quinta-feira, 31 de março de 2016

EDUCAÇÃO INCLUSIVA - O estado da arte em Portugal

Ontem referi aqui o processo de avaliação do Comité das Nações Unidas dos Direitos das Pessoas com Deficiência relativo à da implementação e o cumprimento das normas estabelecidas pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência em Portugal.

No mesmo sentido deixo aqui uma referência ao "Relatório sobre Portugal para o Estudo sobre as políticas dos Estados-Membros relativas a crianças com deficiência" elaborado no âmbito do Parlamento Europeu e divulgado no final de 2014 sem grande conhecimento público por cá, o que se percebe pela leitura do Relatório que, aliás, se recomenda.

Transcrevo um excerto do ponto 3.1.8 - Direito a uma educação inclusiva (artigo 28.º da CDC; artigo 24.º da CDPD) e sua aplicação, na pg. 33.

“Apesar da retórica da lei, persistem lacunas importantes na aplicação desses princípios e regras. As escolas regulares têm falta de recursos humanos e técnicos para responder às necessidades de crianças com deficiência. Além disso, a utilização da CIF como instrumento de avaliação tem sido problemática para muitos alunos com deficiência: tem sido reportada uma falta de formação para a aplicação do instrumento e um nível elevado de subjetividade nas avaliações realizadas e, consequentemente, no apoio prestado. Outro estudo demonstrou igualmente que o número de alunos com direito a apoio especial diminuiu desde 2008 (o ano de aplicação do Decreto-Lei n.º 3/2008). O autor alega que o novo sistema de educação inclusiva está, na verdade, a promover a exclusão de muitas crianças, pois incide apenas naquelas com deficiência permanente, criando simultaneamente novas formas de segregação ao concentrar o apoio em apenas algumas escolas (as escolas de referência), enquanto todas as outras ficam sem os recursos adequados. Uma conclusão semelhante é especificada no relatório do Conselho Nacional de Educação que aponta para problemas criados pelos critérios de elegibilidade, que excluem crianças com necessidades educativas de caráter temporário. Não tendo respostas educativas adequadas em tempo útil, arriscam-se a que as suas dificuldades se tornem permanentemente incapacitantes. Por fim, um estudo de monitorização recente sobre os direitos das pessoas com deficiência verificou que a persistência de rótulos e de estereótipos negativos associados a deficiência contribuem para relações de desrespeito entre alunos com e sem deficiência. O mesmo estudo refere que a falta de apoios especializados nas escolas regulares, incluindo a ausência de material de apoio em formato acessível, a falta de formação dos docentes e restante pessoal e a inexistência de transportes acessíveis, constitui uma barreira significativa à educação de crianças com deficiência em Portugal.

Talvez esta avaliação possa ser inspiradora das anunciadas mudanças neste universo.

Texto de Zé Morgado

INDEPENDÊNCIA E AUTODETERMINAÇÃO, UMA QUESTÃO DE DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

A Secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência anunciou que que o Governo definirá em breve a possibilidade a de acesso a fundos comunitários para os movimentos que promovem a vida independente para pessoas com deficiência bem como a criação de residências autónomas.

O anúncio foi feito no âmbito da avaliação em curso por parte do Comité das Nações Unidas dos Direitos das Pessoas com Deficiência da implementação e o cumprimento das normas estabelecidas pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

A intenção agora anunciada, sobre a qual se aguarda mais informação, irá ao encontro de algo que movimentos e organizações como os (d)Eficientes Indignados, têm vindo a exigir, o respeito pela autonomia e direitos individuais e sociais das pessoas com deficiência, designadamente, o direito à independência e autodeterminação.

O Comité terá feito alguma pressão neste sentido pois segundo a Secretária de Estado o Comité tem "uma ideia formada" de que Portugal é um país "muito institucionalizador". Estranhamente, a Dra Ana Sofia Antunes afirma que “tentou desconstruir esta ideia” no que diz respeito às pessoas com deficiência, ideia que tentou desconstruir.

Digo estranhamente pois é exactamente esse o cenário, uma visão institucionalizadora.

Na verdade, a política social dos últimos anos pode, também, sintetizar-se da seguinte forma, cortes brutais nos apoios às pessoas, às famílias, Rendimento Social de Inserção, subsídio de desemprego, abono de família, etc., e aumento dos apoios às instituições que operam no sector social.

Para quem nos tem governado os pobres ou pessoas com deficiência não são capazes de tomar conta de si próprias, precisam sempre da tutela cuidadora de uma instituição. Uma versão enviesada de um estado social.

Com este entendimento, a título de exemplo e como alguns trabalhos têm evidenciado, o Estado prefere entregar a uma instituição uma verba para alimentar uma família numa cantina social superior à verba que essa família recebe em Rendimento Social de Inserção.
Como é evidente as instituições agradecem, as pessoas comem mas ... não se libertam da pobreza e da dependência.

Situação semelhante se passa no universo das pessoas com deficiência existe o mesmo problema que tem motivado uma luta importante por parte das pessoas com deficiência.

De facto, o estado subsidia as instituições para apoio a deficientes em 951€ mais uma parte dos rendimentos dos cidadãos institucionalizados mas não apoia as próprias pessoas que poderiam encontrar por sua iniciativa respostas e, provavelmente, com menores custos. Os cidadãos com deficiência exigem também assumir a decisão sobre a escolha do seu cuidador(a) dada a natureza da relação que se estabelece.

Mas é esse o entendimento subjacente a boa parte das políticas sociais, os pobres, tal como as pessoas com deficiência, não sabem tomar conta de si, precisam sempre da presença de uma instituição prestadora de cuidados, não são autodeterminadas, independentes.

Como é evidente, este discurso não pretende tornar dispensáveis as instituições, são necessárias particularmente em situações de crise ou de problemáticas mais severas, mas, simplesmente, de defender que as pessoas, muitas delas, são capazes de tomar conta de si próprias, incluindo a gestão dos apoios que a sua situação possa justificar.

No fundo, é, simplesmente, uma questão de direitos individuais e sociais.

Esperemos que a porta agora aberta não se feche nem se deturpe e se caminhe no sentido certo, o respeito pela autonomia e direitos individuais e sociais das pessoas com deficiência, designadamente, o direito à independência e autodeterminação.

Texto de Zé Morgado

Peritos nacionais e internacionais debatem novas práticas de Intervenção Precoce na Infância

Esta sexta-feira, dia 1 de abril, entre as 14h30 e as 17h30, peritos nacionais e internacionais reúnem-se na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, para debater novas práticas da Intervenção Precoce na Infância (IPI) na sessão de encerramento do Projeto Im2 (Intervir mais, intervir melhor), desenvolvido em parceria pela Universidade de Aveiro, a Associação Nacional de Intervenção Precoce e a Associação Pais em Rede.

Durante a iniciativa, que contará ainda com a intervenção dos consultores científicos do projeto, decorrerá também o lançamento formal do Guia para profissionais de práticas recomendadas em IPI.

O Projeto Im2 - Intervir Mais, Intervir Melhor é uma iniciativa da Associação Nacional de Intervenção Precoce (ANIP) que tem como objetivo promover práticas de qualidade em Intervenção Precoce na Infância (IPI) no âmbito do Sistema Nacional de Intervenção Precoce (SNIPI). Apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), no âmbito do Programa Cidadania Ativa, o projeto decorreu entre outubro de 2014 e março de 2016, tendo como ação basilar a concepção e publicação de um guia Práticas Recomendadas em Intervenção Precoce na Infância – Um Guia para Profissionais.

Complementarmente à divulgação deste Guia decorreu ao longo deste período um conjunto de ações de formação e seminários de sensibilização para profissionais de IPI. Tanto o guia como as ações complementares de formação e sensibilização têm como objetivo central proporcionar um quadro de referência comum orientador dos profissionais de IPI e contribuir para práticas mais eficazes e maior sucesso no empowerment das famílias e na qualidade de vida das crianças.

O Projeto Im2 foi desenvolvido em estreita colaboração com o SNIPI, envolvendo parcerias formais estabelecidas com a Universidade de Aveiro e a Associação Pais em Rede, uma Comissão Científica que integra vários especialistas na área da Intervenção Precoce na Infância, pertencentes a diversas Universidades portuguesas, e a consultoria da European Association on Early Childhood Intervention (Eurlyaid) e da International Society on Early Intervention (ISEI).

A sessão de encerramento do projeto (consultar programa do evento), é antecedida pela realização, no mesmo espaço, do XII Congresso Nacional de Intervenção Precoce (http://anip.net/index.php/xii-congresso-nacional-de-ip/programa), no dia 31 de março e na manhã de 1 de abril.

Para além dos convidados nacionais, essencialmente ligados à construção do guia e ao SNIPI, os dois eventos reúnem um importante painel de convidados internacionais, nomeadamente Michael J. Guralnick, da Universidade de Whashington (EUA), presidente da International Society of Early Intervention, Carl Dunst e Marilyn Espe-Sherwindt. Em representação das famílias e do seu papel central na intervenção precoce, estarão Luísa Beltrão (Portugal), Noor Van Loen(Holanda, EURLYAID) e Javier Tamarit (Espanha).

A ANIP e a Comissão Científica dos eventos, na qual está incluída a Universidade de Aveiro, contam com uma ampla participação de profissionais do SNIPI e outros interessados nesta temática, nomeadamente, elementos das universidades envolvidos na investigação e na formação graduada e pós-graduada em IPI, e famílias de crianças com necessidades especiais.

Fonte: UA online

Via: Incluso

sábado, 26 de março de 2016

Diferença: o único tamanho que serve a todos

O desafio é encontrar respostas flexíveis e dúcteis para se adequarem a situações muito diversas.

Lembro-me muitas vezes da frase que está escrita na etiqueta dos bonés do “estilo americano” que avisa: “One size fits it all.” Com uma solução simples e inteligente, estes bonés podem assumir diferentes tamanhos de forma a se adequarem ao perímetro craniano de qualquer dos seus utilizadores. A ideia de ter um dispositivo que possa adequar cada utensílio a todos os seus possíveis utilizadores é muito engenhosa. Engenhosa, antes de mais, porque todos os sistemas que procuram respostas normalizadas para situações distintas acabam por se tornar irracionais e dispendiosos. Regressando ao exemplo dos bonés, se produzíssemos bonés, por exemplo, de três tamanhos, sempre haveria pessoas para quem um tamanho estaria pequeno e o tamanho a seguir estaria grande demais. Para além disso, não é provável que se produzissem os bonés necessários para satisfazer exatamente a procura (talvez sobrassem unidades de um tamanho e faltassem de outro...). O desafio é, pois, encontrar, mais do que respostas padronizadas para cobrir toda a gama da diversidade, respostas flexíveis e dúcteis para se adequarem a situações muito diversas.

Este desafio é particularmente acutilante para pensarmos a escola de hoje. A herança que temos não é muito boa no que respeita à diversidade: durante muitos e muitos anos a escola desempenhou um papel de criadora de homogeneidade e de transmissão de conhecimento. Como se sabe, em muitos países, o nascimento da escola pública, gratuita e laica teve um papel determinante na constituição dos Estados-nação, isto é, na construção de Estados (entendidos como organização política) que correspondessem a uma nação (entendida como uma identidade coletiva). Para que este objetivo fosse conseguido recorreu-se à escola, que oferecia uma cultura padronizada e reprodutível o mais fielmente possível em todo o território. E, se olharmos para este percurso, vemos como as escolas se espalharam por todo o território com uma arquitetura igual, com currículos nacionais, exames nacionais, etc. Não é, pois, muito brilhante a nossa experiência em diversidade nas escolas.

O certo é que estes valores mais tradicionais da escola estão numa insustentável crise. Hoje sabemos, e muito bem, que não é negociável ir ou não ir à escola, sabemos que é socialmente injusto não educar todos os alunos e sabemos também que a cadência das mudanças, na sociedade, nos alunos, nos professores e nas famílias nunca foi tão elevada. Trata-se de necessidades totalmente novas e, portanto, não é intelectualmente sério fazer a apologia dos valores e das práticas da escola “de antigamente” para procurar resolver os problemas da escola de hoje. Qualquer tentativa de regressar à disciplina, às formas de ensinar, aos conteúdos, à organização da escola tradicional seria um anacronismo infeliz. A famosa máxima do “back to basics” não é mais do que “back to injustice”.

A questão agora é como pode a escola ser diferente e organizar-se diferenciadamente. E, nesta matéria, há um campo muito estimulante de debate.

Antes de mais, muito já foi feito. Dizer que nada mudou em educação é uma miopia semelhante à que afeta as pessoas que dizem que a escola já mudou tudo o que precisava de mudar. É fácil evocar exemplos: a escola está muito mais aberta para desenvolver atividades à volta do currículo (clubes, projetos, etc.), a escola está, por outro lado, muito mais rápida a reagir ao que se passa fora dela. Mas muito há ainda por fazer. Ainda encontramos com muita frequência modelos escolares que precisam de “meter os alunos em caixinhas” de categorias para os poderem entender e educar. E vejamos: um aluno ou está no currículo “normal” ou está num currículo “alternativo”; ou está na Educação Especial ou não está, ou frequenta um ano ou o outro. Tantas vezes ao falar com professores eles nos transmitem que deploram não poderem ter uma organização da escola que lhes permita responder de uma forma personalizada às necessidades dos alunos. Precisamos, pois, de uma escola que motive, que aponte, que sustente e inspire os percursos dos alunos de uma forma muito mais diferenciada e flexível do que a nossa presente organização de turmas, de vias, de “anos”, de currículos e de critérios de sucesso.

Dir-se-á: mas... será possível? Será possível uma outra escola organizada em modelos que respeitem os ritmos e os percursos dos alunos? Milhares de pessoas durante centenas de anos pensaram, sonharam e previram a justiça e a necessidade de encontrar outra organização para a escola. Uma organização que respeite as diferenças sem esquecer que o florescimento das diferenças é o melhor contributo que podemos dar para um progresso social fraterno. Permitir e encorajar percursos diferentes e exigentes na escola é certamente o melhor incentivo para que cada pessoa possa encontrar o seu lugar de participação, de contribuição para uma sociedade que, ela própria, precisa de se renovar e de se pensar como um mundo que sirva a todos.

Por: David Rodrigues

Presidente da Pró-Inclusão / Associação Nacional de Docentes de Educação especial, Conselheiro Nacional de Educação

MELHORAR O ENQUADRAMENTO LEGAL DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA


Dada a natureza deste espaço umas notas muito breves.

Inúmeras vezes tenho referido a necessidade de mudanças no quadro legal que suporta a educação de alunos com necessidades educativas especiais nas escolas regulares. Apesar da retórica preambular assente na promoção da inclusão muitas das disposições acomodam práticas de exclusão ampliadas por um sistema educativo sem regulação eficaz.

Quer no Atenta inquietude, quer em intervenções e textos no contexto profissional, quer em audições no ME, no CNE ou na AR para as quais tiveram a gentileza de me convidar tenho acentuado várias das mudanças que do meu ponto de vista são necessárias e diria urgentes.

Retomo aquilo que costumo designar por “pecado original” do DL 3/2008, a base legal mais “pesada” nesta matéria, a introdução do critério de elegibilidade para que os alunos possam aceder a apoios educativos.

Esta decisão que contestei desde o início e uma das mais emblemáticas incompetências da passagem de Maria de Lurdes Rodrigues implicou que milhares de crianças com dificuldades deixassem de ter apoio.

Em educação não existe “elegibilidade”. A justificação dada na altura é que muitos alunos eram apoiados sem que se justificasse. Como? Qualquer aluno que experimente algum tipo de dificuldade, mais ligeira, mais pesada ou mesmo não identificada mas sentida pelos professores deve ter algum tipo de apoio, deve ser avaliada, bem avaliada, e a intervenção ou orientação será conforme essa avaliação. Não deve ser considerada elegível ou não elegível.

Estabelecendo este errado entendimento tornou-se necessário encontrar forma de dividir os alunos. Recorreu-se a uma instrumento muito interessante para várias objectivos mas não avaliação educativa a CIF - Classificação Internacional de Funcionalidade, um instrumento produzido no âmbito da Organização Mundial de Saúde para fins que, evidentemente, não se dirigiam à educação.

Como consequência, milhares de alunos ficaram sem apoios. Mais recentemente tem-se assistido a um outro processo, se não forem elegíveis os alunos não têm apoios e as escolas, os professores e técnicos, sentem-se obrigados a recorrer a um rótulo que os torne elegíveis e, portanto, a acederem a apoio de que precisam ao qual não acederiam se não fossem “classificados” como elegíveis.

Esta é uma questão central do meu ponto de vista. Importaria também simplificar e clarificar procedimentos e terminologia.

A título de exemplo apenas a referência a uma coisa bizarra chamada CEI – Currículo específico Individual, uma originalidade, ainda não encontrei nada assim designado, dado que se um currículo é individual, dificilmente não será específico. Esta coisa já está em aplicação a alunos do 1º ciclo em circunstâncias inquietantes pelo impacto no futuro educativo dos alunos.

Neste sentido creio que se deveria reflectir de forma alargada em tudo o que envolve questões de natureza curricular ou organização das respostas, escolas de referência, unidades estruturadas, etc. que apesar de algumas boas práticas em algumas circunstâncias são espaços de exclusão em nome … da inclusão.

As questões relativas à avaliação escolar merecem também ajustamento mas de forma integrada relativamente a todo o sistema de avaliação da escolaridade obrigatória.

Finalmente apenas mais uma referência à urgência de repensar os modelos de envolvimento de entidades e técnicos exteriores à escola no período da escolaridade obrigatória. Em outsourcing não se promove educação de qualidade e inclusiva.

Muitas outras questões merecem atenção pelo que, provavelmente, voltaremos a esta matéria

A ver vamos o que acontecerá. No entanto, seria crucial que desde logo se assumisse que sendo importante "melhorar o enquadramento legal" tudo o resto é fundamental, recursos, meios, qualificação, supervisão e regulação, envolvimento e participação dos pais, etc., etc.

Texto de Zé Morgado

Educação de Adultos – agora ou nunca!

É incompreensível e inaceitável a letargia com que olham a Educação de Adultos.

Nestes últimos anos, a escolarização dos adultos apresenta um panorama de irregularidades com altos e baixos. Descurada, desprezada e negligenciada pelos nossos políticos, os quais focalizados nas questões iminentes da escolarização obrigatória descuram as oportunidades que se impõem para aqueles que deixaram de prosseguir estudos por circunstâncias da vida, ou por não terem agarrado a oportunidade surgida no seu tempo. Contudo, muitos adultos com baixa escolaridade almejam voltar aos bancos da escola para aprender a ler e a escrever com vista a adquirir mais conhecimentos e competências, úteis à vida.

Os números divulgados na base de dados da PORDATA evidenciam um quadro consternador, pois se o analfabetismo diminui substancialmente entre 1970 (25,7%) e 2011 (5,2%), presentemente Portugal permanece em último lugar da tabela a nível europeu. Face ao exposto, cabe à tutela, através de um trabalho árduo e profícuo, implementar estratégias em vista de diminuir esta realidade. É de salientar que nestes últimos seis anos não funcionaram cursos certificados de alfabetização para adultos, daí que este quadro se mantenha sensivelmente idêntico.

A mesma fonte informa que 23,8% da população portuguesa com 15 ou mais anos concluiu apenas o 1.º Ciclo, 11,2% o 2.º Ciclo e 20,5% o 3.º Ciclo. Este último valor, a par da percentagem de indivíduos com o ensino secundário e pós-secundário ou ensino superior, evidencia um aumento, o que em si é positivo. Todavia, este processo ascensional só terá garantias de continuidade se for suportado por uma plataforma de medidas permanentes e estáveis, facilitadoras dessa meta.

Talvez preocupado com os valores acima apresentados e sob o lema “Aprender Compensa”, o XVIII governo constitucional criou os centros novas oportunidades (CNO), extintos em março de 2013, tendo dado lugar aos centros para a qualificação e o ensino profissional (CQEP) “na construção de pontes entre os mundos da educação, da formação e do emprego, numa perspetiva de aprendizagem ao longo da vida”, tutelado pelo Ministério da Educação, Ministério da Economia e do Emprego e Ministério da Solidariedade e da Segurança Social. Os objetivos dos 2 programas são idênticos, embora os CQEP admitam jovens com mais de 15 anos de idade, para além, obviamente, de adultos.

Os CNO foram abertos a inúmeras entidades que aplicaram a legislação de forma diferente, muitas vezes com interpretações distintas, de acordo com a proveniência do ministério em causa e mesmo dentro de cada um dos ministérios. Esta desarticulação tripartida conduziu igualmente a uma ausência de harmonia entre as entidades que estavam no terreno, originando relativa descredibilização, sobretudo quando o programa era acusado, quantas vezes injustamente, de facilitismo, dada a “rapidez” com que era concluído.

O sucessor dos CNO, os CQEP, começaram a funcionar plenamente (?) no ano letivo de 2013/14. No entanto, a Educação de Adultos, drasticamente reduzida, muito por culpa da falta de financiamento (fundos comunitários…) impediu a afetação de recursos físicos e humanos para o seu normal funcionamento, tendo sido por isso relativamente escassa a respetiva formação. Qual a vantagem da (aparente) mudança? Era imprescindível?

Contudo, é incompreensível e inaceitável a letargia com que olham a Educação de Adultos, mau grado o trabalho meritório exercido nesta área por escassas instituições, mas sobretudo pelas academias seniores, grandemente negligenciadas.

É incompreensível quando o quadro comunitário 2020 (2014-2020) privilegia o “investimento no capital humano” e o Programa Operacional Capital Humano “mobiliza o Objetivo Temático 10, Investir na educação, na formação e na formação profissional para a aquisição de competências e a aprendizagem ao longo da vida.” Este objetivo temático estrutura-se em 4 grandes eixos, do qual pretendo só enunciar 2: “o Eixo 1, Promoção do sucesso educativo, do combate ao abandono escolar e reforço da qualificação dos jovens para a empregabilidade”, e “o Eixo 3, Aprendizagem, qualificação ao longo da vida e reforço da empregabilidade.”

Trata-se de um investimento válido, proveitoso e proficiente. Existem fundos comunitários como tal, conclui-se que impera falta de interesse e vontade para reduzir os números que nos envergonham. Acredito que o Ministério da Educação não irá desprezar este problema, implementando rapidamente medidas que ajudem a ultrapassá-lo. Urge pôr mãos à obra!

As escolas públicas e as instituições (educativas) financiadas pelo Estado têm a responsabilidade de contribuir para dar resposta a estas pessoas mais velhas, doutores da vida, mas que não sabem ler nem escrever, ou possuem escolarização baixa (os seus percursos escolares foram curtos ou intermitentes) e pretendem elevá-la.

Por: Filinto Lima

Professor/director

quinta-feira, 24 de março de 2016

As escolas não são fábricas de exames

A decisão do ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, de permitir que este ano as escolas do ensino básico decidam se querem ou não realizar as provas de aferição do 2.º, 5.º e 8.º anos foi apresentada pelos partidos da direita e pelas organizações que lhes são próximas como um “recuo” do ministro e um fator de instabilidade para as escolas. A presidente do CDS-PP, Assunção Cristas, aproveitando a oportunidade para um gesto de combatividade política veio por seu lado declarar-se não apenas “perplexa”, nem apenas “estupefacta”, mas simultaneamente “perplexa e estupefacta” com a decisão do ministro. É não perceber o que é a educação, o que é grave para uma dirigente partidária que, por acaso, é professora.

O que está a acontecer relativamente às medidas que o governo do PS adotou quanto aos exames merece comentário. Antes de mais, o anúncio do fim dos exames de 4.º e 6.º ano mereceu um ataque em regra de toda a direita, com os argumentos de que se estava a “voltar atrás” na política educativa. Os argumentos apresentados foram de enorme pobreza em termos intelectuais mas não deixaram por isso de ser largamente repetidos. De facto, o que é importante em relação a uma medida política é avaliar da sua bondade e não avaliá-la segundo anule ou esteja em conformidade com a política anterior. Eliminar uma medida errada e injusta é, como é evidente, positivo, e foi isso que aconteceu. O ministério da educação de Nuno Crato, de má memória um e outro, tinha o fetiche dos exames. Crato sempre acreditou que os exames possuíam um efeito mágico a montante sobre a melhoria do sistema educativo e que as reprovações eram um sinal de “exigência”. Estava e está no seu direito de o pensar, mas a verdade é que esta ideologia onde a educação se faz pela seleção dos alunos e pela sua exclusão, feita com um forte pendor de classe, é fortemente condenada pela esmagadora maioria dos especialistas de educação. Foi por isso uma boa medida pôr fim a estes exames - na linha do que faz a maioria dos países desenvolvidos - e é uma boa medida tentar fazer evoluir a escola no sentido em que haja cada vez menos (ou nenhum) aluno a chumbar e onde a escola assuma, acima de tudo, a função de educar todos os alunos e não de deitar para o lixo os menos capazes. As retenções não ajudam os alunos a aprender. E, quando os exames servem apenas para escolher os alunos que irão chumbar, também não contribuem para o processo educativo.

Quanto às provas de aferição, é secundário saber se o ministro recuou ou não e não custa admitir que tenha recuado. A questão é que, se recuou, não recuou na substância da coisa (criação das provas de aferição no 2.º, 5.º e 8.º e sua entrada em vigor já este ano) mas apenas adaptou a sua entrada em vigor aos desejos das escolas ao torná-las facultativas este ano e obrigatórias no próximo ano letivo. Se é um recuo é um recuo sensato, que não põe em causa nem a viragem que se pretende na educação, nem o programa do governo nem a estratégia do ministro. É caso para dizer à direita que pode levar a bicicleta - mas que se deveria preocupar com as matérias substantivas da política e não com a contabilidade pueril dos supostos recuos.

O argumento mais “sólido” contra os exames de aferição é, porém, o argumento da “instabilidade” que a decisão do ministro teria vindo introduzir nas escolas e nas famílias. É aqui que se percebe a dimensão do mal que o ministério de Crato veio instilar nas escolas.

Primeiro, foi o facto de os exames do 4.º e 6.º terem sido abolidos e de as escolas, que estavam a “preparar os seus alunos” para os exames, terem visto as suas expectativas frustradas e de as famílias, que também “preparavam os seus filhos” para os exames, terem visto essa tarefa de súbito esvaziada de sentido.

Ora, a questão de fundo é que as escolas não existem para “preparar alunos para os exames”, nem a educação consiste em “preparar alunos para exames”. O que a escola deve pretender é, acima de tudo, formar cidadãos e oferecer-lhes uma educação que lhes estimule a curiosidade e o gosto de aprender e lhes permita desenvolver e aplicar os seus talentos em múltiplas circunstâncias e não apenas no dia do exame. Quando a escola se transforma num sistema de preparação para exames e visa não a educação dos alunos mas a obtenção de notas num exame não está a fazer todo o seu papel e descura a parte essencial desse papel.

Da mesma forma, as provas de aferição não exigem qualquer preparação especial, quer por parte das escolas quer por parte das famílias e dos alunos - é é por isso irrelevante, para os alunos, se elas vão ou não ter lugar este ano numa dada escola. As provas de aferição poderiam até, em rigor (se não fosse pelos aspetos logísticos que envolvem), ser feitas de surpresa, em datas tiradas à sorte, já que o seu objetivo é avaliar a qualidade do ensino dispensado por uma dada escola, para o melhorar, o que até recomenda que os alunos não possuam nenhuma preparação especial e se encontrem, tanto quanto possível, no seu “estado natural”. A noção de “preparar os alunos” para uma prova de aferição não tem qualquer sentido.

Por: José Victor Malheiros

NÃO PODIA ACONTECER

Não podia acontecer. Como o povo diz o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita.

Os que acompanham este espaço e o que penso sobre a educação sabem que entendo como indispensável a avaliação externa como também sabem que não me parece que essa a avaliação externa deva ser realizada através de exames, sobretudo no 1º ciclo.

Apesar deste entendimento recordarão que discordei da oportunidade e conteúdo da decisão de acabar com os exames finais do 1ºe 2º ciclos e a introdução das provas de aferição em anos intermédios2º, 5º e 8 anos. Não cumprem o que se espera de uma prova de “aferição”, são mais uma prova externa de diagnóstico a meio de um trajecto de ciclo o que, evidentemente, não é uma aferição.

Recordarão ainda que manifestei várias vezes a estranheza pela ausência de calendário de avaliação quando estamos a terminar o segundo período.

Hoje é conhecido que o ME, em entendimento com a assessora de Educação do PR, Isabel Alçada, estabeleceu que as provas de aferição não serão obrigatórias para este ano sendo as escolas a decidir se as realizam ou não.

O ME estabeleceu ainda que, se assim o entenderem, as escolas também podem realizar os exames finais de 4ºe 6º ano que foram abolidos.

Confuso? Não, não é confuso é “apenas” o que não podia acontecer.

Deixando de lado o estranho entendimento entre Belém e a 5 de Outubro esta deriva não serve o interesse da qualidade e serenidade do trabalho de alunos e professores.

A devolução às escolas da decisão de realizarem ou não as provas de aferição este ano bem como os finados exames do 4º e 6º causa perplexidade.

Os finados exames são “bons” ou não? A decisão de os abolir foi justificada (com algumas razões que me merecem concordância) pela sua “dispensabilidade” para ser simpático. No ent6anto se as escolas quiserem podem realizá-los. Como?! Então passam a uma boa ferramenta educativa?!

Atribuir às escolas a decisão relativa às provas que realizam em nome da autonomia é algo patético e um fingimento de autonomia na medida em se estabelece que a regra é transitória. Para o ano tudo é obrigatório (já haverá tempo para preparar) e … acaba-se a autonomia.

Dá para entender?

Não, não poderia ter acontecido assim.

Texto de Zé Morgado

A ESCOLA FAZ, PODE FAZER, A DIFERENÇA


É bom ler uma notícia positiva no universo da educação. Não é que não existam muitas matérias ou experiências que as possam inspirar. Creio que nos falta um pouco a “cultura" de valorizar e divulgar o que corre bem. Embora se compreenda estamos quase sempre mais direccionados para os muitos problemas e dificuldades sempre presentes no complexo universo da educação.

Vem esta introdução a propósito do trabalho do Público sobre a Escola Básica 123 do Curral das Freiras. Serve a freguesia mais pobre da Madeira e em 2015 os seus alunos conseguiram a terceira melhor média nacional no exame de Português do 9.º ano, correspondente a melhor escola pública. Em Matemática, os resultados também foram muito bons com a colocação em 12.º lugar do ranking entre as escolas públicas e integrando 100 melhores no ranking global.

Algumas notas breves

A associação entre os resultados escolares dos alunos e variáveis de natureza sociodemográfica como meio social, económico e cultural, circunstâncias de vida, estilos parentais, etc. etc., está estabelecida de há muito.

No entanto, também sabemos que a escola faz, pode fazer a diferença, ou seja, o trabalho na e da escola e dos professores é um factor significativamente explicativo do sucesso dos alunos mais vulneráveis e capaz de contrariar o peso das outras variáveis que estão presentes nesses alunos. Neste contexto torna-se ainda mais relevante o trabalho realizado por alunos, professores, pais, funcionários e técnicos na Escola Básica 123 do Curral das Freiras.

O trabalho na escola envolvendo organização, clima e liderança por exemplo e, finalmente o trabalho em sala de aula em que surge a diferença produzida pelo professor, pelos professores.

Quando abordo estas questões cito com frequência uma afirmação de 2000 do Council for Exceptional Children, "O factor individual mais contributivo para a qualidade da educação é a existência de um professor qualificado e empenhado".

No entanto a existência de professores qualificados e empenhados não depende só de variáveis individuais de cada docente, decorre também de um conjunto de políticas educativas que promovam a qualificação, a motivação e a valorização a diferentes níveis do trabalho dos professores.

De políticas educativas que em termos genéricos e em termos mais particulares como currículos, sistema de organização, recursos humanos docentes, técnico e funcionários, tipologia e efectivo de escolas e turmas, autonomia das escolas são apenas alguns exemplos de como a diferença tem que ser construída também antes de chegar à sala de aula.

E nesta matéria também temos muito trabalho para realizar.

Texto de Zé Morgado

sexta-feira, 11 de março de 2016

A Inclusão e os “peritos em possibilidades”

A grande questão da Inclusão é de que forma podemos diversificar a oferta educativa de forma a que todos os alunos de uma turma e de uma escola possam beneficiar da fantástica riqueza de se relacionarem com pessoas 

Quando se faz a análise do percurso que Portugal fez no campo da educação de alunos com condições de deficiência temos que ficar agradados com o resultado deste esforço continuado durante mais de 40 anos. Hoje, Portugal é um dos países mais avançados do mundo no capítulo da educação dos alunos com condições de deficiência. Neste capítulo, Portugal optou por fazer cumprir uma das recomendações mais constantes e frequentes feitas pelas organizações internacionais: esta educação deve ser feita em meios educativos inclusivos. É fácil encontrar um consenso sobre a vantagem que têm os alunos com dificuldades em serem educados ao lado dos seus colegas com menos dificuldades: é evidente que o desenvolvimento da pessoa se potencia quando ela frequenta meios mais diversos e mais estimulantes. A grande questão da Inclusão é de que forma podemos diversificar a oferta educativa de forma a que todos os alunos de uma turma e de uma escola possam beneficiar da fantástica riqueza de se relacionarem com pessoas diferentes. Por isso se diz que uma escola que se mantenha imperturbável nas suas práticas e nos seus valores mais tradicionais, não pode ser uma escola inclusiva: só a alteração sensível das suas formas de ensinar, de aprender, das suas estratégias, da organização da classe, da avaliação, etc. conduzem à aproximação aos valores inclusivos. E dizemos “só” por uma razão simples: a escola não foi criada para ser inclusiva, mas sim seletiva, não foi criada para construir conhecimento, mas sim para o reproduzir, não foi criada, enfim, para ser para todos, mas só para alguns.

A mudança da escola sempre parece difícil ou mesmo impossível. Na verdade, há até “peritos em impossibilidade”. São pessoas que constroem o seu discurso para ver se provam que é inútil e ingénua qualquer tentativa de mudar a escola. Se a mudança é proposta pelos alunos diz-se “mas o que é que eles sabem de Educação?”, se a mudança é sugerida pelos professores, diz-se “são interesses corporativos”, se a mudança vem das gestões “é porque lhes interessa a eles e só a eles”, se a mudança vem de estruturas ministeriais “não serve de nada inovar por decreto”. Estes “peritos em impossibilidades” para tornar ainda mais eficaz o seu discurso, acabam por desvalorizar e por menosprezar todas as tentativas que eles consideram parciais por não levarem em conta todos os fatores implicados.

Não iludamos a questão: a mudança da escola é mesmo difícil. A lista é longa mas o certo é que as sociedades moldaram e se moldaram à escola que têm. Quando tentamos mudar a escola confrontamo-nos com um grande conjunto de variáveis que, estando certas ou erradas, que estavam adequadas à vida, às expectativas das crianças e das suas famílias. Talvez por este motivo seja tão difícil mudar a escola: por vezes parece que se está a tirar tijolos da base com esperança de mudar o cume da torre.

Há talvez três aspetos que temos constatado que podem originar e manter mudanças nas escolas dado que não se espera, como diriam os nossos “peritos em impossibilidades”, uma vaga revolucionária que transformasse radicalmente a escola tradicional para uma escola para todos, isto é, inclusiva.

A primeira questão diz respeito às funções dos Conselhos Pedagógicos das escolas. Em muitas escolas estes conselhos (órgão mais nobre da escola) são órgãos burocráticos e de “gestão corrente”. Pelo contrário, há escolas no nosso país em que os Conselhos Pedagógicos se assumiram como órgãos de discussão e de inovação das práticas e dos valores da escola. Não se limitam., por exemplo, a examinar o que lhes é proposto, mas avançam em muitos casos com propostas que permitem levar inovações adiante.

Outra questão que poderia influenciar esta mudança é a intensificação da vida dos Departamentos. Os Departamentos também eles se tornaram em grande medida, órgãos de “cumprir calendário”, órgãos de dar informações, acertar datas e prazos. É inestimável o papel que os Departamentos podem assumir na gestão flexível do currículo e na proposta de iniciativas que dinamizem a escola para poder ser uma escola útil para todos. Temos numerosos e bons exemplos destas possibilidades.

Finalmente o papel das direções das escolas. Tem sido frequentemente relatado que as direções das escolas vão por vezes “para lá da troika”. Usa-se esta expressão para definir direções que têm, por vezes, uma preocupação excessiva em corresponder às diretivas sem defenderem as especificidades e as “boas práticas” das suas escolas. Em algumas situações parece que se cava um fosso entre a direção e os professores. Já ouvimos diretores, eles que são professores, falarem “dos meus professores” e da “minha escola”. Ora, precisamos de estabelecer um clima de cumplicidade e de confiança entre os professores responsáveis pela gestão e os professores responsáveis pelo trabalho pedagógico. Muitas direções das escolas no nosso país têm assumido o imprescindível trabalho de reconhecer (mesmo antecipar) e valorizar as práticas pedagógicas que aproximem mais a escola de uma escola inclusiva e para todos.

Escrever sobre a inovação na escola de forma a torná-la mais inclusiva e para todos é uma missão impossível porque ficam de fora numerosas e ponderosas razões. Mas o certo é que temos mesmo que pensar como é que esta empresa se pode realizar. E se os Conselhos Pedagógicos, se os Departamentos e se as Direções das escolas se puderem harmonizar neste esforço de inovação e de inclusão, teremos então uma escola fortalecida por “peritos em possibilidades”.

Por:Presidente da Pró-Inclusão / Associação Nacional de Docentes de Educação Especial, Conselheiro Nacional de Educação

quinta-feira, 10 de março de 2016

Sessão Formativa: "Educação Inclusiva: à conquista das aprendizagens"


DOS MANUAIS ESCOLARES

O Governo confirma a decisão de introduzir a gratuitidade dos manuais escolares para o 1º ano de escolaridade no próximo ano lectivo e estendê-la progressivamente.

É um passo positivo que deve registar-se mas ainda deixa muito por fazer nesta matéria. Algumas notas repescadas.

De facto, a questão dos manuais escolares é uma matéria importante e não só pelos custos para as famílias. Apesar do esforço desenvolvido em diversas iniciativas promovendo a reutilização dos manuais vários factores como uma excessiva “manualização” do trabalho dos alunos potenciado com o aumento do número de alunos por turma e pelo modelo de currículos assente nas metas curriculares, não porque existem mas pela forma excessiva e inadequada como foram definidas. Acresce ainda a rápida mudança de currículos ou dos manuais aprovados nas escolas e agrupamentos que também obrigam à substituição de manuais. Importa ainda considerar o habitual conjunto de cadernos de actividades, fichas e CDs que acompanham os manuais e que se reflectem significativamente os custos globais.

Tal situação tem óbvias implicações didáctico-pedagógicas e, naturalmente, económicas pelo peso nos orçamentos familiares acrescido

Recordo que no quadro constitucional vigente, lê-se no Art.º 74º (Ensino), “Na realização da política de ensino incumbe ao Estado: a) Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito;

Na verdade, o ensino obrigatório nunca foi gratuito nem universal, vejam-se as taxas de abandono, e os custos incomportáveis para muitas famílias dos manuais e materiais escolares num cenário em que a acção social escolar é insuficiente e tem vindo a promover sucessivos ajustamentos nos valores e critérios de apoio disponibilizados. No universo particular das famílias com crianças com necessidades especiais os custos da escolaridade obrigatória e gratuita são ainda mais elevados, bem mais elevados.

Sem retomar considerações de natureza mãos didáctico-pedagógica que já tenho abordado creio que a redução da dependência dos manuais passaria, entre outros aspectos, por uma reorganização curricular, diminuindo a extensão de alguns conteúdos, a redução do número de alunos por turma ao abrigo de uma verdadeira autonomia das escolas, o que permitiria a alunos e professores um trabalho de pesquisa e construção de conhecimentos com base noutras fontes incrementando, por exemplo, a acessibilidade a conteúdos e informação diversificada que as novas tecnologias oferecem.

É importante caminharmos no sentido de atenuar a fórmula predominante, o professor ensina com base no manual o que o aluno aprende através do manual que o pai acha muito importante porque tem tudo o que professor ensina.

Julgo também que seria de considerar a possibilidade dos manuais escolares serem disponibilizados pelas escolas e devolvidos pelos alunos no final do ano lectivo ou da sua utilização, sendo as famílias penalizadas pelo seu eventual dano ou extravio e ficando, assim, com "folga" para aquisição de outros materiais, livros por exemplo, um bem com pouca presença em muitos agregados familiares. Este modelo não é novo, é usado em vários sistemas educativos.

Como é evidente, dentro desta perspectiva, a própria concepção dos manuais deveria ser repensada no sentido de permitir a sua reutilização.

Não esqueço, no entanto, o peso económico deste mercado e como são os mercados que mandam ... 

Texto de Zé Morgado

DOS "SUBSÍDIOS DE EDUCAÇÃO ESPECIAL"


Desde o início que me parece que o que deveria ser repensado é todo o modelo no qual assenta a prestação de apoios especializados a alunos com necessidades educativas especiais a frequentar estabelecimentos de ensino regular.

Nesta reflexão deve ser incluído o processo de avaliação e decisão sobre necessidades e apoios carece de melhoria face a situações bem conhecidas por quem tem alguma proximidade estas matérias e às quais já me tenho referido. Como hoje se noticia algumas destas decisões chegaram aos Tribunais.

A introdução de pequenos ajustamentos de natureza processual não muda significativamente o conjunto de problemas enormes verificados, falta de recursos, falta de apoios, tempos de apoio que seriam ridículos se não estivesse em causa crianças e jovens com problemas sérios, etc.

Este conjunto de problemas é bem conhecido por parte de milhares de famílias. Não estranham mas sabem, sentem, que os seus direitos não são cumpridos.

Qualidade e EDUCAÇÂO inclusiva não são muito compatíveis com um modelo que assenta no "outsourcing", na falta de articulação, coerência e de um maior envolvimento das escolas, apesar de algumas boas práticas que se conhecem. Em boa parte dos casos trata-se alunos no cumprimento da sua escolaridade obrigatória para os quais os apoios são fundamentais.

Não é nada de novo, os mais vulneráveis são sempre os que sofrem mais.

Mas não é uma fatalidade, fazemos os dias assim, como cantam os Trovante.

Texto de Zé Morgado

Tribunais estão a mandar repor Subsídio de Educação Especial

Existem pelo menos já 15 sentenças de tribunais administrativos e fiscais a condenar o indeferimento do pagamento do Subsídio de Educação Especial (SEE), cuja atribuição foi restringida a partir de 2013/2014, na sequência de um protocolo celebrado entre o Instituto de Segurança Social (ISS) e a Direção-Geral de Estabelecimentos Escolares. A informação foi adiantado (...) por um dos responsáveis da Associação Nacional de Empresas de Apoio Especializado (ANEAE), José Martins, segundo o qual existirão ainda centenas de processos a decorrer a propósito desta prestação familiar, que ronda os três mil euros anuais.

A ANEAE representa clínicas e centros terapêuticos privados e algumas instituições particulares de solidariedade social. As primeiras sentenças a favor da anulação das decisões de indeferimento do pagamento de subsídio pelo ISS foram conhecidas em finais de fevereiro. Segundo José Martins, os tribunais que se pronunciaram a favor fizeram-no por considerarem que, por lei, a sinalização das deficiências por via de certificado médico é um imperativo que deixou de ser cumprido depois da assinatura daquele protocolo, que por essa razão, entre outras, violará o diploma de 1981 que regulamenta o pagamento daqueles subsídios.

O Subsídio de Educação Especial destina-se, de acordo com a lei, a crianças e jovens até aos 24 anos “que possuam comprovada redução permanente da capacidade física, motora, orgânica, sensorial ou intelectual” e que precisem de frequentar estabelecimentos de ensino especial, ou de beneficiar de apoios especializados que não são facultados nas escolas onde estão inseridos.

A partir do protocolo de 2013, a proposta de atribuição do SEE a crianças com deficiência passou a ser feita sobretudo pelas escolas no âmbito da sinalização dos alunos com Necessidades Educativas Especiais, um procedimento que é contestado pelo Bloco de Esquerda (BE) num novo projeto de resolução que apresentou no Parlamento em fevereiro.

“É inaceitável a forma como o anterior Governo se recusou a distinguir entre uma criança e jovem que precisa de apoio em educação especial de uma criança e jovem que precisa de apoio terapêutico individualizado nas valências de psicologia, terapia da fala, terapia ocupacional e psicomotricidade”, acusa o BE no projeto onde se recomenda ao Governo a “revogação imediata” do protocolo de 2013, cujo debate não foi ainda agendado.

Segundo as estatísticas constantes no portal da Segurança Social, o número de beneficiários do SEE caiu de 14.571 em 2010 para 9146 em 2014. Numa carta aberta dirigida recentemente aos ministros da Segurança Social e da Educação, (...) a mãe de uma destas crianças conta que o pagamento da prestação foi indeferido logo no final do ano letivo de 2013/2014, já depois de o seu filho, agora com 9 anos, ter sido avaliado de novo por uma junta médica, que “comprovou a necessidade de manter os apoios” que vinha recebendo nos últimos dois anos para que continuasse a ser acompanhado por um psicólogo e um terapeuta da fala.

“Durante esse tempo todo o meu filho teve uma evolução enorme” para depois ser “abandonado pelo Estado”, afirma esta mãe, que pediu o anonimato de modo a defender a “privacidade” do filho. Ela arriscou contrair uma dívida para garantir que o filho continuasse a ter os apoios necessários, na esperança de que a situação de indeferimento fosse ultrapassada e a lei “cumprida”. 

Como tal não aconteceu até agora, foi obrigada, por falta de recursos, a desistir dos apoios especializados. “Chorei muito por saber que o meu filho estava a ser castigado pelos crimes que os governantes cometiam, mas também de revolta por saber que outras crianças, em outras escolas, com os mesmo diagnósticos, tinham direito a esse apoio, enquanto milhares ficaram de fora, não porque não precisavam, mas porque alguém num gabinete sem formação clínica, assinava um indeferimento”, descreve, para frisar de seguida, dirigindo-se ao Governo actual: “A partir do momento em que os senhores ocuparam esses cargos a responsabilidade política é vossa. Os senhores são neste momento os culpados pelos retrocessos do meu filho e de milhares de outras crianças que perderam os apoios”, um cenário que o BE, no seu projeto der resolução, descreve como “consubstanciando uma situação de catástrofe de saúde pública e de calamidade social”.

José Martins, da ANEAE, di-lo de outro modo: “Passados dois anos já não é possível repor a vida destas crianças, apenas remediar”. Em resposta (...), o Ministério da Educação, que não se pronunciou sobre as sentenças dos tribunais, limitou-se a indicar, através do seu gabinete de comunicação, que “ está a convocar os diferentes interlocutores relevantes para a construção de uma política sectorial sobre este tema para resolver de forma articulada e consequente as lacunas que ele apresenta”.