Muito antes dos professores seria sensato, defendo eu, colocar o ministro Nuno Crato a realizar uma prova de certificação de qualidades para o desempenho do cargo de Ministro da Educação e Ciência. Porque não? Há um conjunto de sinais que me levam a prognosticar, se tal acontecesse, um chumbo com uma nota que lhe impossibilitaria sentar-se para uma oral! Só o facto de sugerir que os professores contratados devem realizar uma prova de exame, a fim de verificar as suas competências gerais e específicas, demonstra que o ministro faz uma leitura muito grosseira do que são os professores e do que fazem nas escolas.
Criou-se o mito que os professores não têm qualidade mas, simultaneamente, diz-se que esta é a geração mais bem preparada de sempre. O ministro embarca naquela ideia primária, não sei se projectando nos outros a imagem que tem de si, e embarca numa outra convicção que, no privado, estão os melhores. Puro engano, só possível por ignorância, por não compaginação de variáveis múltiplas. Mas, pior do que isto, é o ministro passar um atestado de incompetência aos professores e instituições do Ensino Superior (universidades, politécnicos e escolas superiores de educação) que formaram, avaliaram e atestaram a capacidade científica e pedagógica dos professores que, há anos, desempenham a sua função profissional. O ministro esquece-se que milhares de docentes tiveram uma formação universitária de, no mínimo, quatro anos (Licenciatura), aos quais somaram dois anos de formação pedagógica e estágio profissional; esquece-se das centenas de horas de formação obrigatória a par de outras voluntárias que os professores frequentam; esquece-se da avaliação anual a que os professores estão sujeitos; esquece-se dos mestrados, doutoramentos e outras pós-graduações que, voluntariamente, aderem, sempre no sentido de valorizarem a sua capacidade que, após essas horas de formação, é derramada pelos alunos; esquece-se que os professores estão integrados em escolas que têm departamentos que também estudam, analisam e concluem sobre os melhores caminhos para enfrentar o exercício da docência face aos abstrusos currículos e programas definidos pelo ministério; esquece-se de tudo, o que o leva a olhar para os professores de forma enviesada e com desconfiança sobre a sua formação. Fez os estudos básicos e licenciou-se com os professores que Portugal formou, chega a Ministro e parece vomitar ódio sobre a classe profissional a que pertence. É ministro, é certo, mas convenhamos, num governo destes, com tantos erros de “casting”, melhor não seria de esperar.
É evidente que há bons e menos bons professores. Como existem ministros que nos ficam na memória a par de outros que gostaríamos que desamparassem a loja, rapidamente. Em todas as profissões existem aqueles que deixam marcas positivas, que se distinguem por uma certa capacidade específica e uma certa, eu diria, capacidade comunicativa e de empatia. Quantos trazemos em memória? Mas não é isso que está em jogo. Para Crato, todos são maus e, portanto, vamos para exame a fim de separar algum eventual trigo daquilo que lhe parece ser, maioritariamente, joio. Ele não seguiu nem segue a via da formação permanente; ele defende um sistema de avaliação de desempenho burocrático, ultrapassado, massacrante, gerador de relações de desconfiança dentro da escola; ele não defende um sistema baseado na permanente avaliação formativa, antes prefere o exame, para tudo e para nada. Como se o exame traduzisse a riqueza do que é feito com populações tão diversas e tão socialmente assimétricas. Aplica aos professores o que decide para as crianças. Numa idade em que estas, pela sua natureza, devem, prioritariamente, questionar tudo, ele impõe que dêem respostas, daí os exames no 1º e 2º ciclos, em detrimento da avaliação contínua. Patético à luz da ciência e do que está publicado por tantos investigadores. Mas Crato é assim. Ele tem o condão de colocar todos contra ele, desde professores aos sindicatos, passando pelo Conselho de Reitores das universidades portuguesas. Crato, utilizando a expressão de Rubem Alves, precisa de uma “erecção da inteligência”.
O exame aos professores contratados é a maior vergonha que este ministério produziu desde 1974. Nem no tempo fascista, de triste memória. Pelo menos os professores eram respeitados na sua dignidade. Eram “roubados” nos salários, enquanto este “rouba” nos salários e na dignidade. Para ele a malvadez não tem limite: se os professores não saem do sistema a bem, vão acabar por sair a mal. Professores que o Estado utilizou durante dez, quinze e vinte anos, professores que dignificaram o sistema educativo, professores que ajudaram a formar licenciados, mestres e doutores, professores que andaram, por missão e paixão, com a casa às costas durante anos a fio, hoje aqui, amanhã a cem, duzentos e mais quilómetros de casa, professores que viram as suas famílias desfeitas, as suas carreiras profissionais congeladas (apesar de serem um “corpo especial da Administração Pública” - ECD), diminuídos os seus salários ao mesmo tempo que as exigências aumentam, confrontam-se agora com este homem do “plano inclinado” (SIC) com este político ignorante altifalante, para quem a ideologia de uma direita retrógrada vale mais que o futuro dos filhos da Nação. Para ele, o despedimento, o favorecimento do sector privado relativamente ao sector público, a escola para ricos e a escola para pobres não lhe sai da cabeça. E actua nesse sentido.
Espero que os professores continuem a se mobilizar e que, no dia 18 de Dezembro, o tal exame não chegue a realizar-se. Simplesmente porque se trata de uma INDIGNIDADE PÚBLICA.
Por: André Escórcio Professor
In: DN
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