quarta-feira, 29 de abril de 2015

Três anos de exames revelam que alunos sabem menos

Estudo mostra que conhecimentos de alunos do 6.º ano, em especial de matemática, não melhoraram desde que há provas.

A introdução de provas finais nos 1.º e 2.º ciclos - em substituição das provas de aferição que não contavam para a nota - foi uma das bandeiras do ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, que defendeu que a maior "exigência" sobre os estudantes seria a melhor aliada dos mais desfavorecidos, contribuindo para a melhoria global dos resultados. Mas os dados relativos a três anos de provas do 2.º ciclo (6.º ano), divulgados pelo Instituto de Avaliação Educacional (IAVE), apontam para a consequência oposta. Em particular nos conhecimentos de matemática.

O Relatório Nacional 2010-14 - Provas Finais dos 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico ainda não tem elementos relativos às provas finais do 4.º ano, criadas em 2013, porque segundo o IAVE dois anos não permitiriam fazer uma comparação. Mas em relação às provas do 6.º ano (2.º ciclo), introduzidas 2012, são cruzados os dados dos três anos de exames já realizados. E a análise, sobretudo em relação à matemática, está longe de confirmar uma melhoria global dos conhecimentos.

In: DN

terça-feira, 28 de abril de 2015

Ser normal com Síndrome de Down

Em primeiro lugar e acima de tudo eles são. Este é o mote que rege o trabalho de Sigga Ella sobre as pessoas com Síndrome de Down. E as suas fotos são retratos de quem quer apenas ser.

São vinte e um retratos de pessoas com Síndrome de Down. Um número simbólico, já que esta doença é causada pela existência de mais um cromossoma no par 21 do código genético humano. A mensagem é simples: “Cada uma destas pessoas é igual a todas as outras e não deve ser julgada por ter um cromossoma extra”, defende a fotógrafa Sigga Ella, que criou este projeto. “First and Foremost I Am” (que se traduz para em primeiro lugar e acima de tudo eu sou) pretende refletir sobre até onde vai a diferença e a igualdade.

Esta é uma questão que toca a artista de forma muito íntima. “Eu tinha uma tia que amava muito e que tinha Síndrome de Down, era a tia Begga. É muito difícil para mim pensar em eliminar a Síndrome de Down e nela ao mesmo tempo”, explica.

Foi depois de ouvir um debate na rádio sobre o assunto que decidiu avançar com o projeto. Sentou 21 pessoas de todas as idades e dos dois géneros numa cadeira em frente a uma parede forrada por flores, para representar a diversidade humana. A única coisa que tinham em comum era a doença. E deixou que elas agissem livremente, para mostrarem quem realmente são.

O resultado está na fotogaleria e vai estar exposto no Festival de Arte Fotográfica em Varsóvia a 15 de maio. Nas pode aventurar-se no trabalho de Sigga Ella no Facebook ou no site.

Criança impedida de ir à escola por estar em ensino doméstico

As direções do Norte da DGEstE e do agrupamento escolar Infante D. Henrique, no Porto, estão a impedir um aluno do 4.º ano de assistir às aulas na sua turma por se encontrar em regime de ensino doméstico.

"O argumento que me dão para que ele não possa ir assistir às aulas é o de que é um aluno do ensino doméstico", regime em que o aluno é dispensado do dever de frequentar as aulas na escola em que está inscrito mas não proibido, queixou-se esta segunda-feira à Lusa a mãe do Afonso, aluno no 4.º B da escola EB1 do Bom Sucesso, no Porto.

Depois de o pedido ter sido indeferido pela direção do agrupamento escolar e pela Direção dos Serviços da Região Norte da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE), Cláudia recorreu agora à justiça, avançando com uma "intimação para defesa de diretos, liberdades e garantias" do Afonso, já aceite pelo juiz.

No âmbito do regime do ensino doméstico, "o aluno é dispensado do dever de frequentar as aulas na escola em que está inscrito" desde o 1.º ano do ensino básico, lê-se na ação a que a Lusa teve acesso.

"Nunca, em momento algum, o aluno nesse regime de ensino pode ser impedido de aceder à escola de ensino em que está inscrito", sustenta a intimação.

Contactada pela Lusa, fonte da direção do agrupamento escolar afirmou não querer fazer comentários. Já a Direção dos Serviços da Região Norte da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) não prestou qualquer esclarecimento até às 13 horas.

No âmbito do ensino doméstico, o encarregado de educação é o responsável pela qualidade do percurso formativo da criança, estando o aluno sujeito às avaliações nacionais.

"Eu não pedi para mudar o regime", disse Cláudia, "apenas para que possa assistir às aulas" neste 3.º período, tendo em conta que o Afonso "só tem a ganhar agora" com a formatação para a avaliação, designadamente os exames nacionais do 4.º ano marcados para maio.

Cláudia assegura que esta decisão de pretender que o filho assista às aulas neste último período foi articulada com a professora do Afonso e com a coordenadora da EB1 do Bom Sucesso, não entendendo como é que o filho chegou a frequentar a sua turma três dias e depois lhe dizem que está impedido de entrar na escola.

"Não há sequer sobrelotação da turma", destacou, adiantando que ao longo de todo o percurso do ensino básico Afonso frequentou diversas vezes a escola.

A intimação que entrou em tribunal refere exatamente isso, lendo-se que, "ao longo dos quatro anos de escolaridade, a mãe do Afonso nunca fez qualquer pedido para que este pudesse assistir às aulas e, mesmo assim, o menor sempre assistiu (...), sem qualquer oposição de quem quer que fosse, o que sucedeu precisamente porque o Afonso está inscrito naquela turma".

"O Afonso é aluno do ensino doméstico e quer continuar a ser, pelo que é a sua mãe a responsável pelo seu percurso formativo" e os seus pais "não estão a furtar-se a esta responsabilidade nem se querem demitir da mesma", apenas pretendem que o filho exerça "o direito de ir às aulas", acrescenta a ação, a que o juiz deu atenção.

Questionada se está de alguma forma arrependida por ter escolhido o regime doméstico, Cláudia respondeu entender e acreditar que este modelo, para o seu filho, "é o melhor".

"Não reconheço que possa ter feito uma escolha errada, no entanto, como em tudo, se agora nos apercebemos que podemos ou devemos trabalhar mais determinado aspeto, porque não fazê-lo", disse.

Para a mãe, o pedido feito "é tão elementar" que não se compreende "como é que pessoas ligadas ao ensino possam ter esta forma de atuar tão preconceituosa de impedir o menino de entrar na escola".

"Mesmo existindo uma dúvida legal, entendo que o bom senso diria que estas pessoas deveriam primeiro permitir que ele lá estivesse e depois resolvessem a parte legal, porque ninguém pode negar o direito ao ensino a nenhuma criança, está na Constituição", concluiu, lamentando o arrastar do processo nesta luta contra o tempo, uma vez que os exames realizar-se-ão em menos de um mês.

In: JN

sábado, 25 de abril de 2015

A Educação de Abril

Os portugueses foram responsáveis, no fim do século XV e princípio do século XVI, por dar ao mundo a sua primeira foto de família. Ao ligar e mapear quase todas as partes do planeta, as navegações portuguesas permitiram ter a primeira visão global do mundo e também — à escala do conhecimento do seu tempo — uma globalização precoce.

Podiam ter sido outros, podia ter sido noutra altura, mas foram os portugueses que deram esta inestimável e pioneira contribuição para que o mundo se possa rever como uma totalidade que se relaciona. É assinalável que o tempo em que Portugal assumiu uma posição mais proeminente no mundo corresponde também ao tempo em que o país mais se abriu e interagiu com outros povos. Parece pouco provável que um país etnocêntrico, obcecado consigo e centrado nos seus valores humanos e sociais, pudesse desempenhar este papel de globalização e de relação com os outros.

Esta abertura essencial ao desenvolvimento é igualmente essencial para o florescimento da Educação. Olhar a Educação como um sistema reprodutivo, transmissivo e fechado é meio caminho andado para instituir uma educação que aprisiona os educandos em lugar de lhes dar a oportunidade de progredirem e libertarem as suas capacidades. Em Portugal, as pessoas que viveram durante o Estado Novo sabem disto muito bem. De como com o afã de transmitir valores, de doutrinar, de disciplinar, de formatar os alunos, a escola do Estado Novo se tornou caricata confundindo respeito com medo e transmissão com criação. A procura de outra escola que não esta confundiu-se com a procura de outro regime político que não fosse aquele.

Desde o 25 de Abril de 1974, a Educação em Portugal tem tido muitos discursos, reformas, legislações, tem tido os seus pontos altos e os seus pontos mais baixos. Mas nunca mais quis regressar aos modelos nem ao protagonismo seguidista de antes.

O “E” de Educação deve pois ser colocado junto dos três “D” (Democratizar, Descolonizar e Desenvolver) que sintetizaram os ideais de Abril. Só um esforço continuado ao longo destes 41 anos permitiram que a evolução lenta e temerosa da Educação se tornasse, depois do 25 de Abril, numa prioridade nacional. Os resultados estão à vista e dispomos agora de um sistema educativo que pode ombrear com os sistemas homólogos dos países no nosso espaço geopolítico.

Está tudo bem? Que a comemoração do que se conseguiu não enevoe o que é preciso conseguir... Aqui chegados precisamos de olhar para mais longe, para onde olham as nossas crianças e os nossos jovens. Precisamos de levar mais adiante o que conseguimos. Muito há para fazer mas, colhendo inspiração nos ideais de Abril, apontaria para três linhas de melhoria. Antes de mais, continuar a democratizar a escola. Democratizar a escola significa aprofundar a efetiva igualdade de oportunidades entre os alunos. O facto de os alunos terem capacidades e potencialidades diferentes não pode ser justificação para que recebam uma educação de diferente qualidade. Aprofundar a democracia significa que temos de ter e manter expectativas elevadas sobre todos os jovens. Eles estão na fase da sua vida em que a Educação pode fazer mesmo diferença e, mesmo que eles não saibam disso, nós sabemos.

Precisamos ainda de descolonizar a escola. A escola foi colonizada por um conjunto de valores que, se continuarem, irão torná-la inviável como estrutura social e de cidadania. Quando pensamos em escolas centradas exclusivamente em metas de aprendizagem, em sacrossantos currículos, no cumprimento estrito e cadenciado do programa não podemos deixar de considerar que esta ideologia é incompatível com a escola deste século. Não foram só os conteúdos e os programas que mudaram: os nossos jovens também mudaram e se continuarmos a ensiná-los com os valores educativos mais tradicionais e conservadores vamos alargar e tornar intransponível o fosso que já existe entre muitos jovens e a cultura escolar. Descolonizar a escola é terminar com o domínio de ideologias pedagógicas bafientas e que desconfiam dos alunos.

Enfim, precisamos de desenvolver a escola, de investir nos recursos, nos projetos transdisciplinares, na formação e acompanhamento de pais e professores, numa ligação fértil às tecnologias, enfim, precisamos de desenvolver a escola para que ela cumpra a sua função de acolher todos os que vão ser o futuro do país.

A Educação de Abril para consumar os três “D” precisa do “E” que é afinal a ferramenta mais eficaz, a que tem de atuar mais precocemente, mais globalmente, aquela que não pode ser pusilânime na qualidade para todos. A Educação de Abril já está nas nossas escolas. Basta lá ir para ver. Mas precisamos de não esquecer as das suas sementes para podermos melhor tratar e sonhar a frondosa árvore do futuro.

Por: David Rodrigues

Presidente da Pró-Inclusão/Associação Nacional de Docentes de Educação Especial; Conselheiro Nacional de Educação

sexta-feira, 24 de abril de 2015

AINDA AS METAS CURRICULARES


Como várias vezes tenho afirmado, as metas curriculares, tal como estão definidas, parecem ser parte do problema e não parte da solução.

As metas curriculares podem e devem funcionar como uma ferramenta orientadora e útil para o trabalho de alunos e professores. Para que isso aconteça deverão ser de simples utilização e operacionalização e decorrentes de modelos curriculares diferentes dos actuais, demasiado extensos, prescritivos e espartilhados.

Como exemplo vejamos apenas o 1º ciclo em Matemática e Português.

Em Matemática são definidos 3 domínios que se desdobram como segue. No 1º ano, em 8 sub-domínios, 13 objectivos e 62 descritores, no 2º ano em 11 sub-domínios, 22 objectivos e 82 descritores, no 3º ano em 11 sub-domínios, 22 objectivos e 98 descritores e no 4º ano em 6 sub-domínios, 15 objectivos e 81 descritores o que em síntese corresponde a 72 objectivos e 323 descritores para Matemática do 1º ciclo.

Se juntarmos Português teremos um total de 177 objectivos e 703 descritores. Por anos, temos: no 1º ano, 33 objectivos e 143 descritores; no 2º, 47 objectivos e 168 descritores; no 3º, 51 objectivos e 202 descritores e no 4º, 46 objectivos e 190 descritores. É obra, uff.
Este entendimento pode levar a que o ensino se transforme na gestão de uma espécie de "check list" das metas estabelecidas implicando a impossibilidade de acomodar as diferenças, óbvias, entre os alunos, os seus ritmos de aprendizagem. Múltiplas notícias e referências mostram como o trabalho dos professores e alunos está fortemente condicionado pela obsessão crática com a avaliação externa, os exames, o determinante de todo o trabalho.

Aliás, neste contexto é preocupante a afirmação dos autores das metas curriculares, de que estas estabelecem o que os alunos deverão imprescindivelmente revelar, “exigindo da parte do professor o ensino formal de cada um dos desempenhos referidos nos descritores”.

Este cenário, aplicado em todas as áreas ou disciplinas, em turmas de 26 alunos no 1º ciclo e de 30 a partir do 5º ano, constituídas por alunos com ritmos diferentes e assimetrias nos seus percursos e competências, deixa-me uma imensidade de dúvidas sobre a aplicação das metas curriculares, tal como estão definidas.

Apesar do MEC acenar com a referência aos modelos anglo-saxónicos como selo de qualidade, sempre a referência à qualidade e exigência, o que, aliás, está longe de acontecer, devo confessar que continuo apreensivo e temo, insisto, que as metas curriculares, nos termos em que são definidas possam constituir-se como parte do problema e não parte da solução.

Em síntese e como afirma a Associação de Professores de Português a propósito do Programa de Português para o ensino Básico que esteve em discussão pública até há dias e que entre o 1º e o 9º ano define perto de 1 000 metas curriculares, temos um modelo curricular de natureza “fortemente prescritivo, que vai empobrecer a educação e promover a retenção escolar dos alunos” na mesma linha, aliás, do entendimento do Conselho Nacional de educação. Reservas da mesma natureza têm sido expressas por outras Associações Profissionais de Professores de diferentes disciplinas.

Parece-me ainda importante recordar que alguns trabalhos de investigação que têm vindo a ser desenvolvidos, cito o da Professora Dulce Gonçalves da Universidade de Lisboa, evidenciam a desadequação e os problemas criados pelas metas curriculares.

Não será difícil antecipar que este novo Programa de Português para o ensino básico assente nas metas curriculares, tal como estão definidas, corre o sério risco de vir a ser parte do problema, o sucesso dos alunos, e não parte da solução.

É evidente que esta opção é coerente com a visão de educação, educação e ensino públicos que a equipa do MEC assume. 

Texto de Zé Morgado

Novo programa para apoiar pessoas com deficiência

O Governo vai suportar até metade os custos de adaptação dos postos de trabalho para funcionários que adquiram deficiência e vai compensar os patrões pela menor produtividade desses trabalhadores, aprovou esta quinta-feira o Conselho de Ministros. 

As medidas fazem parte do “Programa de Emprego e Apoio à Qualificação das Pessoas com Deficiência e Incapacidade” e, de acordo com o documento, o Governo pretende apoiar até 50% os custos de adaptação do posto de trabalho em relação às empresas que mantenham nos seus quadros funcionários que “adquiram deficiência ou incapacidade no decurso da vida profissional”. 

Em matéria de emprego apoiado, o Governo vai ajudar as empresas com os custos da menor produtividade dos trabalhadores com deficiência ou capacidade de trabalho reduzida. 

Quer isto dizer que, “tendo por referência um valor indexado ao IAS [Indexante dos Apoios Sociais] ”, que está atualmente em 419,22 euros, o Governo vai atribuir “uma percentagem do salário negociado pelo empregador com o trabalhador”, que será tanto maior quanto a incapacidade do funcionário.

“Este modelo permite que possam ser abrangidos alguns trabalhadores com capacidade intelectual e possibilidade de acesso a profissões mais qualificadas, considerando o desenvolvimento tecnológico."

Relativamente às medidas de apoio à integração, manutenção e reintegração no mercado de trabalho, onde se insere o apoio à adaptação do posto de trabalho, o Programa inclui outras medidas. 

Por um lado, o Governo quer que as entidades formadoras façam o acompanhamento pós-colocação dos formandos que, no final da formação, fiquem empregados por 12 meses, “beneficiando dos apoios previstos para os centros de recursos”. 

Por outro lado, este acompanhamento pós-colocação é alargado às empresas que mantenham ao serviço trabalhadores que adquiram deficiência na vida adulta e profissional. 

De acordo com a informação do Programa, as ações de apoio à colocação têm a duração de um ano. 

Relativamente às medidas previstas para a qualificação profissional, o Governo pretende que as pessoas que tenham adquirido deficiência em adultos possam ser abrangidas pela formação inicial com vista a uma requalificação profissional e conseguirem permanecer no mercado de trabalho. 

Prevê igualmente “uma fase de recuperação e atualização de competências” para quem tenha uma deficiência adquirida ou precise de uma nova qualificação ou reforço das competências profissionais por via do agravamento da sua deficiência. 

O “Programa de Emprego e Apoio à Qualificação das Pessoas com Deficiência e Incapacidade” traz também a marca “Entidade Empregadora Inclusiva”, que substitui o Prémio de Mérito, e visa promover “a distinção pública de práticas de gestão abertas e inclusivas” por parte das entidades empregadoras, ao mesmo tempo que quer sensibilizar a opinião pública para a problemática da empregabilidade das pessoas com deficiência. 

Esta marca não inclui nenhum prémio monetário, vai ser atribuída de dois em dois anos e poderão candidatar-se os empregadores dos setores público, privado, cooperativo e da economia social. 

Esta distinção está igualmente prevista para as pessoas com deficiência que tenham criado a sua própria empresa ou emprego.

In: TVI24

Eu quero ver o mundo a cores

Quando somos pequenos dizem-nos que podemos ser tudo o que quisermos. No mesmo dia eu podia ser bailarina, astronauta, leão, lagarto... era só dar largas à imaginação! Quase tudo parecia infinito e cada dia era uma aventura. Lembro-me que com uma caixa de chocolates e uns lápis de cor eu tinha um mundo novo nas mãos; a caixa era um aparelho do futuro que alterava a forma dos objetos e pessoas, ou ainda um laboratório super secreto onde um vilão criava criaturas minúsculas que viriam a dominar o mundo. 

E depois vamos para a escola. O feitiço quebra-se. De um momento para o outro deixamos de poder pensar por nós (ao contrário do que nos fazem crer). Não somos mais seres criadores, mas sim seres que têm de ouvir factos, debitados numa sequência viciada, sem margem para questionar seja o que for. De repente, há que guardar "a criança" num baú, para nunca mais a voltar a ver. 

Começa assim um longo processo de formatação e selecção. Atribuem-nos um número, fecham-nos em salas e vão, pouco a pouco, restringindo os nossos interesses, para que no final escolhamos um caminho único, de preferência que nos proporcione estabilidade económica no futuro. Ao fim e ao cabo o que tentam fazer connosco não é muito diferente do que se faz com as sardinhas em lata. Agrupados por grupos, todos apertadinhos, ciências, artes, humanidades, e dentro dessas categorias é de toda a conveniência que haja uma espécie de cânone, pensamento e aceitação cega do que nos é transmitido.

Cada vez mais a preocupação com a realização pessoal é irrelevante. E se eu quisesse ser palhaça? Se fosse essa a única maneira de eu me sentir verdadeiramente feliz? Não podia seguir o meu sonho? Porque a profissão que escolhemos não pode trazer prazer, pois nesse caso não seria trabalho, mas lazer. 

Para onde caminhamos? Querem formar algum exército de robôs? Pequenas máquinas industrializadas de gerar dinheiro? Sinceramente não consigo compreender.

Quero continuar a ver a caixa de chocolates com os olhos que eu quiser. Não quero ver só um bocado de cartão, com xproporções e marca y. Quero ver para lá do que se vê, sem que tenha de me sentir mal com isso. Não peço que me deixem ser pequena para sempre, não tenho quaisquer aspirações a ser um Peter Pan. Peço apenas que me deixem ter tempo, para explorar, criar, pensar! Eu quero, simplesmente, ver o mundo a cores.

Sou a Maria Costa, tenho 16 anos e sou de Évora. O meu mundo é a arte, seja a fazer música, a dançar, a pintar ou a escrever, é aqui que me encontro.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Os caminhos da escola, normalizar ou diferenciar?

A característica mais evidente de qualquer sala de aula nas nossas escolas é a diversidade dos alunos. Como é reconhecido, esta diversidade decorre, entre outros factores, da obrigatoriedade escolar de há muito instituída e progressivamente alargada, de políticas educativas que procuram implantar princípios de educação inclusiva, da mobilidade dos cidadãos ou, naturalmente das óbvias diferenças individuais entre os alunos.

Durante algumas décadas, apesar de alguns sobressaltos, hesitações, dificuldades, resistências ou falta de recursos pensou-se e tentou-se estruturar uma escola que pudesse ser capaz de diferenciar, de incluir, de acomodar diferenças entre os alunos a escola. Realizaram-se progressos notáveis mas muito estava ainda por fazer.

Escrevo estava porque, entretanto, começaram a soprar ventos de mudança. De uma escola que se procurava orientar numa perspectiva de diferenciação, não responder de forma igual ao que é diferente, temos vindo a assistir a uma reorientação da escola assente numa ideia de "normalização" que, do meu ponto de vista e alguns indicadores sugerem, corre o sério risco de produzir exclusão.

É também claro que a exclusão escolar, educativa, representa quase sempre a primeira etapa da exclusão social em comunidades cada vez mais desenvolvidas e exigentes na qualificação dos cidadãos.

Na verdade, esta visão de "normalização" é estruturante de boa parte da política educativa. Traduz-se de forma substantiva na hipervalorização da avaliação externa, apesar de necessária, em detrimento da avaliação de natureza mais formativa ou na recusa de uma verdadeira autonomia das escolas que lhes permita responder com a organização e os recursos adequados às especificidades contextuais de natureza social, cultural ou educativa.

A OCDE tem alertado em sucessivos documentos para este caminho mas parece estar instalada a ideia de que os exames, só por existirem, promovem qualidade, o que, evidentemente, não acontece, antes pelo contrário, promovem uma retenção que não contém potencial de melhorias como bem assinalou o CNE em relatório recente e os últimos resultados dos estudos comparativos internacionais parecem indiciar.

Em consequência desta "examocracia" em que se tem transformado o nosso sistema educativo, sobrevalorizando a pressão para resultados, constrói-se um processo educativo de "normalização", burocratizado e pouco flexível levando, por exemplo a que muitos alunos nem sequer sejam sujeitos aos exames pois, provavelmente, os seus resultados comprometeriam objectivos institucionais que são "premiados", por assim dizer, pelo MEC numa estranha opção política.

Neste contexto, é peça importante a organização curricular, altamente prescritiva, extensa e burocratizada, assente em metas curriculares também extensas e, dizem os especialistas, inadequadas, que fazem correr o sério risco de que o ensino se transforme na gestão de uma espécie de "check list" das metas estabelecidas implicando a impossibilidade de acomodar as diferenças, óbvias, entre os alunos, os seus ritmos de aprendizagem, criando ambientes escolares pouco amigáveis, por assim dizer, para crianças que experimentem algum tipo de dificuldade.

Dito de outra maneira, a escola estará a sentir progressiva dificuldade em acomodar as diferenças pois deve acrescentar-se a insuficiência de recursos docentes e técnicos fruto da política do MEC que dificulta sobremaneira a existência de dispositivos de apoio ao trabalho de alunos e professores.

Assim, vítimas de uma espécie de "darwinismo" educativo, vão saindo das salas de aula os "menos dotados", os "preguiçosos", os "sem jeito para a escola", que são remetidos, "empurrados" para espaços guetizados ou vias educativas consideradas de segunda, dentro ou fora das escolas.

Neste contexto inquietante em que a maioria dos professores, apesar do MEC, tenta reinventar diariamente o sentido da sua missão e acolher todos os alunos parece-me na verdade imprescindível repensar desta ideia de "normalização" que nos poderá sair demasiado cara.

No entanto, como sempre, mantenho algum optimismo na capacidade que enquanto comunidade tenhamos de caminhar noutro sentido, diferenciar, responder com exigência, com qualidade e de forma diferenciada ao que é ... diferente.

Gostava que o meu neto viesse a frequentar uma escola para todos, com equidade e com qualidade, mesmo consciente das dificuldades, dos sucessos e fracassos inerentes à acção educativa, nas escolas, tal como nas famílias.

Por: José Morgado

Doutorado em Estudos da Criança

quinta-feira, 16 de abril de 2015

A ARTE DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA


Não querendo lançar qualquer sombra de dúvida sobre a genuinidade da intenção dos promotores e instituições envolvidas, da sua preocupação com o universo das pessoas com deficiência ou até do aspecto positivo que a visibilidade possa ter, este tipo de iniciativas sempre me deixa algo embaraçado.

Na verdade, tenho alguma dificuldade em entender porque razão produções artísticas realizadas por pessoas com deficiência deverão ter um circuito próprio de exposição e venda a não ser pelo próprio funcionamento de um mercado altamente competitivo e difícil. No entanto, esta situação afecta todos os autores. Vejamos.

Ou as produções têm a qualidade suficiente para que possam entrar no circuito comercial e sendo assim deveriam ser divulgadas e comercializadas nos espaços onde a generalidade dos artistas expõe e vende mesmo que na sua produção se verificasse um conjunto de apoios que a sua condição solicita.

Ou, por outro lado, as produções das pessoas com deficiência não têm qualidade artística pelo que não podem entrar os espaços de divulgação e comercialização de arte e a sua compra ou venda é uma forma de contribuição social que aquieta as nossas consciências.

Insisto em algo que para mim é incontornável. O critério essencial de inclusão é a participação nas actividades comuns da comunidade, não ao lado da comunidade. Não, não é uma utopia, ter as pessoas da comunidade envolvidas na comunidade é a coisa mais prática que existe. Assim queiramos e sejamos capazes de fazer acontecer esta coisa simples.

É verdade, sei e não esqueço dos inúmeros obstáculos a este entendimento mas o caminho faz-se caminhando e insistindo.

Texto de Zé Morgado

Educação ainda não chega a todos

Os Governos devem “dar prioridade aos mais pobres”, insiste a UNESCO, no último relatório “Educação para Todos”. Cerca de 58 milhões de crianças estão fora da escola e 100 milhões saem sem completar seis anos de ensino.

Em 2012, 184 milhões de crianças frequentavam o pré-escolar, um aumento de dois terços desde 1999. Num total de 164 países, 52% conseguiram aumentar a escolaridade no ensino primário (que a UNESCO define como “primary schools” e que no ensino em Portugal corresponde à escolaridade do 1.º ao 6.º anos) entre as raparigas, minorias étnicas e crianças marginalizadas. Nas economias mais pobres, um terço dos adolescentes vai deixar a escola sem completar o 3.º ciclo, em 2015. 

Apesar da percentagem de adultos iletrados ter baixado de 18%, em 2000, para 14%, em 2015, só 25% dos países atingiram o objetivo de reduzir os níveis de iliteracia em 50%, entre a população, onde as mulheres representam mais de dois terços. O casamento e a gravidez precoce continuam a afastar as raparigas da escola, no entanto, 48% dos países conseguiram bons progressos em matéria de igualdade entre os géneros no que toca à frequência do ensino secundário (que a UNESCO divide entre secundário inferior e superior e que no sistema educativo português corresponde ao 3.º ciclo e 10.º, 11.º e 12.º anos, respetivamente). 

Os números foram divulgados, a 9 de abril, pela Organização das Nações Unidas para a Educação (UNESCO), no seu mais recente relatório sobre o cumprimento do compromisso “Educação para Todos” [Education for All], assumido em 2000, em Dacar por 164 países.

Um terço atinge as seis metas 

Apenas um terço dos 164 países conseguiu até agora alcançar os objetivos definidos em 2000, durante o Fórum Mundial da Educação, realizado em Dacar. As metas eram seis: expandir a rede do pré-escolar, sobretudo às crianças mais desfavorecidas; pôr todas as crianças a frequentar o ensino primário, tendo em especial atenção as minorias étnicas e as raparigas; assegurar a igualdade de acesso à aprendizagem a jovens e adultos; reduzir em 50% os níveis de iliteracia, entre a população; garantir a igualdade e paridade entre os géneros e melhorar a qualidade da educação. 

Cuba, Mongólia, Quirguistão e alguns países europeus figuram entre o terço bem-sucedido, enquanto vários países da África subsariana, Paquistão ou o Iémen ficam longe das metas definidas. A principal meta - fornecer educação primária universal (que no sistema português corresponde aos primeiros seis anos de escola) - foi atingida por 52% dos países; estando 10% perto de o conseguir, 29% longe e 9% muito longe.

No final de 2015, quase cem milhões de crianças (uma em cada seis), a viverem em países desfavorecidos, sobretudo na África subsariana e na Ásia, vão deixar a escola sem acabar o 6.º ano. 

Um terço das crianças que não vão à escola vive em zonas de guerra. Na Síria o conflito está a contribuir para uma “geração perdida”, alerta a UNESCO. No final de 2013, 2,2 milhões de crianças sírias em idade escolar (num total de 4,8 milhões) não frequentavam a escola. Outro exemplo grave surge da Nigéria, onde mais de 200 raparigas foram raptadas da escola pelo grupo Boko Haram e são frequentes os ataques contra os estabelecimentos de ensino. 

No entanto, contra o que seria de esperar, há países em guerra onde se registam progressos. É o caso da Serra Leoa que, apesar de viver há 11 anos um conflito armado, conseguiu duplicar o número de crianças que frequentam o ensino e diminuir o trabalho infantil.

Mais ensino gratuito

Entre 1999 e 2012, a frequência do pré-escolar aumentou em cerca de 64%. Fatores como a legislação – em 2014, 40 países tornaram obrigatório este nível de ensino – e a gratuitidade do acesso estão na base desta expansão, diz a UNESCO. 

Mas há outros fatores determinantes. Na China rural, as famílias mais carenciadas recebem apoios financeiros para incentivar a inscrição no pré-escolar. Na Tailândia, campanhas de sensibilização dirigidas aos pais possibilitaram o aumento para 93% do número de crianças entre os quatro e os cinco anos inscritas. Alguns países conseguiram uma expansão massiva dos seus sistemas públicos, casos do Cazaquistão e do Vietname. No entanto, as disparidades persistem entre meios rurais e urbanos e em algumas comunidades dentro do mesmo país. 

A universalização da educação primária era a meta mais ambiciosa. Dos 116 países com informação disponível, 17 conseguiram aumentar em 20% os níveis de participação entre 1999 e 2012. O Butão, a República Democrática Lao e o Nepal, “fornecem exemplos brilhantes” de melhorias no cumprimento desta meta na Ásia, lê-se no relatório. Na América Latina, os exemplos vêm de El Salvador, Guatemala e Nicarágua, com aumentos na ordem dos 10%. Na África subsariana (onde 15 países instituíram o ensino primário gratuito em 2000) e no Burundi a taxa melhorou de 41% em 2000 para 94% em 2010. 

Nas últimas duas décadas registou-se um forte crescimento do ensino privado e financiado por organizações não governamentais, revela a UNESCO. No Sul da Ásia, abarca um terço das crianças entre os 6 e os 18 anos. A frequência nos privados duplicou ainda em vários países dos Estados Árabes, da Europa Central e de Leste e na África subsariana.

Em áreas de pouca cobertura do ensino público como no Gana, na República da Tanzânia e na Zâmbia, as escolas comunitárias têm sido uma solução eficaz e de baixo-custo, diz a UNESCO. Outro destaque vai para o papel desempenhado pelas escolas religiosas ao nível da instrução primária. No Afeganistão, Bangladesh, Indonésia e Paquistão, pelas escolas islâmicas, designadas por madrassas; na América Latina, pela Ordem Jesuíta que permitiu a mais de um milhão de crianças, espalhadas por 17 países, ter acesso à educação.

Entraves ao ensino 

O trabalho infantil continua a afastar muitas crianças da escola ou a impedir o seu sucesso, confirma a UNESCO. Ainda assim, o número de trabalhadores entre os cinco e os 13 anos de idade desceu de 139 milhões, em 2000, para 73 milhões em 2012. Em cenários de guerra, as crianças correm mais risco de serem retiradas das salas de aula e recrutadas como soldados, bombistas suicidas ou escravos sexuais. 

Num outro plano, a incapacidade física, sobretudo nos países em vias de desenvolvimento, é outro fator de bloqueio. Estima-se que entre 93 e 150 milhões de crianças sejam portadoras de algum tipo de deficiência, o que aumenta o seu risco de exclusão do ensino. 

Secundário sinal de progresso

O acesso ao ensino secundário (ao 3.º ciclo e 10.º, 11.º e 12.º anos, no sistema educativo português) é visto pela UNESCO como “o indicador mais importante de progresso no que toca às oportunidades e à aquisição de competências básicas”. Desde 1999, o ensino secundário teve uma forte expansão, registando 551 milhões de alunos em 2012, diz a organização. Regista-se ainda um crescimento na taxa de frequência neste nível, seja qual for a idade: de 29% para 44%, nos países com poucos rendimentos; e de 56% para 74%, nos países com rendimentos médios. 

Dos 107 países cujas economias se enquadram nestas duas categorias, 94 tornaram gratuito o acesso ao 3.º ciclo (designado pela UNESCO como ensino secundário inferior). Nos países em vias de desenvolvimento, a procura de escolas privadas do 7.º ao 12.º anos cresceu de 15%, em 1999, para 17%, em 2012. 

Além da expansão do acesso à educação formal, os Governos comprometeram-se a ir ao encontro das necessidades de formação de jovens e adultos que abandonaram a escola. Nomeadamente através de currículos alternativos, como as escolas de segunda oportunidade. 

No Bangladesh, os programas BRAC - que têm como objetivo trazer os alunos de volta ao ensino primário (1.º e 2.º ciclos) - conseguiram que 97% dos envolvidos seguissem para o secundário. Outro exemplo vem da Índia, onde o Instituto Nacional de Escola Aberta está a trabalhar com currículos básicos e vocacionais para jovens de 14 anos. Em 2011, 2,2 milhões de estudantes beneficiavam destes programas. Na Tailândia, uma ação nacional de educação e formação de adultos está a criar alternativas para a população mais carenciada, incluindo presidiários e crianças de rua. 

No que respeita à formação contínua, a UNESCO cita bons e maus exemplos de quatro países que, nos últimos anos, realizaram campanhas nacionais para promover a igualdade de oportunidades. Em 2012, no Brasil, cerca de três milhões de jovens acima dos 15 anos, que tinham abandonado a escola, estavam inscritos num programa de educação deste tipo, mas a qualidade do ensino ministrada mostrou-se insuficiente e a taxa de desistência elevada. 

Mais sucesso teve a Noruega em 2006, com uma iniciativa que canalizou fundos para os empregadores motivarem os funcionários a frequentar cursos em competências básicas de literacia, matemática, tecnologias e línguas. 

Em 2007, uma revisão do quadro da educação de adultos na República da Coreia fez aumentar a taxa de participação de 26% em 2008 para 36% em 2012. No Vietname, a educação não formal e o ensino de adultos ganharam forte destaque no sistema educativo, a partir de 2005. Os resultados: quase 10 milhões de adultos envolvidos em formação em 2008, comparados com 500 mil em 1999. 

Tecnologia contra a iliteracia 

A meta era diminuir em 50% o número de adultos que não possuem as competências básicas de literacia até 2015. Apesar dos esforços, reconhece a UNESCO, apenas 25% dos países o conseguiram, 19% ficaram próximos, 32% muito longe e 26% longe de alcançar este objetivo. 

Em termos globais, o documento refere que a taxa de iliteracia caiu de 18%, em 2000, para 14%, em 2015. Um progresso atribuído, sobretudo, ao facto de cada vez mais jovens com formação atingirem a idade adulta. As mulheres representam dois terços dos 781 milhões de adultos analfabetos. Metade das mulheres na África subsariana não possuem as competências básicas de literacia. 

Para contrariar estes números, a UNESCO sugere aos Governos que reconheçam a importância da aprendizagem da língua materna, como meio de instrução nos programas de literacia. As novas tecnologias, apoiadas no crescimento do uso de telemóveis, podem constituir uma oportunidade para fortalecer as práticas de leitura. 

Proximidade reduz desigualdade 

A desigualdade entre rapazes e raparigas no que respeita à frequência do ensino primário tem vindo a ser reduzida desde 1999, mas ainda não foi eliminada, constata a UNESCO, estimando que, no final de 2015, 69% dos países vão conseguir atingir ter igual número de rapazes e raparigas neste nível. 

Já no ensino secundário, há mais desigualdade: apenas 48% dos países obterão bons resultados ao findar 2015. Na África subsariana e no Sul e Leste da Ásia, as raparigas continuam em desvantagem; pelo contrário, na América Latina e nas Caraíbas, os rapazes são os mais afetados: 93 rapazes a cada 100 raparigas frequentam o ensino secundário, o mesmo ratio obtido em 1999. 

O casamento e a gravidez precoce continuam a travar os progressos das raparigas no sistema educativo. Dados de 2000 a 2011 indicam que em 44 países 30% das mulheres, com idades entre os 20 e os 24 anos, contraíram o matrimónio aos 18 anos. “A legislação sozinha pode não ser efetiva para travar estas práticas”, alerta a UNESCO, “no entanto, a incidência de casamentos infantis foi reduzida substancialmente em alguns países”. Na Etiópia, a prevalência de uniões precoces caiu em 20% entre 2005 e 2011, devido a uma mudança na lei e a campanhas de sensibilização na comunidade. 

A dificultar o acesso à escola das jovens, segundo a UNESCO, está também “a necessidade quer de professores com formação ao nível dos estudos do género quer de reformas no currículo”. Ter escolas na proximidade das comunidades pode ajudar a diminuir as barreiras à educação entre as raparigas. Em Ghor, uma província do Afeganistão, a construção de escolas primárias em algumas vilas aumentou em 42% a frequência das raparigas e em 17% a frequência dos rapazes, eliminando o fosso entre os géneros. 

No capítulo final, o relatório constata que mais acesso, nem sempre significa melhor educação. Há caminhos a percorrer no que respeita não só à formação, mas também à motivação dos professores. Por outro lado, é preciso “criar ambientes escolares amigos das crianças” e “fazer com que todos os minutos passados na sala de aula sejam compensadores”. Por isso, depois de 2015 o foco estará na melhoria da qualidade dos sistemas educativos, conclui a UNESCO.

Por: Andreia Lobo

In: Educare

quarta-feira, 15 de abril de 2015

A educação e a condição de deficiência

O relatório da UNESCO “Educação para todos 2000-2015: Resultados e Desafios” publicado em Londres a 9 de abril passado é um documento importantíssimo para o conhecimento e reflexão sobre a situação atual da Educação para Todos e em especial para os alunos com condições de deficiência. Neste relatório é reconhecido que “a marginalização é maior para alunos com condições de deficiência” e que “a condição de deficiência aumenta o risco de exclusão educacional.”. 

Este relatório aponta também diferenças dentro das condições de deficiência ao constatar que “crianças com deficiências auditivas e visuais têm uma melhor escolarização quando comparadas com alunos com deficiência intelectual ou problemas de comunicação”. 

O relatório não fica por aqui: reconhece que a Declaração de Salamanca, publicada pela UNESCO há 20 anos, a Convenção sobre os Direitos das pessoas com Deficiência, as declarações de âmbito regional facilitaram a adoção de medidas políticas e de direitos a favor da inclusão mas ainda que muitos países tenham iniciado processos de transição do “modelo médico” para o “modelo social” da deficiência, muitos países ainda se apoiam numa infraestrutura de “educação especial” e não de inclusão. 

Estes relatórios têm uma extraordinária importância para fortificar as nossas crenças sobre a educação de alunos que têm condições de deficiência ou dificuldades. 

Chamo a atenção pra três aspetos: 

Parece muito surpreendente que alunos que têm claramente dificuldades na escolarização recebam menor atenção e usufruam de menos oportunidades educativas. É como se procurássemos curar uma planta seca com privação de água. Pelo contrário: os alunos com mais dificuldades precisam de mais e melhor educação como mostra este relatório. 

Parece também muito evidente que há tipos de dificuldades que são mais desafiadoras do status da escola. As dificuldades que implicam a mudança do currículo ou de aspetos habituais e rotineiros da escola são consideradas mais difíceis do que aquelas que permitem à escola manter a sua rotina de programa e de métodos de ensino. É como se tivéssemos uma segregação adicional dentro de grupo já segregado. 

Finalmente, encontramos a persistência do “modelo médico” que acha que o problema está nos alunos e pode ser resolvido como se fosse uma doença. Este modelo tem uma consequência lógica: se o problema está na pessoa e na sua cura o melhor é isolá-la. Sabemos hoje que este modelo não só é incorreto sob o ponto de vista conceptual mas também sobre a perspetiva de intervenção. Agrupar pessoas com dificuldades não é uma opção educacional: é um ato de segregação e de injustiça social. 

Estes relatórios ajudam-nos a consolidar as nossas convicções sobre a necessidade e mesmo urgência de refundar a escola sobre princípios de equidade e de inclusão. É isso que “contra ventos e marés” somos chamados a fazer. Hoje, amanhã e depois de amanhã. Sempre. 

Somos convocados para fazer a nossa parte sendo profissionais exigentes e competentes e não nos demitindo da defesa intransigente dos alunos que, por terem maiores dificuldades, têm ainda que arcar com a gigantesca carga de pensarem que eles precisam de menos educação ou de uma educação de menos qualidade. Estes são os alunos que nos desafiam para usar o melhor que sabemos, para usar os melhores recursos que temos, para sermos o melhor que podemos ser. Assim mesmo. 

Por: David Rodrigues 

Presidente da Pin-ANDEE

In: Editorial da Newsletter nº 84 da Pró-Inclusão: Associação Nacional de Docentes de Educação Especial

Recebido via email

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Inclusão: o grande desafio do futuro


Informação recebida via email

Ex-ministros de PS e PSD defendem mudanças nos ciclos de ensino

David Justino e Maria de Lurdes Rodrigues, ex-ministros da Educação de governos social-democrata e socialista, defendem a necessidade de reorganizar os ciclos de ensino, que atualmente se dividem em quatro fases.

O alargamento do ensino obrigatório foi o tema do seminário do Conselho Nacional de Educação (CNE) que levou a ex-ministra Maria de Lurdes Rodrigues e o atual presidente do CNE, David Justino, a debater a situação atual e os desafios do ensino.

Ambos saudaram a escolaridade obrigatória até ao 12.º ano, as melhorias registadas nas taxas de escolarização, abandono e insucesso, mas reconheceram que ainda existem problemas para resolver: "Ainda estamos muito longe de uma escola de sucesso", defendeu o ex-ministro David Justino.

"Durante muito tempo, a preocupação era a igualdade de oportunidades no acesso à escola, mas agora é a equidade no sucesso", disse por seu turno Maria de Lurdes Rodrigues.

As elevadas taxas de insucesso escolar, em especial quando os alunos mudam de ciclo de ensino, foi apontado como um dos problemas a resolver.

Para os ex-ministros é preciso discutir uma nova fórmula de ciclos de ensino, que atualmente se dividem em quatro fases: 1.º ciclo, que é a antiga escola primária que vai do 1.º ao 4.ºano; 2.º ciclo (o antigo ciclo preparatório); 3.º ciclo, que vai do 7.º ao 9.º ano; e o secundário, do 10.º ao 12.º.

"Fomos construindo o ensino por camadas", corroborou Maria de Lurdes Rodrigues, sublinhando que "este é o momento de debater qual o melhor modelo" de organização de ciclos.

"Muitos pedagogos identificaram um bloqueio na forma de organização que faz com que as crianças com dez anos passem de um único professor para 14. É muito desestabilizador para o desenvolvimento da criança", disse Maria de Lurdes Rodrigues, lembrando ainda que com a mudança de ciclo as crianças tinham problemas de concentração e capacidade de relacionamento de matérias.

"É uma oportunidade de discutir isso e de propor para as legislativas seguintes um novo quadro de organização que ajude a combater o insucesso escolar", defendeu Maria de Lurdes Rodrigues, em declarações aos jornalistas à margem do seminário, na sede do CNE, em Lisboa.

Também David Justino entende que este é um dos temas onde será possível conseguir um acordo partidário, uma vez que está provado que existe um elevado insucesso no 2.º ciclo devido "à falta de articulação entre o 1.º e o 3.º ciclo".

"É preciso eliminar obstáculos", disse David Justino, classificando o atual modelo como "uma espécie de bolo de noiva, que é feito às camadas".

In: JN

“Já não chega o estalo ou o pontapé”

“Este ano tem sido especialmente dramático” nos bairros onde vivem as crianças e jovens do Agrupamento de Escolas de Carnaxide-Portela. Os confrontos da rua são transportados para dentro da escola. Agora, além das navalhas, com que alguns ameaçam os colegas, muitos passaram a atirar pedras. Em Março, um aluno golpeou um colega mais novo com uma navalha.

No recreio do almoço, um grupo de rapazes, ao fundo do pátio, atira pedras da calçada. Três meninas de 11 e 12 anos relatam o que acabam de ver. Não é uma queixa. É um pedido de ajuda. A situação inquieta-as. E preferem não ser elas a falar com os rapazes: seriam agredidas, dizem. Convencem a mediadora de conflitos da escola a acompanhá-las. Caminham junto a ela, de mão dada, até ao destino.

Nesta escola da freguesia de Carnaxide, concelho de Oeiras – a Escola Sophia de Mello Breyner (2.º e 3.º ciclos) que, com a Escola Amélia Vieira Luís (1.º ciclo) tem 500 alunos do 1.º ano ao 9.º ano – a “agressividade à flor da pele” com que muitos alunos chegam às aulas tem-se reflectido em actos mais violentos.

Agora, além das navalhas, com que alguns ameaçam os colegas, muitos passaram a atirar pedras e tem havido crianças feridas. “Já não chega o estalo ou o pontapé”, diz a psicopedagoga Fernanda Pinto Correia. “O conflito já é mais físico e mais grave.” E isso acontece com alunos cada vez mais novos, completa a directora Teresa Silva. “Esta escola tem uma situação complicada porque mais de 90% dos alunos são residentes nos bairros à volta – Outurela, Portela, São Marçal. São alunos com vivências muito pouco adequadas para a sua idade, e muitas vezes trazem as brigas da rua, das famílias para a escola.”

“Este ano tem sido especialmente dramático” nestes dois estabelecimentos do Agrupamento de Escolas de Carnaxide-Portela, diz a responsável. Um miúdo de oito anos foi apanhado com uma navalha que dizia ter trazido de casa. Um rapaz de 15 anos foi julgado por furto e violência. Muitos pais ou irmãos de alunos foram presos (seguindo a tendência dos últimos três anos). E há miúdos envolvidos, por familiares, no crime organizado, diz uma professora. Mas não só.

Um dia uma menina de 14 anos fugiu de casa, porque a mãe perdeu a cabeça, e refugiou-se na escola a pedir apoio. O caso resolveu-se, mas este ano, seis crianças (entre os sete e os 12 anos) foram retiradas das suas famílias, por negligência grave ou maus-tratos. Nunca acontecera nos últimos 11 anos desde que Teresa Silva integrou a direcção deste agrupamento. E, embora as ameaças com armas brancas sejam frequentes, muitos anos se passaram sem uma agressão de facto – até ao início de Março.

Nesse dia, no recreio, um grupo de rapazes brinca. Pregam-se rasteiras. Aquele que cai tenta agredir o colega. Há uma troca de pontapés e empurrões, e um deles puxa de uma navalha. O mais novo, de 13 anos, é golpeado, fica ferido e a necessitar de assistência no hospital. O agressor fica suspenso preventivamente. Em menos de um mês é transferido, por decisão da Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares.

Mesmo assim, explica a directora Teresa Silva, “foi preciso um trabalho muito grande de acompanhamento do jovem agredido, para que que continuasse a ir à escola”. Não porque sentisse medo. “Aqui vive-se muito a influência do bairro. Se mostra que tem medo, é inferiorizado”. Mas porque a mãe estava “em pânico”: aquele episódio tinha surgido “sem que houvesse uma razão para aquela agressão tão grave”, diz a directora da escola.

Teresa Silva descreve um cenário de “grande carência” das famílias dos alunos – muitas delas monoparentais – agravado pelos cortes no Rendimento Social de Inserção (RSI) e outros apoios de que depende a maioria dos residentes nos bairros Portela, Outurela ou São Marçal; e muitas situações de desamparo ou violência. Crianças de seis anos, desprotegidas, a caminharem para a escola sozinhas; miúdos de oito, nove e dez anos, na rua à meia-noite; crianças e jovens sobressaltados por rusgas policiais nas suas casas ou na dos vizinhos, e surpreendidos por tiros em ajustes de contas de negócios mal resolvidos. Quando algum episódio desse tipo sucede na véspera, “vê-se logo”. Os alunos chegam agitados. E isso sente-se no recreio ou dentro da sala de aula.

Pedidos de ajuda de alunos inquietos com a violência latente na própria escola surgem quase todos os dias, afirma Fernanda Pinto Correia. A sua função é mediar os conflitos, quase sempre no recreio. É assim nalgumas das mais de 130 escolas do Programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP) – como esta – a quem é dada especial atenção mas que também têm sido abrangidas pela redução da presença de assistentes operacionais.

Na Escola Sophia de Mello Breyner, havia 26 assistentes operacionais (contínuos ou vigilantes) em 2004; são hoje 13 funcionários fixos que conhecem a escola e os alunos. Os que se aposentaram não foram substituídos (a não ser de forma pontual) por pessoas com contratos temporários ou de inserção. A presença dos elementos do Gabinete de Segurança Escolar que antes davam apoio nestas questões também passou a ser quase inexistente, diz Teresa Silva. A tendência é a mesma na generalidade das escolas.

Prioridades desviadas com a crise

“Os problemas da indisciplina e da violência têm vindo a aumentar porque as escolas têm cada vez menos recursos e estão sem meios para dar respostas imediatas”, diz Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares e director do agrupamento de escolas de Cinfães, que aponta este como um dos principais problemas. O outro: “A situação económica e social das famílias leva a que as prioridades sejam desviadas da educação dos filhos.”

Estes foram dois dos aspectos salientados por Adelino Calado, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas e director do agrupamento de escolas de Carcavelos, na apresentação que fez ao grupo de trabalho sobre Indisciplina em Meio Escolar da Comissão de Educação, Ciência e Cultura da Assembleia da República, criado para identificar causas e traçar estratégias numa perspectiva de prevenção, segundo o gabinete desta comissão parlamentar. As audições prosseguem até Maio, e nestas segunda e terça-feira, deputados desta comissão visitam escolas do distrito do Porto e de Lisboa.

Na audição de Fevereiro, Adelino Calado começou por afirmar que “o que se passa na escola corresponde ao que se vive na sociedade” e apresentou situações concretas: “alunos deixados na escola às 7h, onde permanecem até às 20h; alunos que chegam sem pequeno-almoço; pedidos regulares dos pais no sentido de a escola resolver os problemas dos respectivos educandos, por se sentirem impotentes; necessidade de a escola assegurar acompanhamento médico e psicológico aos alunos, face à indisponibilidade dos pais”, lê-se no relatório da audição disponível no site da comissão parlamentar.

“Na generalidade das escolas”, a proporção de assistentes operacionais por aluno “não está a ser cumprida”, disse, apresentando o caso do seu agrupamento, onde “existem nove assistentes operacionais quando deveriam existir 34”.

Com menos funcionários, mas objectivos claros, as escolas do Agrupamento de Carnaxide-Portela tentam chegar aos alunos, talvez mesmo conquistá-los. “Quando nos conhecem, eles procuram-nos e deixam de ter vergonha de contar o que se passa”, conta Fernanda Pinto Correia que só este ano, o terceiro como mediadora nesta escola, sentiu que o seu trabalho começa a dar frutos.

Entre outras iniciativas, está a formar alunos para serem eles próprios mediadores de conflitos e promove uma assembleia todos os meses em que os alunos dão voz aos que os preocupa. Também marcou no calendário um “dia da paz” na escola em que, através da elaboração de um cartaz e outras iniciativas, todos são convidados a participar. “O início de alguma coisa” pode estar a acontecer, diz. Um sinal disso é ver alunos que antes atiravam cadeiras e mesas nas salas de aula, agora levantarem-se e, em silêncio, saírem da sala. Um dia, um miúdo disse-lhe. “Saí para não bater no colega.”

Quando são suspensos, num processo disciplinar, ficam aflitos. Não pelo castigo, mas porque é na escola que comem o pequeno-almoço, o almoço e o lanche. Cerca de 130 alunos estão nessa situação. “A maioria passa fome”, diz Teresa Silva. “Mas quando alguém lhes dá uma maçã ou um pão, partilham entre eles”, acrescenta Fernanda Correia. “Apesar da falta de estrutura familiar, eles são bons miúdos. Conseguem perceber que não têm muito, mas que há quem tenha ainda menos. Têm sensibilidade e ao mesmo tempo uma imensa falta de perspectiva de vida. A escola diz-lhes muito pouco como garantia de futuro.”

In: Público

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Diferenças na escola

Para que as singularidades ou diferenças dos alunos possam ser seriamente consideradas, é preciso mudar a escola.

Parto de uma frase bem conhecida que é atribuída a S. Freud: “Duas pessoas só podem estar completamente de acordo se só uma delas pensar”. Esta frase levanta uma dúvida: se as duas estivessem a pensar poderiam encontrar um acordo?

A resposta que vem da nossa prática quotidiana parece clara: podem, sim. Sabemos que é possível que pares de pessoas, pequenos grupos, comunidades e mesmo grandes grupos se ponham de acordo em relação a um determinado domínio.

Estar de acordo, em sintonia, com a opinião de outra pessoa é um ato intrinsecamente humano. Implica que se abdique de algo que consideramos menos importante ou acessório para valorizar algo que, no nosso julgamento, é considerado mais importante. Assim, o acordo tem sempre algo de renúncia e algo de comunhão. Entende-se por que é que as pessoas que “estão cheias de si” têm dificuldade em chegar a acordos. No fundo, são pessoas que ocuparam todo o espaço da relação com a sua imensa personalidade e não fica a sobrar espaço nenhum para o outro, para receber e acolher outras opiniões. Não há cordo porque não há espaço de renúncia e espaço de acolhimento. Chegar a acordo é, por isso, um ato autenticamente humano porque implica um julgamento, uma decisão e a capacidade e vontade de abdicar de algo que é nosso para acolher algo que vem do outro.

Encontrar acordos entre pessoas obviamente diferentes é uma questão particularmente pertinente em Educação. O modelo mais comum e “clássico” de escola foi fundado a partir da procura da uniformidade. Entendia-se que as crianças eram todas iguais, pelo menos no que dizia respeito à aprendizagem. Se fossem da mesma idade cronológica, logo deveriam – se fossem “normais” – possuir determinadas capacidades. Estas capacidades proporcionar-lhes-iam um ponto de partida comum. A seguir, era só estabelecer um roteiro, um percurso que todas as crianças seguiriam e levaria – na melhor das hipóteses – a que todas adquirissem novas e iguais capacidades. Neste modelo tradicional e secular de escola, a “diferença” é vista como uma bizarria, algo que só alguns têm e que não é lá muito positivo. Ser diferente neste conceito tradicional é sinónimo de não conseguir ser normal e, numa escola que procura a normalidade, a distância entre “diferença” e “anormalidade” é muito curta.

A escola que procura a normalidade é hoje uma escola em profunda crise. As diferenças entre os alunos estão muito mais presentes do que antes e não é possível rotulá-las como patológicas. Por exemplo, sabemos que há alunos que são educados a partir de culturas que têm representações distintas sobre a escola e isso não poderá ser considerado uma “anormalidade”. Por outro lado, é hoje evidente e óbvio que procurar a normalidade e a homogeneidade é uma forma intrinsecamente geradora de segregação de alunos que não estejam aculturados nos mesmos valores da escola. Assim, eleger a homogeneidade como valor da escola é certamente uma forma capciosa de segregação e de semear e agravar as desigualdades entre os alunos.

Por isso parece tão importante que a escola se possa modificar de forma a acolher as singularidades dos alunos. Estas singularidades estendem-se por um espectro muito alargado que vai desde as culturas de origem até às modalidades e enquadramentos de aprendizagem. Todas estas diferenças devem ser consideradas no ponto de partida e no “saber fazer” pedagógico. As singularidades dos alunos são para ser consideradas como pontos de partida, como condições para que a aprendizagem e a educação possam ter sucesso.

Para que as singularidades ou diferenças dos alunos possam ser seriamente consideradas é preciso mudar a escola. A escola que procura a homogeneidade, que se rege por metas iguais para todos os alunos, que ostraciza a diferença não é certamente o melhor começo de vida para pessoas que vão ter de participar em sociedades conflituais e que exigem negociação; não vai ser, de certo, a melhor escola para cultivar a criatividade e para abrir os caminhos da cooperação.

Encontrar consensos entre pessoas que pensam é uma empresa difícil. Por isso precisamos de acarinhar o desenvolvimento desta capacidade desde os primeiros anos da escola, criando valores e ambientes em que, considerando e valorizando as diferenças, é dada confiança e espaço suficiente para acolher “o outro”, para abdicar de algo de forma ganhar o consenso. Sermos singulares significa que temos representações muito diferentes do mundo, por isso nos enriquecemos com o pensamento dos outros.

A nossa escola tem de pensar nisto e agir em conformidade para que não se torne num museu.

Por: David Rodrigues

Prof. universitário, conselheiro nacional de Educação