quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

SIM. SÃO CAPAZES.

Agradecendo a partilha ao Paulo Prudêncio, do Blogue Correntes, aqui fica uma inspiração séria que gostava que se visse ... e reflectisse.


É verdade.

Sem ser por magia ou mistério quando acreditamos que os alunos, as pessoas com algum tipo de necessidade especial, são capazes, não se "normalizam" evidentemente seja lá isso o que for, mas são, na verdade, mais capazes, vão mais longe do que admitimos. Não esqueço a gravidade de algumas situações mas, ainda assim, do meu ponto de vista, o princípio é o mesmo, se acreditarmos que eles progridem, que eles são capazes de ... , o que fazemos, provoca progresso, o progresso possível.

E isto envolve professores do ensino regular, de educação especial, técnicos, pais, lideranças políticas e toda a restante comunidade.

A inclusão assenta em quatro dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade). Estas dimensões devem ser operacionalizadas numa perspectiva de diferenciação justamente para que acomodem a diversidade das pessoas.

É neste sentido que devem ser canalizados os esforços e os recursos que deverão, obrigatoriamente, existir.

Texto de Zé Morgado

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Life in the Institution

OS ALUNOS COM NEE. E DEPOIS DOS 18 ANOS?

O Professor Filinto Lima publica hoje um texto de opinião sobre os problemas dos alunos com necessidades educativas especiais e das suas famílias, sobretudo a partir dos 18 anos, que justifica umas notas.

O Professor Filinto começa por retratar as fragilidades e insuficiências do trabalho realizado entre as escolas e os Centros de Recurso para a Inclusão referindo que o apoio é “é insuficiente e todos os anos contestado pelos encarregados de educação e julgado escasso pelas escolas. Não raras vezes é notícia – por maus motivos – dada pelos media, no início do ano, mas também durante o mesmo, colocando em causa a falta de recursos, físicos mas sobretudo humanos, (in)existentes nas escolas”.

Concordo na generalidade coma esta apreciação acrescentando, tenho afirmado com frequência; que independentemente do empenho e competência dos técnicos deve ser repensado o próprio modelo por razões que não repito.

Em seguida, Filinto Lima aprecia o trabalho que se desenvolve nas escolas com estes alunos afirmando que os alunos com NEE “são muito bem tratados nas escolas e muito felizes. Os encarregados de educação, extremamente exigentes, sentem-se seguros e realizados pela qualidade do ensino prestado aos seus filhos por excelentes profissionais, quer docentes quer não docentes.”

Pois é meu caro Filinto Lima, a desregulação pecado estrutural do nosso sistema educativo acomoda uma latitude de práticas que varia entre o muito bom e o … péssimo. Conheço e acredito que Filinto Lima também conheça inúmeras situações em que os alunos e as famílias não vêem protegidos os seus direitos em matéria de educação e inclusão. Aliás, sucessivas avaliações e muitos relatos de pais, basta ouvi-los, têm mostrado isso mesmo. 

Muito brevemente, recordo alunos que são precocemente e sem qualquer fundamentação sólida colocados ao abrigo de uma coisa bizarra chama CEI, rótulo de que não se livram e os condena a um espaço curricular, quando não físico, guetizado e sem participação nas actividades comuns da escola. Recordo práticas observadas em Unidades de Ensino Estruturado cujas actividades têm um baixíssimo contacto com a restante comunidade escolar. Recordo Unidades de Apoio Especializado a Alunos com Multideficiência que alunos com multideficiência têm … nenhum e estruturam-se em espaços fechados nas escolas. Recordo … . Curiosamente tudo isto acontece, tal como as boas experiências, em nome da inclusão. Claro!

Finalmente, Filinto Lima identifica um problema, o que acontece a estes alunos depois de cumprirem a escolaridade obrigatória. Do seu ponto de vista os alunos correm o risco de ficarem em casa com tudo o que de negativo implica. O problema do seu pondo de vista é falta de resposta ao nível das instituições. Cito “Enquanto o acesso destes jovens a instituições especializadas, após a maioridade, estiver condicionado por qualquer numerus clausus, os nossos políticos não poderão dormir descansados. Nem nós!”

Se concordo, evidentemente, com a colocação do problema, o caminho apontado por Filinto Lima como princípio parece-me de discutir.

Dou por adquirido que depois dos 18 anos uma franja muito pequena de pessoas com necessidades educativas especiais pode necessitar de respostas institucionalizadas. Dou ainda por adquirido que as instituições podem prestar um serviço importante para a qualidade vida das pessoas.

No entanto, a institucionalização generalizada não parece a mais ajustada em nome do que se defende para a sua educação até aos 18 anos e para sua vida como cidadãos, educação e inclusão.

A inclusão assenta em quatro dimensões fundamentais, Ser (pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da forma possível nas actividades comuns) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da comunidade).

O envio destas pessoas para as instituições contraria tudo isto e o que foi procurado fazer antes dos 18 anos ainda que, como vimos, nem sempre bem.

As pessoas com NEE depois dos 18 anos devem ser, estar, participar e pertencer aos contextos que todas as outras pessoas com mais de 18 anos estão.

Porque não podem frequentar estabelecimentos de ensino superior?

Porque não podem frequentar espaços de formação e aprendizagem profissional?

Porque não podem frequentar espaços laborais?

Porque não podem frequentar espaços de recreio, cultura e lazer?

Porque não pode envolver-se em instituições sociais não como “clientes” mas como actores?

Porque não …

Não, não é nenhuma utopia. Muitas experiências mostram que não é utopia.

O primeiro passo é o mais difícil, tantas vezes o tenho afirmado. É acreditar que eles são capazes e entender que é assim que deve ser.

Texto de Zé Morgado

DE TANTO CHUMBAR UM DIA APRENDES. SERÁ?

No Relatório ontem divulgado pela OCDE e que aqui referi construído com base nos resultados no PISA de 2012 evidencia-se que o “chumbo”, a retenção, é para os alunos portugueses o principal factor de risco para os resultados na avaliação posterior, dito de outra maneira, os alunos chumbam … mas não melhoram.

De novo e sempre.

O peso insustentável da retenção no nosso sistema escolar parece assentar na errada convicção de que a repetição só por si conduz ao sucesso e alimenta o que a OCDE já classificou de "cultura da retenção". Importa ainda considerar o impacto económico desta cultura como evidenciou um estudo recente realizado pela associação Empresários pela Inclusão Social e pelo Centro de Estudos de Sociologia da Universidade Nova de Lisboa.

Confesso a surpresa quando ao discutir-se os efeitos pouco positivos da retenção, cerca de 150 000 alunos por ano, algumas vozes, mesmo dentro do universo da educação, clamam que se está a promover o "facilitismo" ou a defender que "então passam sem saber".

Como me parece evidente não é dada disto. Como exemplo, a Noruega tem uma taxa de retenção próxima do 0% e não consta que os alunos noruegueses passem sem saber, são, aliás, dos alunos com melhores resultados nos estudos comparativos internacionais.

A questão é saber se o chumbo transforma o insucesso em sucesso. Não transforma, repetir só por repetir não produz sucesso, aliás gera mais insucesso conforme os estudos mostram. Muitos estudos internacionais também mostram que os alunos que começam a chumbar, tendem a continuar a chumbar, ou seja, a simples repetição do ano, não é para muitos alunos, suficiente para os devolver ao sucesso. Os franceses utilizam a fórmula “qui redouble, redoublera” quando referem esta questão.

Nesta conformidade e do meu ponto de vista, a questão central não é o chumba, não chumba, e quais os critérios ou o número de exames, mas sim que tipo de apoios, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias desde o início da percepção de dificuldades com o objectivo de evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É necessário diversificar percursos de formação com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional. Importa ainda que as políticas educativas sejam promotoras de condições de sucesso para alunos e professores. O aumento do número de alunos por turma no Ensino Básico e no Secundário, a forma como foram definidas as metas curriculares, a cultura de competição e centrada exclusivamente em resultados, os cortes no número de docentes que poderiam desenvolver dispositivos de apoio, são apenas alguns exemplos do que não deve ser feito se, efectivamente, se quiser promover qualidade e sucesso.

Como é evidente este tipo de discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem sempre se resiste.

Assim sendo, o essencial é promover e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É fundamental não esquecer que o insucesso continua a atingir fundamentalmente os alunos oriundos de famílias com pior condição económica e social pelo que inibe o objectivo da mobilidade social, replicando o velho "tal pai, tal filho". A associação entre o insucesso e a pobreza em Portugal é, aliás, a mais forte entre os países europeus.

É necessário também diversificar percursos de formação com diferentes cargas académicas e finalizando sempre com formação profissional mas não em idades precoces criando percursos irreversíveis de "segunda" para os "sem jeito para a escola" e "preguiçosos".

Não tenho nenhum princípio fundamentalista contra os exames, embora no 1º ciclo os entenda como dispensáveis, as provas de aferição podem cumprir e cumpriram o papel regulador. Entender que os exames, quanto mais melhor, só por existirem são fonte de qualidade é que me pareceu e parece uma medida facilitista.

A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados de autonomia, organização e funcionamento das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.

É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas taxas de retenção escolar.

É o que não tem acontecido em Portugal.

Ponto.

Texto de Zé Morgado

A ESCOLA FAZ, PODE FAZER, A DIFERENÇA

A OCDE divulgou um Relatório, referido no Público, em que com base nos resultados do PIS analisa o desempenho dos alunos relacionando-os com variáveis de natureza sociodemográfica e com o trabalho das escolas e dos professores. O Relatório merece leitura e reflexão. Algumas notas breves

A associação entre os resultados escolares dos alunos e variáveis de natureza sociodemográfica como meio social, económico e cultural, circunstâncias de vida, estilos parentais, etc. etc., está estabelecida de há muito.

No entanto, também sabemos que a escola faz, pode fazer a diferença tal como o Relatório sugere, ou seja, o trabalho na e da escola e dos professores é um factor significativamente explicativo do sucesso dos alunos mais vulneráveis e capaz de contrariar o peso das outras variáveis que estão presentes nesses alunos.

Acontece que este efeito tem que começar a ser estruturado antes de chegar à escola e à sala de aula.

Políticas educativas em termos genéricos e em termos mais particulares como currículos, sistema de organização, recursos humanos docentes, técnico e funcionários, tipologia e efectivo de escolas e turmas, autonomia das escolas são apenas alguns exemplos de como esse efeito começa a ser construído antes da sala de aula.

Depois existe de facto o trabalho na escola envolvendo organização, clima e liderança por exemplo e, finalmente o trabalho em sala de aula e aí emerge a diferença produzida pelo professor.

Quando abordo estas questões cito com frequência uma afirmação de 2000 do Council for Exceptional Children, "O factor individual mais contributivo para a qualidade da educação é a existência de um professor qualificado e empenhado".

No entanto a existência de professores qualificados e empenhados não depende só de variáveis individuais de cada docente, decorre também, voltamos ao início de um conjunto de políticas educativas que promovam a qualificação, a motivação e a valorização a diferentes níveis do trabalho dos professores.

E nesta matéria também temos muito trabalho para realizar.

Texto de Zé Morgado

É preciso ajudar os alunos mais fracos a melhorar as notas, alerta a OCDE

Organização diz que os maus resultados escolares têm consequência a longo prazo tanto para os jovens como para a sociedade. Um em cada quatro falha em alcançar os conhecimentos básicos na matemática, leitura e ciências.

A maioria dos países fez poucos progressos para ajudar os alunos mais fracos a melhorar as notas. A conclusão é de um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento na Europa (OCDE) divulgado, esta quinta-feira, sobre os estudantes com fracos desempenhos.

Os maus resultados escolares têm consequência a longo prazo tanto para os jovens como para a sociedade, alerta o documento.

Neste relatório, a OCDE diz que a maioria dos países não fez progressos, ou seja, muitos alunos ainda estão a abandonar a escola sem terem adquirido os conhecimentos básicos para o seu futuro, pondo em causa o crescimento da economia.

Cerca de quatro milhões e meio de alunos com 15 anos – um em cada quatro - falha em alcançar os conhecimentos básicos na matemática, na leitura e nas ciências.

Países tão diferentes como Portugal, o Brasil, Itália, Alemanha, México, Polónia, reduziram o número de alunos com desempenho negativo a matemática entre 2003 e 2012. Uma situação que revela ser possível inverter os números, mas com a adopção de políticas correctas.

O relatório constata ainda que as características das escolas e dos professores têm mais impacto do que o estatuto socioeconómico dos alunos.

O responsável da OCDE pela educação diz que a política deste sector deve ser uma prioridade e é necessário dar os meios para que todas as crianças tenham sucesso na escola. Pois nos países onde os recursos estão mais bem distribuídos, por todas os estabelecimentos, há uma menor incidência de maus desempenhos em matemática.

Para travar esta tendência, a OCDE recomenda identificar os problemas e desenhar uma estratégia específica e reduzir as desigualdades no acesso à educação básica.


A maioria dos países fez poucos progressos para ajudar os alunos mais fracos a melhorar as notas. A conclusão é de um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento na Europa (OCDE) divulgado, esta quinta-feira, sobre os estudantes com fracos desempenhos.

Os maus resultados escolares têm consequência a longo prazo tanto para os jovens como para a sociedade, alerta o documento.

Neste relatório, a OCDE diz que a maioria dos países não fez progressos, ou seja, muitos alunos ainda estão a abandonar a escola sem terem adquirido os conhecimentos básicos para o seu futuro, pondo em causa o crescimento da economia.

Cerca de quatro milhões e meio de alunos com 15 anos – um em cada quatro - falha em alcançar os conhecimentos básicos na matemática, na leitura e nas ciências.

Países tão diferentes como Portugal, o Brasil, Itália, Alemanha, México, Polónia, reduziram o número de alunos com desempenho negativo a matemática entre 2003 e 2012. Uma situação que revela ser possível inverter os números, mas com a adopção de políticas correctas.

O relatório constata ainda que as características das escolas e dos professores têm mais impacto do que o estatuto socioeconómico dos alunos.

O responsável da OCDE pela educação diz que a política deste sector deve ser uma prioridade e é necessário dar os meios para que todas as crianças tenham sucesso na escola. Pois nos países onde os recursos estão mais bem distribuídos, por todas os estabelecimentos, há uma menor incidência de maus desempenhos em matemática.

Para travar esta tendência, a OCDE recomenda identificar os problemas e desenhar uma estratégia específica e reduzir as desigualdades no acesso à educação básica.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

"O problema do ensino é que é muito aborrecido. Nós mudámos o olhar"

Entrevista a Pepe Menéndez, diretor adjunto da Fundació Jesuïtes Educació, da Catalunha

Fazer uma entrevista recheada de gargalhadas sobre uma reforma da educação é coisa que não nos tinha passado pela cabeça. Mas foi assim, e a gravação prova-o. Josep ["chamem-me Pepe"] Menéndez, ex-jornalista, professor de Literatura Espanhola, tem essa energia contagiante de quem põe toda a gente a trabalhar, mesmo os mais céticos e preguiçosos. Lidera a profunda mudança que os colégios jesuítas da Catalunha estão a pôr em prática e traz os primeiros resultados. Esclarece que não é padre, é casado e tem filhos adultos. Participou, em Lisboa, na Conferên-cia sobre Educação Comparada, da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação, nos dias 25 a 27 de janeiro. Explique-se desde já: a Ratio Studiorum é a cartilha pela qual o ensino se rege desde que os jesuítas a criaram, no final do século XVI. Esse é o modelo que ainda hoje é aplicado e que muitos pedagogos consideram esgotado e desadaptado da vida atual. Pepe nunca usa a palavra reforma, é sempre de mudança que fala.

Qual é a diferença essencial entre o modelo que estão a criar e o tradicional?

O provincial dos jesuítas pediu-nos há sete anos que fizéssemos a Ratio Studiorum do século XXI: se os jesuítas foram o motor de um modelo educativo, então agora mudem-no em profundidade. Pareceu-nos um desafio muito motivador. Pode parecer um pouco naïf, mas o modelo é mudar o olhar. Em vez de ver as coisas de perto, abrir os olhos e tentar ver o que no século XXI pode fazer crescer uma pessoa num ambiente de globalização, tecnologia, com tanta incerteza. O filósofo [Zygmunt] Bauman fala de um mundo líquido. Neste contexto, como posso ligar-me ao coração dos alunos, à sua motivação?

Sentiam dificuldade com o modelo anterior?

A dificuldade essencial era o aborrecimento, a falta de ligação. "Isto não me interessa." A escola é uma obrigação, não é um sítio que me apaixone. Os adolescentes não têm de estar sempre a divertir-se, mas a escola estava a tornar-se uma prisão. Eu ainda fiz o serviço militar obrigatório e digo que a escola obrigatória é igual. Igual! Todos têm de ir porque os pais trabalham, porque a lei obriga, mas o direito à educação não é fechar os miúdos numa escola. É provocar as suas emoções, as suas paixões, potenciar os seus talentos tão diferentes... os talentos dos alunos são muito maiores do que o currículo. Um miúdo ou uma miúda podem pensar - "não presto". Costumo perguntar aos professores onde estão os cantores ou os cozinheiros que um dia vão ser ótimos. E alguns respondem - estão no corredor, foram expulsos.

A mudança está em olhar para as coisas de forma diferente: o que queremos? Nós, jesuítas, dizemos: queremos alunos competentes, compassivos, conscientes, comprometidos e criativos. Que sejam capazes de construir o seu projeto de vida, é esse o centro do nosso projeto educativo. É preciso fazer coisas no colégio para que o aluno se vá construindo, e todos os conhecimentos têm de ser metidos dentro do projeto. Não é: "A minha vida é isto e os meus conhecimentos estão noutro lado." Tenho de integrá-los.

Estão a trabalhar num universo fechado, dos colégios jesuítas catalães. É possível transpor para uma rede nacional de educação?

Cremos que sim. Mas não existe só um modelo. Em Barcelona, na Catalunha, há muita efervescência tanto nas escolas públicas como nas privadas. Em Espanha, e em especial na Catalunha, há muita tradição de a escola privada fazer um acordo com o Estado e receber financiamento. Neste ecossistema, há muitas escolas que estão a fazer coisas. Há inquietação, há desejo de fazer. É importante construir um modelo. Uma pessoa não deve atirar-se: "Segunda-feira vou começar a mudar coisas." Espera aí! Constrói um modelo, um projeto. A nós custou-nos quatro ou cinco anos de trabalho no back-office, e então sim, agora tenho uma ideia e vou começar a pô-la em prática, pouco a pouco.

Não estão a fazer tudo ao mesmo tempo?

Começámos com os alunos de 3 e 4 anos, e com os de 10, 11, 12 e 13. Porque sobretudo os de 10 a 14 estão numa etapa crítica de desconexão, de tédio. E um aluno quando se aborrece porta-se mal. A disciplina e a motivação são duas faces da mesma moeda: se está motivado, aprenderá, se não, porta-se mal. Em Barcelona, temos escolas em todos os níveis socioeconómicos. Temos escolas com muita imigração, em meios operários, de classe média e média alta. É diferente de Portugal.

Não são todos colégios de elites?

O acordo de financiamento com o governo permite-nos chegar a todos os estratos sociais. É a vantagem do financiamento do Estado. Em Itália, os jesuítas tinham escolas em bairros pobres mas fecharam-nas, porque sem financiamento é insustentável. Quando nós fazemos trabalho em rede, é igual em todas. É um pequeno sistema educativo.

Quantos alunos têm?

Temos 13 mil alunos em toda a Catalunha, em oito grandes escolas. E temos 1400 educadores, professores e pessoal administrativo.

É quase um país.

Temos mais alunos do que Andorra... Trabalhamos muito em conjunto com eles, porque o governo andorrano, que só tem quatro mil alunos, está muito interessado, é muito inovador. Respondendo à pergunta sobre se seria possível transpor o modelo para um sistema nacional, o que acontece é que requer muita energia. Não com os alunos, com os pais um bocadinho, mas com os professores muita energia. Muitos professores querem que haja mudanças mas nunca trabalharam juntos. Um dos elementos estratégicos é ter grupos de alunos de 50 ou 60, com três professores na aula, de diferentes disciplinas, trabalhando em equipa - não é cada um na sua área. Isto agrada aos professores mas exige mais deles. Nunca trabalhámos assim. Eu nunca dei uma aula com outro professor.

Como chegaram a este modelo e porquê escolher este e não outro?

É uma tradição dos jesuítas. O nosso delegado mundial de educação disse: nós vamos ao supermercado da pedagogia, apanhamos o que nos agrada e com isso fazemos um modelo. O nosso modelo é sincrético. A Ratio Studiorum já foi assim, um pouco daqui, um pouco dali. Fomos conhecendo modelos diferentes, vimos escolas e fomos agarrando o que nos agradou. Fomos construindo um puzzle, mas as peças têm de encaixar, não podem ser...

... incompatíveis?

Exato. Aplicamos uma parte da [Teoria] das Inteligências Múltiplas (Howard Gardner, 1985, Harvard), uma parte da aprendizagem baseada em problemas, uma parte do trabalho colaborativo, e fazemos um ecossistema. O nosso modelo baseia-se muito no trabalho interdisciplinar por projetos.

Como escolhem os projetos?

Primeiro houve uma fase de pegar na tesoura e no currículo e começar a cortar. O currículo é excessivo, demasiado grande, mas não podes perder os elementos essenciais, tens de garantir que o aluno os aprende. Juntámos um grupo de professores e dissemos: têm de estabelecer prioridades nos conteúdos do currículo. Esse trabalho durou dois anos. Não foram dois meses, foram dois anos. Porque começam a priorizar e só cortam uma parte, e é preciso reduzir mais. O mais importante é garantir que os alunos aprendem os conteúdos. Precisamos de mais tempo, porque precisamos de uma metodologia muito mais construtivista.

Pode dar-nos exemplos?

Estamos a falar de miúdos de 10 anos, do 5.º ano, que têm de aprender os acidentes geográficos - o cabo, o golfo, a península, a ilha. Tradicionalmente, é assim: "Uma ilha é um pedaço de terra..."

... rodeado de água por todos os lados...

Exato. Neste modelo, o professor reúne-os em grupos e diz: vamos aprender acidentes geográficos, a ilha, a península. Aos 10 anos, eles já ouviram estas palavras, já as viram muitas vezes. Dizemos: em grupo, vão escrever uma ilha por palavras vossas, sem ir ver a lado nenhum. Uma menina dizia - não sei explicar o que é uma montanha. E fazia um gesto que ilustrava a ideia de montanha. Escreve isso. Uma coisa que sobe. Uma coisa, não, terra. Terra que sobe. A certa altura estão apaixonados, não se aborrecem, falam uns com os outros. Quando o professor diz: vamos saber o que os livros dizem, os alunos já estão a trabalhar mentalmente com a imaginação. É mais lento mas é mais profundo.

Pode dar mais exemplos?

A volta ao mundo em 80 imagens. Este grupo fica com a América, aquele com a Europa, outro com a África. O que queremos saber? A língua que falam, se têm religião, como é o país - é montanhoso, tem mar, tem rios? Vão dizendo coisas e o professor vai escrevendo no quadro. O professor está ali para o caso de eles se esquecerem de alguma coisa. Por exemplo, um grupo não falava da língua - não seria interessante saber como falam? Mas os alunos já estão a trabalhar. O que significa um país, de que vive? Eles não vão dizer "que economia têm", e se não pensaram nisso, se achavam que o que comem cai do céu, vão ter de pensar como se ganha a vida. Em vez de explicar tudo, em vez de ser o professor que fala, fala, fala, são os alunos que falam, que partilham. A dada altura, o professor diz: procurem na internet - têm computadores à disposição, pesquisem. Quantos quilómetros quadrados, quantos habitantes? E descobrem: não tínhamos pensado nisto, não tínhamos pensado que é importante saber quantas pessoas ali vivem, e se os que lá vivem são todos desse país ou se têm muita imigração. Tudo vai sendo construindo em volta disto.

Aprendem também a pensar, é isso?

Vejam terceiro exemplo, para mim essencial porque, como disse, o que interessa é o projeto de vida. Os alunos começam o dia sentados na sala, nuns estrados em degraus, como se fosse uma praça pública. Sentam-se todos juntos, os 50 ou 60, e partilham como começamos o dia. Todos têm cadernos iguais, o caderno do projeto de vida. O caderno é de cada um e de mais ninguém, dizemos aos pais que não o podem ler, e não os podem mostrar aos companheiros. Eles vão escrevendo sobre o que lhes chama a atenção. Por vezes começam com uma oração, mas muitas vezes escrevem sobre o que se passou, se houve uma notícia sobre refugiados, ou alguma notícia desportiva, por exemplo se o Barça perdeu, o que nunca acontece... se o Barça perdeu há de haver alguém que pergunta mas o que é isso, a derrota, o que significa? Ao fim do dia, a mesma coisa.

Qual é o objetivo?

Vamos pôr os alunos mais tranquilos, mais predispostos a aprender. Quando a semana começa, muitas vezes o professor diz: vamos fazer isto. Porque os alunos não sabem o que se vai passar na semana. Não há horários, não há um plano obrigatório. Isto tem uma utilidade: a um aluno de 10 ou 11 anos, situá-lo para lá de uma semana é muito tempo. O próximo mês parece-lhe o próximo século. Como dizia Santo Inácio [de Loyola], é preciso apelar às emoções de uma pessoa para que ela aprenda, para que tenha predisposição para aprender. No fim de contas, todas as atividades estão viradas para o efeito que queremos ter. Um aluno que dos 10 aos 18 anos começou e terminou cada dia no colégio pensando, interiorizando, no futuro, sem se dar conta, na sua vida pessoal vai pensar, vai dizer - como vou começar hoje o dia, como o acabo? No final, é adquirir um hábito, o que é muito educativo. Esta é a nossa atitude.

Há projetos de trabalho para lá de um ou dois dias, de uma semana?

Não damos aos professores projetos fechados, mas antes um quadro geral. Esta é a ideia geral, agora desenvolvam-na. Porque se o professor não se apropria, não funciona. Imaginamos diferentes tipos de projetos. Os projetos ocupam 60% do tempo. Treze por cento é dedicado à reflexão, ao fim da semana, ao fim do dia. E o resto, 20 e tal por cento, é dedicado a algumas tarefas que não se fazem por projetos. Por exemplo, alguns conceitos de matemática são muito complexos. Então o professor dá-os em meia hora, três quartos de hora. Os professores de Inglês disseram-nos que os verbos irregulares de inglês têm de ser memorizados. Há áreas que não podem ser trabalhadas em projetos, e estão nesse caso a segunda língua estrangeira - todos estudam Francês ou Alemão - a música e a educação física. Não estamos satisfeitos por termos separado estas áreas, mas estamos a começar. Por vezes a música integra-se. Há projetos que duram, no máximo, duas semanas, outros uma semana ou três dias. Depende. Os mais fortes duram duas a três semanas. Por exemplo, a volta ao mundo em 80 imagens dura duas semanas. E temos o Projeto Leitor, para promover a leitura livre.

Como fazem isso?

Este Projeto Leitor é muito bonito. O que diz o currículo oficial é que a escola deve promover o gosto pela leitura. Não é ler três livros e fazer um teste. Como fazer? Dando-lhes mais liberdade e ampliando o número de livros. Os alunos têm 100 livros, e têm de ir lendo. Há alunos que leem 10, 12, 14. Outros leem quatro ou cinco, é o mínimo por ano. Num ambiente digital, os alunos partilham o que leem. Escrevem: li isto, gostei por isto ou aquilo, e isso é partilhado entre três colégios. Temos alunos de um colégio que influem muito nos alunos de outro. Todos os alunos têm de ir escrevendo sobre o que leem. Como o professor não dedica tanto tempo a explicar, o que faz é observar e ler o que eles escrevem. Um professor consegue sempre intuir - estás a copiar tudo, tudo o que escreveste foi copiado, porque eu conheço-te e sei que isto não tem nada a ver contigo. Tem tempo para lhe dizer - vamos lá... Ou tem tempo para dizer a um companheiro - vamos tentar que fulano leia mais. O resultado que observamos é que os alunos leem, uns na sala de aula, outros no chão, outros no sofá, outros no salão. E leem. Não há disciplina para ler, não estão todos sentados. Os alunos vão lendo e escrevendo e os professores não fazem exames sobre os livros, fazem debates. Vamos falar sobre este livro. Ou sobre este quadro. E fazem debates.

Como avaliam essa evolução?

Primeiro, observamos quantos livros leem. E depois quando terminam as férias e regressamos à escola, fazemos uma espécie de focus group: quantos livros leram no verão? No verão não é obrigatório. Eu, nenhum. Eu, dois. Eu, quatro. Ao fim de três anos, saberemos se há alguma relação entre o que fazemos e o que leem no verão. Se lerem mais é porque gostam de ler. É uma aposta de longo prazo.

O currículo nacional é uma ferramenta ou um obstáculo?

O currículo é um elemento muito importante de referência. Queixamo-nos de que o currículo é demasiado extenso, mas muitas das partes estão bem selecionadas. E os alunos têm de ser avaliados segundo as competências nacionais. Mas é muito importante estabelecer prioridades e evitar as repetições. Quando os professores trabalham sozinhos, há coisas que acontecem naturalmente. Um gosta muito de um tema e repete-o de ano para ano. Pelo contrário, há um tema do currículo que nunca foi tratado. Tentamos ter um olhar transversal do currículo, dos seis aos 16 anos, e garantirmos que adquirem os conhecimentos das competências. O currículo é um obstáculo se eu quiser cumpri-lo todo, se não for capaz de criar prioridades e trabalhar com os outros professores.

Fazem exames, provas finais?

Não há provas finais. Há testes pequenos durante a avaliação, até porque os currículos dizem que tem de haver avaliação contínua. Substituímos a ideia de um exame final escrito pela apresentação e defesa de projetos. Se estive três semanas a trabalhar num projeto em que adquiri algumas competências, em que assimilei alguns conceitos, tenho de ser capaz de defendê-los quando o apresento diante de um professor. O professor faz testes, por exemplo sobre os verbos irregulares de inglês... Há testes de problemas de matemática. O que não há é um exame no fim da avaliação que determina a nota. O boletim que se baseia nas oito competências do currículo nacional - matemática, linguística, âmbito social, aprender a aprender, digital, social e cidadã, trabalho em equipa. Ao aluno, mostramos a avaliação com o símbolo da bateria do telemóvel - quanto mais cheia está a bateria, mais ele conseguiu. E depois há as notas oficiais - os professores traduzam a avaliação em notas.

E como calculam as notas?

Pela observação. Há uns gráficos onde vão tomando notas, fazem algumas provas, há a apresentação dos projetos. Os projetos são uma fonte de informação. Se o professor não dedica tanto tempo a falar, tem mais tempo para dizer: construíste muito bem o problema mas enganas-te muito nas operações de cálculo, ou és desorganizado a trabalhar; ou esta equipa - há avaliação individual e da equipa - não se estrutura bem. Os alunos têm papeis - de secretário, de diretor - e quem está no papel de diretor pode não estar a dirigir.

E isso vai mudando? Os grupos não são sempre os mesmos?

Claro. Nem os grupos são sempre com os mesmos alunos, nem os papeis são sempre os mesmos.

Não têm exames nacionais?

Na Catalunha, os exames são feitos pelo Governo Autónomo e fazemos. Mas esses exames são cada vez mais por competências e menos de memória. Isso ajuda-nos a levar os alunos às competências.

Ainda tem pouco tempo de aplicação do vosso modelo, já o podem avaliar?

Estamos no segundo ano e trabalhamos com duas avaliações. A nossa, interna, de uma equipa onde não estão os professores envolvidos. Esta avaliação está feita, temos um documento de 150 páginas. Fizemos um acordo com duas universidades, uma catalã e outra latino-americana - a FLACSO - para termos uma avaliação externa. Em outubro teremos a primeira avaliação. Da observação que temos, podemos concluir que o elemento que mais mudou é a atitude dos alunos. A atitude é muito mais proativa, interessada, alegre. Reduziu-se a conflitualidade, os problemas dentro da aula, os alunos que tinham diagnóstico de TDA (distúrbio de défice de atenção), hiperatividade, estão muito mais confortáveis. Os mais tímidos também, porque o olhar não é do professor sobre os alunos, é mais global. O professor pode captar de imediato se há bullying, está a observar. É tudo mais transparente.

E como estão a reagir os professores, depois destes dois anos?

Os professores dizem: exigiu-me muito esforço, intensidade, energia, mas não voltaria atrás. Há um que diz: podia ter-me reformado e teria ficado feliz, mas agora que encontrei esta nova maneira de trabalhar reencontrei a minha vocação educativa, aquilo que tinha sonhado afinal é possível. Esta é uma das ideias fundamentais: é possível. Tínhamos muitos anos de debate, sabia-se que era preciso mudar, mas não havia uma mudança global, sistémica.

Quando vão generalizar a mudança ao conjunto dos oito colégios e em todos os anos?

No próximo ano, outros colégios vão aplicar e em 2020 teremos a mudança em todos os cursos de alguns colégios. Na totalidade dos colégios será lá para 2025 Alguns colégios terão mudado tudo em 2020, outros metade, mas nos próximos dois anos todos os colégios terão começado.

As famílias estão na expectativa. Há um elevado nível de confiança nos jesuítas. É curioso, porque por vezes há mais confiança por parte dos níveis mais altos da sociedade, e nos colégios de zonas mais populares há mais desconfiança - será que os jesuítas estão a fazer a experiência para nos pôr à prova, como se fossemos cobaias? Mas nós estamos a fazer num colegio de Lleida e noutro de Barcelona, de classe média, média-alta, e num colégio de classe operária.

Se se sabe há tanto tempo que o modelo tradicional está esgotado, por que demora tanto a decisão de mudar?

Porque a mudança mete medo. Sou professor e vejo que não funciona, vejo que se chateiam na aula, mas o que posso fazer diferente? Os sindicatos também têm medo. Isto não afeta as condições laborais mas leva-as ao limite, porque tens de meter muita energia e intensidade. Quando explicamos isto, há gente de outros países que nos diz: foram muito corajosos. Nós temos pequenos conflitos, mas há que liderar. Não com autoritarismo mas com sedução.

A educação é uma arma política, e creio que acontece o mesmo em Portugal, como dizia o professor Joaquim Azevedo há dias no vosso jornal. Um partido conservador muda a lei, vem o outro e muda tudo, e quando o conservador regressa, volta a mudar. Em Espanha tem sido assim, entre os socialistas e o PP. A educação é uma arma política mais no sul da Europa e não no norte. A política procura sempre resultados a curto prazo, e a educação é uma questão de longo prazo. Temos de ser generosos.

In: DN

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