George Bernard Shaw é autor de uma conhecida frase que faz todo o sentido ser relembrada nos dias do Portugal de hoje: “As pessoas veem as coisas como elas são e perguntam: 'Porquê?'” Eu vejo as coisas como elas poderiam ser e pergunto “Porque não?” Pelo menos desde o início da campanha eleitoral para as legislativas que se tem vindo a viver em Portugal um ambiente vivo, palpitante e desafiador. Novas ideias apareceram e discute-se a bondade das ideias até agora vigentes. Mesmo as ideias mais instaladas e conservadoras sentiram uma inusitada vontade de se justificarem, de convencerem, em lugar de só apostarem nos sentimentos mais conservadores dos eleitores. Este tempo de debate e de agitação de águas paradas continua a animar o nosso quotidiano. Felizmente porque não estamos habituados a tanto movimento de ideias e à abertura de novas possibilidades. Pessoas menos familiarizadas com cenários e razões políticas sentem-se inseguras, sentem-se desgovernadas e, sobretudo, sentem que “eles são todos iguais" e que “isto” é uma confusão". Mas Bernard Shaw tinha razão ao lançar-nos a pergunta “Porque não?”. Sempre encontraremos motivos para ficar onde estamos, para nos aterrorizarmos com o perigo de sairmos do lugar que, por muito mal que o avaliemos, se nos tornou confortável.
Este tempo, em Portugal, é pois de perguntar “Porque não?” e não “Porquê?”. Não é, de forma alguma, seguro ou correto que a continuidade seja um valor absoluto e superior à inovação. Vejamos, por exemplo, a reação da Islândia à crise bancária, em que fez exatamente o contrário do que se esperava (e recomendava) que o país fizesse e resolveu a sua situação mais depressa e melhor do que os países que optaram por uma abordagem seguidista dos ditames das agências de financiamento e dos credores.
Poderíamos pensar: “É preciso seguir a linha conservadora porque assim atingiremos bons resultados.” Nem vou falar da situação nacional, mas é evidente que é preciso fazer diferente, muito diferente para obtermos “bons resultados”. Um exemplo: todos os anos a Europa “produz” mais um milhão de pobres. Estes imensos exércitos de pobres são criados enquanto os PIB dos países vão subindo. Um país cresce, por exemplo, 2% mas produz, nesse mesmo ano, cem mil pobres. Isto não é insano? Como é que podemos defender que o bom caminho é o que nos leva por estas desgraçadas vielas?
É tempo também, aproveitando este período de libertação de palavras e de ideias, de pensar na Educação. As propostas que frequentemente se fazem para a Educação não são mais do que formas de disfarçar o amargo do tratamento. Quando se pensa em melhoria da Educação, as perguntas são frequentemente conservadoras. Por exemplo, não se põe em causa a organização da escola: procura-se é encontrar válvulas de escape que libertem a tensão de opções erradas; procura-se melhorar as estratégias pedagógicas, mas não se pensa no currículo, se ele é possível, adequado e desejável; procura-se investir na motivação dos alunos, mas continua-se a negligenciar toda a possibilidade de eles participarem em decisões e na vida comum da escola.
A imprensa noticiou que haverá, por certo, uma mudança de ministro da Educação. Poderá ser uma notícia positiva. As vozes que se levantaram contra a agenda conservadora e “para além da troika” do atual ministro são frequentes, numerosas e intensas. Mas pensando numa mudança é muito importante que não exista um novo Ministério da Educação “cratista” mas sem Crato. Seja qual for a cor do poder, é imperioso pensar que a Educação não pode continuar a ser uma ilha conservadora numa sociedade em rápida mudança. A Educação não pode fazer um “braço de ferro” com a vida das famílias, das comunidades e das sociedades. Não pode constituir-se como um barreira a novas culturas e novas formas de aprendizagem. Recentemente foram encorajadas formas de organização e de ensino mais tradicionais. Por exemplo: a redução do número de professores condicionou a capacidade de as escolas diversificarem o currículo e terem, assim, possibilidade de oferecer mais apoio e sucesso aos seus alunos. Outro exemplo ainda é que o reforço das aulas de Português e de Matemática afunilou o currículo, retirando-lhe abrangência em termos de trabalhos de projeto, transversais e grupais, e reduziu a oferta de áreas essenciais para o desenvolvimento das crianças e jovens como, por exemplo, as expressões.
Mudar de ciclo na Educação é perguntar “Porque não?”. Porque é que não é possível conceber, encorajar e desenvolver formas de Educação que estejam mais próximas do que nós achamos que deve ser uma boa Educação para todos? Sim. Uma boa educação para todos. Porque se a boa Educação for só para alguns, persistiremos nos modelos que nos conduziram até aqui.
Educação sim, mas para todos e com sucesso. É este certamente o grande desafio para o próximo Ministério da Educação.
Por: David Rodrigues
Presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial, conselheiro nacional de Educação. O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico.
In: Público
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