica, Expressão Dramática, Música, Educação Física, Ioga, Meditação. À sexta-feira, é dia de Trabalhos Manuais, Horta e Culinária, de visitar lares de idosos. Manuais, só a História e Inglês. São os alunos que vão “construindo o conhecimento”: “No fim do ano têm um manual feito por eles. Os manuais [instituídos] afunilam a aprendizagem. Todas as crianças têm de ler os mesmos textos? Aqui vão à biblioteca e escolhem. O que me interessa é que desenvolvam gosto pela leitura”, nota Sofia Borges.

Mas os modelos alternativos funcionam do ponto de vista da aprendizagem das matérias? É evidente, diz Rui Trindade, que são “projectos onde o nível de risco pedagógico é maior”, mas “é inevitável que assim seja, tendo em conta o espaço de diálogo, de descoberta e de interpelação” que os caracteriza.

Ressalvando que só fala do que conhece – Movimento da Escola Moderna, Escola da Ponte, projecto OSMOPE e colégio Tangerina, no Porto -, Rui Trindade diz que são espaços que geram “aprendizagens significativas” e contribuem para que os alunos se tornem, através do currículo, “mais inteligentes, cultos e humanamente mais capazes.”

“Raios de luz”
Sendo um dos casos mais conhecidos, a Escola da Ponte recebe inúmeros visitantes. São os alunos que fazem as visitas. Rafaela Oliveira, 16 anos, no 9.º, já esteve noutra escola, prefere a Ponte: “Quando cheguei era a aluna mais envergonhada, era impossível estar a falar com uma visita. Foram os professores, principalmente o meu tutor, que me incentivaram a fazer estas visitas. Agora, de vez em quando, até recebo elogios.”

Rafaela Oliveira e David Braga, 10 anos, 5.º ano, vão explicando que a escola funciona em três níveis de projecto: iniciação, consolidação e aprofundamento. Os miúdos vão passando de um nível para o outro, mas não todos ao mesmo tempo. Não há testes; notas, só no 3.º período.

Nas salas, sentam-se em mesas redondas, em grupos de várias idades. Estudam as matérias que definiriam, no chamado plano do dia e da quinzena, e orientadores e colegas ajudam. Para a professora Alexandra Ferreira, coordenadora do núcleo de aprofundamento, o maior desafio é ser abordada por alunos de anos diferentes: “Há um tipo de ajuda para um, outro para outro.”

Ana Moreira defende que o ensino convencional assenta numa “perspectiva fechada” sobre a educação: “Mas há pequenos raios de luz como a Ponte. E uma discussão grande na comunidade académica, em várias partes do mundo, sobre o rumo da educação e vontade de o mudar.”

Para Sérgio Niza, é “por preguiça mental e medo” que os governantes em Portugal não avançam “para novas formas de encarar a escola”, que sai “empobrecida” ao tentar satisfazer “a eficácia da sociedade de mercado”. Ao contrário da “acelerada lógica do lucro”, diz, “o tempo de nos formarmos como cidadãos, aprendermos, sermos pessoas que amam a cultura, é longo”. No fundo, não se pode confundir ortografia com escrita: “A ortografia é uma coisa mínima, ridícula, em relação à escrita. É a escrita, como discurso crítico, que pode mudar as pessoas e o mundo.”

In: Público

domingo, 23 de novembro de 2014

OS DIREITOS DA CRIANÇA, A AGENDA POR CUMPRIR

No calendário das consciências está hoje registado que em 20 de Novembro de 1959 a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração dos Direitos da Criança. É verdade que nestes 55 anos, pensando sobretudo na realidade portuguesa, muito evoluímos também no que respeita ao universo dos mais novos. No entanto, os Direitos da Criança continuam uma agenda por cumprir para muitos milhares por variadíssimas razões.

Os ventos malinos que sopram e o enorme conjunto de dificuldades que atravessamos, ancorados num quadro de valores que tende a proteger mercados e interesses outros que conflituam com os interesses e bem-estar da maioria das pessoas vão criando exclusão, pobreza e negação de direitos. Aliás, é cada vez mais frequente a afirmação de que os direitos devem ser entendidos como sendo de geometria variável, ou seja, dependem da conjuntura económica pelo que os que menos têm também terão os seus direitos diminuídos.

Neste cenário, conforme os estudos e a experiência mostram, os mais novos constituem um grupo especialmente vulnerável.

Nesta vulnerabilidade existem três áreas em que me parece que os direitos estão particularmente ameaçados, as crianças e adolescentes em risco de maus tratos, abusos e negligência, a pobreza infantil e o direito à equidade nas oportunidades de acesso à educação de qualidade.

De uma forma geral, os discursos e a retórica política sempre acentuam a importância destas matérias mas é preciso ir um pouco mais longe. Por exemplo, dotar as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens dos meios suficientes e qualificados para a detecção e acompanhamento eficaz dos casos de risco, ou caminhar no sentido de diminuir o número de crianças institucionalizadas e sem projecto de vida.

No que respeita aos risco de pobreza, as crianças são como que o elo mais fraco de uma sociedade com um fosso demasiado grande entre os mais ricos e os mais pobres, cerca de dois milhões em risco. As políticas sociais não podem deixar de entender como prioritário, sobretudo nos tempos que atravessamos, os apoios sérios e fiscalizados aos problemas das famílias que envolvem, necessariamente, os mais novos. É o seu futuro que está em causa.

No que respeita à educação, a equidade e a tentativa de que todos atinjam o patamar possível de sucesso educativo e qualificação é o grande desafio. Os discursos políticos nunca esquecem o grande desígnio da educação ou a paixão pela educação. Precisamos de caminhar de forma séria e não tentados pela sedução do sucesso estatístico, para a qualidade dos processo educativos que se traduz nos níveis de qualificação das pessoas (não da simples certificação), na diminuição das taxas de abandono e insucesso, enfim, na construção de projectos de vida viáveis e bem sucedidos. Muitas crianças e adolescentes com necessidades especiais vêem atropelados os seus direitos a dimensões básicas da qualidade de vida, a educação, por exemplo.

Continuamos com uma agenda por cumprir em matéria de bem-estar dos mais novos.

Texto de Zé Morgado

Fenprof diz que há mil professores de ensino especial em falta nas escolas

A Federação Nacional de Professores diz que há mil professores de educação especial em falta nas escolas de todo o país. No último ano foram contratados cerca de 2000 docentes mas este ano o número caiu para os 875. O caso da escola EB 2 e 3 de Canidelo em Gaia é apenas um dos exemplos, a falta de professores deixa os alunos com necessidades especiais sem apoio.


segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Educação e igualdade: uma análise conceptual

Argumenta-se frequentemente que a educação deveria ter como finalidade a construção de uma sociedade igualitária, ou por exemplo, que deveria existir “igualdade” na educação, ou ainda “igualdade de oportunidades”. (…) Uma enorme dificuldade na abordagem da igualdade enquanto teoria é a sua exasperante vagueza. O termo é utilizado frequentemente em slogans políticos como “todos os homens são iguais”, mas raramente fica claro aquilo que se quer dizer com isso.

Talvez seja melhor começar por reconhecer que um significado básico de “igual”, e se calhar o significado, é “o mesmo” ou “o mesmo em algum sentido determinado”. Duas linhas de igual comprimento são linhas com o mesmo comprimento, dois homens de igual altura são homens com a mesma altura, e assim por diante. Este é um significado claro e relativamente não complicado, o significado geralmente aceite fora de um debate político ou filosófico. Ora, se é isto que significa “igual”, então o slogan “todos os homens são iguais” é falso na maioria dos casos, dado que os homens não são em qualquer sentido interessante todos o mesmo. Claro, é mais que provável que o igualitarista que assevera que todos os homens são iguais não esteja a tentar dizer que os homens são todos exactamente o mesmo. O igualitarista poderá dizer que o slogan dá a entender não que os homens sejam descritivamente o mesmo, mas sim que devem ser tratados da mesma maneira.

Isto evita o erro empírico mas levanta outras dificuldades. Pois se alguém assevera seriamente que todos devem ser tratados do mesmo modo, basta apontar-lhe que fazê-lo seria ir contra certos princípios práticos que a maior parte das pessoas defende. Não pensamos, por exemplo, que os homens inocentes devam ser tratados como os criminosos, ou que os doentes devam ser tratados como as pessoas saudáveis, ou que as crianças devam ser alimentadas e vestidas como pensamos que os adultos o devem ser. Tratar todos por igual seria ir contra as nossas noções daquilo que é apropriado. As pessoas têm diferentes necessidades e há que reconhecer que tal deve ser tido em conta. […] As pessoas têm diferentes necessidades mas também têm diferentes méritos, e julgamos que estes também devem ser reconhecidos e cuidados. Um princípio estritamente igualitarista requereria presumivelmente que as pessoas fossem tratadas da mesma maneira, independentemente das suas diferentes necessidades e dos seus diferentes méritos. Claro que o igualitarista, confrontado com a lógica da sua posição, muito provavelmente diria uma vez mais que não era isto de todo o que queria dizer, e o princípio de caridade forçar-nos-ia a aceitar essa sua rejeição. O igualitarista poderia então propor uma posição mais aceitável para as nossas convicções morais e do senso comum, ou seja, propor que os homens devem ser tratados do mesmo modo apenas quando as suas necessidades e os seus méritos são os mesmos, e que, quando têm diferentes necessidades ou diferentes méritos, devem ser tratados diferentemente.

Mas este princípio, que dificilmente alguém quererá contestar, não é o princípio de igualdade; é o princípio de justiça. Aristóteles tornou isto suficientemente claro quando declarou que a justiça exige que tratemos casos semelhantes da mesma maneira e casos diferentes de maneira diferente. […] “Igualdade” e “Justiça” apenas coincidem quando os méritos ou as necessidades são os mesmos nos casos em análise. Aí, e apenas aí, será justo tratar as pessoas por igual, ou como “o mesmo”. Caso contrário, tratar situações diferentes da mesma maneira será geralmente inapropriado e frequentemente injusto. O tratamento justo implica ter em conta as diferenças nas circunstâncias das pessoas e isto frequentemente significará tratá-las diferentemente.

A igualdade enquanto tal não encerra grande virtude. O tratamento igual, em qualquer sentido substancial, só é moral e praticamente aceitável quando se adequa ao nosso sentido de justiça, e o único sentido em que todos os homens, sem excepção, devem ser tratados da mesma maneira é que todos devem ser tratados com justiça.

As implicações educativas desta análise são consideráveis. Se tomarmos o princípio de “igualdade” no seu sentido estrito, isto é, no sentido de que as crianças são todas o mesmo, ou que devem todas ser tratadas da mesma maneira em qualquer sentido substancial, então o carácter absurdo de tal sugestão torna-se óbvio. Pois as crianças não são todas o mesmo em qualquer sentido educativo relevante e, deixando o mérito de lado, não são todas o mesmo em relação às suas necessidades educativas. Tratar todas da mesma maneira, as mais inteligentes e as menos inteligentes, as bem integradas e as perturbadas emocionalmente, seria grosseiramente inapropriado e ninguém quereria advogar. E, contudo, é isto que o princípio, estritamente interpretado, requer. Se o igualitarista não quer dizer isto, então tem de abandonar esta interpretação do princípio de igualdade. Pois aquilo que é verdadeiramente requerido não é um tratamento igual mas sim um tratamento justo, um tratamento apropriado, uma ponderação justa das diferentes necessidades e exigências educativas das crianças. Por outras palavras, justiça educativa.

Esta justiça educativa seria consistente com, e talvez implicasse mesmo, a provisão de turmas especiais, e se calhar de escolas especiais, tanto para os mais dotados como para aqueles com menores capacidades, com toda a parafernália institucional das notas, dos testes, da selecção, do streaming [agrupamento de alunos por níveis homogéneos de aptidões] e da comparação, que tanto preocupam o igualitarista em educação. Ora, na prática provavelmente quase ninguém negará a proposição de que as crianças devem ser tratadas de acordo com as suas diferentes necessidades educativas, pelo que uma insistência na estrita igualdade em educação seria simplesmente uma forma de excentricidade. É então pertinente questionar qual o fundamento que poderá existir em tal teoria para que se justifique a obrigação de semelhante igualdade. Será que o igualitarista está simplesmente a pedir que os recursos educativos sejam distribuídos com justiça? Se sim, então podemos concordar com ele, mas perguntando por que razão a ênfase deve ser posta em termos de igualdade e não de justiça.

Neste ponto, o igualitarista poderá responder que está menos preocupado com a “igualdade” em abstracto do que com outra coisa, designadamente a “igualdade de oportunidades”, avançando para a afirmação de que a todas as crianças devem ser concedidas iguais oportunidades de educação. Porém, dada a estrita interpretação da igualdade, levantam-se também aqui dificuldades específicas. Pois as oportunidades em causa serão as de acesso a bens educativos, como as escolas e os professores, ou a realizações educativas, aos resultados escolares. Em nenhum dos casos é possível a estrita igualdade, não sendo sequer sempre desejável. De facto, não é possível dar às crianças acesso aos mesmos bens educativos, visto que estes mesmos bens diferem em qualidade. Há boas escolas e bons professores, e há escolas menos boas e professores menos eficazes. Talvez fosse possível abrir as portas de qualquer escola a qualquer aluno que aí se pretendesse inscrever, independentemente das suas necessidades e de outras considerações, mas dado que as próprias escola variam em qualidade, então isso não significaria que se estivesse a dar igual acesso a todos, em qualquer sentido substancial da expressão “o mesmo acesso”. Nem seria de todo desejável, dado que nem todas as escolas são adequadas a todos os alunos.

O que se deve requerer é que as crianças frequentem aquelas escolas que melhor satisfaçam as suas necessidades e capacidades, bem como que nenhuma criança seja excluída de uma escola apropriada por razões não educativas, como, por exemplo, pelo facto dos seus pais serem pobres, ou por ela fazer parte de um certo grupo religioso ou étnico. Tal política seria justa e humanitária, e como tal altamente desejável, mas não seria uma política de concessão de “igualdade de oportunidades” no que toca ao acesso à educação. A “igualdade de oportunidades” justificaria admitir o ingresso de uma criança surda-muda na escola de um coro de igreja; basta o simples sentido humanitário do que é adequado para reconhecer que isso seria um absurdo. Também não é possível na prática a igualdade de oportunidades quanto aos resultados escolares. Não é possível porque as crianças diferem nas suas capacidades e nas suas expectativas. Nem tal seria na prática desejável. A única forma de alcançar resultados escolares iguais entre uma criança e outra criança qualquer seria fixar o padrão de sucesso suficientemente baixo para que ambas o pudessem atingir e depois garantir que se impedisse aquela que conseguisse fazer melhor de o fazer. A mera enunciação deste cenário chega para mostrar que é completamente inaceitável como programa educativo prático.

Assim, a igualdade na educação não serve como teoria. Na melhor das hipóteses, é uma forma confusa de pedir justiça. A justiça na educação, contudo, implica um tratamento diferenciado dos alunos, adequado às suas diferentes necessidades, pelo que a organização e a provisão da educação não deve ser julgada pelo grau de promoção da igualdade, ou de igualdade de oportunidades, mas sim pelo grau de tratamento justo das crianças naquilo que a educação tem para lhes oferecer.

Por: T. W. Moore

Universidade de Londres
Tradução de Rui Daniel Cunha
Retirado do livro Philosophy of Education: An Introduction (Londres, Routledge, 1982, pp. 116-122)


Via: Incluso

'Há escolas que fazem batota nas avaliações'

Segundo o ex-ministro da Educação, as provas nacionais deviam ser feitas a partir de um banco de perguntas testadas

Ficou conhecido, enquanto ministro da Educação, pela reintrodução dos exames do 9.º ano. Continua a defendê-los?

Sim, continuo.

A quantidade de exames que hoje existe no sistema de ensino português é a desejável?

Não tenho nada contra a existência de exames nos vários ciclos. O problema que se põe é que a função dos exames só tem sentido se a avaliação interna [realizada pelas escolas durante a frequência do aluno] for complementar dos exames. Mas isso não acontece os exames têm um efeito de indução sobre as avaliação internas, que quase se resumem a avaliações sumativas.

Então, os exames condicionam o modo como as aulas são dadas?

Não são as aulas mas o processo de avaliação. A questão é que as avaliações internas deviam ser indutoras de melhores aprendizagens, permitindo aos alunos estudar, investigar e verificar o seu conhecimento através de outros instrumentos que não sejam testes ou frequências. Muitas vezes recorre-se ao mais fácil, aos testes. Tem de haver outro tipo de instrumentos de avaliação complementares: um trabalho ou uma investigação que seja suscetível de avaliação. Por outro lado, se o primeiro ciclo tivesse seis anos em vez de quatro, dispensaria os exames do quarto ano.

E defende esse princípio?

Sim. A organização do ensino primário devia ser de seis anos, em fases de dois anos cada uma. Os processos de aprendizagem eram desenvolvidos na lógica de seis anos em vez de quatro. Neste caso, faria sentido os exames no 6.º ano, no 9.º ano e no 12.º ano.

A introdução dos exames condicionou o modo como o programa é dado? Hoje, ensinar uma disciplina é ensinar automatismos para resolver problemas?

A aquisição de conhecimentos e de competências faz-se através de automatismo, de treino. Os mecanismos de compreensão são indissociáveis dos processos, das técnicas, dos automatismos. Não podemos separar uma coisa da outra. Memorizar, ter rotinas, não é um problema.

Alguns professores e especialistas notam que a diferença entre as notas internas e as dos exames são muito grandes.

Há um conjunto de escolas, que, na minha opinião, de forma reiterada, dão uma classificação muito superior à que os alunos têm em exame. Estão a inflacionar a classificação. E isto tem uma consequência: como uma nota de exame só vale 30%, a inflação acaba por favorecer os alunos na nota de entrada do ensino superior. Há escolas que fazem batota nas avaliações.

Os exames aumentaram a retenção de alunos?

No longo prazo, não. Temos exames no final do secundário, há 20 anos, e, desde 2005, no 9.º ano. Ora, neste período, a taxa de retenção dos alunos [os chumbos] baixou.

Mas nos últimos três anos tem aumentado...

No Conselho Nacional de Educação verificámos que, em algumas escolas, aumentou muito a retenção. Porque, presumimos nós, a necessidade de garantir uma certa média para a escola, nos rankings, leva a colocar de fora os alunos mais fracos. Para não estragar a média da escola. Por isso, faço uma sugestão: que, em todas as disciplinas, todos os alunos possam ir a exame.

As avaliações internacionais do ensino português, como o PISA, mostram que houve melhoria dos resultados. Isso deve-se aos exames?

Deve-se, em primeiro lugar, ao facto de os atuais alunos terem pais mais escolarizados. Em segundo lugar, as escolas mudaram muito a sua cultura: há 15 anos, a questão dos resultados não era importante, o que interessava eram as boas intenções. Em terceiro lugar, acho que temos melhores professores. A melhoria dos resultados do PISA [Programa Internacional de Avaliação de Alunos] espelha a combinação destes fatores.

Como avalia o trabalho do Instituto de Avaliação Educativa [IAVE]?

Tem havido alguma estabilidade em relação à elaboração dos exames. O trabalho é positivo. Mas sempre defendi que devia existir um banco de itens aferido.

Pode explicar melhor?

Uma prova tem de ter um certo número de questões de nível de dificuldade baixo, médio e elevado. Estas perguntas têm de ser testadas e aferidas, que é o que acontece, por exemplo, nos EUA. Depois, quando é necessário fazer um exame, vai-se a esse banco buscar as questões. Devíamos passar a fazer esse trabalho: dava mais segurança aos exames.

In: Visão