Com a sempre atenta ajuda do João Adelino Santos soube que dando cumprimento à decisão do conselho de Ministros de 24/3 foi publicado oDespacho n.º 7617/2016 que determina “A criação de um grupo de trabalho com o objetivo de apresentar um relatório com propostas de alteração ao Decreto -Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, alterado pela Lei n.º 21/2008, de 12 de maio, e respectivo enquadramento regulamentador, incluindo os mecanismos de financiamento e de apoio, com vista à implementação de medidas que promovam maior inclusão escolar dos alunos com necessidades educativas especiais” (o acordês é, como se sabe, a língua oficial do Diário da República).
Dada a natureza deste espaço umas notas muito breves.
Inúmeras vezes tenho referido a necessidade de mudanças no quadro legal que suporta a educação de alunos com necessidades educativas especiais nas escolas regulares. Apesar da retórica preambular assente na promoção da inclusão muitas das disposições acomodam práticas de exclusão ampliadas por um sistema educativo sem regulação eficaz.
Quer no Atenta inquietude, quer em intervenções e textos no contexto profissional, quer em audições no ME, no CNE ou na AR para as quais tiveram a gentileza de me convidar tenho acentuado várias das mudanças que do meu ponto de vista são necessárias e diria urgentes.
Retomo aquilo que costumo designar por “pecado original” do DL 3/2008, a base legal mais “pesada” nesta matéria, a introdução do critério de elegibilidade para que os alunos possam aceder a apoios educativos.
Esta decisão que contestei desde o início e uma das mais emblemáticas incompetências da passagem de Maria de Lurdes Rodrigues implicou que milhares de crianças com dificuldades deixassem de ter apoio educativo.
Em educação não existe “elegibilidade”. A justificação dada na altura é que muitos alunos eram apoiados sem que se justificasse. Como? Qualquer aluno que experimente algum tipo de dificuldade, mais ligeira, mais pesada ou mesmo não identificada mas sentida pelos professores deve ter algum tipo de apoio, deve ser avaliada, bem avaliada, e a intervenção ou orientação será conforme essa avaliação. Não deve ser considerada elegível ou não elegível.
Estabelecendo este errado entendimento tornou-se necessário encontrar forma de dividir os alunos. Recorreu-se a uma instrumento muito interessante para várias objectivos mas não avaliação educativa a CIF - Classificação Internacional de Funcionalidade, um instrumento de classificação produzido no âmbito da Organização Mundial de Saúde para fins que, evidentemente, não se dirigiam à educação.
Como consequência, milhares de alunos ficaram sem apoios. Mais recentemente tem-se assistido a um outro processo, se não forem elegíveis os alunos não têm apoios e as escolas, os professores e técnicos, sentem-se obrigados a recorrer a um rótulo que os torne elegíveis e, portanto, a acederem a apoio de que precisam ao qual não acederiam se não fossem “classificados” como elegíveis.
Esta é uma questão central do meu ponto de vista. Importaria também simplificar e clarificar procedimentos e terminologia.
A título de exemplo apenas a referência a uma coisa bizarra chamada CEI – Currículo específico Individual, uma originalidade, ainda não encontrei nada assim designado, dado que se um currículo é individual, dificilmente não será específico. Esta coisa já está em aplicação a alunos do 1º ciclo em circunstâncias inquietantes pelo impacto no futuro educativo dos alunos.
Neste sentido creio que se deveria reflectir de forma alargada em tudo o que envolve questões de natureza curricular ou organização das respostas, escolas de referência, unidades estruturadas, etc. que apesar de algumas boas práticas em algumas circunstâncias são espaços de exclusão em nome … da inclusão.
As questões relativas à avaliação escolar merecem também ajustamento mas de forma integrada relativamente a todo o sistema de avaliação da escolaridade obrigatória.
Julgo ainda fundamental que se criassem com apoios externos dispositivos de regulação e supervisão do trabalho desenvolvido de forma a minimizar enorme latitude experiências e práticas que variam entre a excelência e o atropelo de direitos de alunos e famílias bem como de desrespeito do trabalho de professores e técnicos.
Finalmente apenas mais uma referência à urgência de repensar os modelos de envolvimento de entidades e técnicos exteriores à escola no período da escolaridade obrigatória. Com base em fórmulas de outsourcing muito dificilmente se promove educação de qualidade e inclusiva.
Muitas outras questões merecem atenção pelo que, provavelmente, voltaremos a esta matéria
A ver vamos o que acontecerá. No entanto, seria crucial que desde logo se assumisse que sendo importante "melhorar o enquadramento legal" tudo o resto é fundamental, autonomia das escolas, efectivo de turma, recursos, meios, qualificação, supervisão e regulação, envolvimento e participação dos pais, etc., etc.
Texto de Zé Morgado