sábado, 26 de dezembro de 2015

Precisa-se de juventude nas salas de professores

Espero que o novo ministro empreenda o rejuvenescimento do corpo docente. Nada na educação será tão urgente para o presente e nada será tão promissor para o futuro.

1. O recém-empossado ministro da Educação é uma pessoa jovem. Trabalhando com formação de professores, tenho verificado, cada vez mais, um deserto de professores jovens. Neste momento em todas as universidades portuguesas não se estarão a formar mais de meia dúzia de estudantes como futuros professores de ciências físico-químicas. Noutras áreas é quase a mesma coisa. Um conjunto significativo de docentes com cerca de 60 anos aposentou-se recentemente, tendo o grosso dos profissionais entre os 45 e os 55 anos. Entrar numa sala de professores de qualquer escola básica e secundária, principalmente nas grandes cidades, suscita-nos preocupação: faltam jovens!

2. A expectativa do decréscimo demográfico no nosso país agudiza este problema. A contabilidade dos alunos por turma com base nos nascimentos dramatizam a situação. O Estado deveria cumprir o seu papel de superar os imperativos dos dados da demografia e as balizas do mercado de trabalho. É em nome do futuro do país e da indiscutível relação entre a educação e o desenvolvimento que o Estado deve antecipar e prevenir uma situação que, deixada ao sabor da actual natalidade e da pressão laboral, conduzirá a salas de professores desertas. Quem está na formação de professores já compreendeu o óbvio: como aconteceu na Inglaterra e noutros países, que tiveram antes de nós um excesso de docentes e agora os importam, faltarão professores no sistema dentro de alguns anos.

3. Mas não é só a falta de professores no futuro que me preocupa. Entretanto verifica-se um hiato geracional e os professores mais antigos não podem transmitir a sua experiência aos jovens professores. Perdem todos. Os professores mais jovens, porque não contactam e não herdam dos seus pares mais velhos a sabedoria profissional. A fruta amadurece melhor junto de outra fruta. Os professores mais velhos, por seu lado, não veem rejuvenescidas as suas práticas letivas e não letivas com novas metodologias e novos entusiasmos. E os alunos, que, com o vazio de uma geração mais próxima da sua, perdem oportunidades de diálogos mais próximos e actualizados.

4. Alinho algumas ideias que podem ajudar a minimizar os danos do envelhecimento do corpo docente. Concentro-me nos ensinos básico e secundário e deixo de fora o ensino superior, que é palco do mesmo problema mas cujo caminho passa pela urgente contratação de mais jovens para as nossas universidades e politécnicos.

a) Incentivar decisivamente o trabalho parcial. Por cada professor com mais de 50 anos que trabalhe a meio tempo ou de outra forma parcial, pode libertar-se quase um horário para um outro professor. Uma das possibilidades objetivas será ampliar a alternativa penalizante da Lei nº 7/2009 de 12 de fevereiro e aproximá-la do permitido pela Lei n.º 84/2015 de 7 de agosto, independentemente da existência de filhos ou netos menores. Dessa forma não se compromete a contagem total do tempo de serviço.
b) Garantir, isto é, não fechar e até sobrefinanciar, se necessário, um número mínimo de cursos de mestrado de formação de professores, nas diversas áreas e zonas do país, com um planeamento eficaz,
independentemente da pressão atual de empregabilidade.

c) Afetação voluntária dos docentes mais velhos a funções de gestão e coordenação, com libertação de horários para jovens professores. À semelhança do que acontece em vários países desenvolvidos, a estes professores mais antigos poderiam ser dadas missões de coordenação de projetos, participação em comissões de inovação, formação docente, acompanhamento de casos difíceis e complexos na escola, etc.

d) No caso das ciências exatas, a ampliação da componente laboratorial e a redignificação do 12.º ano, que tem sido esquecida (a Física e a Química não são obrigatórias para quem vai seguir Ciências ou Engenharia), poderiam conduzir, também, à necessidade de mais horários, onde mais professores jovens, recém formados e com particular robustez, ajudariam.

e) Incentivar projetos de natureza camarária, estatal ou outra para atividades pedagógicas complementares, onde estejam envolvidos jovens professores.

f) Promover de alguma forma, dentro dos limites legais, que sejam favorecidos professores mais jovens em concursos docentes.

5. Se nada for feito, haverá também um desvio colateral nefasto que nos pode custar muito caro: atuais alunos do ensino secundário e superior, com vocação e gosto pela profissão de professor,
poderão ser desencorajados a seguir a via educacional, com medo do vazio de mercado. Este desperdício vocacional pode deixar sem rumo a escola de amanhã. Arriscamo-nos a ter no futuro, quando a necessidade for premente, gente medíocre que se abeira da profissão docente, sem qualquer gosto e inclinação. Tal aconteceu no final do século XX em Portugal, quando foi preciso ter muitos professores para haver ensino para todos.

6. É certo que um ministro da Educação, por mais jovem que seja, sabe que tem diante de si uma das pastas mais difíceis de gerir. É complexa porque praticamente toda a população, de forma direta ou indireta, se interessa e não resiste a intervir, ora de mais ora de menos. É sistémica porque tudo está fortemente ligado. Mexer aqui significa perturbar acolá. É também por isto que, na política em geral e na gestão educativa em particular, será aconselhável que um ministro da Educação faça poucas alterações, mas cirúrgicas e sustentáveis, apontando sempre para o futuro. Mesmo reconhecendo alguns assuntos modificáveis e reajustáveis, será benéfico contar até dez (ou vinte...) antes de entrar nas múltiplas intervenções, reformas e contrarreformas, que deixam o sistema pouco estável e alunos, professores e encarregados de educação cansados de alterações. Nesta escolha de prioridades para a educação, oxalá que poucas, pequenas e possíveis, espero que o novo ministro empreenda o rejuvenescimento do corpo docente. Nada na educação será tão urgente para o presente e nada será tão promissor para o futuro.

Por: João Paiva

Professor na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto

jpaiva@fc.up.pt

A escola e a opinião

Fala-se muito da escola, sobretudo na época dos exames e na época da divulgação dos rankings. Fala-se da escola nos jornais, fala-se da escola na Assembleia da República, fala-se da escola em todos os ambientes profanos em que não há escolas nem alunos nem professores, mas onde muitos sonham ser mestres, tiranos do espírito. A escola é um objecto privilegiado da opinião arrogante e confortada na sua presunção de suficiência. Quem conhece um pouco da escola actual, quem tem alguma experiência dela (e seja-me permitido, aqui, reivindicar essa condição), sabe que ela é determinada por forças que permanecem insondáveis para os que simplesmente “acham” e emitem opinião baseada no respectivo “achamento”, e que são sempre insuficientemente ou mal descritas pelos media. Este discurso generalizado sobre a escola quase ignora a questão dos saberes transmissíveis que são — ou devem ser — transmitidos (em suma, aquilo que justifica a existência da escola) e adora deter-se nas reformas e nas modificações da instituição escolar, nessa nova mística que é a avaliação, assim como na máquina gestionária que a administra. Deste modo, formou-se a imagem de uma escola desligada da referência aos saberes. Os exames e os rankings fazem parte dessa lógica gestionária. Não estou a dizer que se devia acabar com eles, mas prioritário mesmo seria perceber que o suposto “facilitismo” que eles pretendem contrariar começa exactamente nas provas e na lógica examinadora que foi montada. Em Junho, tive oportunidade de escrever aqui um artigo onde denunciava um erro clamoroso, escandaloso, do exame da prova escrita de Português do 12.º ano. Ninguém contestou os meus argumentos e a prova seguiu o seu curso sem que alguém tenha colocado a questão que verdadeiramente importa: quem avalia os avaliadores, quem examina os examinadores? Obviamente, ninguém. O que é preciso é que tudo aceda sem entraves ao estado estatístico. Experimente-se consultar a parafernália de materiais didácticos que as editoras de livros escolares traficam como adjuvantes da famigerada “preparação para os exames”. São um verdadeiro sismógrafo de uma mística da medição e da avaliação de competências mensuráveis. Permitem perceber com toda a evidência (sobretudo nas disciplinas das Humanidades) aquilo em que se transformou a dita preparação para os exames, a idiotice que ela cauciona, a negação que ela representa de tudo o que uma escola deve ser e dos modos exigentes de transmissão do saber. Se é preciso que haja exames, comece-se então por criticar esta tecnologia da preparação para os exames e o falso saber que ela trafica. As ideias do “facilitismo” e do seu oposto, a exigência, tal como são colocada no espaço público (e nas instituições de discussão e decisão políticas) desde há muito tempo, são altamente falaciosas porque se ficam pela superfície, pela “opinião”. Ora, o princípio básico, essencial, do qual é preciso partir é este: o primeiro dever da escola é resistir ao poder da opinião. É para isso que servem os saberes: para destruir a opinião. E por isso é que há um velho contencioso, uma antiga inimizade, entre os media e a escola. Toda a “opinião” que se debita sobre ela obriga-nos a pensar como é pernicioso o triunfo de uma opinião mediatizada. Onde ela reina, não temos a liberdade de expressão e de pensamento, mas exactamente o seu contrário, na medida em que passamos a não poder dizer ou pensar senão aquilo que é passível de ser recebido e entendido pela comunidade ou pelas técnicas de comunicação.

Por: ANTÓNIO GUERREIRO

In: Público

EDUCAÇÃO INCLUSIVA E ENSINO SECUNDÁRIO


De facto, com o alargamento da escolaridade obrigatória para doze anos, as escolas secundárias passam a receber uma população que até à altura "não conheciam", o que se constituiu uma preocupação natural. Na altura do alargamento, questionada sobre as dificuldades das escolas, a responsável do MEC por esta matéria, admitindo com lucidez que as escolas possam não estar preparadas, afirmou "quando um pai e uma mãe têm um filho deficiente, também não estão e reagem".

Curiosamente, a mesma responsável citada pelo Público retoma agora o mesmo argumento.

Sobre isto escrevi, "Notável e perto do desrespeito, certamente não intencional, pelos pais de milhares de miúdos e adolescentes com problemas severos. Os pais que recebem a notícia da deficiência de um filho reagem, mas o MEC responde por um serviço público de educação, direito constitucionalmente assegurado. O MEC não tem que "reagir", tem que assegurar a qualidade dos recursos e das respostas educativas. Para isso deve "pro-agir", as medidas de política educativa devem ser estudadas, antecipado o seu impacto, para atempadamente se garantir, tanto quanto possível, o bom andamento dos processos educativos".

Na verdade, as escolas "reagiram" e em algumas que conheço, a preocupação inicial deu lugar a ideias e projectos verdadeiramente interessantes.

No entanto, o MEC também reagiu e fez publicar uma Portaria (275-A/2012 de 1/9) absolutamente extraordinária. Dada a falta de espaço, algumas notas telegráficas.

Sendo o trabalho escolar nas escolas públicas da responsabilidade das respectivas equipas, o MEC distribui "responsabilidades" com estruturas privadas, os Centros de Recursos para a Inclusão, ainda uma resultante dos equívocos com serviços em "outsourcing" prestados por instituições e técnicos que não fazem parte da escola mas sobrevivem, mal, numa zona híbrida e estranha do sistema educativo. Como é evidente isto não questiona a competência e empenhos dos técnicos, mas o modelo escolhido.

Para alunos com Currículo Específico Individual (CEI), uma população altamente diversificada, determinou-se uma matriz lectiva com cargas horárias fechadas esquecendo tudo o que é autonomia e diferenciação. Esta Portaria abriu a porta para a que os alunos com necessidades especiais estivessem "entregados" nas escolas a tempo parcial e em regime precário, em vez de incluídos e envolvidos da forma possível na vida escolar da escola que, por direito, frequentam. Algumas famílias têm sido mesmo "convidadas" a não ter os seus filhos tanto tempo na escola.

Deve dizer-se que algumas escolas, direcções e professores se têm esforçado para que tal não aconteça, apesar da Portaria e do ME.

Uma pequena nota mais lateral sobre esta ideia de acantonar um grupo de alunos numa entidade designada por Currículo Específico Individual - CEI, uma bizarrice conceptualmente redundante, se uma estrutura curricular é desenhada para um indivíduo será, evidentemente, específica, donde fica estranha a designação. Acresce que toda esta matéria é altamente burocratizada com PEIs, CEIs, PITs, etc., que, do meu ponto de vista, complicam o trabalho de toda a gente.

Em muitas circunstâncias, apesar de excelentes práticas que aqui registo e saúdo, o trabalho desenvolvido ao abrigo dos CEIs é, do meu ponto de vista, parte do problema e não parte da solução, situação potenciada com a Portaria do MEC relativa ao trabalho nas escolas secundárias.

Entretanto, a famigerada Portaria foi revogada fundamentalmente pelo empenho a persistência dos movimentos de pais e a pressão si criada. Surgiu a Portaria 201-C/2015 de 10 de Julho. Introduziu, de facto algumas mudanças, a clara responsabilidade das escolas por todo o processo, a referência da carga horária dos alunos à carga horária regular, a referência à autodeterminação dos alunos, à individualização das abordagens, (eu preferiria a ideia de diferenciação), a referência à funcionalidade, por exemplo.

No entanto, não creio que a situação se tenha alterado substantivamente.

As boas práticas que existem e merecem divulgação mantiveram-se apesar das dificuldades, da falta de recursos, do desajustamento dos modelos e da oferta formativa, etc.

Por outro lado, as práticas de guetização em espaços curriculares, dentro ou fora das escolas, ou mesmo físico também continuam a verificar-se fruto de uma característica comum de todo o nosso sistema educativo, a falta de regulação, coexiste o melhor e o menos bom sem que nada aconteça.
Em muitas circunstâncias desenvolve-se um trabalho inconsequente, assente em avaliações pouco consistentes, descontextualizado, mobilizando pouca participação e envolvimento nos contextos em que os alunos se inserem. Dito de outra maneira, o trabalho desenvolvido com estes alunos pode ser ele próprio um factor de debilização, ou seja, alimenta a sua incapacidade, numa reformulação do princípio de Shirky.

Tal facto, não decorre da incompetência genérica dos técnicos, julgo que na sua maioria serão empenhados e competentes, mas da sua própria representação sobre este grupo de alunos, isto é, não acreditam que eles realizem ou aprendam. Desta representação resultam situações e contextos de aprendizagem, tarefas e materiais de aprendizagem, expectativas baixas traduzidas na definição de objectivos pouco relevantes, na participação reduzida em actividades comuns que, obviamente, não conseguem potenciar mudanças significativas o que acaba por fechar o círculo, eles não são, de facto, capazes. É um fenómeno de há muito estudado.

O que acontece, sem ser por magia ou mistério, é que quando nós acreditamos que os alunos são capazes, eles não se "normalizam" evidentemente, mas são, na verdade, mais capazes, vão mais longe do que admitimos. Não esqueço a gravidade de algumas situações mas, ainda assim, do meu ponto de vista, o princípio é o mesmo, se acreditarmos que eles progridem e são capazes de ... , o que fazemos, provoca progresso, o progresso possível.
E isto envolve professores do ensino regular, de educação especial, técnicos, pais, lideranças políticas e toda a restante comunidade.

Toda esta matéria, a educação de crianças ou jovens com necessidades especiais, assenta, do meu ponto de vista em três ideias estruturantes de todo o trabalho, estar, participar e pertencer, operacionalizadas numa perspectiva de diferenciação.

É neste sentido que devem ser canalizados os esforços e os recursos que devem, obrigatoriamente, existir.

Texto de Zé Morgado

A PRESSÃO PARA A EXCELÊNCIA

O DN de hoje aborda uma matéria que considero importante e que aqui também já tenho abordado, a pressão crescente para que as crianças realizem aprendizagens escolares mais cedo, logo no jardim-de-infância. A esta pressão para a antecipação das aprendizagens escolares soma-se a pressão para que atinjam desempenhos de excelência em múltiplas áreas. A peça parte da referência a um estudo realizado nos EUA, sugestivamente intitulado "O jardim-de-infância é o novo primeiro ano?", do qual releva que o que se esperava das crianças de 6 anos é hoje esperado, eu diria exigido, mais cedo.

Este movimento que causa algumas preocupações também subscritas pelos especialistas ouvidos pelo DN está também bem presente nas nossas comunidades educativas.

De forma que considero inquietante, fruto dos estilos de vida, valores e das dificuldades genéricas que enfrentamos, tem vindo a instalar-se de mansinho em muitos pais, frequentemente acompanhados pelas instituições educativas, uma atitude e um discurso de exigência e de pressão para a excelência no desempenho dos miúdos, a começar pelos resultados escolares. Dito de outra maneira, os miúdos são cada vez mais pressionados para a produção e alto nível de rendimento e cada vez mais cedo pois, supõe-se, ganharão vantagens.

Esta visão compromete desde logo o cumprimento dos objectivos e função da educação de infância que não deve ser vista como a “preparação para a escola” e, muito menos, como “o primeiro tempo de escola” o que desvaloriza a sua verdadeira função e contém riscos para o desenvolvimento das crianças e, sim, também para o seu sucesso educativo e escolar.

Por outro lado, o clima instalado relativamente à pressão para resultados e para excelência e à forma como o sistema tem vindo a caminhar assumindo uma relação obsessiva com a medida, no alimentar de um clima competitivo e selectivo, famílias mais escolarizadas e que criam em muitas crianças uma pressão fortíssima para a excelência dos resultados também contribuem para que a seguir à escola muitas crianças e jovens caminhem para os centros de explicações que acabam for funcionar como AAEs, Ateliers de Actividades Escolares respondendo como 2 em 1, tomam contas das crianças e melhoram, espera-se, o seu rendimento escolar.

Acresce que esta excelência que é exigida é extensiva a todas as áreas em que os miúdos se envolvem, devem ser excelentes a tudo.

Deste entendimento, para além da tempo infindo que os miúdos passam na escola, surge uma oferta com uma diversidade espantosa que tornará as crianças fantásticas, excelentes, em montanhas de coisas que lhes fazem uma falta tremenda para se prepararem para o futuro, basta atentar na oferta disponível.

A vida de muitas crianças transforma-se assim num espécie de agenda, passando o dia, incluindo fins-de-semana, a saltar de actividade fantástica em actividade fantástica, numa agitação sem fim.

Acontece que algumas crianças, por questões de maturidade ou funcionamento pessoal, suportam de forma menos positiva esta pressão o que poderá gerar o risco de disfuncionamento, rejeição escolar e, finalmente, insucesso.

Também sei que em muitas destas actividades estará presente uma genuína preocupação dos seus responsáveis pela qualidade e adequação do trabalho que realizam com os miúdos. A questão é que esse trabalho é apenas um dos mil trabalhos com que se vai enchendo a vida dos miúdos.

A melhor forma de preparar os miúdos para o futuro é cuidar bem deles no presente, desejavelmente sem faltas, mas também sem excessos.

Texto de Zé Morgado

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Carta ao Pai Natal

Chega o Natal e rapidamente começam a aparecer cartas endereçadas ao Pai Natal, aquela figura imaginária, mágica que faz sonhar muitas crianças. Um jogo, uma bola, um livro, uma consola, um telemóvel … são muitos os pedidos, são vários os sonhos de milhares de crianças.

Considero muito saudável esta fantasia, mas acima de tudo aprecio o espírito que envolve toda a época natalícia (embora em algumas ocasiões fique com a sensação que já não se vive o espírito de natal). Esta é uma época muito especial para a maior parte de nós, é a altura do ano em que valorizamos mais a família!

Tal como as crianças, também eu, nesta altura do ano, escrevo uma carta ao Pai Natal. Esta é uma tradição que retomei, depois de muitos anos sem o fazer, por querer acreditar que muito dos meus sonhos são possíveis. Recuperei esta tradição para transmitir uma mensagem cheia de expetativas, cheia de sonhos. Até porque o limite dos sonhos é o mesmo da imaginação, já o poeta dizia que “o sonho comanda a vida”.

A nossa sociedade vive momentos conturbados a nível económico e social. Vivemos numa sociedade cada vez mais egoísta, cada vez mais “despida” de valores onde apenas existe o “eu”.

Este ano gostaria de relembrar a Todos sem exceção que “As melhores coisas do Mundo são de graça!”. Sim, é certo que precisamos de dinheiro para sobreviver, mas há coisas que não têm preço … Uma palavra ou um gesto são de graça e podem transformar a sociedade em que vivemos. São estas palavras e estes gestos que podem mudar a nossa atitude perante o outro, são estas que podem mudar atitudes e mentalidades.

Durante este período de reflexão tenho em mente ações futuras para a construção de um caminho que tem de ser feito com igualdade de oportunidades para Todos!

Para que cada cidadão o possa ser de pleno direito temos de despoletar sensibilidades e alterar mentalidades...Gostava que a Sociedade começasse a compreender e a aceitar as diferenças de cada um para que o Mundo fosse mais inclusivo...

Não se esqueçam de lembrar toda a Sociedade que na Educação, os interesses pessoais têm de ser colocados de parte...Que Família, Escola e Comunidade dêem as mãos, fomentem o diálogo para que se crie um ambiente mais harmonioso para as crianças...para o Futuro do nosso País!!!

Que o preconceito seja deixado de lado...Que todos ocupem o seu lugar na sociedade, independente da cor, sexo, opção religiosa ou sexual, pela deficiência ou classe social...

E não, isto não são utopias...Bem sei que é difícil, até porque a mudança de mentalidades é a barreira mais difícil de ultrapassar...Sozinhos não derrubamos esta barreira, mas se cada um fizer um pouco, a Sociedade mudará...

Para que a mudança seja possível é pressuposto que haja predisposição, empenho e receptividade de toda a Sociedade, bem como capacidade de diálogo para alcançarmos este desafio.

Por fazerem parte do meu blog…

Por me fazerem sentir acompanhado nesta luta…

E por todos os momentos (presentes ou através da blogosfera) que vivemos juntos desejo-vos:

Um BOM NATAL! Feliz Ano Novo!

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Avaliar professores é fácil?

A avaliação de um professor não pode ser uma actividade episódica, pontual e descontinuada. É uma actividade projectada no futuro.

Não! A avaliação de professores não é uma tarefa simples. Que o digam os supervisores que, durante décadas, promoveram a formação inicial e permanente dos nossos docentes. Para avaliar professores requerem-se características pessoais e profissionais especiais, para além de uma formação especializada e de centenas de horas de treino, dedicadas à observação de classes e ao registo e interpretação dos incidentes críticos aí prognosticados.

Cuidado com as ratoeiras! Quem foi preparado para avaliar alunos não está, apenas pelo exercício dessa função, automaticamente preparado para avaliar os seus colegas…

A avaliação de professores é uma tarefa complexa. Desde logo, requer um perfil específico do avaliador. Ou seja, nem todos os professores reúnem as condições para avaliarem. O avaliador terá que ser uma pessoa com conhecimentos especializados, com enorme sensibilidade, com capacidade analítica e de comunicação empática, com experiência de ensino e elevada responsabilidade social. Terá que ser um profissional que sabe prestar atenção, sabe escutar, sabe clarificar, sabe encorajar e ajudar a encontrar soluções, sabe dar opiniões, e que sabe ainda negociar, orientar, estabelecer critérios e assumir todo o risco das consequências da sua acção.

É necessário que domine com rigor as técnicas de registo e de observação de aulas, conheça as metodologias de treino de competências, os procedimentos de planeamento curricular, e as estratégias de promoção da reflexão crítica sobre o trabalho efectuado.

Escolher um avaliador obriga a uma selecção aturada, fundamentada, baseada em critérios de indiscutível mérito e, depois, a uma demorada formação específica e especializada. Para que uma avaliação tenha consequências, o avaliado não pode ter quaisquer dúvidas sobre o mérito do avaliador.

Avaliar é uma tarefa periscópica. O avaliador é chamado a pronunciar-se sobre inúmeros domínios sobre os quais se reflecte o pluridimensional acto de ensinar. Quando avalia, olha o professor sobre variadíssimos ângulos e prismas: aprecia o professor enquanto pessoa, como membro de uma comunidade profissional, como técnico qualificado na arte de ensinar e como especialista das matérias que ensina.

Por outras palavras o avaliador avalia o professor em vertentes tão diferenciadas quanto o são o seu ser, o seu saber e o seu saber fazer. Logo, o avaliador tem que estar atento a um grande número de variáveis que intervêm na função docente: variáveis de produto, de processo, de presságio, de carácter pessoal e profissional…

O avaliador recolhe elementos que permitam avaliar, e depois classificar, o professor enquanto tenta responder às seguintes questões: Onde ensina? O que é que ele ensina? Como é que ensina? O que aprendem os seus alunos? Como se auto avalia? Que capacidade tem para reformular a sua actuação? Com que profundidade domina as matérias que pretende ensinar?

O avaliador não trabalha com o professor apenas na sala de aula. Ele tem que apreender o modo como o professor se envolve com os seus alunos numa situação de classe, mas também como este se implica junto da comunidade escolar e na sociedade que envolve a escola. Porque trabalha com ele como profissional, mas também enquanto pessoa.

Formar um avaliador leva tempo, elevadas doses de paciência, muito treino e conhecimento especializado. A escolha de um avaliador não pode ser casual e, sobretudo, não pode depender de critérios político-administrativos.

Porquê? Porque o avaliador tem que saber verificar não só o que os professores fazem, mas também como o fazem e, simultaneamente, garantir a melhoria da qualidade da sua intervenção na sala de aula, bem como a qualidade do produto, isto é, da aprendizagem dos alunos.

Por isso mesmo a avaliação de um professor não pode ser uma actividade episódica, pontual e descontinuada. A avaliação de um professor requer uma actividade continuada, porque importam mais as actividades de reformulação que venham a ser consideradas do que o simples diagnóstico da sua actual situação. A avaliação de um professor é então uma actividade projectada no futuro.

Avaliar um professor é, pois, dizíamos, uma tarefa muito, mesmo muito complexa. Simples, muito simples mesmo, é avaliar governante que pensa ser possível reduzir a avaliação dum professor a uma mera empreitada administrativa, compilada em duas páginas de panegíricos ou de recriminações.

Por: João ruivo

Professor universitário


terça-feira, 15 de dezembro de 2015

OS RISCOS DA RITALINIZAÇÃO DOS MIÚDOS. DE NOVO


De facto, segundo dados do Infarmed o recurso ao metilfenidato com os nomes correntes de Ritalina, Concerta ou Rubifen disparou em Portugal nos últimos anos, de 23 000 embalagens vendidas em 2004 passou-se para cerca de 276 029 embalagens vendidas em 2014, um crescimento assombroso e preocupante.

Face a este cenário e em diferentes intervenções públicas, especialistas como Mário Cordeiro, Gomes Pedro ou na peça de hoje do DN, Ana Vasconcelos, têm revelado sempre uma atitude cautelosa e prudente face esta hipermedicação ou sobrediagnóstico e alertado para os riscos destas práticas. Este tipo de discurso, cauteloso e prudente, que subscrevo, contrasta com a ligeireza, que não estranho, de Miguel Palha que referia há algum tempo no Público as “centenas” de crianças que na sua clínica solicitam “diariamente” o fármaco.

Retomo algumas notas de textos anteriores sobre estas questões, a forma como olhamos e intervimos face aos comportamentos que os miúdos mostram. De há uns tempos para cá uma boa parte dos miúdos e adolescentes ganhou uma espécie de prefixo na sua condição, o "dis", passam a "dismiúdos".

Se bem repararem a diversidade é enorme, ao correr da lembrança temos os meninos que são disléxicos em gama variada, disgráficos, discalcúlicos, disortográficos ou até distraídos.

Temos também as crianças e adolescentes que têm (dis)túrbios ou perturbações. Estes também são das mais diferenciadas naturezas, distúrbios do comportamento, distúrbio do desenvolvimento, distúrbios da atenção e concentração, distúrbios da memória, distúrbios da cognição, distúrbios emocionais, distúrbios da personalidade, distúrbios da actividade, distúrbios da comunicação, distúrbios da audição e da visão, distúrbios da aprendizagem ou distúrbios alimentares.

Como é evidente existem ainda os que só fazem (dis)parates e aqueles cujo ambiente de vida é completamente (dis)funcional ou se confrontam com as (dis)funcionalidades dem muitos contextos escolares, número de alunos por turma excessivo, currículos desajustados, falta de apoios, etc.

Pois é, há sempre um "dis" à espera de qualquer miúdo e senão, inventa-se, "ele tem que ter qualquer coisa".

De forma simplista costumo dizer que algumas destas crianças não têm perturbações do desenvolvimento ou dificuldades de aprendizagem, experimentam perturbações no envolvimento e sentem dificuldades na “ensinagem”.

Agora um pouco mais a sério, sabemos todos que existem um conjunto de problemas que podem afectar crianças e adolescentes, devem ser abordados, se necessário com medicação, evidentemente, mas, felizmente, não são tantos as situações como por vezes parece. Inquieta-me muito a ligeireza com que frequentemente são produzidos "diagnósticos" e rótulos que se colam aos miúdos, dos quais eles dificilmente se libertarão e que pela banalização da sua utilização se produza uma perigosa indiferença sobre o que se observa nos miúdos.

Inquieta-me ainda a ligeireza com que muitos miúdos aparecem medicados, chamo-lhes "ritalinizados", sem que os respectivos diagnósticos conhecidos pareçam suportar seguramente o recurso à medicação. Como mais uma vez se refere os riscos da sobreutilização ou uso sem justificação do metilfenidato e de outros fármacos tem riscos, uns já conhecidos, outros em investigação.

Esta matéria, avaliar e explicar o que se passa com os miúdos e adolescentes, exige um elevadíssimo padrão ético e deontológico além da óbvia competência técnica e científica.
Não se pode aligeirar, é "dis"masiado grave.

Texto de Zé Morgado

Ciclo de Sábados - Falando com quem Faz (Telheiras - Lisboa)


Via: FB

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Demasiadas crianças tomam antipsicóticos. E correm o risco de ficar "como robôs"

Médicos alertam para excesso de medicação em casos de hiperatividade e défice de atenção, com recurso a substâncias para tratar esquizofrenia

Têm 2 anos ou menos, algumas ainda estão em idade de berço, e são diagnosticadas como crianças hiperativas, com défice de atenção, agressivas ou retraídas. E cada vez mais estão a ser tratadas com anti-psicóticos e outros remédios psiquiátricos habitualmente prescritos a adultos com doenças graves do foro mental. No ano passado, foram vendidas 276 029 embalagens de Metilfenidato (ritalina), mais 30 mil do que em 2013. O medicamento é receitado sobretudo nos hospitais públicos (37%) e em clínicas privadas (39%) a crianças e adolescentes (entre os 5 e os 19 anos) e os números têm vindo a aumentar, sobretudo desde 2010, mostra o relatório do Infarmed.

O recurso crescente a antipsicóticos - com efeitos sérios no desenvolvimento - e a probabilidade de muitos dos miúdos serem medicados sem necessidade estão a preocupar os médicos. "Estou preocupadíssima com essa tendência, que já é muito expressiva em Portugal. Qualquer dia as crianças são como robôs medicados", diz ao DN a pedopsiquiatra Ana Vasconcelos. Opinião semelhante tem o neuropediatra Nuno Lobo Antunes (ver entrevista), que admite receber muitas crianças "medicadas de forma errada para o problema errado. Especialmente no caso dos neurolépticos" - como o Risperdal, recomendado para a esquizofrenia, mas também usado no tratamento do autismo.

O problema não é um exclusivo de Portugal. Nos EUA, por exemplo, perto de 20 mil receitas para os medicamentos psiquiátricos Risperdal e Seroquel - adequados a tratar doenças crónicas como a esquizofrenia ou a doença bipolar - foram passados a bebés de 2 anos ou menos. Um aumento de 50% relativamente aos 13 mil do ano anterior, segundo a multinacional de marketing farmacêutico IMS Health, citada pelo The New York Times.

Em Portugal, esta realidade está agora a ser estudada. Álvaro Carvalho, diretor do programa nacional para a saúde mental da Direção--Geral da Saúde, adiantou ao DN que "há a presunção de que há um tratamento excessivo de crianças com medicamentos como a ritalina, neste caso do grupo das anfetaminas". E que por essa razão houve necessidade de, há um ano, se criar "um grupo de trabalho sobre prescrição de psicofármacos em idade pediátrica, com o objetivo de termos informações que não sejam apenas dados empíricos". A intenção é fazer normas e guidelines sobre a prescrição de medicamentos nesta área. "O que já sabemos é que há uma grande pressão devido a pedidos de prescrição aos médicos pelos pais, psicólogos ou professores para tratar a hiperatividade." E há um excesso de diagnóstico de crianças quando "se tratam problemas de comportamento", diz. "Apesar de ainda não haver dados, há elementos para nos preocuparmos."

Ana Vasconcelos diz que "muitos destes remédios não estão adaptados a um cérebro em crescimento" como o das crianças. Cada vez mais as patologias dos miúdos têm que ver "com o medo e o stress dos pais", numa sociedade que vive "com mais sofrimento do que prazer. As crianças reagem atacando-nos".

Mais prescrições

Já neste ano, o Infarmed publicou um relatório sobre as vendas de embalagens de medicamentos indicados para a perturbação de hiperatividade com défice de atenção (PHDA), que revela que a cada ano se vende mais embalagens - com mais incidência nos distritos de Viana do Castelo e Viseu, mas também em Lisboa e no Porto - para um problema que afeta 5% a 7% da população. Por norma, são medicados para o défice de atenção e hiperatividade as crianças a partir dos 5 anos. E apenas nos casos em que terapia psicológica, educacional e social não teve resultado, sublinham as indicações do Infarmed.

Mas a tendência em crescimento de receitar psicotrópicos como antipsicóticos ou antidepressivos a crianças com 2 ou menos anos já é, segundo Ana Vasconcelos, uma realidade no nosso país. "Em Portugal começou a haver muitos pediatras e neuropediatras a tratar problemas como o défice de atenção ou a hiperatividade nas crianças com remédios como a ritalina ou o Risperdal." A especialista prefere uma abordagem diferente, com "um diagnóstico psicopatológico, procuro chegar à causa do comportamento".

Na opinião da pedopsiquiatra, o problema é que estas crianças "ficam inadaptadas". "É muito grave dar medicamentos sem saber o que se está a fazer. Tem de se fazer uma abordagem neurobiológica e estudar o lado cognitivo, afetivo e emocional da criança antes de prescrever remédios que podem não ser adequados à sua realidade", diz a especialista. Caso contrário, "estamos a robotizar crianças, mas não a tratar a situação."

Ritalina e Risperdal mais usados

A ritalina é mais usada em Portugal para tratar o défice de atenção infantil (até 2014 era dos poucos medicamentos comparticipados) e sempre esteve envolvida em polémica. Pensa-se que terá sido criada em 1944 para aumentar a concentração no campo de batalha de soldados nazis. Nos Estados Unidos e no Brasil há registo de casos em que a ritalina é usada ilegalmente sem prescrição médica por estudantes e alguns profissionais para diminuir o cansaço e ajudar no desempenho académico e profissional.

Os dados da IMS Health para os EUA não indicam quantas crianças receberam receitas, visto que muitas delas têm várias prescrições por ano, mas estudos prévios sugerem que terão sido pelo menos dez mil, segundo o artigo do NYT. As receitas para o antidepressivo Prozac ascenderam a 83 mil no grupo etário dos 2 ou menos anos, o que representou um aumento de 23% de prescrições nesta faixa etária, indicam os dados da IMS Health.

No artigo do The New York Times conta-se a história de Andrew Rios, de 4 anos, que tomou o antipsicótico Risperdal quando tinha 18 meses para tratar crises de agressividade. Depois de começar a tomar a droga, Andrew passou a gritar durante o sono e a interagir com pessoas e objetos invisíveis. A mãe foi pesquisar o medicamento e descobriu que este não estava aprovado e nunca tinha sido estudado para crianças tão novas como o seu filho.

In: DN online

domingo, 13 de dezembro de 2015

RANKINGS ESCOLARES. NOTA FINAL

Sobre os rankings escolares já se escreveu imenso. Sobre o seu impacto maior ou menor, sobre a sua construção, sobre própria existência, sobre os seus resultados. Eu próprio já o fiz no Público.

Mas muito mais ainda há, não tanto para escrever, mas, sobretudo, para pensar em termos de política educativa que ao longo de décadas alimenta a situação que os rankings retratam, no de mais positivo como no de mais negativo. Era este o caminho que mais desejava ver percorrido. É a insistência em políticas que alimentam estes resultados que me preocupa, eles são consequência e não causa e a resolução ou minimização de problemas é mais eficaz e menos onerosa se for centrada nas causas para além de discorrer ou abordar "apenas" as consequências.

Dito isto uma nota final.

Apesar das melhorias evidentes que de uma forma geral se verificam na construção dos rankings, continuo embaraçado com a forma como alguma comunicação social os aborda com referências constantes "às melhores escolas" e às piores escolas". Também continuo embaraçado com a inserção de publicidade a escolas privadas e ao ensino privado nos suplementos dos jornais dedicados aos rankings.

Eu sei que é o mercado a funcionar. Mas também sei que esta situação é um bom serviço prestado aos negócios da educação que se inscrevem, aliás, no caminho de que falava acima.

Para o ano, para o ano depois do próximo ano, estaremos, provavelmente, face a um cenário sem diferenças substantivas apesar do esforço, dedicação e competência da esmagadora maioria dos professores, directores, funcionários das escolas e agrupamentos bem como das capacidades dos alunos e do trabalho educativo das suas famílias.

Texto de Zé Morgado

A ilusão dos rankings das escolas

Há cerca de 15 anos os jornais publicam os rankings, isto é, uma seriação, das escolas, com base nos resultados obtidos pelos alunos nos exames nacionais. Importa perguntar se a divulgação dos rankings ajudou a melhorar o sistema educativo. Ou se a competição entre escolas, por uma posição nos rankings, melhorou a qualidade do ensino e do seu funcionamento. Ou, ainda, se a informação divulgada permitiu melhorar a capacidade de escolha das famílias. É uma ilusão pensar que os rankings tiveram estes efeitos.

1. A divulgação dos rankings apenas veio reforçar a capacidade de recrutamento e de escolha dos melhores alunos por algumas escolas. Não foram as famílias que ficaram com mais informação para escolher a escola dos seus filhos, foram as escolas que passaram a poder escolher os melhores alunos, aqueles com quem o trabalho é mais fácil. Os alunos com quem o trabalho pedagógico é mais difícil passaram a ficar nas escolas que não escolhem. Neste sentido, a competição introduzida pelos rankings não melhora a qualidade do trabalho pedagógico. Apenas melhora os mecanismos de seleção dos alunos. As escolas “boas” ficam facilmente melhores, as “menos boas” ficam com mais dificuldades. O sistema educativo ficou assim mais afetado pela desigualdade escolar.

2. Os rankings têm sido usados para difundir uma imagem negativa das escolas públicas, apontadas como caras e ineficientes, e com piores resultados do que as privadas. O Governo da coligação PSD/CDS alimentou, objetivamente, a oposição público/privado, tomando decisões que favoreceram as escolas privadas e prejudicaram as escolas públicas, designadamente quando: (a) diminuiu a autonomia das escolas públicas, eliminando a margem de liberdade que existia para estas estabelecerem parte do currículo e definirem as suas ofertas formativas, ao mesmo tempo que concedeu às escolas privadas total autonomia pedagógica, administrativa e financeira; e (b) acabou com os programas de melhoria da qualidade do ensino e dos resultados escolares, ao mesmo tempo que aumentou significativamente as transferências de recursos públicos para as escolas privadas.

3. A experiência demonstra também que os resultados escolares não se melhoram com os rankings nem sequer com os exames. Nos últimos três anos, não faltaram rankings nem exames, mas o insucesso escolar aumentou em todos os anos de escolaridade. A melhoria dos resultados escolares exige mudanças e investimentos continuados em três planos. Primeiro, otimização da capacidade técnica e de inovação dos professores e de outros profissionais da educação. Segundo, reforço da inserção das escolas nas comunidades enquanto serviço público de proximidade sujeito à participação e escrutínio das famílias e das instituições locais. Terceiro, atribuição às escolas de instrumentos de organização adequados. A autonomia e melhoria da liderança e da gestão das escolas, nos planos científico, pedagógico e organizacional, devem traduzir-se na possibilidade de decidir sobre o tempo de trabalho-tarefa dos alunos, sobre as práticas pedagógicas e sobre a gestão dos currículos, dos programas e da diferenciação das ofertas formativas.

Os problemas mais graves do sistema educativo no nosso país são o insucesso, o abandono e a desigualdade escolares. Problemas que se agravaram nos últimos três anos, apesar dos rankings.

Por: Maria de Lurdes Rodrigues

Ministra da Educação do XVII Governo Constitucional, professora de Políticas Públicas no ISCTE-IUL. A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico

Rankings escolares: nada de novo

Esta época, entre outras coisas, traz-nos a sazonal divulgação das classificações das escolas, os rankings, elaboradas a partir dos resultados dos exames nacionais. O Ministério da Educação divulga os resultados escolares e alguns dados relativos às escolas, a imprensa e algumas entidades, estruturas de ensino superior por exemplo, analisam esses dados e produzem-se umas classificações “criteriosas”, com “indicadores ponderados”, utilizando “diferentes critérios”, etc., etc. É verdade que tem vindo a melhorar a abordagem aos resultados e à sua divulgação levando em conta outras variáveis importantes para além dos resultados dos exames. De entre estas variáveis, importa considerar dimensões de natureza sociodemográfica como o nível de escolaridade dos pais ou o número de alunos que estão abrangidos pelos dispositivos de acção social escolar.

Estou a escrever estas notas sem conhecer os dados deste ano mas, provavelmente, teremos os padrões que têm sido razoavelmente estáveis apesar de algumas oscilações. Recordo que numa iniciativa recente da Fundação Francisco Manuel dos Santos foi apresentado um estudo, Ranking das escolas: o impacto nas escolas públicas e privadas, da responsabilidade da Nova School of Business and Economic, que analisou o desempenho de 652 escolas (137 privadas, 515 públicas) considerando os rankings publicados entre 2003 e 2010.

Em síntese, verificou-se predomínio persistente e claro das escolas privadas, que, aliás, durante o período considerado aumentou e a constatação de que a mobilidade ascendente no ranking também se verifica maioritariamente entre as escolas privadas. Verificou-se também que durante o período considerado houve uma tendência de encerramento das escolas privadas que consistentemente apresentavam piores resultados, o mercado não perdoa.

Neste cenário não parece difícil antecipar a supremacia genérica das escolas privadas face às públicas nos lugares cimeiros. Aliás, prevejo que o contraste entre ensino público e privado tenderá a acentuar-se, mas veremos o que nos dirão os resultados.

As escolas do litoral apresentarão globalmente melhores indicadores que as do interior, sendo ainda que os pólos de Lisboa, Coimbra, Porto e Braga acolhem as escolas que genericamente melhores resultados evidenciam apesar de alguns resultados menos positivos de escolas situadas em territórios educativos com maiores problemas sociais. As escolas das regiões autónomas e do interior do país mostrarão globalmente piores indicadores.

Apesar das possíveis excepções atribuídas ao esforço e competência dos professores e à colaboração das famílias, será este o cenário, creio. Sendo certo que a escola e o trabalho da escola podem fazer a diferença, existem experiências notáveis por vezes desenvolvidas em circunstâncias particularmente adversas, globalmente, a tradição ainda é (será) o que era.

Parece-me claro que para quem conhece minimamente o país educativo estes dados são previsíveis. Embora entenda que a informação relativa aos resultados dos alunos possa e deva ser tratada e divulgada, a minha questão é: “Qual o contributo significativo da organização e divulgação destes rankings para a melhoria da qualidade do sistema?”. No meu entendimento, a resposta é “pouco relevante”. Primeiro, porque é possível antecipar os seus resultados sem grande margem de erro e, segundo e mais importante, porque não se traduzem de forma robusta em medidas de política educativa.

Apesar de sublinhar a fortíssima importância da análise do desempenho escolar, sobretudo para as decisões a tomar em cada escola ou agrupamento, a elaboração dos rankings parece servir mais para alimentar uma obsessão com resultados e um equívoco sobre a promoção da excelência e do rigor.

Como afirma Gert Biesta da Universidade Stirling numa obra notável, Good Education in a Age of Measurement – Ethics, Politics, Democracy, uma obsessão centrada na medida, assente na gestão continuada de uma dúvida, "medimos o que valorizamos ou valorizamos o que medimos?" Aliás, numa entrevista ao PÚBLICO em 2011, o Professor Biesta afirmava sugestivamente: "Os rankings são muito antiquados e não devem ter lugar numa sociedade civilizada".

É reconhecido que existem escolas, privadas e públicas, que recusam matrículas de alguns alunos para proteger a sua posição no ranking e também o facto de em algumas escolas acontecer que alunos que podem comprometer os resultados não são levados a exame ou são desviados para modalidades como o “ensino vocacional”, cujo modelo será alterado pela nova equipa do Ministério da Educação.

Merece ainda referência que uma sobrevalorização da avaliação externa, os exames, pode não ser o maior e melhor contributo para o sucesso como vários especialistas e a OCDE têm vindo a alertar.

No entanto, julgo ser de acentuar a importância que a avaliação externa assume como factor contributivo para a regulação do sistema educativo, o que não implica tornar-se no tudo do trabalho educativo. Neste sentido, a mediática extinção do exame final do 4.º ano, medida que que me parece acertada e de acordo com o que se passa na grande maioria dos países da Europa, pode criar alguns riscos se não se acautelarem dispositivos de apoio a alunos e professores e uma regulação externa que as provas de aferição, por exemplo, asseguravam.

A política mais recente do ministério foi clara no sentido de mais do que avaliar importa medir, medir tudo, esquecendo que os processos educativos são complexos e não cabem numa fórmula ou conjunto de fórmulas que se entendem como "infalíveis" ou "objectivas". Se assim fosse, não seriam necessários professores ou políticas educativas que solicitam escolhas, conhecimentos, metodologias, valores éticos e morais, etc., bastariam uns burocratas a debitar conteúdos (metas), outros burocratas a medir saberes com instrumentos normalizados e uns outros ainda a construir fórmulas de gestão num qualquer serviço centralizado.

No entanto, como muitas vezes tenho afirmado, não tendo uma atitude fundamentalista, admito que se elaborem rankings com o maior cuidado possível mas que sobretudo se promova a análise em cada escola do seu próprio trabalho. Sendo um defensor intransigente de uma cultura e prática de exigência, avaliação e qualidade, parece-me bem mais importante o aprofundamento dos mecanismos de autonomia e responsabilização e a constituição obrigatória em todos os agrupamentos ou escolas de Observatórios de Qualidade que integrem também elementos exteriores à escola. Existe capacidade técnica e recursos suficientes e muitas escolas têm este dispositivo.

O trabalho realizado por esses Observatórios, este sim, deveria ser divulgado e discutido em cada comunidade e passível de leituras cruzadas com os resultados nacionais.

Para terminar, a questão central, mais do que ordenar escolas a partir dos resultados dos alunos e independentemente das variáveis consideradas no tratamento, é reflectir seriamente sobre o que fazer para a melhoria dos processos de ensino e aprendizagem traduzida, também, nos resultados em exames. Neste sentido, parecem-me preocupantes alguns dos caminhos que nos últimos anos foram percorridos.

Um primeiro exemplo será o aumento do número de alunos por turma que em muitas comunidades educativas é claramente excessivo. Tivemos também uma reforma curricular e o estabelecimento de metas curriculares que, apesar da importância da definição do que deve ser aprendido, estão formuladas em moldes pouco sustentáveis e que poderão vir a ser parte do problema e não da solução, como alguns estudos em curso relativos ao 1.º ciclo, os que conheço, sugerem e como também defendem diferentes associações de professores.

Uma referência à necessidade de uma verdadeira autonomia das escolas que ultrapasse a desconfiança clássica do ministério face a professores e escolas. A autonomia é uma ferramenta imprescindível à promoção da qualidade face às especificidades de contexto próprias a cada escola ou agrupamento e ainda temos um sistema altamente centralizado.

Uma nota ainda para a criação de dispositivos de apoio suficientes, oportunos e adequados que minimizem ao longo dos anos de cada ciclo o risco de insucesso nos exames finais e dos níveis inaceitáveis de retenção que o Conselho Nacional de Educação divulgou em Fevereiro deste ano.

Finalmente, uma alusão ao desinvestimento no ensino e escola pública em nome de uma chamada “liberdade de educação” em modelos cujos efeitos noutros sistemas sugerem a maior das prudências. Em educação, apesar da necessidade de contenção e combate ao desperdício, não existe despesa, existe investimento.

Veremos o sentido anunciado da mudança de políticas educativas que tem de ser mais consistente que medidas bandeira como o fim dos exames do 4.º ano ou a extinção do ensino vocacional no modelo que estava em funcionamento. São, do meu ponto de vista, medidas positivas mas exigem acção continuada e sólida.

No entanto e para já, como de costume, vamos então analisar as diversas abordagens aos resultados escolares, traduzidas nos rankings que vão ser divulgados e que, como disse, nada de surpreendente me parece que irão trazer.

Por: José Morgado

Professor e investigador do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA)

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

10 Easy Changes Teachers Can Make to Facilitate Inclusion

"Over, under, around or through find a way, or make a way" is a quote by Paula Kluth that recently reminded me of how I found ways to include all my students in a classroom activity, regardless of their ability level. While I am speaking with Dr. Cheryl M. Jorgensen about this topic on an upcoming podcast, I wanted to share one of the most successful ways that I used as a classroom teacher to facilitate inclusion. 

In order to have students aquire the same learning experiences, teachers have to be prepared for the differences in their student's abilities and learning styles. This technique is known as "differentiation". Differentiation can be created by making changes. Changes can take place in many ways in the classroom, depending on the student's needs, teacher's level of knowledge and support of school personnel. Big or little, however, change can make a difference in how students with special needs are included in the classroom.

Here are 10 easy changes teachers can make to facilitate inclusion:

  • Time - change the time of day the activity is planned for, the duration of activity, the time of week or even the month.
  • Space - change the physical seating arrangement in the class, change the environment (turn off the lights, shut the door or open the windows), change the workspace or even the room (go to the library or sit outside).
  • Method – change how the lesson is delivered. Use charts, music, books, props, video or posters. Stand at the front of the class, the back of the class. Have the students remain sitting at their desks, on their desks or sit at a carpeted area.
  • Materials – have students produce their work using crayons, markers, paint, modeling clay, computer software, cameras, popsicle sticks, or cheerios.
  • Product – change the assignment from writing to drawing, art, music, or drama. Have students create a poster, diorama or power point presentation.
  • Quantity – change the number of questions, length of assignment, amount of homework, or ask for odd-numbered answers only.
  • Groupings – change how the students are grouped for the lesson. Will they work in pairs, small groups or be independent? Will the student work with a teacher, a paraprofessional or other support personnel?
  • Grade – change the grade-level expectations of the activity. Go down a grade or up a grade depending on the student’s ability.
  • Teacher – yes, change the teacher! Ask the Special Ed teacher to deliver the lesson, a co-teacher, the principal, a parent, or another student.
  • Resources – change the resources you use for class activities. Look for new textbooks, web sites, on-line teaching communities and experts. One small, new idea can lead to something big!

In: theinclusiveclass

Via Facebook

Bruxelas propõe regras sobre acessibilidade de deficientes a serviços e produtos

A Comissão Europeia propôs que sejam adotados requisitos comuns de acessibilidade a pessoas com deficiência a produtos e serviços essenciais, como os transportes e a caixa multibanco.

A Comissão Europeia propôs que sejam adotados requisitos comuns de acessibilidade a pessoas com deficiência a produtos e serviços considerados essenciais, como os transportes e a caixa multibanco, entre outros.

Os serviços e produtos em causa foram escolhidos em consulta com os cidadãos, organizações da sociedade civil e empresas e entre eles contam-se as caixas automáticas (ATM) e os serviços bancários, os computadores pessoais, os telefones e equipamentos de televisão, os serviços de telefonia e audiovisuais, os transportes, os livros eletrónicos e o comércio eletrónico.

A diretiva (lei europeia) hoje proposta deverá fomentar a inovação e multiplicará a oferta de produtos e serviços acessíveis para os cerca de 80 milhões de pessoas com deficiência na União Europeia (UE).

Na elaboração dos requisitos, foi considerada a necessidade de garantir a proporcionalidade, em particular para as pequenas e as microempresas, com a inclusão de uma “cláusula de bom senso” para evitar que os requisitos de acessibilidade tenham encargos desproporcionados, estando também previstas medidas de conformidade menos rigorosas para as microempresas.

As pessoas com deficiência passarão a dispor de uma maior oferta de produtos e serviços acessíveis a preços mais competitivos.

A melhoria da oferta destes produtos e serviços pode também beneficiar os cidadãos mais velhos que têm necessidades semelhantes em matéria de acessibilidade, bem como pessoas que se deparem com dificuldades decorrentes de um acidente, uma doença temporária ou um ambiente onde as condições de luz ou ruído, por exemplo, não sejam as melhores.

Cerca de 80 milhões de cidadãos da UE são, em maior ou menor grau, afetados por uma deficiência.

Em virtude do envelhecimento demográfico, prevê-se que este número venha a aumentar para 120 milhões até 2020, segundo a Comissão Europeia.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Direitos Humanos: onde estão depois de 13 de Novembro?

É tempo de lutar contra o que nos diminui como humanos; é tempo de lutar pelos Direitos que nos engrandecem. Parafraseando A Marselhesa: “Aux Droits citoyens!”.

Nós europeus temos sido sistematicamente convidados e instigados a olhar para fora da Europa com olhares diferentes dos habituais. Muitos séculos se passaram em que a Europa olhou para o resto do mundo a partir de cima, com “supervisão” e com superioridade. Olhamos, no passado os outros povos como não civilizados, incultos e, sobretudo, como manipuláveis para nos darem ou venderem barato aquilo que precisávamos. Olhando para este cenário sem cosméticas – isto é, arrumando de vez a retórica do “esforço civilizacional”, do encontro de culturas, da ajuda desinteressada e da promoção do desenvolvimento – verificamos que a Europa na grande maioria dos casos se serviu mais do mundo e lhe impôs o seu poder e a sua cultura do que o contrário. Se dúvidas houver sobre este assunto basta consultar, por exemplo, as raízes históricas do conflito da Síria e perceber quanto os interesses europeus contribuíram para armar uma situação explosiva e aparentemente irresolúvel.

A Europa constitui-se assim como parte importante e responsável em conflitos onde povos antes subjugados se revoltam e se organizam para originar sofrimento: historicamente – repito historicamente – a Europa não é alheia às decisões que conduziram a grande parte dos conflitos regionais que se desenrolam na atualidade. Mas, ao mesmo tempo que é preciso conhecer, aceitar e lidar com estas responsabilidades, é importante também reconhecer como floresceu na Europa uma ética nunca antes vista na história da Humanidade sobre a dignidade humana. Podemos dizer – e certamente com razão – que esta ética foi criada de forma limitada: quando a Europa falava de “Homem” queria efetivamente dizer “Homem Europeu”. Mas o certo é que mesmo com um carater mais restrito, a Europa teve um papel decisivo para entender a dignidade humana tal como hoje a consideramos.

É necessário lembrar um período fertilíssimo do triunfo desta ética humana que se verificou em 12 anos no final do século XVIII. Neste período são proclamados quatro documentos fundamentais. Em 1776 a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América em que se consigna o “direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade”. Como é sobejamente conhecido esta declaração apesar de ter sido proclamada nos Estados Unidos é de inspiração dos iluministas franceses. Mas há mais: em 1787 no preâmbulo da Constituição dos Estados Unidos definem-se os direitos básicos dos cidadãos. Dois anos mais tarde, em 1789 a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em França, estabelece a seminal trilogia que guiaria a Revolução Francesa: Igualdade, Fraternidade e Liberdade. Finalmente em1791 a Lei dos Direitos dos Estados Unidos limita formalmente os direitos do Estado e assume a proteção dos direitos dos cidadãos. Muito se tem discutido sobre as razões do aparecimento tão concentrado e veemente destas declarações. Certamente as classes sociais que tinham ascendido ao poder necessitam de criar uma ética nova que não fosse coincidente ou mesmo inspirada nas éticas das classes que tinham sido derrotadas nomeadamente o Clero. Os direitos do Homem e do Cidadão surgem assim como uma dignificação da pessoa enquanto existência laica e não enquanto criação divina.

Estes documentos são certamente a base conceptual e ética que conduziram, mais de 150 anos mais tarde, à proclamação da Declaração Universal dos Direitos do Homem feita a 10 de Dezembro de 1948 (prestes, portanto, a completar 67 anos).

Os acontecimentos de 13 de Novembro deste ano de 2015 em Paris não podem deixar de nos interrogar sobre este percurso de mais de 200 anos dos Direitos Humanos. Como primeira reflexão não é indiferente nem certamente por acaso que estes acontecimentos se desenrolem em Paris. Muito recentemente assistimos ao assassinato de jornalistas do Charlie Hebdo e agora somos confrontados com os atentados de 13 de Novembro. Não é Paris por acaso. Paris tem, historicamente, um protagonismo na afirmação de Direitos Humanos que são para os jihadistas o alvo principal a abater. Os Direitos Humanos são o grande inimigo destes grupos. Antes de mais porque são laicos, depois porque proclamam que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e de consciência devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade” (art.º 1 da DUDH). Na verdade nada mais incompreensível para os radicais religiosos para quem a liberdade é uma ilusão e uma armadilha ocidental e a fraternidade um valor secundário quando comparado com a vingança.

Estes atentados em Paris e o clima de medo que pretendem instalar em toda a Europa são mais um teste de resistência aos Direitos Humanos. E certamente nos vão mostrar as suas forças e as suas fraquezas. Vemos até ao presente que os Direitos Humanos são muito vulneráveis: estas ameaças estão em vias de reduzir a nossa liberdade, a nossa possibilidade de circulação, a hipertrofia do controle e da securitização do Estado. Não é ficção pensar que nos podem levar a curto prazo a restrições na liberdade de expressão e outras que lhe estão associadas. Estes atentados mostram as fragilidades dos Direitos Humanos face aos seus inimigos. Mas esperamos também que realcem a vitalidade dos Direitos Humanos, que mostrem que podemos e devemos continuar a lutar por uma sociedade de liberdade, mais igualitária e mais fraterna. A Europa cometeu muitas injustiças com outros povos do mundo mas a verdade é que teve o tempo, a lucidez e a humildade para reconhecer os seus erros e para fundar uma nova ética de relacionamento. Diríamos aos europeus e aos não europeus: Não é tempo de conduzir o automóvel a olhar para o retrovisor. É tempo de lutar contra o que nos diminui como humanos; é tempo de lutar pelos Direitos que nos engrandecem. Parafraseando A Marselhesa: “Aux Droits citoyens!”.

Por: David Rodrigues

Professor Universitário, Conselheiro Nacional de Educação