quarta-feira, 8 de junho de 2016

"IMPLEMENTAÇÃO DE MEDIDAS QUE PROMOVAM MAIOR INCLUSÃO ESCOLAR DE ALUNOS COM NEE"

Com a sempre atenta ajuda do João Adelino Santos soube que dando cumprimento à decisão do conselho de Ministros de 24/3 foi publicado oDespacho n.º 7617/2016 que determina “A criação de um grupo de trabalho com o objetivo de apresentar um relatório com propostas de alteração ao Decreto -Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, alterado pela Lei n.º 21/2008, de 12 de maio, e respectivo enquadramento regulamentador, incluindo os mecanismos de financiamento e de apoio, com vista à implementação de medidas que promovam maior inclusão escolar dos alunos com necessidades educativas especiais” (o acordês é, como se sabe, a língua oficial do Diário da República).

Dada a natureza deste espaço umas notas muito breves.

Inúmeras vezes tenho referido a necessidade de mudanças no quadro legal que suporta a educação de alunos com necessidades educativas especiais nas escolas regulares. Apesar da retórica preambular assente na promoção da inclusão muitas das disposições acomodam práticas de exclusão ampliadas por um sistema educativo sem regulação eficaz.

Quer no Atenta inquietude, quer em intervenções e textos no contexto profissional, quer em audições no ME, no CNE ou na AR para as quais tiveram a gentileza de me convidar tenho acentuado várias das mudanças que do meu ponto de vista são necessárias e diria urgentes.

Retomo aquilo que costumo designar por “pecado original” do DL 3/2008, a base legal mais “pesada” nesta matéria, a introdução do critério de elegibilidade para que os alunos possam aceder a apoios educativos.

Esta decisão que contestei desde o início e uma das mais emblemáticas incompetências da passagem de Maria de Lurdes Rodrigues implicou que milhares de crianças com dificuldades deixassem de ter apoio educativo.

Em educação não existe “elegibilidade”. A justificação dada na altura é que muitos alunos eram apoiados sem que se justificasse. Como? Qualquer aluno que experimente algum tipo de dificuldade, mais ligeira, mais pesada ou mesmo não identificada mas sentida pelos professores deve ter algum tipo de apoio, deve ser avaliada, bem avaliada, e a intervenção ou orientação será conforme essa avaliação. Não deve ser considerada elegível ou não elegível.

Estabelecendo este errado entendimento tornou-se necessário encontrar forma de dividir os alunos. Recorreu-se a uma instrumento muito interessante para várias objectivos mas não avaliação educativa a CIF - Classificação Internacional de Funcionalidade, um instrumento de classificação produzido no âmbito da Organização Mundial de Saúde para fins que, evidentemente, não se dirigiam à educação.

Como consequência, milhares de alunos ficaram sem apoios. Mais recentemente tem-se assistido a um outro processo, se não forem elegíveis os alunos não têm apoios e as escolas, os professores e técnicos, sentem-se obrigados a recorrer a um rótulo que os torne elegíveis e, portanto, a acederem a apoio de que precisam ao qual não acederiam se não fossem “classificados” como elegíveis.

Esta é uma questão central do meu ponto de vista. Importaria também simplificar e clarificar procedimentos e terminologia.

A título de exemplo apenas a referência a uma coisa bizarra chamada CEI – Currículo específico Individual, uma originalidade, ainda não encontrei nada assim designado, dado que se um currículo é individual, dificilmente não será específico. Esta coisa já está em aplicação a alunos do 1º ciclo em circunstâncias inquietantes pelo impacto no futuro educativo dos alunos.

Neste sentido creio que se deveria reflectir de forma alargada em tudo o que envolve questões de natureza curricular ou organização das respostas, escolas de referência, unidades estruturadas, etc. que apesar de algumas boas práticas em algumas circunstâncias são espaços de exclusão em nome … da inclusão.

As questões relativas à avaliação escolar merecem também ajustamento mas de forma integrada relativamente a todo o sistema de avaliação da escolaridade obrigatória.

Julgo ainda fundamental que se criassem com apoios externos dispositivos de regulação e supervisão do trabalho desenvolvido de forma a minimizar enorme latitude experiências e práticas que variam entre a excelência e o atropelo de direitos de alunos e famílias bem como de desrespeito do trabalho de professores e técnicos.

Finalmente apenas mais uma referência à urgência de repensar os modelos de envolvimento de entidades e técnicos exteriores à escola no período da escolaridade obrigatória. Com base em fórmulas de outsourcing muito dificilmente se promove educação de qualidade e inclusiva.

Muitas outras questões merecem atenção pelo que, provavelmente, voltaremos a esta matéria

A ver vamos o que acontecerá. No entanto, seria crucial que desde logo se assumisse que sendo importante "melhorar o enquadramento legal" tudo o resto é fundamental, autonomia das escolas, efectivo de turma, recursos, meios, qualificação, supervisão e regulação, envolvimento e participação dos pais, etc., etc.

Texto de Zé Morgado

DA INCLUSÃO. A HISTÓRIA DO RICARDO

O Ricardo foi impedido de entrar com uns amigos numa discoteca de Lisboa. O Ricardo usa cadeira de rodas para se deslocar e como justificação para a recusa disseram-lhe que não havia acesso rampeado às casas de banho.

Recusaram ao grupo o livro de reclamações mas duas amigas já no interior conseguiram reclamar. A situação alterou-se um pouco sendo então o Ricardo autorizado a entrar se cada elemento dos 15 que constituíam o grupo pagasse 300€. Outra maneira de barrar o acesso.

Mais uma história sobre o que está por fazer e de como a vida das pessoas com deficiência é uma contínua corrida de obstáculos sendo que os mais difíceis de minimizar ou eliminar são os muros dentro das cabeças e das atitudes.

Como sempre afirmo o verdadeiro critério da inclusão é a participação nas actividades comuns das comunidades em que as pessoas, todas as pessoas, vivem. Tem sido sempre assim, a história da inclusão é a história da democracia, da participação de todos.

O episódio mostra como essa participação é inibida e recusada, explicitamente..

No entanto e a este propósito volto a uma questão que várias vezes aqui refiro e que me preocupa muitíssimo, a proliferação de situações, desde crianças a adultos com necessidades especiais, que "vivem do lado de fora" das actividades das comunidades educativas e das actividades comuns das comunidades a que pertencem.

Pois é Ricardo, essa coisa de ir a um espaço de diversão com os amigos não é para todos., Desculpa lá, pá, mas usas uma cadeira de rodas e os outros clientes podem ficar incomodados, vai até casa e vê televisão. É melhor para ti, é mais sossegado. Para todos.

Texto de Zé Morgado

ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS E ENSINO SUPERIOR

Deputados do PS vão apresentar um projecto de resolução no sentido de tornar a frequência do ensino superior mais “amigável”, por assim dizer, a alunos com necessidades especiais.

Dados de 2014 mostram que em 94 de 291 instituições do ensino superiorafirmaram a existência de serviços de apoio para alunos com deficiência.

O projecto de resolução envolve a disponibilização de apoio pedagógico personalizado e adequação do processo de matrícula, das unidades curriculares, do processo de avaliação. É ainda referido o incremento da ”potencialidades da era digital”.

Por princípio, qualquer iniciativa no sentido de minimizar a longa corrida de obstáculos que é a vida das pessoas com necessidades especiais é bem-vinda e merece registo.

No entanto, creio que, para além de aspectos mais evidentes como a acessibilidade, o apoio pedagógico e a utilização de dispositivos diferenciados nos materiais de apoio das unidades curriculares, da diferenciação nos processos de avaliação ou o recurso às tecnologias não serão os grandes obstáculos. Tenho alguma experiência de docência no superior com alunos com necessidades especiais e não sinto que sejam estas as questões centrais.

Também não me parece imprescindível que as instituições sejam “obrigadas” a criar “serviços de apoio” a alunos com deficiência. Do meu ponto de vista, procurar responder da forma a adequada às necessidades de TODOS os seus alunos é a essência do trabalho de qualquer instituição educativa e de qualquer docente, com maior ou menor dificuldade.

A questão mais importante decorrerá, creio, das barreiras psicológicas e das atitudes, pessoais e institucionais, seja de professores, direcções de escola, da restante comunidade, incluindo, naturalmente, os alunos com necessidades especiais.

Também é minha convicção de que as preocupações com a frequência do ensino superior por parte de alunos com necessidades especiais é fundamentalmente dirigida aos alunos que que manterão as capacidades suficientes para aceder com sucesso à oferta formativa tal como ela existe.

No entanto, um grupo muito significativo de alunos é desde muito cedo trancado num gueto chamado CEI (Currículo Específico Individual) e acontece que muitos destes alunos no final da escolaridade obrigatória são “aconselhados” a recorrer a instituições especializadas.

Eu sei que existem boas práticas mas já tenho referido por aqui muitas situações desta natureza.

E para estes não há o “depois” da escolaridade obrigatória, a institucionalização generalizada não parece a mais ajustada em nome do que se defende para a sua educação até aos 18 anos e para sua vida como cidadãos, educação e inclusão, sendo certo que o recurso generalizado ao CEI não é, em muitos casos a forma adequada de promover … inclusão.

A inclusão assenta em quatro dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade).

O envio destas pessoas para as instituições contraria tudo isto e o que foi procurado fazer antes dos 18 anos ainda que, como vimos, nem sempre bem.

As pessoas com NEE depois dos 18 anos devem ser, estar, participar e pertencer aos contextos que todas as outras pessoas com mais de 18 anos estão.

Porque não podem frequentar estabelecimentos de ensino superior? Sim, frequentar o ensino superior onde estão jovens da sua idade e em que a oferta educativa e a experiência proporcionada pode ser importante.

Porque não podem frequentar espaços de formação e aprendizagem profissional?

Porque não podem frequentar espaços laborais?

Porque não podem frequentar espaços de recreio, cultura e lazer?

Porque não pode envolver-se em instituições sociais não como “clientes” mas como actores?

Porque não …

Não, não é nenhuma utopia. Muitas experiências mostram que não é utopia.

O primeiro passo é o mais difícil, tantas vezes o tenho afirmado. É acreditar que eles são capazes e entender que é assim que deve ser.

Será que os deputados pensaram nestas pessoas? Vou acreditar que sim e esperar para ver.

Texto de Zé Morgado