Há um provérbio chinês que diz que “se pode ver o mundo numa folha de chá”. Entende-se o sentido: o infinitamente pequeno tem características em tudo semelhantes ao que é bem maior e assim se encontra um sentido unificador para todo o mundo.
Há alguns dias, o ministro da Educação, Prof. Nuno Crato, numa entrevista televisiva pronunciou-se – diríamos finalmente – sobre os alunos com necessidades educativas especiais (NEE). Entre outras coisas disse textualmente: “Estão integrados na turma mas na verdade não estão. Naturalmente o que acontece naquele caso concreto é que aqueles alunos pertencem à turma mas dadas as suas necessidades eles não convivem com os alunos daquela turma. Portanto é muito mais uma questão administrativa do que outra”.
Esta simples frase, como a folha de chá, é bem ilustrativa de um pensamento global e de uma lógica de acção face à educação de alunos com dificuldades. Vamos analisar só três aspetos da frase:
1. “Estão integrados na turma mas na verdade não estão”. To be or not to be… eis a questão. Mas afinal estão integrados ou não estão? Quer dizer… no papel “eles” integram a turma mas na realidade é só de “faz de conta”. A turma é uma coisa e os alunos com NEE são outra… Não é difícil continuar o raciocínio: seria uma estultícia considerar que alunos com dificuldades fazem parte da turma, que estão integrados na turma. A verdade, é que não estão e isto “da integração” é só para visionamento turístico. Bem difícil entender este raciocínio quando Portugal há mais de 20 anos tem seguido uma política de Inclusão (não de “integração”) em que se considera que a presença de alunos com dificuldades na sala de aula é um fator que não só os beneficia a eles por estarem num meio mais estimulante e com maiores expectativas, mas também os restantes alunos que aprendem conteúdos, estratégias e valores com este ambiente inclusivo.
2. “Dadas as suas necessidades não convivem com os alunos daquela turma”. Mas as suas necessidades incluem a ausência de convívio? Hoje não é sequer posto em causa que os ambientes mais estimulantes têm um papel de extraordinária importância no desenvolvimento de todos os alunos e em particular daqueles que mostram ter mais dificuldades na aprendizagem. Portanto, se têm necessidades acrescidas, espera-se que a convivência e a interação com outros alunos sejam ferramentas fundamentais para potenciar o seu desenvolvimento. Dizer que não convivem por causa das suas necessidades é encarar as “suas necessidades” como inelutáveis e considerar que o convívio se deve passar só “entre iguais”. Aqui voltamos a estar a muitas léguas do que se pensa e do que se sabe sobre a promoção de ambientes inclusivos.
3. “Portanto é mais uma questão administrativa do que outra”. Este é sem dúvida um argumento no qual se baseia muita da política educativa do presente. Quando se reivindicam mais meios, mais apoios, mais professores, mais serviços, a resposta é que “administrativamente” tudo está certo: os rácios, os lugares preenchidos, etc. Esta lógica “administrativa” procura desarmar a contestação: se tudo está conforme os ditames administrativos afinal qual é o problema? O problema é muito simples e é fácil de explicar a pessoas com formação de Economia. A Economia é uma Ciência Humana e a Contabilidade não é. Quer dizer que quando se pensa na dinâmica das instituições ou das sociedades, tem que se levar em conta muito mais fatores do que a lógica “administrativa”. Se a Educação se gerisse administrativamente podíamos colocar em lugar do ministro um programa informático. Mas não podemos. Dizer que a colocação de alunos e a sua participação é uma questão administrativa é portanto um grande empobrecimento da riqueza do debate.
Através destes três comentários de uma frase do responsável maior da Educação no nosso país, vemos quanto caminho é preciso andar. É preciso andar muito de onde estamos e será preciso andar ainda muito mais se o ponto de partida for deslocado lá para trás. Ao arrepio do que se sabe, do que se pratica, da legislação portuguesa em vigor e dos compromissos internacionais que assumimos. Queremos acreditar que não e para isso contamos com os professores, com os pais, com as famílias, com as comunidades para resistir a este encolhimento e adulteração do conceito inclusão.
Por: David Rodrigues é Professor Universitário e Presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial. O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico.
In: Público online
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