segunda-feira, 15 de junho de 2015

Os exames como arma política

Estamos em plena época de exames e só os mais distraídos não terão percebido a importância que eles têm num ano de final de mandato. Enquanto já se percebeu que em matéria de Educação o pré-programa do PS se diferencia do desenvolvido pelo actual governo basicamente pela recusa de exames no 4º ano, também já é bastante claro de que modo os resultados dos exames ou provas finais de pouco servem quando os critérios de classificação oscilam ou os programas e metas curriculares mudam a um ritmo incompatível com qualquer tentativa séria para aferir a evolução das aprendizagens dos alunos.

No caso do Ensino Básico, os programas de Matemática e Português sofreram pelo menos duas alterações profundas em menos de uma década, culminando com a impensável revogação do de Português a meio de um ano lectivo quando tinha sido ele a orientar o trabalho de professores e alunos até cerca de dois meses antes da realização das provas de 4º e 6º ano. Esta instabilidade traz um carácter errático aos resultados dos alunos, introduzindo perturbações desnecessárias e só explicáveis pelo campo de batalha em que se tornou o ensino daquelas duas disciplinas nos últimos anos.

Um outro problema, transversal aos governos que se têm sucedido, é a tentação a que nunca se resiste de querer apresentar resultados a tempo do final do mandato ou quando se pretende demonstrar que se está no caminho certo, quando o clima de conflito no sector é muito evidente. Assim se passou em 2008 quando, no auge do conflito com os professores, o ministério da Educação conseguiu tirar da cartola um aumento extraordinário dos resultados dos exames de Matemática do Ensino Secundário que se apressou a atribuir às mudanças introduzidas com o PAM – Plano de Acção da Matemática – que apenas ainda tinha sido aplicado aos alunos do Básico. Assim se passou em 2009 com os resultados de Português. Os anos de final de mandato são quase sempre de resultados acima da média em algumas disciplinas ditas “estruturantes” ou com maior impacto mediático. Para quem acha que estou a exagerar, direi que recolhi estes exemplos num artigo do director do actual IAVE (“Exames nacionais: instrumentos de regulação de boas práticas de ensino e de aprendizagem?” no volume A Avaliação dos Alunos publicado pela FFMS em 2012, página 58, nota 10).

É este mesmo director do IAVE que em entrevista recente ao Público faz algumas declarações entre o cândido e o perturbador. Questionando-se sobre a utilidade dos exames para a melhoria das aprendizagens dos alunos, faz algo que lhe não é raro, ou seja, lança em primeiro as culpas para longe e embora desta vez afirme não querer culpar os professores e as escolas acaba por fazê-lo de forma indirecta quando afirma que eles fazem um treino intensivo para os exames e que cedem a pressões externas: “é o maior erro que se comete em matéria de prática de sala de aula. E por várias razões. Faz-se esse treino intensivo, mas para o tal feedback de qualidade não há tempo porque o objectivo é fazer testes por fazer. (…) Os alunos estão a ser formatados. É um péssimo retrato da escola, mas há muita dificuldade de mudar este paradigma. Há a pressão da obtenção de resultados por parte das escolas, há a pressão dos pais, há todo um conjunto de contextos sociais que criam uma espécie de ratoeira em que somos tentados a ir pela forma mais fácil, que é a de treinar intensivamente para os exames.”

Mas o que é mais perturbador é quando admite que os resultados dos exames podem ser determinados em grande parte pela sua concepção e que é possível produzir a melhoria das médias a partir de pequenos pormenores na elaboração das questões ou do ajustamento dos critérios de classificação. Algo que já se conhecia de forma empírica, mas que é bom ver confirmado pela autoridade máxima em exames e provas finais. Vejamos o que é dito sobre o exame de Matemática do Secundário: “tem havido um comportamento atípico de alguns itens que está a gerar classificações tendencialmente mais baixas. Não tem a ver com os alunos saberem menos. Desse ponto de vista a intervenção, e aqui mostra-se como é fundamental termos independência técnica, tem de ser a de tentar perceber porque é isso está a acontecer e tentar intervir. O que pode ser feito, por exemplo, como fizeram ao longo deste ano, ao nível sobretudo dos critérios de classificação. Fala-se muito do enunciado e esquece-se também que há uma dimensão que é determinante para os resultados que são os critérios de classificação e as pontuações atribuídas aos itens. (…) Melhorar pode significar aprimorar um critério de classificação, melhorar os cuidados a ter na linguagem utilizada, utilizar-se suportes mais acessíveis”.

Quando já temos muitos anos de exames e provas finais é para mim estranho que ainda se andem a “aprimorar detalhes”, em especial quando se afirma que são ouvidas centenas de professores e auditores. Entendo que se procure sempre melhorar o trabalho feito mas não me parece muito transparente que isso seja feito com o objectivo directo de melhorar os resultados em dados momentos. As questões devem ser sempre claras e não um labirinto semântico e esse erro não é novo. Quanto aos critérios de classificação, muito haveria a dizer sobre a sua oscilação ao longo do período de classificação, em particular quando se percebe que os resultados estão ser desastrosos porque a prova ou esses mesmos critérios estavam em grande parte mal concebidos e é necessário adaptá-los. Só que o dever de sigilo dos classificadores impede que a opinião pública tenha conhecimento das absolutas barbaridades que se passam ao nível das instruções dadas para adaptar os critérios e que chegam por mail a poucos dias da entrega das grelhas de classificação. Já sei que haverá quem diga que o que afirmo é residual. Eu diria que não é que depende muito da sensibilidade do momento. Que é maior em anos como 2015 em que há eleições e em que “alguns itens” são menos bem-vindos ou tendem a ter um valor relativamente menor.

Tudo isto resulta da opacidade em que mergulha o funcionamento do IAVE em tudo o que está a jusante da publicitação das provas/exames e dos critérios oficiais de classificação. Publicitação que é positiva mas que deveria ser extensiva ao conhecimento das equipas que fazem as provas e cuja escolha conviria ser feita de um modo mais rigoroso do que o “todos conhecemos pessoas que sabemos serem capazes de” ou equivalente que o director do IAVE declarou em recente debate televisivo sobre estas matérias.

Porque a transparência do processo de produção das provas permitiria perceber, em especial em algumas disciplinas, se existe continuidade na perspectiva adoptada ou se andamos a mudar conforme a capacidade de pressão de alguns nichos académicos. Porque essa transparência também permitiria que ninguém tirasse partido de um conhecimento privilegiado das provas até para termos a certeza de que muitos dos materiais pedagógicos produzidos para comercialização não sofrem de qualquer “incompatibilidade”. Só a transparência gera confiança e elimina as dúvidas e suspeitas. E todos os parentes de César devem ser e parecer sérios.

Este texto vai longo mas não gostaria de o terminar sem assinalar algo em que concordo com Hélder de Sousa. Realmente “não faz qualquer sentido que haja porventura mais escolas a beneficiar do crédito por terem reduzido a classificação interna do que por via da melhoria dos resultados dos alunos nos exames”. Porque essa, sim, é uma prática perversa e que penaliza os alunos.

E já agora… duas pistas acerca do “sucesso” nos exames e provas do Ensino Básico deste ano e dos próximos: muitos milhares de alunos com historial de insucesso foram “dispensados” de os fazer por via do “ensino vocacional” e este ano já não vão a exame de 6º e 9º ano todos os alunos como até agora, ficando para a 2ª fase – a menos mediática – os que já apresentam um número elevado de classificações inferiores a três e previsivelmente produziriam mais insucesso nas pautas.

É bem verdade que o sucesso pode estar na atenção aos “detalhes”.

Por: Paulo Guinote

“Os exames não estão a gerar melhorias das aprendizagens”

O presidente do organismo que elabora os exames nacionais e os seus critérios de classificação, o Instituto de Avaliação Educativa (Iave), considera que o treino intensivo para estas provas, que tomou conta das escolas, “é o maior erro que se comete em matéria de prática de sala de aula”.

Hélder de Sousa, professor de Geografia do secundário, que antes esteve à frente do Gabinete de Avaliação Educacional, o organismo que precedeu ao Iave, lamenta que a análise exaustiva das respostas dos alunos por domínio, que anualmente é devolvida às escolas, não se tenha ainda traduzido na ultrapassagem das dificuldades que ali são identificadas, sempre as mesmas de ano para ano.

Assume que os exames ainda não geraram melhores aprendizagens, uma situação que descreve como sendo o “calcanhar de Aquiles” do sistema. E como a prestação dos alunos não tem melhorado, admite que o conseguir-se melhores resultados nos exames passa essencialmente por pequenas correções nas provas ou nos critérios de classificação, como voltará acontecer este ano.

Em 2014 na maior parte das disciplinas do ensino secundário as médias de exame subiram, à exceção da Matemática e de Física e Química e de poucas mais. Tendo em conta a vossa capacidade de anteverem resultados pela análise exaustiva que têm feito das respostas aos exames já realizado, conta que esse fenómeno se passe outra vez este ano? 
Esta discussão anual sobre as subidas e descidas de resultados está muito empolada porque se valorizam oscilações que, do ponto de vista estatístico, têm uma amplitude muito reduzida. Basta haver uma variação de oito décimas, meio valor ou até um para se ficar imediatamente com a sensação, que é errada, que o sistema está a melhorar ou a piorar. Só que estas oscilações, e porque estamos a falar de provas que todos os anos são novas, são perfeitamente naturais e não significam que possa estar a haver uma melhoria ou uma regressão. Estas conclusões só são possíveis quando se verifica uma tendência persistente por exemplo de subidas de resultados, mesmo que pequenas. Mas o que se tem passado é que os resultados têm subido ligeiramente, voltado a descer, voltado a subir e portanto do ponto de vista estatístico estamos perante uma tendência irrelevante.

Também queria referir que quanto à polémica [levantada pelo presidente do Conselho Científico do Iave], que foi mal colocada, sobre a encomenda feita pelo ministério a propósito dos exames, é que esta incide sobre algo que nós já fazemos há anos e que é manter a estabilidade das provas.

Estabilidade em que aspetos?
Na dimensão das provas, na dificuldade dos itens, temos itens com uma dificuldade variada, mas que à partida se mantém de ano para ano, no tipo de itens, se são de escolha múltipla, se são de resposta extensa, no tipo de exercícios que são propostos, etc. Ou seja, há uma preocupação de manter os instrumentos de avaliação estáveis.


E quanto à possibilidade de preverem os resultados dos exames? Como é que fazem?
Só conseguimos prever resultados com um elevado grau de certeza porque os alunos, de uns anos para os outros, nem melhoram, nem pioram. E porque apesar de as provas serem públicas, tentamos que sejam muito similares entre si de ano para ano. Se já sabemos de antemão que os alunos não têm mostrado grandes diferenças nos seus desempenhos, é lícito pensar que se a prova tem características semelhantes os resultados também vão ser semelhantes. É nesta perspectiva que dizemos que temos capacidade de previsão.


Não lhe vou pedir para me revelar os conteúdos das provas, mas como estas já estão feitas há meses volto a insistir sobre qual é a vossa previsão quanto aos resultados deste ano. No ano passado houve oscilações significativa, por exemplo a Biologia e Geologia que, depois de vários anos com resultados negativos, voltou a uma média positiva.
É verdade, mas volto a dizer que quando se comparam apenas dois anos pode-se ter a sensação de que houve um salto grande, quando o que existe é uma subida de 10, 12 pontos percentuais, por vezes de um valor. Percebo que, do ponto de vista dos media, a preocupação seja comparar sempre com o ano anterior, mas isso é muito redutor do ponto de vista da análise.


Volto a insistir, não se esperam grandes surpresas nos resultados dos exames este ano?
No secundário há algumas áreas que nos têm estado a preocupar, que são sobretudo as ligadas à parte das tecnologias, a Física e a Matemática. E preocupam-nos porque tem havido sem grande razão, principalmente na Matemática, uma variação anual que, embora seja reduzida, tem sido nos últimos anos sempre no mesmo sentido, para baixo. Há dois, três anos, estávamos a gerar uma prova que era reconhecidíssima pela Associação de Professores de Matemática, pela Sociedade Portuguesa de Matemática, com uma dificuldade ajustada e adequável, e que estava a gerar classificações médias dos alunos internos da ordem dos 10,5, 10,6, o que me parece perfeitamente equilibrado.

O que é que aconteceu depois?
Tem havido um comportamento atípico de alguns itens que está a gerar classificações tendencialmente mais baixas. Não tem a ver com os alunos saberem menos. Desse ponto de vista a intervenção, e aqui mostra-se como é fundamental termos independência técnica, tem de ser a de tentar perceber porque é isso está a acontecer e tentar intervir. O que pode ser feito, por exemplo, como fizeram ao longo deste ano, ao nível sobretudo dos critérios de classificação. Fala-se muito do enunciado e esquece-se também que há uma dimensão que é determinante para os resultados que são os critérios de classificação e as pontuações atribuídas aos itens.

Os resultados obtidos nas duas disciplinas começam a desviar-se daquilo que é o reconhecido como adequado. Por maioria de razão, na Física e Química A, do 11.º ano, que tem um problema crónico de resultados muitíssimo baixos. É por norma a disciplina com resultados mais baixos. Estes resultados espelham porventura um nível de exigência desadequado e afugentam alunos de uma área que para o nosso desenvolvimento, enquanto país, é essencial, que é a área das tecnologias.

Então podemos esperar alguma correção?
O trabalho que foi feito nos últimos dois anos, começámos já no ano passado com Física e Química A, foi no sentido de encontrar um ponto de equilíbrio à semelhança do que tem sido conseguido para as outras disciplinas.

Bastam então pequenas correções para se obter melhores resultados?
Para a elaboração das provas são ouvidos centenas de professores e de auditores e nós somos muito sensíveis às suas críticas e sugestões de melhoria. Melhorar pode significar aprimorar um critério de classificação, melhorar os cuidados a ter na linguagem utilizada, utilizar-se suportes mais acessíveis. Isto passa-se ao nível de um enorme pormenor, mas que na prática, porque a escala é nacional, pode fazer a diferença entre os alunos terem facilidade em perceberem e responderem às questões do que não conseguirem. E às vezes basta um pormenor.

Esta é uma preocupação. A outra diz respeito à validade global das provas, o que tem a ver com o facto de estas combinarem dois elementos importantes, mas que são difíceis de articular. Por um lado, têm de ser reconhecidas como tendo uma exigência adequada, embora seja complicado definir exatamente qual é este patamar. Por isso podemos chegar lá pela negativa ou seja, as provas não podem ser demasiado fáceis ou demasiado difíceis. Por outro lado, nomeadamente no que respeita ao ensino básico, existe uma preocupação essencial em conseguir-se que os resultados não sejam negativos ou que estejam próximos da positiva, existindo assim uma distribuição equilibrada entre os alunos que têm positiva e os que têm negativa.

Esse é um objetivo que não tem sido alcançado, nomeadamente no que respeita aos resultados da prova final de Matemática. Houve já vários anos com médias negativas tanto no 9.º ano, como no 6.º e 4.º.
Mas os desvios são muito pequenos. Por vezes as médias têm sido de 47% ou 48% numa escala de 0 a 100. Quando dizemos que previmos os resultados o que isso significa é que vamos prever num intervalo ente 50% e 57%, o que não significa que a média da prova não venha a ser 47% ou 48%. E isso não significa que a prova tenha sido mais difícil, mas sim que houve um comportamento que esteve fora daquilo que era esperado em um ou dois itens.

Em 2011 foi essa a razão apontada para justificar uma das piores médias de sempre (8,) no exame nacional de Português do 12.º ano. Porque houve perguntas de Gramáticas que foram feitas de forma diferente?
Exatamente e foram apenas dois itens. Não estávamos à espera que tal acontecesse, mas isso não legitima que se diga que se fizeram provas mais fáceis ou difíceis com alguma intenção obscura, como muitas vezes se quer fazer crer.

A título pessoal, já tenho manifestado várias vezes que me sinto muito constrangido pelo facto de sermos uma sociedade que considera normal que a avaliação externa gere uma percentagem tão elevada de resultados negativos. Muitas vezes superior a 40%, sem que nada aconteça depois, sem que soem campainhas de alarme e se adotem medidas muito concretas, com resultados rápidos, com vista à superação das dificuldades de aprendizagem dos alunos. 

No básico isto é muito preocupante, porque estas dificuldades de aprendizagem raramente são recuperadas ao longo da vida escolar dos alunos. É como se estivéssemos a fazer uma antecipação de percursos académicos que vão ser muito complicados. E não só dos que têm classificações negativas, mas também dos alunos que têm uma classificação de 3 (numa escala de 0 a 5) e para os quais se olha pouco. E é preocupante terem 3 porque, principalmente no 4.º e 6.º ano, significa que houve aprendizagens muito importantes que provavelmente não foram alcançadas e por isso estes alunos têm um resultado muito aquém do que seria um desempenho bom ou excelente.

Já existem exames no ensino básico há vários anos e antes deles realizavam-se provas de aferição nacionais. E tanto o Gabinete de Avaliação Educacional (Gave) com o Instituto de Avaliação Educativa, que lhe sucedeu, têm elaborado relatórios anuais onde se identificam as principais dificuldades sentidas pelos nas provas e que são sempre as mesmas de ano para ano. Dito isto, considera que houve algum efeito da avaliação externa na melhoria das aprendizagens em sala de aula?
Penso que o calcanhar de Aquiles do sistema passa exatamente por essa questão. Em princípio, os exames têm um papel essencial na regulação do sistema porque, por um lado, vinculam os professores ao cumprimento do programa e, por outro, definem um patamar de exigência que está padronizada a nível nacional. Mas efetivamente os exames não estão, como gostaríamos que acontecesse, a gerar melhorias.

Temos devolvido resultados às escolas que lhes permitem comparar o desempenho dos seus alunos nos vários domínios que são avaliados. Não acho importante que se comparem médias, mas sim que as escolas percebam com os estão os seus alunos num determinado domínio, por exemplo a escrita, por referência ao que é o padrão nacional. O que seria necessário é que houvesse um movimento a nível nacional com o objetivo de identificar quais são as capacidades e competências fundamentais, transversais às várias disciplinas e que se olhasse para o desempenho dos alunos nestas áreas. Porque, no fundo, são estas competências que dão aos alunos a capacidade de, em qualquer contexto novo, olharem para a informação que lhes é dada e serem capazes de processá-la. Se não conseguirmos fazer isto, vamos ter um problema porque é dessa capacidade que os alunos vão precisar no futuro.

São os professores que estão a falhar?
Sou muito avesso a essa tendência de se apontar o dedo com muita facilidade. As escolas em regra apreciam o tipo de informação que lhes damos e têm vindo a analisá-la com muito cuidado. O salto que falta dar é o de serem capazes de darem aos alunos um feedback de qualidade. Não responsabilizo os professores por isso, porque considero que o défice que existe neste campo provém da formação inicial que lhes tem sido dada.

Normalmente o que se devolve aos alunos é uma nota e é geralmente isto que eles e os pais também querem saber. Mas uma nota não nos diz o que ficou por aprender ou o que está mal aprendido e o que se tem de fazer para melhorar. É fundamental que os professores sejam capazes de o fazer, só que esta capacidade não nasce por acaso. Tem de ser ensinada e o que vejo é que na formação inicial dos professores se valoriza pouco esta área da avaliação.

Nos relatórios sobre os exames vê-se que as principais dificuldades dos alunos se repetem de ano para ano. Apesar de nas aulas se passar muito tempo a treinar para os exames, com os alunos a resolverem todas as provas passadas, e isto quase logo a partir do 2.º ano de escolaridade por causa do teste intermédio. O que está a correr mal então?
É o maior erro que se comete em matéria de prática de sala de aula. E por várias razões. Faz-se esse treino intensivo, mas para o tal feedback de qualidade não há tempo porque o objetivo é fazer testes por fazer. Aos alunos isto acaba por lhes criar também uma certa ansiedade porque eles se apercebem que há determinados itens que não conseguem resolver e que não há tempo sequer para os aprender. É completamente anacrónico e já se provou que não resolveu nunca problema nenhum, nem vai resolver.

Esta prática tem tido algum impacto na melhoria das aprendizagens?
Zero. Os alunos estão a ser formatados. É um péssimo retrato da escola, mas há muita dificuldade de mudar este paradigma. Há a pressão da obtenção de resultados por parte das escolas, há a pressão dos pais, há todo um conjunto de contextos sociais que criam uma espécie de ratoeira em que somos tentados a ir pela forma mais fácil, que é a de treinar intensivamente para os exames.

Então os efeitos dos exames nas aprendizagens em sala de aula não serão mais perversos do que benéficos?
Há essa ideia muito generalizada que não tendo exames o sistema funcionaria melhor. Eu repudio essa ideia. Há muitos anos de escolaridade em que não existem exames e no entanto não existe qualquer evidência que a avaliação interna nesses anos seja de caráter essencialmente formativo. E porquê? Porque há testes e os alunos estudam para os testes e portanto tanto faz haver exames no final, como não. E são os testes que acabam por ter um peso muito grande na avaliação interna. É esta a cultura de escola dominante cultura de escola está muito marcada desta maneira.

Agora cair no extremo oposto e defender que então é melhor não ter exames, é um discurso perigoso. Por que se não existirem exames corre-se o risco de retirar do sistema o único mecanismo de regulação do que se faz nas escolas e centrar toda a avaliação na avaliação interna. E quem é que valida essa avaliação? Não está em causa a seriedade dos professores, mas nos exames há um padrão uniforme para todos, que permite que à partida todos estejam em pé de igualdade, o que já não acontece com da escola. E Um sistema sem controlo tem tendência a estagnar ainda mais e provavelmente até a regredir.

Que eventuais efeitos poderão ter o facto de a redução da diferença entre classificação interna e externa ser um dos critérios escolhidos pelo ministério para outorgar um crédito horário às escolas, que lhes permite ter mais atividades ou apoios? Concorda com o presidente do Conselho Científico do Iave de que já está a ter o “efeito perverso” de levar as escolas a reduzir a classificação interna dos seus alunos?
É uma questão muito sensível. Fico algo espantado quando há pessoas que estranham que haja uma diferença, que é perfeitamente natural, entre a classificação interna e a externa. Estamos a avaliar coisas diferentes e ainda bem. Este é um ponto. Outro é que não existe nenhum estudo, nenhuma referência sólida que permita saber qual é a medida adequada, justa, para a diferença entre classificação interna e externa.

Há três anos perguntei às diferentes associações e sociedades com representação no Conselho Consultivo do então Gave qual seria o intervalo aceitável desta diferença. Até hoje só tive resposta de uma associação de professores.

Acho que pode ser perigoso criar-se um critério que joga com este indicador da diferença entre avaliação interna e externa sem que este esteja devidamente estudado e quantificado. Já percebemos que as escolas têm dificuldade em subir de forma consistente a classificação de exame e para irem ao encontro do que é pedido poderá estar-se a esboçar uma tendência de descida da classificação interna. Ainda não temos dados suficientes sobre isto. No 9.º ano, na Matemática, já se pode afirmar que essa tendência existe, mas no secundário não é estatisticamente relevante por enquanto.

Penso que este critério deve ser repensado e reavaliado porque não faz qualquer sentido que haja porventura mais escolas a beneficiar do crédito por terem reduzido a classificação interna do que por via da melhoria dos resultados dos alunos nos exames.

Recursos nas escolas: os centros e a periferia

Repetimos muito, apoiamos pouco, tarde e mal. Sem dúvida que é urgente inverter este rumo.

Ninguém ignora as dramáticas consequências da retenção de alunos, isto é, usando uma metáfora da caça, “os chumbos”. Sabemos que na grande maioria dos casos a retenção não é eficaz porque não redireciona o ensino para as áreas em que o aluno apresenta mais dificuldades e, portanto, limita-se a repetir o que já tinha sido dito e como tinha sido dito.

Sabemos até que a retenção, tal como existe atualmente, é uma clara infração às regras que a própria escola criou: se assim não fosse, como é que um aluno seria obrigado a voltar a repetir disciplinas em que foi aprovado? Mais recentemente tomámos conhecimento da dimensão deste fenómeno ao saber que aos 15 anos, 35% dos alunos portugueses já tinham sofrido uma retenção (o que nos coloca entre os países com mais retenção na Europa e na OCDE) e que a retenção tem um custo estimado no nosso país de 600 milhões de euros anuais. Isto já para não falar nas consequências que a retenção tem ao nível individual, na autoestima e no inerente desinvestimento dos alunos.

E levanta-se a magna questão: como se resolve este flagelo, ao mesmo tempo exagerado e injusto? A resposta mais imediata é que este assunto não se resolve de uma vez, com uma medida, mesmo com um único programa. As razões das retenções são muito diferentes e estão fortemente enraizadas na nossa cultura e, portanto, não é previsível que se se resolvam de uma “penada”. Não devemos ceder à tentação de pensar que podemos resolver problemas complexos com medidas pontuais e simples.

Talvez a pergunta pudesse então ser reformulada: “O que seria prioritário para combater a retenção?”. Face a esta pergunta a resposta que parece óbvia é: “Dando mais apoio, dando melhor apoio aos alunos”.

A literatura científica e as posições de organizações internacionais coincidem ao dar como adquirido que o apoio quanto mais cedo for dado, quanto mais precoce, quanto mais preventivo for, melhor. O mesmo tipo de apoio dado numa fase inicial das dificuldades e dado numa fase em que as dificuldades já se encontram instaladas, tem efeitos muito diferentes, isto é, o apoio mais precoce é incomensuravelmente mais proveitoso do que aquele que é dado mais tardiamente. Precisamos pois de um tipo de organização da escola que detete dificuldades, ou mesmo a possibilidade da existência de dificuldades no aluno e comece logo a atuar, de forma preventiva, de forma a que este esboço de dificuldade não se venha a instalar como uma dificuldade estrutural.

Outra característica dos bons apoios aos alunos é que se usem estratégias, tipos de ensino que não sejam uma pura repetição do que já foi dito e ensinado. As crianças e os jovens, não necessitam que ouvir mais uma e outra e outra vez a mesma coisa, necessitam é de olhar a aprendizagem de uma forma diferente, usando vias alternativas, beneficiando de um ensino que identifique com alguma precisão quais são as áreas de dificuldade e quais as melhores estratégias que as permitem ultrapassar. Se o apoio for “mais do mesmo” é muito provável que se esteja a sublinhar e valorizar as áreas de dificuldade em lugar de encorajar as vias de solução, isto é os caminhos alternativos que permitam contornar as dificuldades e facilitar a compreensão e solução do problema.

Por fim, precisamos, para um apoio que seja efetivo, de dispor de profissionais capacitados e com disponibilidade para se debruçar (“inclinar atentamente”) sobre o problema. Os profissionais que estejam muito limitados nos tempos de apoio, que estejam sistematicamente ligados a outras atividades, profissionais que não consigam desligar-se dos seus múltiplos afazeres para se aproximarem do aluno terão muitas dificuldades em ser efetivamente professores de apoio.

Recentemente foi publicado pela Direção Geral de Educação um estudo sobre os Centros de Recursos para a Inclusão. Estes Centros são fundamentalmente centros que proporcionam apoios para os alunos com dificuldades e deficiências que frequentam as escolas regulares. O relatório é muito claro ao apontar deficiências estruturais e conjunturais aos recursos que se colocam nas escolas para apoiar os alunos que mais precisam deles. Os recursos necessários para educar os alunos mais dependentes e que mais precisam deles chegam atrasados, são dados apressadamente e sem que exista uma coordenação entre os professores “regulares” e técnicos de apoio.

Pensar na diminuição ou abolição da retenção significa uma aposta muito clara e financeiramente sustentada num sistema de apoios que não deixe ninguém para trás. Até agora a nossa escola tem estado muito longe deste desiderato: repetimos muito, apoiamos pouco, tarde e mal. Sem dúvida que é urgente inverter este rumo: a escola é a primeira experiência e também a mais decisiva experiência de inclusão. Mas ninguém se inclui se tiver insucesso na escola, se tiver dificuldades que não são respondidas. Assim, o apoio competente e atempado é um fator essencial para a construção de uma escola que é o alicerce de uma sociedade inclusiva.

Há quem diga que este apoio adequado é caro. Mas esta opinião não é muito fundamentada: é dita por pessoas que nunca fizeram contas ao preço da exclusão.

Por: David Rodrigues

Presidente da Pró-Inclusão – associação Nacional de Docentes de Educação especial, Conselheiro Nacional de Educação

terça-feira, 9 de junho de 2015

Teste igual ou diferente? O que é justo?

Esta semana tive a oportunidade de confirmar aquilo que diversos estudos atestam, o que apesar de não me surpreender, faz com que não consiga deixar de ficar incomodada e sentir que ainda há um longo caminho a percorrer para sensibilizar toda a comunidade sobre as necessidades educativas especiais, para melhor as compreenderem, aceitarem e apoiarem.

Enquanto estava na sala de espera com uma jovem que acompanho, aproveitei e lancei-lhe o desafio: Descobre quais destas afirmações são factos e quais são mitos. Isto porque para comemorar o mês de consciencialização da dislexia, fomos divulgando alguns mitos e factos sobre dislexia.

Ela foi identificando corretamente um a um, tendo acertado praticamente todos, exceto um – “dar apoio e fazer adaptações necessárias para o sucesso do aluno com dislexia é JUSTO, não é um facilitismo”. Ela disse confiante "é um mito", questionei-a e ela repetiu convicta "É um mito". Fiquei a pensar nisto… No fundo ela terá alguma razão ou toda a razão, se esta é a sua realidade. E infelizmente esta é a realidade de muitos alunos.

Receber apoio, usufruir de adaptações que estão previstas na legislação parece não ser um direito… parece não ser considerado justo para muitos… e ao não ser considerado justo para os adultos (pais e professores), mesmo que sem o expor diretamente, ou sem o assumir, transmitem este sentimento de que não é justo para os outros, de que é um facilitismo serem tratados de forma diferente. Os estudos sobre a aceitação dos professores e dos alunos face às adaptações nas avaliações revelam que existe uma correlação positiva entre a opinião do professor e os respetivos alunos, ou seja, se um professor considera injusto fazer adaptações e menciona que todos os alunos devem ser tratados de forma igual, os respetivos alunos têm exatamente o mesmo discurso. O que corresponde ao que eu observei com a jovem que acompanho.

Ser tratado de forma diferente é visto de forma negativa, anti-inclusão. Para haver inclusão todos devem ser tratados de igual forma. Será isto verdade? Não! Cada aluno, especialmente aqueles que de alguma forma têm dificuldades, devem receber um apoio individualizado, diferenciado e não igual, sendo que fazer igual não é sinónimo de justiça. Para se responder às necessidades individuais e proporcionar uma educação apropriada à otimização das potencialidades dos alunos, como pressupõe a inclusão, devem-se fazer as adequações necessárias.

Justo é cada um receber aquilo de que necessita, o que não tem necessariamente de ser igual.

Mas, na realidade, está demasiado enraizada na nossa cultura esta má interpretação do conceito. Eu própria, quando vou a uma livraria e encontro um livro que um dos meus filhos adoraria, quando estou a pagar sou invadida por um sentimento de culpa de não levar também um para os meus outros dois filhos, sentindo-me quase na obrigação de levar outros dois. Mas não devia, não tem de ser assim…

Resta ainda a outra questão – fazer estas adaptações é um facilitismo? Ao estarmos a adaptar o processo de avaliação, nomeadamente na preparação dos alunos, na construção, na administração e cotação dos testes, bem como na valorização de outras formas de avaliar os conhecimentos, além das situações de teste, vai facilitar o alcançar o sucesso e não vai preparar os alunos para as adversidades da vida (os exames). Este é um discurso frequente e que por um lado posso compreender os receios que estão por detrás dos mesmos, por outro lado, não o posso aceitar.

Fazer as adaptações ao longo de todo um percurso escolar não pode ser evitado com o receio do que pode vir a seguir, pois há sempre a dúvida que paira “este ano os alunos com dislexia vão ter que adaptações nos exames?” e depois há a outra dúvida “e na faculdade, quem os protege? Não está previsto na legislação da educação especial!”. Pois bem, isto é compreensível porque de facto todos os anos letivos sabemos que podem haver alterações nas adaptações sugeridas pelo Júri Nacional de Exames e também sabemos que o ensino superior não está previsto na legislação. Mas não é aceitável, pois não podemos deixar de implementar medidas que estão previstas na lei e que são justas, com medo do futuro e impedindo a estes alunos que cheguem a esse futuro, aos exames, à faculdade, às adversidades… Se não fizermos as adaptações o mais provável é não terem hipótese sequer de chegarem aos exames e muito menos à faculdade, o que é tremendamente injusto se nos lembrarmos de todo o seu potencial, um potencial que fica desperdiçado… Aquilo que sabem fica camuflado com as dificuldades e ao fazermos adaptações o que estamos a avaliar são os seus conhecimentos e não as suas dificuldades na leitura, ou na escrita.

Também não se deve utilizar os argumentos de que ao fazermos adaptações os alunos deixam de se esforçar, se vão sentir diferentes ou que vão ser gozados. Os alunos com dislexia têm sempre de se esforçar mais do que todos os outros, essa é a sua realidade, é o seu dia a dia. Se fizermos adaptações o seu esforço e conhecimento vão-se refletir nas classificações, se não o fizermos, o mais provável é não haver uma correspondência, ficarem aquém do esperado e sentirem-se frustrados. E aí sim, sentem-se diferentes, mal consigo próprios e não compreendem porque estudam tanto ou mais que os colegas e têm sempre piores resultados do que eles. Começam a duvidar das suas competências e a desinvestir… as adaptações que são feitas no processo de avaliação podem ser mais ou menos visíveis, mas qualquer adaptação deve ser conversada, explicada e aceite pelos pais e aluno, se for explicado que estas adaptações são justas e não um facilitismo, certamente que serão bem recebidas. Não é necessário alterar conteúdos, não se vai diminuir a exigência sobre conhecimentos, os alunos com dislexia podem aprender o mesmo, mas com estratégias diferenciadas, com mais tempo… podem ser avaliados sobre o mesmo conteúdo, mas de forma diferenciada.

Em suma, se um aluno com dislexia necessita de um apoio, de uma estratégia específica para aprender um conteúdo, de mais tempo para concluir uma tarefa, que lhe leiam um enunciado ou que não o penalizem pelos erros, para que possa atingir o seu potencial máximo, revelando todo o conhecimento que tem, é da responsabilidade dos pais e dos professores responderem a esta necessidade.

Por: Leonor Ribeiro

“Portugal é um dos países europeus com melhores resultados ao nível da educação inclusiva”

Quem o afirmou foi a diretora adjunta da Agência Europeia para as Necessidades Especiais e a Educação Inclusiva, Victoria Soriano, no sábado, em Coimbra por ocasião do II Seminário “Inclusão, Educação e Autodeterminação” promovido pela Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra (APCC). 

“Segundo dados apresentados por Victoria Soriano a percentagem de alunos com necessidades educativas especiais sem acesso à educação inclusiva em Portugal é uma das mais baixas da Europa (menos de 1%), um resultado melhor do que, por exemplo, a Alemanha (mais de 4%), a Holanda (entre 2 e 4%) ou o Reino Unido (entre 1 e 2%)”, pode ler-se na nota enviada à Plural&Singular. 

A responsável europeia salientou que “o sucesso do programa português de transição para o ensino inclusivo, nomeadamente graças ao papel dos Centros de Recursos para a Inclusão”.

No entanto, o ex-ministro da Justiça, Álvaro Laborinho Lúcio, não deixou de reforçar a necessidade de «separar a retórica da inclusão da prática da inclusão», no sentido de garantir uma escola verdadeiramente inclusiva e democrática. «Existe uma retórica fantástica sobre a inclusão, o que ‘atrapalha’ são as pessoas com deficiência», ironizou.

O II Seminário “Inclusão, Educação e Autodeterminação”, uma iniciativa integrada no programa das comemorações dos 40 anos da APCC, foi organizado com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, com o objetivo de discutir a importância e a eficácia da inclusão no desenho de um projeto de vida de sucesso, bem como a forma como aquela é encarada pela sociedade. 

Também no âmbito do II Seminário “Inclusão, Educação e Autodeterminação”, decorreu na tarde do dia 5 de junho o workshop "Transição para a Vida Pós-Escolar", dinamizado por Filomena Pereira (Direção-Geral da Educação).

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Comentário à entrevista da Linha da Frente (RTP1): "Cérebro Meu"

Pensei várias vezes antes de escrever o que quer que fosse sobre o tema...Tenho andado demasiado triste e zangado com a ligeireza com que tudo é abordado. 

Em minha opinião esta foi uma boa reportagem, já li em alguns sítios que deviam ter abordado outros pontos de vista, ou abordado outras pessoas...sim, pode ser, mas do meu ponto de vista fez um bom apanhado sobre o que se passa realmente!!!

No último seminário onde estive a falar sobre PHDA alertei para muitos dos aspetos abordados nesta reportagem, muita gente tem alertado para este aumento de medicação, mas...continuam a insistir em não querer ouvir.

Na realidade existem diagnósticos mal feitos, por culpa de quem?!? bem, não me cabe a mim dizer mas é claro para quem quer ver... 

Mas como em tudo...Bons e maus profissionais existem em todo o lado!!!

A bibliografia diz que estes devem ser feitos em equipa e são raras as vezes em que isso acontece. Na maioria das vezes passam uma escala, faz-se o gráfico e está feito o diagnóstico! Isto acontece e ninguém fala!

De uma vez por todas, a medicação não é o único recurso/estratégia a utilizar...pelo contrário...Primeiro devem ser utilizadas outras no dia a dia com a criança/jovem, com a família, com os professores, com os pares e depois há casos que sim, justifica-se medicação.

A RITALINIZAÇÃO DOS MIÚDOS


O recurso ao metilfenidato com os nomes correntes de Ritalina, Concerta ou Rubifen disparou em Portugal nos últimos anos, de 23 000 embalagens vendidas em 2004 passou-se para cerca de 280 000 embalagens vendidas em 2014, um crescimento assombroso e preocupante.

Na peça televisiva, para além dos testemunhos de crianças, adolescentes e pais devem, do meu ponto de vista, salientar-se as lúcidas intervenções da professora Inácia Santana e da pedopsiquiatra Ana Vasconcelos que alertam para os muitos problemas e riscos envolvidos nesta medicação.

Ainda face a este cenário e em diferentes intervenções públicas, especialistas como Mário Cordeiro ou Gomes Pedro, muito recentemente, têm revelado sempre uma atitude cautelosa e prudente face esta hipermedicação ou sobrediagnóstico. Este tipo de discurso, cauteloso e prudente, que subscrevo, contrasta com a ligeireza, que não estranho, de Miguel Palha que referia há algum tempo no Público as “centenas” de crianças que na sua clínica solicitam “diariamente” o fármaco.

Retomo algumas notas de textos anteriores sobre estas questões, a forma como olhamos e intervimos face aos comportamentos que os miúdos mostram. De facto, de há uns tempos para cá uma boa parte dos miúdos e adolescentes ganharam uma espécie de prefixo na sua condição, o "dis".

Se bem repararem a diversidade é enorme, ao correr da lembrança temos os meninos que são disléxicos em gama variada, disgráficos, discalcúlicos, disortográficos ou até distraídos.

Temos também as crianças e adolescentes que têm (dis)túrbios ou perturbações. Estes também são das mais diferenciadas naturezas, distúrbios do comportamento, distúrbio do desenvolvimento, distúrbios da atenção e concentração, distúrbios da memória, distúrbios da cognição, distúrbios emocionais, distúrbios da personalidade, distúrbios da actividade, distúrbios da comunicação, distúrbios da audição e da visão, distúrbios da aprendizagem ou distúrbios alimentares.

Como é evidente existem ainda os que só fazem (dis)parates e aqueles cujo ambiente de vida é completamente (dis)funcional ou se confrontam com as (dis)funcionalidades dem muitos contextos escolares, número de alunos por turma excessivo, currículos desajustados, falta de apoios, etc.

Pois é, há sempre um "dis" à espera de qualquer miúdo e senão, inventa-se, "ele tem que ter qualquer coisa".

De forma simplista costumo dizer que algumas destas crianças não têm perturbações do desenvolvimento ou dificuldades de aprendizagem, experimentam perturbações no envolvimento e sentem dificuldades na “ensinagem”.

Agora um pouco mais a sério, sabemos todos que existem um conjunto de problemas que podem afectar crianças e adolescentes mas, felizmente, não tantos como por vezes parece. Inquieta-me muito a ligeireza com que frequentemente são produzidos "diagnósticos" e rótulos que se colam aos miúdos, dos quais eles dificilmente se libertarão e que pela banalização da sua utilização se produza uma perigosa indiferença sobre o que se observa nos miúdos.

Inquieta-me ainda a ligeireza com que muitos miúdos aparecem medicados, chamo-lhes "ritalinizados", sem que os respectivos diagnósticos conhecidos pareçam suportar seguramente o recurso à medicação. Como se viu na peça da RTP os riscos da sobreutilização ou uso sem justificação do metilfenidato tem riscos, uns já conhecidos, outros em investigação.

Esta matéria, avaliar e explicar o que se passa com os miúdos e adolescentes, exige um elevadíssimo padrão ético e deontológico além da óbvia competência técnica e científica.
Não se pode aligeirar, é "dis"masiado grave.

Texto de Zé Morgado

sexta-feira, 5 de junho de 2015

No ensino básico também vão existir aulas de Latim e Grego

Gaudeamus! Foi deste modo que a Associação de Professores de Latim e Grego (APLG) reagiu ao anúncio do Ministério da Educação e Ciência (MEC) dando conta que, no próximo ano letivo, começará a ser desenvolvido um projeto de Introdução à Cultura e Línguas Clássicas no ensino básico.

Gaudeamus é um termo em latim que significa “alegremo-nos”. Porquê? Porque “os estudos clássicos vão poder voltar às nossas escolas”, explicita a APGL no seu site. De que forma? Em declarações (...), o ministro da Educação, Nuno Crato, esclarece que o projeto visa essencialmente fornecer “elementos às escolas” para que estas possam proporcionar uma aproximação ao estudo da cultura clássica e “revalorizar assim no currículo toda a cultura que herdámos dos gregos e romanos”.

Nuno Crato explicita que não se pretende introduzir mais uma disciplina obrigatória na matriz do ensino básico e que, por isso, não se trata de mais “uma reforma curricular”. “Não estamos a propor a criação da disciplina de Introdução à Cultura e Línguas Clássicas, embora as escolas o possam fazer. O que pretendemos com este projeto é dar elementos para que na oferta de escola possam ser criadas disciplinas como, por exemplo, Vamos Aprender Latim ou Aprende o Alfabeto Grego. E também para que nas já existentes seja fomentada esta ligação à cultura e línguas clássicas, o que pode ser feito tanto, nas mais óbvias, como Português e História, mas também em Matemática e Ciências”, especifica Crato.

A componente de Introdução à Cultura e Línguas Clássicas terá um caráter opcional e poderá ser oferecida por escolas do 1.º ao 3.º ciclo. Os conteúdos destinados às escolas vão estar disponíveis no site da Direção-Geral de Educação a partir do próximo dia 5, data do lançamento oficial do projeto. Crato está confiante de que haja uma boa adesão por parte das escolas, podendo assim inverter-se a tendência dos últimos anos que quase condenou o Latim e o Grego ao esquecimento. “O Latim está a desaparecer das escolas e o Grego ainda mais, o que é uma pena”, comentou o ministro.

Atualmente o Latim faz parte do leque das disciplinas bienais que os alunos podem escolher no 10.º e 11º ano. É ocional, portanto. O exame final é feito no 11.º ano. No ano passado foi realizado por 114 alunos. Em 1996 fizeram este exame cerca de 13 mil. Na disciplina de Grego já não há exame nacional. Faz parte das disciplinas de opção do secundário, podendo ser oferecido tanto no Curso de Línguas e Humanidades, como nos de Ciências Socioeconómicas e de Ciências e Tecnologias. É o que está previsto na matriz curricular. Na prática, quase não existem turmas a funcionar.

A Associação de Professores de Latim e Grego acusou por várias vezes o MEC de ter conduzido o ensino destas línguas à quase extinção por exigir, desde 2012, que as disciplinas de opção só possam abrir se tiverem um mínimo de 20 alunos. “São tudo coisas que podem ser ultrapassadas”, disse Crato (...). A lei prevê que as escolas possam abrir turmas com menos alunos desde que sejam autorizadas a tal pelos serviços do ministério “territorialmente competentes”, mas na prática, segundo têm denunciado professores destas disciplinas, as autorizações não têm sido dadas ou nem sequer são pedidas pelas direções das escolas, segundo tem sido denunciado por professores

Em Lisboa, por exemplo, só a escola secundária Camões tem oferta de Latim. O mesmo se passa no Porto, com esta língua a ser ensinada apenas na secundária Rodrigues de Freitas.

Várias das entidades que colaboraram com o MEC no novo projeto, esperavam que a revitalização da cultura clássica nas escolas passasse também por repor o Latim obrigatório no curso de Línguas e Humanidades. Tal não vai acontecer. “É uma hipótese, mas não queremos entrar por agora por esse caminho. Primeiro porque não consideramos ser oportuna mais uma reforma curricular e, por outro lado, porque achamos que este movimento deve vir de baixo para cima”, esclareceu Nuno Crato.

Margarida Miranda, do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, mostra-se, contudo, confiante no impacto do novo projeto para o básico: “Estou convencida de que este pode ser um passo modesto mas ainda assim determinante para o regresso das Línguas Clássicas ao plano curricular, superando uma lacuna que muito fragiliza o nosso ensino. Pelo contrário, a sua presença é condição essencial para elevarmos o nível do ensino em Portugal ao nível dos países de maior tradição humanística e científica”. Em vários países europeus, as aulas de Latim estão entre as mais populares. Na Alemanha, por exemplo, onde é ensinado a partir do 5.º ano, é o terceiro idioma estrangeiro mais estudado nas escolas.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

A Educação perdeu o estatuto de um direito e ganhou o estatuto de uma mercadoria

Não conseguiremos, sós, à revelia da Europa em que nos integramos, particularmente sem cumplicidade política estabelecida com os países cujos problemas se assemelham aos nossos, mudar a maior parte das variáveis que condicionam a nossa vida futura. Mas podemos mudar a Educação. Se queremos mudar Portugal, temos de dar atenção à Educação e alterar-lhe o rumo. Cada vez instruímos mais (e em sentido errado) e educamos menos. Em nome de uma economia sem humanidade, construímos autómatos e roubamos a infância às nossas crianças. Em período de pré-campanha, o que se vê (ou não se vê) é desolador.

1. A acusação é grave e não pode passar sem que o ministro da Educação e Ciência se pronuncie sobre a matéria. De forma clara e rápida. Um grupo de cidadãos, mães e pais, afirmam em documento, que tornaram público, que uma organização, a Associação Junior Achievement Portugal, sucursal de congénere norte-americana, anda a “doutrinar crianças desde o 1.º ano de escolaridade a… ver a família como unidade de consumo e produção, naturalmente dependente de empresas privadas… inculcando a obsessão pelo sucesso assente na lógica da competição”. Tudo se passa em tempo normal de aulas, sob responsabilidade de voluntários estranhos às escolas, mas com a conivência das autoridades, designadamente autarquias locais, e sem qualquer tipo de consulta aos pais e, muito menos, a sua autorização. No documento em análise, os pais referem haver uma recomendação expressa para que os formadores voluntários sejam recrutados no meio empresarial e as crianças se venham a identificar “com a figura do voluntário no final da formação”. “[O programa]”, afirmam, “está orientado de uma forma que, cremos, exerce uma violência simbólica sobre crianças e adolescentes, escondendo por detrás de uma ou outra informação ética superficial uma manipulação de consciências no sentido de identificar o ser humano da sociedade contemporânea como exclusivamente orientado para o mercado, o consumo e o lucro, sem que a interação com outros seres humanos sirva outro fim que não esse. Competição, individualismo, afirmação individual, ambição pessoal e agressividade são os valores que se promovem.”

O ministro não se pode esconder atrás da falsa autonomia das escolas para nada dizer sobre esta acusação. Doutrinar crianças à revelia dos pais e dos programas vigentes, apresentando-lhes a dignidade humana como simples corolário do mercado, é um “empreendedorismo social” que não pode ser tolerado na escola pública.

2. O até agora inimputável José Alberto Duarte (são várias as trapalhadas por que tem passado incólume), diretor-geral dos Estabelecimentos Escolares, é visado e considerado responsável por uma irregularidade grave detetada numa auditoria do Tribunal de Contas. Trata-se de uma contratação de serviços de fornecimento de refeições a escolas, no valor de 3,5 milhões de euros, alegadamente operada sem cobertura legal. Segundo o Correio da Manhã, que denunciou a situação, o Tribunal de Contas remeteu as conclusões da auditoria para o Ministério Público, referindo que “a gravidade do incumprimento desaconselha a relevação da responsabilidade”. Quem sabe se este servidor público, antes de servir a grei, não terá sido voluntário da Associação Junior Achievement Portugal e a questão não se possa resolver, a bem do mercado, com a extensão da redentora pedagogia aos senhores juízes do Tribunal de Contas.

3. Num debate recente que travei no programa Política Mesmo, na TVI 24, com o presidente do Iave, aludi a erros inaceitáveis em matéria de exames. Respondeu-me que esses erros representavam 0,01% dos 30.000 itens que o Iave havia produzido. Não sei quantos itens inúteis o Iave produziu. Sei que há mentiras piedosas, mentiras abjetas e… estatística. E sei que os estudantes surdos do 9.º ano, obrigados a sujeitarem-se ao Preliminary English Test for Schools (PET), prova secreta de Inglês (assim a classifico, porque o conhecimento público do respetivo conteúdo está rigorosamente proibido), concebida por uma instituição estrangeira e financiada por processo que está a ser investigado pela Polícia Judiciária, foram impedidos de cumprir parte dela por erro, incompetência e desprezo do Iave. O independente Iave, servo da política numeralista do ministro, preparou um CD para que surdos profundos “ouvissem” o que, por razões óbvias, não podem ouvir. Esta lamentável circunstância não beliscará a expressão estatística que enche de orgulho o presidente do Iave. Mas mais que um erro ridículo, absolutamente inaceitável, expõe a face desumana de uma política. Pela mão deste Governo e do seu ministro Nuno Crato, a Educação perdeu o estatuto de um direito e ganhou o estatuto de uma mercadoria. Cem estudantes surdos profundos não contam para estes desalmados, manipule o Iave as estatísticas como lhe aprouver.

Por: Santana Castilho

Professor do ensino superior, s.castilho@netcabo.pt

Perturbação auditiva afeta 5% das crianças

Segundo um estudo da Universidade do Minho (UMinho), 83% das crianças com baixo desempenho nos testes de perturbação de processamento auditivo ( PPA) feitos durante a pesquisa tinham notas inferiores aos restantes colegas. A PPA traduz-se na incapacidade em interpretar sons, sendo, por isso, diferente de surdez.

A autora, Cristiane Nunes, sublinhou que a PPA tem ainda consequências na socialização, na realização das tarefas do dia-a-dia, e, em alguns casos, na gaguez e na dislexia.

"Enquanto uma pessoa surda nem sempre consegue detetar os sons, a que tem PPA apresenta dificuldade em interpretar o que ouviu e em perceber mudanças acústicas rápidas. Além disso, costuma demorar mais tempo para processar a informação que passa pelo nervo auditiva", explicou a investigadora (...).

O trabalho foi realizado no âmbito do doutoramento feito no Centro de Investigação em Estudos da Criança (CIEC) da UMinho, que começou pela elaboração de testes padronizados para a população portuguesa, recorrendo a uma amostra de 60 crianças dos 10 aos 13 anos, sendo que a base de dados contém atualmente mais de 500 pacientes.

Os resultados obtidos nos testes mostram que as crianças com problemas de audição apresentam maior dificuldade no desempenho escolar, na comunicação, na leitura, na escrita e na articulação.

"Algumas não conseguiram repetir, por exemplo, um conjunto de números depois de os ter ouvido ou distinguir entre sons curtos, longos, agudos e graves. Isso tem implicações na leitura, escrita, fala e na forma como a informação é interpretada", afirmou.

Os sintomas associados variam em função da idade e da intensidade da perturbação. Em crianças com menos de 5 anos, verifica-se um atraso na aquisição da fala e, especialmente, dos sons "r" e "l", o que as leva, muitas vezes, a pronunciarem "plato" em vez de "prato".

A partir dos 7 anos, recorrem a expressões como "hein?" e "quê?", são mais distraídos e não percebem de imediato o que dizem o professor e os colegas em contexto de trabalho de grupo.

"Sem tratamento, o problema arrasta-se para a vida adulta, tendo repercussões no sucesso profissional, social e amoroso", alertou Cristiane Nunes.

A investigadora revelou ainda que os diagnósticos de PPA podem ser obtidos a partir dos 6 anos e que a quase totalidade das crianças normaliza após a realização de exercícios e técnicas que estimulam a formação de novas conexões no nervo auditivo."O segredo está no tratamento precoce da perturbação", disse.

No CIEC há testes capazes de detetar os casos mais graves e que, se fossem aplicados no início do 1.º ciclo, contribuiriam para eliminar "pelo menos metade das ocorrências", acrescentou. "O objetivo é identificar os alunos mais afetados e reencaminhá-los para um audiologista ou terapeuta da fala."

O tratamento personalizado pode, por exemplo, ajudar em caso de gaguez e atraso na linguagem, além de munir as crianças disléxicas de estratégias para melhorar a sua leitura e escrita.

A investigação deu origem a um livro recentemente publicado que é o primeiro sobre este problema lançado no país. A PPA é discutida desde a década de 1950 nos Estados Unidos e, pelo menos, desde 1980 no Brasil. Em Portugal o tema ainda "é pouco abordado".

In: JN

BE quer estudo epidemiológico sobre hiperatividade e normas para prescrição de medicamentos

O Bloco de Esquerda propôs hoje ao Governo a criação de uma norma de orientação clinica (NOC), para a prescrição de medicamentos contra a hiperatividade, e a elaboração de um estudo epidemiológico sobre a prevalência e incidência desta perturbação.

A sugestão surge a propósito da controvérsia que envolve o aumento dos casos diagnosticados e da medicação de crianças e adolescentes com perturbação de hiperatividade com défice de atenção (PHDA), nos últimos anos.

O tratamento medicamentoso da PHDA passa pela administração de Metilfenidato, aprovado em Portugal desde 2001, ou de Atomoxetina, que passou a ser coparticipada em 2014, ambos os medicamentos classificados como estimulantes inespecíficos do sistema nervoso central.

In: Destak

terça-feira, 2 de junho de 2015

Novo teste da fala despista perturbações em cinco minutos

Desenvolvido por investigadoras da Universidade de Aveiro e do Instituto Politécnico de Setúbal, o teste auxilia os profissionais de saúde e de educação a identificar perturbações em fala.

Um novo teste desenvolvido pela Universidade de Aveiro e pelo Instituto Politécnico de Setúbal permite avaliar, em cinco minutos, se as crianças desenvolveram a linguagem adequada à sua idade, anunciou fonte académica.

O instrumento chama-se Rastreio de Linguagem e Fala (RaLF) e é o único preparado para crianças que tenham o português europeu como língua materna, sendo aplicado a crianças em idade pré-escolar.

Desenvolvido por investigadoras da Universidade de Aveiro (UA) e do Instituto Politécnico de Setúbal (IPS), com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, o teste destina-se a auxiliar os profissionais de saúde e de educação a identificar perturbações em fase inicial, evitando o insucesso escolar.

“A grande mais-valia deste instrumento é permitir a realização de um rastreio de linguagem e fala de forma rápida, [aproximadamente cinco minutos] que ajude pediatras, enfermeiros ou educadores de infância, a perceber se a criança já adquiriu as competências de linguagem e fala fundamentais para a sua idade”, explica Marisa Lousada, uma das terapeutas da fala e investigadora que desenvolveu o RaLF.

Marisa Lousada, que dirige o Curso da Licenciatura em Terapia da Fala da UA explica que o RaLF tem exemplos concretos que ajudam a clarificar os diferentes itens em análise, permitindo aos profissionais que trabalham com crianças em idade pré-escolar encaminhar as crianças que deverão realizar uma avaliação por parte de um terapeuta da fala.

“A atuação ao nível da prevenção permite uma identificação das perturbações em fase inicial, evitando o insucesso escolar, na medida em que uma grande percentagem de crianças com perturbação na aprendizagem da leitura apresentou previamente uma perturbação da linguagem oral”, reporta, por sua vez, Ana Mendes, investigadora e docente do Instituto Politécnico de Setúbal.

O RaLF contempla três faixas etárias – até aos 04 anos, até aos 05 anos e até aos 06 anos – que contêm indicadores, ou seja, capacidades de fala, linguagem ou metalinguagem que descrevem marcos típicos do desenvolvimento linguístico em cada idade.

O RaLF, que a empresa Edubox da Incubadora de Empresas da UA se prepara para comercializar, é construído com base em dados linguísticos normativos e foi analisada a sua validade e fiabilidade.

BRINCAR É A COISA MAIS SÉRIA QUE OS MIÚDOS FAZEM

A propósito do Dia da Criança, tinha de ser, o I apresenta um trabalho sobre a importância que o brincar tem para os miúdos. No mesmo sentido retomo algumas notas sobre essa coisa que parece tão mal vista actualmente, brincar.

Há muitos anos, lembro-me bem, ainda brincávamos na rua, melhor dizendo, ainda brincávamos. É certo que muitos de nós não tiveram grande tempo para brincar, logo de pequenos ficaram grandes. Não tínhamos muitos brinquedos, mas tínhamos um tempo e um espaço onde cabiam todas as brincadeiras, quase sempre na rua.

Entretanto, chegaram outros tempos. Tempos que, para além das mudanças muito significativas nos estilos de vida das famílias, também parecem estar a criar outras ideias sobre o brincar e as brincadeiras. As questões relativas à segurança, obviamente importantes, não chegam para explicar a razão pela qual as famílias portuguesas usam tão pouco tempo em actividades de ar livre ainda que o clima seja favorável boa parte do ano. Aliás, nos países nórdicos, apesar das diferenças climáticas, verificam-se os níveis mais altos de actividades ao ar livre com implicações positivas na qualidade de vida, nas suas várias dimensões, de miúdos e crescidos.

Embora consciente, repito, das questões como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível tentar “devolver” os miúdos ao circular e brincar na rua. Talvez com a colaboração de tantos velhos que estão sozinhos, alguns morrem mesmo de "sozinhismo", as comunidades e as famílias conseguissem algumas oportunidades para ter as crianças por algum tempo fora das paredes de uma casa, da escola, do centro comercial, do banco de trás do automóvel, do ecrã ou dos “espaços estereotipados” que o mercado criou.

No imperdível O Mundo, o mundo é a rua da tua infância, Juan José Millás recorda-nos como a rua, a nossa rua foi o princípio do nosso mundo e nos marca. Quantas histórias e experiências muitos de nós carregamos vindas do brincar e andar na rua e que contribuíram de formas diferentes para aquilo que somos e de que gostamos.

Como muitas vezes tenho escrito e afirmado, o eixo central da acção educativa, escolar ou familiar, é a autonomia, a capacidade e a competência para “tomar conta de si” como fala Almada Negreiros. A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente), os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa autonomia.

Talvez, devagarinho e com os riscos controlados, valesse a pena trazer os miúdos para a rua, mesmo que por pouco tempo e não todos os dias.

Eles iriam gostar e far-lhes-ia bem.

Por outro lado, ao que parece, afirmam alguns que não percebem de miúdos, os tempos não são de brincar, são de trabalhar, trabalhar muito, em nome da competitividade e da produtividade, condição para a felicidade, entendem. Roubaram aos miúdos o tempo e o espaço que nós tínhamos e empregam-nos horas sem fim nas fábricas de pessoas, escolas, chamam-lhes. Aí os miúdos trabalham a sério, a tempo inteiro, dizem, pois, só assim, serão grandes a sério, evidentemente.

Às vezes, alguns miúdos ainda brincam de forma escondida, é que brincar passou a uma actividade quase clandestina que só pais, educadores ou professores “românticos” e “incompetentes” acham importante.

Muitos outros miúdos vão para umas coisas a que chamam “tempos livres”, que, em algumas circunstâncias, de livres têm pouco e onde, frequentemente, se confunde brincar com entreter e, outras vezes, acontece a continuação do trabalho que se faz na fábrica de pessoas, a escola.

Também são encaixados em dezenas de actividades "fantásticas", com designações "fantásticas", que promovem competências "fantásticas" e fazem um bem "fantástico" a tudo e mais alguma coisa. A vida de alguns miúdos transforma-se numa espécie de sobrecarregada agenda cujas vantagens serão poucas e os riscos são de considerar.

Era bom escutar os miúdos.

Na verdade, se perguntarem aos miúdos, vão ficar a saber que brincar é a actividade mais séria que eles fazem, em que põem tudo o que são, sendo ainda a base de tudo o que virão a ser.

Texto de Zé Morgado

DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA E DIREITOS HUMANOS


(aos 12m 50s do Jornal 2)

Na verdade, a educação inclusiva não decorre de uma moda ou opção científica, é matéria de direitos pelo que deve ser assumida através das políticas e discutida na sua forma de operacionalizar. Aliás, poderá afirmar-se, citando Biesta, que a história da inclusão é a história da democracia, a história dos movimentos que lutaram pela participação plena de todas as pessoas na vida das comunidades, incluindo, evidentemente a educação.

Nesta perpectiva, os tempos que vivemos são tempos de exclusão, de competição, de desregulação ética e de oscilação de valores que atingem, evidentemente, os mais frágeis, caso das crianças e jovens com necessidades educativas especiais e as suas famílias.

As políticas educativas em curso são particularmente inquietantes deste ponto de vista. Numa política educativa de selecção, "darwinista", para os mais "dotados" os que conseguem sobreviver, a presença de alunos com necessidades especiais só atrapalha. Assim sendo, colocam-se duas hipóteses, ou se mandam embora da escola de volta às instituições a quem se vai garantindo uns apoios, a diminuir evidentemente, para que por lá mantenham estes alunos, sobretudo adolescentes e jovens ou, segunda hipótese e mais barata, nega-se de forma irresponsável e administrativa sua condição de alunos com necessidades especiais, "normalizam-se" e passam a ser tratados como todos os outros alunos e espera-se que a selecção e a iniciativa das famílias leve os meninos que atrapalham para fora da sala de aula, primeiro, e para fora da escola, depois.

Texto de Zé Morgado