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sábado, 3 de agosto de 2013
Entrevista com o educador português António Nóvoa
Para o reitor da Universidade de Lisboa, as instituições de hoje carregam a carga de caminhões sobre rodas de bicicleta. Ele destaca a necessidade de criar um tempo probatório para os professores após a graduação
Ele questiona os modelos que temos hoje no mundo escolar e julga boa parte deles ultrapassada. Propõe repensar os cursos de formação inicial e continuada dizendo que, realizados fora da escola e abordando conteúdos distantes da prática, eles não têm muita utilidade. Chama a atenção para um esquema que proporcione aos docentes uma experiência semelhante à residência médica a fim de que eles tenham um tempo supervisionado para aprender a ensinar.
Dono de um pensamento crítico apurado e atento aos problemas contemporâneos que incomodam o mundo da Educação – e resvalam na sociedade como um todo –, António Nóvoa, reitor da Universidade de Lisboa e doutor em Educação pela Universidade de Genebra, reconhece que, atualmente, a escola é uma instituição frágil e sobrecarregada.
Ainda assim, ele pede fôlego, comprometimento e empenho de todos os educadores para elaborar uma nova revolução na área, já que as últimas grandes mudanças ocorreram há 100 anos e estão desatualizadas. Dentre muitas fontes para a tarefa, indica as novidades apresentadas pela Neurociência.
Em visita ao Brasil, Nóvoa palestrou para a equipe de NOVA ESCOLA e respondeu a várias questões. As principais delas, você confere na entrevista a seguir.
Há algum tempo, diz-se que a Educação tem a missão de salvar o mundo. Os educadores reclamam dessa responsabilidade. Eles têm razão?
ANTÓNIO NÓVOA Sim. Há uma espécie de valorização retórica dos professores. Pede-se de tudo a eles. Quem vai salvar o mundo? Quem vai assegurar o desenvolvimento de todos? Quem vai garantir o progresso? Para todas essas questões, a resposta é sempre a mesma, a Educação. Algumas instituições parecem caminhões enormes carregando toneladas, mas eles têm rodinhas de bicicleta no lugar de pneus grandes. A Educação assumiu muitas tarefas. É o fenômeno da escola transbordante. Alguém necessita fazer essas tarefas enquanto ninguém as quer e a escola tem de dar conta delas. Mas uma coisa é dizer que todas são missão da escola e outra é compreender que a instituição precisa cumpri-las enquanto outras esferas da sociedade não estiverem fortes. Quando isso ocorrer, teremos um compartilhamento que chamo de espaço público da Educação.
Como construir esse lugar?
NÓVOA No espaço público da Educação, a escola não está sozinha. Há outras instituições. Elas também têm responsabilidades educativas, culturais e científicas, entre outras. Temos de traçar um caminho de responsabilização visando essas esferas. Para isso, a sociedade precisa se arrumar de outra maneira, sem fazer de conta que crianças e adolescentes não são um problema, já que entre 8 da manhã e 6 da tarde estão quietos em um lugar, sob a supervisão de adultos.
No Brasil, o estágio docente é obrigatório, mas o modelo é falho, não contribui com a melhora da prática. Como resolver esse problema?
NÓVOA Jovens professores são deixados sem acompanhamento, sem apoio e sem controle. O adequado seria que ganhassem autonomia profissional aos poucos. Os mais experientes, desde que capazes, competentes e inovadores, deveriam ter um papel maior na formação dos novatos. Conheço um modelo que gostaria de ver replicado: o Centro Acadêmico de Medicina, da Universidade de Lisboa. Ele é formado por três instituições que estavam articuladas: a faculdade de Medicina, o centro de pesquisa e o hospital. As tarefas que competem a ele são ligadas à formação médica, à pesquisa e aos cuidados de saúde. Lá existem perfis variados de profissionais, uma maneira de assegurar que a ligação entre pesquisa, formação e profissão seja coerente. Vejo alguns problemas para isso se tornar realidade entre os professores. Um deles é o desprestígio da carreira e o outro o distanciamento salarial entre o educador que lida com crianças e jovens e o que leciona na universidade.
Para tentar resolver falhas da formação inicial, projetos de formação continuada têm crescido muito nos últimos tempos. Esse tipo de investimento vale a pena?
NÓVOA Cursos, seminários e outras coisas do gênero nem sempre melhoram o desenvolvimento profissional no que diz respeito à prática nas escolas. Não estou dizendo que eles sejam inúteis, mas é como fazer um mestrado: é positivo, dá prestígio, mas não faz um professor ser melhor. Nada indica, por si só, que o mestre em Educação seja melhor que o colega que não tem o título. O lugar da formação continuada é a escola. É um momento reflexivo, centrado em casos reais, para a construção de práticas pedagógicas.
Avaliar os profissionais que estão em sala de aula com provas contribui para o aprimoramento da Educação?
NÓVOA Sou a favor de dispositivos de acompanhamento e de melhoria do ensino. Insisto que deveria haver um período probatório para avaliar se a pessoa tem condições de lecionar. Mas, para que haja avaliações, os professores precisam estar disponíveis para o processo.
Existem outros mecanismos de regulação que ajudam a alavancar a qualidade da profissão?
NÓVOA Sim. Na Medicina, todos os profissionais sabem quem são os bons e os maus médicos. No caso dos professores, isso não é verdade. Todos parecemos iguais. E mais: lidamos demasiadamente bem com o colega que está na sala ao lado mesmo que ele faça barbaridades com a garotada há 20, 30 anos. Ninguém se intromete num caso desses porque pensa: "Não vou arranjar incômodo e mais trabalho para mim. É melhor fechar os olhos e os ouvidos e fazer de conta que não sei que bem próximo há um educador que tem comportamentos péssimos". Será muito difícil instaurar mecanismos de regulação enquanto cada um julgar que o único patrão é o ministro da Educação ou o governador, que fica a 300 quilômetros de distância da escola. E ainda que não precisa prestar contas a ninguém e muito menos a quem leciona na classe ao lado, à família dos estudantes e ao diretor.
Como o docente extrai legitimidade perante os estudantes na atualidade, com informações disponíveis em vários lugares, como as redes sociais e as iniciativas de Educação não formal?
NÓVOA Minha resposta tende a ser brutal. O professor tem legitimidade e ponto final. Os alunos não têm de dizer o que querem aprender, do que gostam e do que não gostam. O pior a fazer é imaginar que são eles que decidem tudo. No livro Emílio (229 págs., Ed. Publicações Europa-América, europa-america.pt, 7 euros), o suíço Jean Jacques Rousseau (1712-1778) escreve que "as crianças só devem fazer o que querem". Essa frase tem servido para denegrir os pedagogos porque é mal interpretada. Li a versão original da obra para entendê-la por completo. O trecho continua assim: "Mas só devem querer aquilo que vocês professores querem que elas queiram. A criança não deve dar um passo sem que vocês o tenham previsto, a criança não deve abrir a boca sem que vocês saibam o que ela vai dizer". Ou seja, não é uma citação libertária. O docente tem de colocar sua autoridade a serviço da liberdade do aluno. Usá-la para transformá-lo em um indivíduo autônomo. É o paradoxo da Educação: colocar nossa autoridade a serviço da liberdade do outro.
A internet e a TV, por exemplo, são fontes de informação poderosas. A escola está tentando se reinventar, ou pelo menos, se adaptar aos tempos modernos. Porém, aos olhos da sociedade, parece um processo lento. Onde está o erro?
NÓVOA Não estamos levando para a Pedagogia as coisas mais importantes que aconteceram nos últimos 20 anos na Ciência e na sociedade. Há pessoas que trabalham com didática e com currículo, mas tenho a sensação de déjà vu. Parece que elas estão chovendo no molhado. Falta ir à procura de conhecimentos novos. A Neurociência, por exemplo, apresenta muitas informações que podem impactar a organização do espaço, do currículo e do tempo na escola. Todos esses elementos são iguais ainda, tal como eram no fim do século 19, que foi uma época bastante rica. A Sociologia da Educação, a Psicologia da Infância e a piagetiana têm seu lugar, mas não ajudam a pensar de uma maneira inovadora a realidade pedagógica atual.
Isso significa inventar uma maneira para ensinar?
NÓVOA Sim. Há 100 anos, as sociedades davam pouca atenção à infância, ao movimento, ao jogo, à comunicação. Eram essencialmente rurais e tinham um índice de analfabetismo imenso. Isso mudou, mas continuamos pensando a Pedagogia como antes. Temos de fazer outra revolução. Cabe à escola caminhar para tornar mais complexas as dimensões do conhecimento e da comunicação. Necessitamos inventar a ciência da aprendizagem – enriquecida com a Neurociência –, da comunicação e da gestão da aprendizagem.
Mesmo com tantas mudanças na sociedade, a escola continua sendo uma instituição imprescindível para a formação do ser humano?
NÓVOA Sim. Ela é o lugar onde é possível falar com toda gente e sobre todas as culturas. As crianças precisam conhecer mundos diferentes. Quando perguntaram ao filósofo francês Olivier Reboul (1925-1992) o que deve ser ensinado nas escolas, ele respondeu citando o filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903): "Tudo que une e tudo que liberta". O que une são as raízes. O que liberta é o mundo. O que une são as culturas a que pertencemos. O que liberta são as ciências e as outras culturas. O que une são as tradições. O que liberta é o conhecimento sobre outras realidades. Sempre que perdemos a segunda dimensão ou a deixamos de lado propositalmente, confinamos as crianças em espaços coerentes, porém muito mais pobres.
Por: Beatriz Vichessi
In: Revista Escola
Via: Facebook
quinta-feira, 1 de agosto de 2013
OS ESPECIAIS PROBLEMAS DOS ALUNOS ESPECIAIS
Foi conhecido o Relatório da Inspecção-geral da Educação e Ciência, Educação Especial: Respostas Educativas, respeitante ao ano 2011/2012.
Umas notas breves. A avaliação envolveu 97 agrupamentos e escolas nas quais existiam 3489 turmas com alunos com necessidades educativas especiais integrados e apenas metade tinham a redução de alunos prevista na lei. Nada de estranho, como é sabido, o Ministro Nuno Crato acredita que turmas grandes favorecem o sucesso educativo, mesmo o de alunos com necessidades especiais.
No Relatório identificam-se alguns constrangimentos, alunos cegos ou com baixa visão sem acompanhamento adequado ou mesmo sem ensino de braille ou de orientação e treino de mobilidade, escolas que recebem alunos surdos sem ensino de Língua Gestual Portuguesa ou sem intérprete, a maioria das escolas não estrutura programas de transição para chamada vida activa, pós-escolar, não promovendo eficazmente projectos de integração social que seriam desenvolvidos em parceria com outras instituições. Este facto, que não me surpreende, lamentavelmente, decorre de um dos equívocos estabelecidos nos últimos anos neste universo, as Parcerias Público Privadas para a inclusão. O Relatório refere ainda a insuficiência de professores, técnicos e intérpretes para o número de alunos com necessidades especiais a frequentar as escolas analisada.
A propósito deixem-me recordar algumas referências do Relatório também da IGEC mas de 2010/2011 e que cito de um texto que na altura aqui coloquei. Da avaliação realizada releva falta de formação específica para a resposta às necessidades dos miúdos com necessidades especiais, falta de técnicos, designadamente psicólogos, e indefinição ou ausência de estratégias relativas à educação deste grupo de alunos.
Parece que as mudanças de um ano para o outro não aconteceram.
As crianças com necessidades educativas especiais, as suas famílias e os professores e técnicos, especializados ou do ensino regular sabem, sobretudo sentem, um conjunto enorme de dificuldades para, no fundo, garantir não mais do que algo básico e garantido constitucionalmente, o direito à educação e tanto quanto possível, junto das crianças da mesma faixa etária. É assim que as comunidades estão organizadas, não representa nada de extraordinário e muito menos um privilégio.
Continuo a entender que com base num incompetente normativo que carece de urgente revisão, o lamentável Decreto-Lei 3/2008, temos milhares de crianças com necessidades de apoio educativo e que estão abandonadas e "entregadas" em vez de integradas, pese o empenho de muitos profissionais dedicados. Este cenário acontece muito por força do que o Relatório da IGE aponta, falta de formação, de recursos e de estratégias concertadas e consistentes de acolhimento das diferenças dos miúdos diferentes, mais diferentes.
Também tenho a convicção o conhecimento de que esta legislação inibe, em muitas circunstâncias, a prestação de apoios a crianças que deles necessitam, quer por via da gestão de recursos impondo taxas de prevalência de problemas fixadas administrativamente e sem qualquer correspondência com a realidade, quer pelos modelos de organização de respostas que impõe.
Sei ainda que a prestação de serviços educativos, na área da psicologia por exemplo, em "outsourcing" ou as parcerias estabelecidas com as instituições assentam num enorme equívoco que os cortes orçamentais tornaram evidentes as dificuldades e o desajustamento do modelo escolhido que na altura designei como um logro criado junto das instituições privadas que intervinham na área da educação especial e ao qual, por razões também económicas e de sobrevivência, tiveram de assumir.
Como é evidente, sei finalmente que em situações de dificuldade económica, as minorias, são sempre mais vulneráveis, falta-lhes voz.
Como sempre afirmo, os níveis de desenvolvimento das comunidades também se aferem pela forma como cuidam das minorias.
Lamentavelmente, estamos num tempo em que desenvolvimento se confunde com mercados bem sucedidos, com cortes nos recursos necessários e na normalização dos miúdos, mesmo dos miúdos especiais.
Texto de Zé Morgado
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