terça-feira, 30 de outubro de 2012

Educação e Instrução

Nos nossos dias, o discurso político tende a associar as políticas de educação e formação, suscitando nos educadores uma reflexão cuidada sobre a proximidade dos dois conceitos, apreciando as suas afinidades e, também, as suas diferenças.

De algum modo, retoma-se uma dialética muito mais antiga, quando esse esforço de distinção incidia sobre dois outros conceitos que, na altura, faziam parte do léxico político.

Referimo-nos ao tempo em que, por motivos bem evidentes para os que então se preocupavam com estas questões, na linguagem dos políticos tanto se falava de educação como de instrução.

Vale a pena, por isso, recordar o que distinguia um conceito do outro.

Como se lê no Dicionário da Língua Pedagógica de Paul Foulquiè, a palavra educar vem do latim 'ducere' que significa 'conduzir para fora de'.

Daí que, etimologicamente, educar significa 'fazer com que a criança saia do seu estado primitivo', ou 'fazer com que saia dela (tornar ato) o que possui virtualmente'.

Nesta última referência, situa-se a lógica educativa orientada para o pleno desenvolvimento da criança, ao mesmo tempo que se fundamenta a ideia de alargar o conceito a jovens e adultos, pois as virtualidades (e as exigências) educativas se estendem por toda a vida.

Bem diferente deste conceito de educação, aparece o conceito de instrução quando, no Dicionário referido, se lhe comete o significado de 'atividade que tem em vista a aquisição das qualidades morais e das virtudes sociais'.

Mas o certo é que, na linguagem comum, os dois conceitos, por vezes, apareciam um tanto assimilados, ainda que os estudiosos tentassem distingui-los no apuramento que fazem de um e outro.

É assim, por exemplo, que Dupanloup escreve que a 'educação e a instrução são duas coisas profundamente distintas'.

Com efeito, acentua ele que 'a educação desenvolve as faculdades (enquanto) a instrução dá conhecimento', 'a educação eleva a alma (enquanto) a instrução alimenta o espírito'; 'a educação é o fim (enquanto) a instrução não é mais que um dos meios'.

Mais incisivamente, escreveu Gandhi: 'na minha opinião, a educação consiste em extrair globalmente da criança e do homem tudo o que têm de melhor, quer se trate do corpo, da inteligência ou do espírito. Saber ler e escrever não é o fim da educação (...). Este conhecimento é um dos meios que permitem educar a criança, mas não deve ser confundido com a própria educação'.

Dentro deste pensamento de distinção entre educação e instrução, por vezes surgiram expressões radicais, naturalmente justificadas pela preocupação de separar os conceitos, sem se reconhecer que, na prática, quase sempre se encontram lado a lado.

Repare-se, por exemplo, no que escreveu E. Renan, ao dizer que 'a instrução dá-se na aula, no liceu, na escola; a educação recebe-se na casa paterna'. Ou ainda, no que referiu E. Faguet ao escrever que 'a criança, nas mãos de um professor (...) aceita a instrução instintivamente, com um instinto que talvez não seja mais do que a voz da educação ancestral, e de modo nenhum aceita a educação'.

Num caso e noutro, é notório o exagero, aliás em correspondência a um conceito de escola que lhe reservava meras funções de instrução pública ou privada. No entanto, essa conceção afigura-se profundamente redutora, pois o papel da escola, para além da transmissão de conhecimentos, tem uma outra dimensão educativa que não pode ser ignorada.

Uma coisa é reconhecer que é aos pais que compete, em exclusivo, escolher a educação que desejam para os seus filhos; outra, bem diferente, é admitir que só eles participam na concretização dessa escolha.

Por: Albano Estrela

In: Educare

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

"A inclusão está a passar por aqui"


Realizou-se no passado dia 13 de outubro o Encontro: “Práticas de Inclusão” promovido pela Câmara Municipal de Sintra que decorreu na Escola Secundária Padre Alberto Neto em Queluz.

A Pin-ANDEE foi convidada pela divisão de educação da Câmara Municipal de Sintra para participar no evento. É neste âmbito que surge esta reflexão do encontro pois coube-me a mim o comentário final sobre o mesmo.

Não deixa de ser curioso este Encontro ter começado com o PIN – (nome escolhido pela nova equipa do Progresso Infantil) e terminar com a PIN – Pró Inclusão – Associação Nacional dos Docentes de Educação Especial. Tal como o PIN, referido pelo Dr. Nuno Lobo Antunes também a Pin da Pró Inclusão-ANDEE se prende ao peito, um objeto frágil, simbólico, porém, já com mais idade do que o atual PIN.


A Pin da Pró Inclusão foi criada em 2008, após um percurso feito no FEEI (Fórum de Estudos de Educação Inclusiva). Este grupo de trabalho resolveu criar uma associação com o objetivo de por um lado apoiar a profissionalidade dos docentes de educação especial nas práticas, na investigação e politicas e paralelamente promover educação de qualidade para alunos com necessidades educativas especiais no âmbito dos valores da Inclusão.

Foram ainda referidos os eventos e as publicações da nossa associação deixando obviamente o convite para que nela participem de forma a tornar-se cada vez mais um espaço de reflexão e partilha. Não pude deixar de aludir a minha presença como dois em um, tal como se de um shampoo se tratasse…

Por um lado represento a Pin-ANDEE (enquanto elemento da direção) e por outro represento-me a mim própria, enquanto docente de educação especial, pois obviamente uma não vive sem a outra.

A alusão ao shampoo de modo nenhum foi arbitrária. Aquele lava as cabeças e a minha função no comentário final foi de agitar as cabeças dos presentes ou pelo menos a minha. Porque de facto todos os painéis do encontro agitaram cada um de nós com momentos bem merecedores de que isso acontecesse.

A tarefa de um comentário final nunca é tarefa fácil, ainda mais quando se está a absorver tudo o que foi abordado. A ideia não era a de um resumo, portanto optei, de modo sintético, por dar apenas uma piscadela de olho em cada um dos painéis aludindo ao que de mais pertinente salientei como ponto de reflexão:

Impossível ficar-se indiferente à comunicação sobre a tríade: Criança/Escola/Família com palavras conhecedoras, porém recheadas de algum humor discutível com que nos presenteou o Dr. Nuno Lobo Antunes.

A palavra entrelaçar, muito bem escolhida, para partilhar as Práticas das escolas Ferreira de Castro e D. Maria II, como promotoras de inclusão efetiva.

A capacitação das famílias na importância de lhes dar voz, porque são elas de facto quem melhor conhece os seus filhos e só elas mesmo, sem pudermos sequer imaginar, vivem na pele a a experiência.

A importância da música no desenvolvimento do individuo. As oficinas ricas na sua diversidade e partilha. Não esquecendo a visita à exposição Imagina Lá onde foi possível ver os trabalhos realizados e o escolhido para o cartaz de divulgação do evento.

Após um riquíssimo leque de painéis a que tivemos acesso, recordei a citação de Walter Eigner, referida em 1995 na sua obra: “A educação inclusiva é uma questão de bom senso”, em que o autor expressava que não deveria ser necessário lembrar a Declaração de Salamanca para reconhecer que a Educação Inclusiva é ela, fundamentalmente, um direito elementar numa escola de qualidade com reflexo numa sociedade mais humanitária.

Passados alguns anos, daquela citação (mais precisamente dezassete anos – uma citação quase, quase com idade adulta que refere a declaração Salamanca, esta sim de idade adulta), o hiato temporário que nos separa e a maturidade destes conceitos, por incrível que pareça, ainda não fizeram eco em alguns céticos face à inclusão. Existem mesmo alguns indivíduos (vindos não se sabe de que planeta) que consideram não só o termo, em si, utópico, como duvidam do sentido do seu significado.

O que é pena, pois a inclusão nada tem de extraordinário. Luísa Beltrão enfatizou neste encontro a importância da escola: “quanto mais não fosse pelo benefício da socialização…”

É tão simplesmente aceitar que todos têm direitos, pois é de direitos humanos que se fala em primeira instância.

Muitos professores, infelizmente, é verdade, e outras classes profissionais ainda desconhecem o termo e ao que ele se refere na prática.

Talvez a solução passe pela formação dos profissionais e essencialmente motivação da sociedade para a aceitar o outro incondicionalmente. Penso que neste encontro foi visível essa motivação, no modo de compreender e intervir na diferença, refletindo essencialmente o que é em si mesmo a diferença, pressupondo esta uma conceção homogénea do ser humano, bem longe do que é a realidade.

Diferença é o que distingue a exclusividade do individuo, é sinónimo de criatividade. Na sociedade atual conturbada é necessário mesmo alguma dose de criatividade para que nos aproximemos uns dos outros, nos tornemos mais autênticos, necessitando mesmo de ser criativos face aos desafios atuais.

Cabe, a cada um de nós encontrar o sentido desta medida educativa após um percurso educacional de doze anos de escolaridade. Ainda estou a tentar entender esta medida e o seu sentido e creio não estar sozinha na busca do seu entendimento. Foi referido neste encontro que alguns alunos estão atualmente em casa sem resposta face à atual portaria… “Surge um deserto de respostas após doze anos de escolaridade”, referiu Júlia Serpa Pimentel.


Procuremos neste âmbito e em outros, uma reflexão do que melhor se faz para tornar a educação, toda ela, mais justa e equalitária. Porque foi, aliás, de práticas de inclusão que se falou durante todo o encontro.

Sérgio Godinho dizia numa canção“ A liberdade está a passar por aqui”. Sobre esse pensamento com certeza todos teremos também algumas reflexões na conjetura atual, mas foi adaptando aquele pensamento que deixei o repto:

A inclusão está a passar por aqui. Ela acontece de facto nas escolas!

Mas deixa rasto ou não? É temporária? Fictícia?

Não podemos deixar de nos interrogar sobre o modo como está a ser entendida esta e outras medidas educativas.

Mais tempo para que, quer a declaração de Salamanca ou a citação que mencionei, faça eco na sociedade.

Acredito que é possível. Por isso mesmo estive presente neste encontro, agradecendo a todos o que o tornaram possível, deixando aqui o meu testemunho.

Posso ainda acrescentar que, algumas famílias e docentes, após o meu comentário final, referiram que também eles acreditam que a inclusão existe e é irreversível!

Luís Fernandes (psicomotricista) pegando nestas provocações de metáforas à inclusão também ele lembrou a frase de Bernardo Fachada numa canção que refere “que a liberdade já passou por aqui mas estava mal ensinada “

Quanto à inclusão, acreditamos, não está mal ensinada, pelo contrário, ela faz-se em muitas partilhas, como foi este encontro que, ainda nas palavras de Luís Fernandes, constituem uma pedrada no charco.

Pela parte que me toca, atiremos então com mais pedras para o charco!

Por: Elvira Cristina Silva

(Direção da Pin-ANDEE)

In: Editorial da newsletter da 2ª quinzena de outubro da Pin-ANDEE

'Designer' quer código de cor para daltónicos em etiquetas

O 'designer' português que criou o ColorADD pretende em 2013 "bater à porta" de grupos internacionais como a Inditex, Benetton, Swatch e Lego para os desafiar a adotar aquele código inovador e universal de identificação de cores para daltónicos.

Em entrevista à agência Lusa, Miguel Neiva disse tratar-se de "nomes emblemáticos em que a cor é um fator de comunicação que os posiciona no mercado" e salientou que a adoção do ColorADD por estas marcas seria um marco na divulgação e impacto social do projeto.

"Se para eles, do ponto de vista económico, do negócio, isto trouxer benefícios, para nós não é irrelevante, porque quanto mais venderem mais vão divulgar o código", afirmou.

Já implementado ou em vias de implementação em diversas áreas, desde a saúde (Hospital de S. João, Hospital dos Capuchos e fármacos hospitalares) e transportes (Metro do Porto) ao material didático (lápis de cor Viarco e jogos didáticos), entre outros, o ColorADD está a dar os primeiros passos nos setores do calçado e do têxtil, com a introdução do código nos sapatos da portuguesa Dkode e nas etiquetas das marcas nacionais de vestuário Blankpage, Zippy e Modalfa (estas últimas na primavera/verão de 2013).

Miguel Neiva salientou que o vestuário é uma área onde a adoção do código assume particular relevância, já que "90 por cento dos daltónicos precisa de ajuda para comprar roupa".

"Com a Zippy fizemos um catálogo com 1.920 cores já referenciadas com o código, o que quer dizer que, amanhã, já estamos perfeitamente preparados para ir bater à porta de grupos como a Inditex ou a [United Colors of] Benetton, que são daqueles marcos que fazem todo o sentido", afirmou.

Um projeto "ainda não para este ano", admitiu, mas "para 2013", uma vez que nessa altura as marcas portuguesas já terão implementado o projeto e feito a respetiva divulgação: "Depois, já não é só chegar à Inditex ou Benetton com a ideia possível de isto ser implementado, mas com uma situação concreta", sustentou.

De acordo com Miguel Neiva, paralelamente à vertente mais comercial, o ColorADD ambiciona assumir-se na área da educação, tendo, no âmbito do trabalho em curso com a direção-geral da Educação, sido criada uma organização não-governamental para aplicar o projeto nas escolas nacionais.

O objetivo, disse, é "ajudar a potenciar nas escolas o conhecimento e a aprendizagem não só do ponto de vista da comunicação da cor, mas também usar o projeto como uma ferramenta aumentativa para que os alunos do primeiro ciclo possam aprender melhor".

Depois da uma primeira "incursão" na área do desporto com a utilização do código nos jogos da CPLP pelo Instituto do Desporto de Portugal e pela secretaria de Estado do Desporto e Juventude, Miguel Neiva está agora a "preparar um dossiê" propondo a adoção do ColorADD nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016.

Admitindo que, tratando-se de um evento "à escala mundial", os jogos olímpicos "seriam um meio de divulgação muito grande" do projeto, o 'designer" destacou que, estando envolvidos 205 países e mais de 80 idiomas, "indiscutivelmente a cor será ali um fator de comunicação, não só a nível das credenciais dos atletas, jornalistas, VIP ou imprensa, como da distribuição dos jogos por áreas temáticas e modalidades, organização dentro do recinto desportivo, cor das bancadas, orgânica dentro da aldeia olímpica e parques de estacionamento".

A "vertente institucional" e o "cariz social" do projeto são dois aspetos também muito valorizados por Miguel Neiva, que acredita poder contribuir para "um mundo mais inclusivo".

"Para não perdermos este cariz social há licenças [de utilização do código] que oferecemos, nas áreas da educação e da saúde, porque queremos massificar esta linguagem, que é inclusiva", afirmou.

Segundo os dados disponíveis, o daltonismo - perturbação da perceção visual de determinadas cores primárias, como o verde e o vermelho, que se repercute na perceção das restantes cores do espetro - afeta cerca de 10 por cento da população masculina mundial, num total de 350 milhões de pessoas, sendo que dois por cento dos daltónicos são mulheres.

In: DN

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Linha Direta

A pensar em si, temos vindo a trabalhar para corresponder cada vez melhor às suas necessidades de informação e disponibilizamos-lhe um serviço de atendimento de

Linha direta

a funcionar de terça a quinta feira 

entre as 10 h e as 12 h30 e as 14 h e as 17 horas

através do número 217 929 500

Ao contactar este serviço de atendimento, encontrará uma equipa de técnicos especializados, que presta informação e orientação sobre os recursos existentes, aos cidadãos com deficiência, suas famílias, organizações e serviços que intervêm no âmbito dos seus direitos, deveres e benefícios. 

Poderá também aceder a este serviço, por escrito, via correio electrónico em inr@inr.mtss.pt

Poderá ainda ser atendido presencialmente, no INR, I.P., Av. Conde de Valbom, 63, 1069-178 Lisboa,através de marcação prévia, que deverá solicitar via inr@inr.mtss.pt ou na área da sua residência, no Serviço de Informação e Mediação de Pessoas com Deficiência, SIM-PD, mais próximo.

Os Serviços de Informação e Mediação para Pessoas com Deficiência ou Incapacidade são serviços instalados nas autarquias que asseguram o atendimento e prestam informação sobre direitos, benefícios e recursos existentes, às pessoas com deficiências ou incapacidade nas respectivas comunidades.

Com este serviço de atendimento que se visa descentralizado e mais próximo do cidadão, o INR, I.P. coloca o maior empenho em dar um encaminhamento eficaz às necessidades do cidadão com deficiência.

Certos que esta iniciativa contribuirá para aumentar a sua satisfação, confira qual o SIM-PD da sua zona de residência.

In: INR

Workshop - Procura Ativa de Emprego

A Associação Salvador vai promover, nos dias 13 e 14 de Novembro, das 10:00h às 17:30h, no Hotel Fontana Park, em Lisboa, a iniciativa "Workshop Procura Ativa de Emprego".

Esta iniciativa com duas sessões distintas destina-se a pessoas com deficiência motora e tem como objetivos desenvolver competências que potenciem a integração profissional de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

A participação é gratuita, com obrigatoriedade de inscrição até 31 de Outubro, com vagas limitadas aos lugares existentes.

Para mais informações adicionais poderá aceder ao link da Associação Salvador

In: INR

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Recusa em falar

O Pedro foi encaminhado para o Serviço de Psicologia e Orientação, porque estava permanentemente agitado, não se concentrando na sala de aula. A mãe dissera-me que o pai abandonara a família e que, desde que fora trabalhar para o estrangeiro, nunca enviara dinheiro para o sustento dos filhos. Segundo a perceção da mãe do Pedro, este agia com indiferença à ausência do pai. Ao longo dos atendimentos, percebi que o Pedro sofria bastante com a distância da figura paterna e chorava sempre que falava nele. A perceção do Pedro de que a mãe sofria com o abandono do pai levava-o a ocultar a sua própria dor, para que a mãe não sofresse ainda mais.

A Catarina era uma aluna muito fechada, que causava preocupação aos professores, devido ao seu ar sempre muito triste. Vivia desde muito pequena com uma tia paterna, porque a mãe a abandonara. Ao longo de um ano, tentou que eu acreditasse que se sentia feliz na companhia desta tia. O hálito a álcool e a frieza com que a tia falava da sobrinha levaram-me a montar um cenário completamente diferente daquele que a Catarina sempre me procurou transmitir. Foi preciso um ano para que esta criança ganhasse confiança em mim e me revelasse o que eu já há muito tempo lera nas entrelinhas: álcool e maus tratos. O medo de represálias remeteu-a para o silêncio.

A recusa em falar pode ter subjacentes causas diferentes. O Pedro e a Catarina são apenas exemplos verídicos disso. Na maioria das vezes tenho constatado que é mais fácil para as crianças e até para os adultos falarem sobre os seus problemas com desconhecidos ou com pessoas que não estejam a viver tão de perto um determinado problema. O silêncio é, muitas vezes, a estratégia escolhida para tentar minimizar o sofrimento de todos aqueles que, visivelmente, já estão a sofrer bastante com uma dada situação. Se a mãe e o pai estão sempre a chorar pelos cantos, os mais novos evitam que as suas próprias lágrimas tornem tudo ainda mais penoso.

Se a criança tem uma relação muito positiva com um determinado amigo da família ou com um familiar, por exemplo um tio, os pais podem pedir o apoio, no sentido de estes tentarem ajudar a quebrar o silêncio, que na verdade pode ser fonte de grande sofrimento. Sempre que uma criança apresenta perturbações comportamentais na sequência de uma situação problemática, ela poderá estar a transmitir silenciosamente um pedido de socorro. Note-se que, até que falem, algumas crianças precisam de muito tempo, paciência e de uma relação bem construída. A Catarina é um bom exemplo disso.

Como pôr a falar um adulto que se recusa? É sem dúvida uma missão difícil! Como não há nenhuma referência aos motivos de tal recusa, ainda mais. Porque é que este adulto não quer falar?

O Pedro admitiu que só chorava na minha presença. A Catarina confessou que só me revelara os seus problemas familiares, porque encontrara um adulto em quem podia confiar. Sem querer dar receitas, um ouvinte que esteja suficientemente distante do problema e que inspire confiança pode ser a chave para transformar o silêncio em palavras.

Por: Adriana Campos

In: Educare

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Centro de dislexia em Viseu

A aprendizagem da leitura e da escrita é central na vida de todos nós, sendo o seu domínio com mestria um forte indicador do sucesso escolar de cada aluno. No entanto, para os alunos com dislexia, a leitura e a escrita não são competências desenvolvidas com a mesma facilidade como nos restantes alunos, acarretando em todos eles um efeito marcadamente negativo nas suas vidas, tanto ao nível académico, como pessoal e até emocional. Só uma atempada identificação, seguida da intervenção ajustada a cada caso, é que poderão quebrar este ciclo negativo.

Com o objetivo promover um maior conhecimento desta realidade por parte dos professores e outros técnicos de educação, sem esquecer os pais, uma vez que são eles que estão na melhor posição para fazer o despiste atempado de cada situação de risco foi criado na Universidade Católica Portuguesa um Centro de Dislexia. Este assenta em quatro pilares: investigação, formação, avaliação e intervenção, sendo uma aposta claramente ganha ao responder às necessidades da nossa região mas também aos interesses atuais relativos à investigação e à formação neste campo tão vasto como é o da dislexia.

Objetivos:

  • Realizar investigação no âmbito das dificuldades específicas de aprendizagem da leitura e da escrita;
  • Dinamizar encontros científicos e ações de formação na área da dislexia;
  • Avaliar e reeducar crianças com dificuldades específicas de aprendizagem da leitura e da escrita;
  • Potenciar o melhor envolvimento e intervenção psicopedagógica das respetivas escolas;
  • Orientar o envolvimento e intervenção educativa da família;
  • Promover a compilação de metodologias e materiais de intervenção disponíveis;
  • Dinamizar a criação de recursos de intervenção cientificamente validados.
Destinatários: Professores, encarregados de educação, profissionais de saúde, estudantes e demais interessados.

Informações e marcações:
Telefone: 232 419 500
E-mail: centrodislexia@crb.ucp.pt 

Mais informações aqui.

Cérebro: Estímulos na infância favorecem formação

Além de promover uma maior autonomia intelectual, uma infância rodeada de livros e brinquedos educativos favorece a formação da estrutura do cérebro, revela um estudo norte-americano que se prolongou por quase 20 anos e cujos resultados foram divulgados na reunião anual da Sociedade para a Neurociência dos EUA.

A investigação liderada pela neurocientista Martha Farah, da Universidade da Pensilvânia, aponta para um “período sensível”, no início da vida, durante o qual o desenvolvimento do cérebro é fortemente influenciado por fatores ambientais. De acordo com este estudo, quanto maior for a estimulação mental das crianças até aos 4 anos, mais desenvolvidas serão as partes do cérebro que lidam com linguagem e ações cognitivas durante a sua adolescência.

Através de estudos com gémeos idênticos e não idênticos, a ciência já tinha provado que os genes desempenham um papel importante no desenvolvimento do córtex cerebral, a estrutura fina que suporta funções mentais superiores. Mas pouco se sabia sobre a forma como as experiências iniciais de vida influenciam o desenvolvimento do córtex.

Para investigar, a equipa da Universidade da Pensilvânia recrutou 64 meninos e meninas de estratos sociais mais baixos e acompanharam as crianças desde o nascimento até ao final da adolescência. Os investigadores visitaram, em sua casa, as crianças quando tinham 4 anos idade e, depois, aos 8 anos para avaliar o ambiente, registando dados como o número de livros e brinquedos educativos presentes em casa e o nível de apoio que recebiam dos pais.

Mais de 10 anos depois da segunda visita à casa dos participantes, que entretanto se tornaram adolescentes, os investigadores realizaram ressonâncias magnéticas para obter imagens detalhadas dos seus cérebros. Os resultados indicam que o nível de estimulação mental que uma criança recebe em casa com a idade de 4 anos determina a espessura de duas regiões do cérebro na adolescência tardia, sendo que uma maior estimulação torna o córtex mais fino. 

A pesquisa mostrou que o ambiente de casa aos oito anos tem um menor impacto sobre o desenvolvimento dessas regiões cerebrais, enquanto outros fatores - como a inteligência da mãe e a qualidade da educação - não resultou em qualquer alteração morfológica do cérebro.

À medida que o cérebro se desenvolve produz mais sinapses, ou conexões neuronais, que são necessárias, explica. as ligações cerebrais que não são precisas são depois eliminadas num processo conhecido como “poda sináptica” (synaptic pruning, em inglês) que é altamente dependente da experiência pessoal.

Os resultados sugerem que a estimulação mental no início da vida aumenta o grau em que ocorre a poda sináptica no lobo temporal lateral. A poda reduz o volume de tecido do córtex. Isto faz o córtex mais fino, mas também torna o processamento da informação mais eficiente.

“Como em todos os estudos observacionais, não podemos realmente falar sobre a causalidade, mas parece provável que a estimulação cognitiva experimentada no início da vida levaram a alterações na espessura cortical”, disse a investigadora citada pelo jornal online ScienceNow.

Martha Farah acrescenta, no entanto, que a pesquisa ainda está em fase inicial e que mais trabalho é necessário para obter uma melhor compreensão de como exatamente a vida inicial e as experiências têm impacto na função cerebral.

Estudos anteriores já tinham provado que as experiências adversas, como a negligência infantil, abusos e pobreza podem impedir o crescimento do cérebro. a nova investigação confirma que a infância é um período de “extrema vulnerabilidade e que os pais podem ajudar as crianças a desenvolver suas habilidades cognitivas, proporcionando um ambiente estimulante.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

"O ELOGIO DA DIFERENÇA"

Partilho aqui a Grande Reportagem da SIC que passou ontem (dia 21/10/2012).

A SIC está de parabéns pela excelente reportagem que fez. Consegue retratar o dia-a-dia destas pessoas e famílias.

Continuemos a Acreditar! Juntemos as nossas forças em prol de uma Sociedade mais Inclusiva!



In: SIC

Special Olympics. Em vez de metal, estas medalhas têm outro sabor

A organização promoveu um torneio para a deficiência intelectual esta semana. O i foi acompanhá-lo

Ela nem sequer ia correr. Membro de pleno direito das equipas de basquetebol e futebol, foi apenas por acaso que Maria de Abreu resolveu entrar na prova dos 100 metros daqueles Jogos Mundiais de Atenas. Saiu de lá com uma medalha de prata, mas não quer repetir. “Ai, odeio correr! Se for num jogo de futebol ainda vá, agora correr a direito para o nada… Tudo menos isso!” Se isto fosse alta competição, quase podíamos apostar que a Maria iria continuar a correr, gostasse ou não. Mas isto são os Special Olympics – “a diferença é que aqui não participam só os melhores, participam todos, tenham jeito ou não”, explica a vice-presidente da organização em Portugal, Regina Mirandela da Costa.

Aqui estão 10 associações e cerca de 100 atletas. Há elementos de ambos os sexos, que jogam juntos, e as idades vão dos 20 aos 40. O que os liga é o facto de terem todos deficiência intelectual. Uns têm perturbações mentais, outros sociais, alguns com um grau maior, outros com menos. O torneio, organizado pela CERCICA (Cooperativa para a Educação e Reabilitação de Cidadãos Inadaptados de Cascais), tem clubes de várias zonas do país, da Covilhã ao Montijo. As modalidades incluídas são a natação, a petanca (uma espécie de cruzamento entre o chinquilho e o bowling), o basquetebol e o futebol, de longe a mais popular entre os participantes.

“As raparigas também sabem jogar futebol!”, assegura Maria. Foi isso que a fez inscrever-se na equipa da CERCICA, para provar que também tinha jeito. Com 23 anos, era a única mulher no meio de tantos homens e ao fim de um ano já estava farta da situação. Daí que não descansou até trazer uma amiga da instituição para experimentar um treino. A amiga, também de nome Maria, gostou e acabou por ficar. “É uma chatice para nos distinguirem’”, conta-nos entre risos. Se para os dois Carlos da equipa já se arranjou a solução Carlão e Carlitos, para estas Marias-rapaz ainda não há alcunhas à vista. Excepto nas camisolas: uma tem lá escrito Maria de Abreu e a outra tem um original Di Maria.

Na equipa B da CERCICA está também João Guimarães. O colega da Maria tem a mesma idade dela e é igualmente falador. Tímidos ao início, depois de arrancar não param, embora raramente nos olhem nos olhos. Mas se Maria é mais sossegada, João não pára quieto e salta de um assunto para o outro. “Em casa tenho para aí umas cinco medalhas!”, avisa. “Olha-me estas caneleiras, são muita fixes, nunca me aleijo”, acrescenta, enquanto baixa uma meia para nos mostrar. “Sabes, eu hoje ‘tou um bocado eléctrico, já estive a tomar o meu cafezinho da manhã.” O café do João é sagrado: todos os dias bebe um Nespresso em casa, ou toma um na rua. “O médico deixa, por isso é na boa.” Depois apanha o 413 no Largo de Manique e sai na última paragem, no Estoril. Vai para o Centro de Congressos, onde trabalha graças a uma parceria conseguida pela associação. João ajuda a montar palcos, a levar cadeiras, a deixar tudo pronto antes de cada sessão. “Até tenho uma farda! É assim creme e preta.” E o ambiente no trabalho não é nada mau. “Até já me deram uma alcunha, vê lá! Um é o Alentejano, porque é do Alentejo, outro é o Careca, porque não tem cabelo, e eu sou o Pinguim.” Porquê? “Não sei!”, confessa com ar de satisfação.

UMA QUESTÃO EMOCIONAL Antes da eventual profissão há o meio académico, um dos maiores obstáculos que enfrentam. “Estes são miúdos que geralmente nunca brilharam em nada na vida”, explica Ana Flores, responsável da CERCICA há 12 anos. “No desporto têm essa hipótese, por isso é natural que adorem isto e que alguns até sejam ligeiramente gabarolas.” Ninguém lhes leva a mal. Da mesa, alguém grita para as bancadas um “não chamas nomes aos atletas!” Os ânimos exaltam-se, como em qualquer prova desportiva, mas os técnicos tentam dosear a competitividade. No fundo, a importância de ganhar relaciona-se mais com uma questão de reconhecimento e auto-estima. Assim o prova a reacção da Maria quando recebeu a sua medalha. “Eu nunca vi uma miúda tão feliz”, assegura Regina. “Até quebrei o protocolo e deixei-a ligar ao pai a contar. Ela só repetia ‘Já tenho a minha medalha…’”

“Hoje, se os meus pais estivessem aqui faziam a festa toda”, diz ela. Como muitos outros, os pais da Maria não podem faltar ao trabalho, daí que o pavilhão dos Lombos, em Carcavelos, esteja a meio-gás. O mesmo se passa com os pais do João. “Eu logo quando chegar a casa vou estar sozinho, que a minha mãe ainda não chegou do trabalho. Entretenho-me a jogar PlayStation e vou ao Hotmail ver se alguém me mandou alguma coisa pela internet.” Mas a relação entre as famílias e as instituições é por vezes complicada. Há associados órfãos a viver nas residências, há outros com famílias ausentes e até alguns cujos pais têm pulseiras electrónicas. No extremo oposto estão aqueles que dependem por completo dos progenitores que não conseguem cortar o cordão umbilical. “Por isso é óptimo quando os conseguimos levar para competições no estrangeiro”, explica Regina. “Eles cumprem os horários, vestem a roupa que mandamos, comem o que dizemos e fazem tudo isso sozinhos. Depois chegam mais autónomos e alguns pais não lidam bem com isso.”

A dependência entre pais e filhos assenta também nas óbvias questões de saúde, mas ali não são problema. Enquanto conversamos, um jogo de basquetebol tem de ser interrompido porque um dos atletas está a ter uma convulsão. Os bombeiros aproximam-se, os treinadores e árbitros ajudam – é uma situação quase banal e já todos sabem lidar com isso. Pouco tempo depois já está tudo bem e todos os olhos se voltam de novo para o campo. No basquetebol, a CERCICA domina. No futebol, o equilíbrio é mais precário. “A Maria resolve, que ela marca golos a sério!” A garantia é do João, colega de equipa dedicado. Meia hora depois, ali está a confirmação. Maria inaugura o marcador para a CERCICA e tem uma equipa inteira a festejar à volta dela. Bem melhor do que qualquer medalha, apostamos.

In: Jornal I

sábado, 20 de outubro de 2012

Criação das unidades flexíveis e constituição das equipas multidisciplinares da Direção-Geral da Educação

A Direção-Geral da Educação, através do Despacho n.º 13608/2012, procede à criação de uma série de unidades orgânicas flexíveis e equipas multidisciplinares.

Assim, são criadas as seguintes unidades orgânicas:
   - A Divisão de Educação Pré-Escolar e do Ensino Básico (DEPEB);
   - A Divisão de Ensino Secundário (DES);
   - A Divisão de Educação Artística (DEA);
   - A Divisão de Material Didático, Documentação e Edições (DMDDE);
   - A Divisão de Desporto Escolar (DDE);
   - A Divisão de Gestão Orçamental e Patrimonial (DGOP);
   - A Divisão de Recursos Humanos (DRH);
   - A Divisão de Sistemas de Informação e Infraestruturas Tecnológicas (DSIIT).

São criadas ainda as seguintes equipas multidisciplinares, funcionalmente integradas na DGE:

   - A Equipa de Projetos de Inclusão e Promoção do Sucesso Educativo (EPIPSE);
   - A Equipa de Recursos e Tecnologias Educativas (ERTE);
   - O Gabinete de Apoio Jurídico (GAJUR).

Apesar da criação da Equipa de Projetos de Inclusão e Promoção do Sucesso Educativo, o articulado não faz qualquer referência à educação especial, que é uma modalidade educativa, ou aos alunos com necessidades educativas especiais.

À Equipa de Projetos de Inclusão e Promoção do Sucesso Educativo compete genericamente conceber, desenvolver, concretizar e avaliar iniciativas mobilizadoras e integradoras no âmbito da inclusão e promoção do sucesso educativo, cabendo-lhe em particular:

a) Coordenar, acompanhar e propor orientações, em termos pedagógicos e didáticos para a promoção do sucesso e a prevenção do abandono escolar;

b) Apoiar e assegurar o desenvolvimento de projetos e programas específicos de intervenção quer ao nível da organização da escola e do alargamento e diversificação da sua oferta quer da intervenção em áreas curriculares específicas;

c) Propor, coordenar, acompanhar e avaliar atividades dirigidas às escolas, designadamente as desenvolvidas em parceria, que promovam o alargamento das ofertas educativas.

Via: Incluso

Contextos do desencanto

No meu livro “O Desencanto dos Professores” (procurar em www.ensino.eu – loja virtual), reúno um conjunto de artigos de opinião, que foram escritos nos últimos cinco anos, numa conjuntura que considero das mais hostis para os profissionais da educação em Portugal.

Vai levar tempo para erguer, acima dos tornozelos, a auto estima dos professores, para recuperar a sua imagem social, e para chamar novamente à profissão os melhores e os mais capazes. As perdas são, em tempo, custo e envolvimento de recursos humanos, incalculáveis. O tempo, a seu tempo, o dirá.

O pior que pode acontecer a um povo é perder a sua memória colectiva. Vale a pena, então, lembrar...

A ideia lançada, inicial e subliminarmente, de que os professores eram uns “madraços”, que acumulavam incontáveis faltas ao serviço, que gozavam férias e mordomias só permitidas a grupos privilegiados, e que desperdiçavam os enormes meios financeiros com eles despendidos, constituiu a maior ofensa, a mais inqualificável infama perpetrada perante uma classe altruísta, que todos os dias, no seu posto de trabalho, deu o seu melhor pelo aperfeiçoamento das qualificações dos portugueses e pelo desenvolvimento social, económico e cultural do seu país.

Não é novidade. O cenário revelava-se propício e constituiu a porta aberta para o que se lhe seguiu: alteração e aumento compulsivo de funções e tarefas cometidas aos docentes, colocando-os na vertigem da desprofissionalização; divisão da classe, através de uma estratificação artificial da carreira; implementação de processos de avaliação de desempenho administrativos, burocráticos e estigmatizantes; redução artificial de cargas horárias e alterações aos planos curriculares ao sabor das circunstâncias, provocando-se, desnecessariamente, o maior desemprego conhecido, até hoje, na classe; introdução de novas tecnologias na escola, sem formação antecipada dos intervenientes no acto educativo, no que se revelou ser uma insensatez face ao esbanjamento de dinheiros públicos em negócios e parcerias com empresas privadas…

Desde então, escola tendeu para um espaço de desencantos e desencontros, onde os profissionais da educação começaram a ser chamados para reflectirem pouco sobre o acto educativo e, em substituição, a reunirem muito em redor da aplicação de normativos e procedimentos de natureza burocrático-administrativa.

Neste quadro, milhares de docentes preferiram solicitar a sua aposentação antecipada, com graves penalizações nas suas pensões, no que constituiu uma desnecessária sangria de quadros qualificados e experientes. Ou seja: ao abandono precoce das escolas por parte dos alunos, temos agora que acrescentar o abandono precoce da profissão por parte dos professores.

E isto tudo, num país que ainda precisa de muita escola e de mais e melhor qualificação dos seus cidadãos. Que desperdício inqualificável formar um docente para deixá-lo partir para uma aposentação precoce, numa etapa da sua carreira em que revelava mais controlo, segurança e maturidade….

Nesse mesmo período, o descontentamento trouxe à rua mais de cem mil professores no que foi considerada a maior manifestação da classe desde a alvorada da democracia, proliferaram os movimentos de docentes à margem das organizações sindicais tradicionais, e as redes sociais e os blogues de professores constituíram o elo de ligação de um grupo profissional que, apesar de tudo, recusou cruzar os braços e preferiu levantar a voz da indignação e envolver-se na defesa de uma escola pública onde seja gratificante ensinar e compensatório aprender.

Por essas e outras razões, o autor destas linhas entendeu, nesse conturbado período do ciclo de vida dos professores e das escolas, escrever estes artigos, para dar um contributo positivo no sentido de ajudar à melhoria do bem-estar pessoal e profissional dos docentes portugueses.

Os professores nem tanto precisavam que os amparassem. Os professores precisavam, isso sim, de uma voz que lhes dissesse: “nós compreendemos o vosso esforço, o vosso empenho, apesar de todos sabermos que nem tudo vai bem no reino da educação…”. Porém, essa voz, como se sabe, nunca veio da tutela…

Hoje, com um olhar mais distanciado, e apesar da adversa conjuntura, estamos em crer que se alguém quis quebrar a espinha dorsal aos docentes não o conseguiu. E, em boa verdade, também não houve uma quebra significativa da confiança que a sociedade deposita nos professores e na instituição escolar. Diríamos mesmo que a escola continua a ser a única organização pública onde as famílias entregam, diariamente, os seus filhos e partem tranquilas para o trabalho, sabendo que crianças e jovens ficam seguros e bem entregues.

Mas será que, após este claustrofóbico período, a tutela pode afirmar que temos mais escola e melhor educação?

Infelizmente a resposta é: não! Nos tempos que ainda correm, as escolas fecharam-se num clima organizacional sufocante, os alunos não melhoraram globalmente, de facto, os seus resultados escolares, os professores não aperfeiçoaram as suas competências profissionais e a escola não se transformou numa verdadeira comunidade educativa.

Ou seja: agora temos menos escola e menos escolas, temos menos educação e menos professores. Entretanto, nesta encruzilhada, o país ganhou a maior taxa de desemprego alguma vez vista na profissão docente, e um medíocre sistema de formação de professores, incapaz de atrair os candidatos mais capazes e mais competentes.

Mas porque a educação e os professores são semente e pão de todos os futuros, estamos em crer que, uma vez mais, os docentes portugueses irão sabiamente ultrapassar este difícil instante da sua longa história profissional, e recuperarão o valor e energia da sua profissionalidade, para bem do desenvolvimento social, cultural e económico do nosso país.

Por: João Ruivo
ruivo@rvj.pt

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Novos manuais e livros para alunos invisuais e disléxicos

Como lê uma criança cega ou com baixa visão? Através de audiolivros. Estes chegam também, e pela primeira vez, aos alunos com dislexia. O projecto, uma parceria do Ministério da Educação, da Fundação Vodafone Portugal e da Porto Editora, é apresentado esta quinta-feira em Lisboa.

O projecto DAISY 2012 – a sigla inglesa Digital Accessible Information System, um sistema digital de acesso à informação – é apresentado na secundária Maria Amália Vaz de Carvalho, Lisboa. O objectivo é oferecer a alunos e a professores um software de última geração, o EasyReader, para leitura de audiolivros digitais. 

O programa criado em 2005 e que até agora contemplava apenas alunos cegos e com baixa visão, estende-se agora aos estudantes com dislexia que passam a poder ler e ouvir em simultâneo, facilitando-lhes a compreensão do que lêem. O programa informático tem como objectivo facilitar a leitura e permite ao estudante controlar a velocidade de leitura, mas também escolher o tipo e o tamanho da letra, mudar a cor de fundo e utilizar atalhos no teclado. Por exemplo, um aluno com baixa visão pode aumentar o tamanho da letra até conseguir lê-la ou um disléxico pode mudar a cor do fundo do texto de maneira a facilitar-lhe a leitura.

Esta versão “reformulada e melhorada do EasyReader”, permite que os os estudantes tenham acesso a manuais escolares ou outros livros de leitura recomendada, usados por milhares de estudantes portugueses, explica Filomena Pereira, directora de serviços de educação especial da Direcção-Geral de Educação (DGE). 

Ao todo estão a ser produzidos cerca de quatro dezenas de manuais escolares e obras de leitura recomendada, que deverão chegar ainda este ano lectivo a largas centenas de alunos cegos ou com baixa visão e com dislexia, informa o gabinete de comunicação da Vodafone. Dos audiolivros produzidos destacam-se os manuais das disciplinas de História, Ciências Naturais, Tecnologias de Informação e Comunicação e obras de leitura recomendada, comoOs Lusíadas, Os Maias e Viagens na Minha Terra. 

Portanto, com o novo software os alunos com necessidades educativas especiais deixam de estar limitados à oferta disponibilizada pela DGE e passam a ter acesso a outro tipo de literatura portuguesa e estrangeira. O acesso “torna-se universal” congratula-se Filomena Pereira. 

Já os professores podem produzir conteúdos áudio para os seus alunos, através do uso deste programa. Para esta produção de conteúdos especializados, a DGE vai promover acções de formação. 

300 licenças gratuitas

A partir do dia de hoje vai estar aberto um concurso na página online da DGE, para que alunos e professores das várias escolas do país possam concorrer e adquirir este software. Para o efeito, serão disponibilizadas 300 licenças de forma gratuita. Filomena Pereira prevê “receber imensos pedidos do ensino secundário e 3.º ciclo” e espera conseguir “satisfazer todos os alunos cegos ou de baixa visão”. 

No caso de alunos com dislexia não faz antevisões, uma vez que o DAISY “é um projecto experimental em Portugal” e a “utilização do software tem de ser devidamente acompanhada”. Vão ser os professores a fazê-lo, com monitorização, acrescenta. 

Segundo Filomena Pereira, o “projecto é crucial no acesso à informação destes alunos”, pois tal como “qualquer pessoa, os invisuais e disléxicos têm direito à informação, a estar informados”. 

À parceria entre a DGE e a Fundação Vodafone junta-se a Porto Editora. O objectivo é garantir a sustentabilidade do projecto: a DGE supervisiona a adaptação dos manuais a produzir, a Porto Editora fornece os conteúdos digitais e a Vodafone financia integralmente a produção das respectivas matrizes e suporta o custo das licenças do software EasyReader. 

O projecto DAISY pretende “contribuir para o desenvolvimento da Sociedade de Informação, combater a infoexclusão, o insucesso escolar e difundir as novas tecnologias em Portugal”.

In: Público

Memórias de professores

Inês, Américo, Dora - três professores de níveis de ensino diferentes, muitos anos de experiência, algumas características em comum: tinham dificuldade em recordar rostos e nomes, mas as histórias de vida, as emoções, os sentimentos ficavam gravados bem fundo na memória e no coração. Histórias inseridas numa relação interpessoal construída ao longo de meses (anos), em que a aprendizagem das matérias de ensino era um dos objetivos e uma das facetas (fundamentais, sem dúvida, mas não os únicos), que implicava outras vertentes, entre as quais a construção de uma relação pedagógica produtiva, na qual os afetos não deixavam de estar presentes, perdurando, às vezes, pela vida fora. São algumas dessas histórias (verdadeiras, mas com nomes fictícios, quer para professores quer para alunos) que aqui ficam.

Inês:
Naquele dia especial, Inês foi convidada por Adelaide para irem à cidade. Adelaide já tinha aprendido a escrever o seu nome nas aulas e ia alterar o bilhete de identidade, que passaria a exibir a sua assinatura. Havia que festejar este acontecimento, antes de dar início à luta por um novo objetivo: aprender a ler e a escrever tudo. Na Conservatória do Registo Civil, Inês presenciou a alegria e a emoção de Adelaide e sentiu-se feliz e realizada.

Américo:
No autocarro, a jovem olhava insistentemente para Américo, que acabou por cumprimentar, explicando-lhe ter sido sua aluna vários anos antes. A cara, já diferente, não despertava memórias; o nome, Anabela, também não; Américo começava a sentir-se embaraçado. Anabela começou então a falar da turma, das atividades e projetos desenvolvidos, de histórias ocorridas com ela própria. A memória de Américo disparou. Continuando, ela perguntou:

"Lembra-se, professor, de quando houve o acidente na fábrica ao pé da escola? O incêndio, o medo de uma explosão, a evacuação apressada, os alunos assustados a chorar? Lembra-se de como nos fez sentir que tudo aquilo era um exagero, contando que o seu filho estava numa casa perto da fábrica e se o perigo fosse assim tão grande já teria ido buscá-lo em vez de estar a cuidar de nós?"

Américo surpreendeu-se. Como é que aquela jovem, já adulta, acreditava ainda naquela história que, com tanto custo (a preocupação com o filho, realmente numa casa perto da fábrica, era grande), tinha contado para acalmar os alunos e garantir que todos tinham familiares com quem ir ter após a evacuação? Sorrindo, comentou com Anabela: "Continuou a acreditar nessa história até aos dias de hoje? Afinal até sou bom ator!". Sentiu-se realizado. O seu esforço nesse dia tinha sido bem sucedido e, pelos vistos, tinha sido marcante para as crianças.

Dora:
No quiosque, Dora foi atendida por um funcionário sorridente, com um amável: "O que deseja, professora?". A cara deixava adivinhar traços de um aluno que há vários anos não via e foi a conversa que se seguiu que lhe recordou Artur, o jovem rebelde, que gostava de dar uns "tiros" às aulas, revoltado, com comportamentos nem sempre muito adequados. As suas patifarias, os atendimentos à sua mãe, as conversas com o aluno, os contratos de comportamento que com ele tinha feito, tudo foi surgindo em catadupa. A verdade é que esse ano letivo chegou ao fim com a passagem de Artur para o ensino secundário.

Dessa revolta, não havia quaisquer traços no rosto bonito. Havia agora um jovem sensato e determinado, que repartia os seus dias entre o trabalho na loja e as aulas da universidade, custeadas por si. Dora sentiu-se feliz e orgulhosa. Tinha valido a pena apertar com ele naquele ano.

Dir-me-ão que este artigo é um pouco (ou muito) "piegas". Talvez o seja. Com ele, no entanto, pretendo mostrar uma faceta do ofício de professor: o relacionamento interpessoal, a preocupação com a formação global do aluno como um ser íntegro e feliz e uma vida feita de histórias significativas, umas vezes muito difíceis, outras vezes muito felizes. De todas as histórias sobressai um elemento comum: o afeto e a empatia como ingredientes fundamentais para o desenvolvimento de uma relação pedagógica saudável e de motivação para a aprendizagem por parte dos alunos. E se estas histórias e estes alunos ficaram na memória dos professores, provavelmente muitos professores ficam também na memória dos seus alunos e continuam a ser, para eles, referências positivas ao longo da vida.

In: Educare

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Dia Mundial da Erradicação da Pobreza e da Exclusão Social

Hoje é o Dia Mundial da Erradicação da Pobreza e da Exclusão Social, data que me faz reflectir sobre o actual estado da nosso sociedade.

Vivemos momentos complicados e assistimos diariamente a um aumento do desemprego, da pobreza e da exclusão social.

Disse-o na reflexão anterior que as políticas educativas no nosso País não valorizam as pessoas, apenas olham para os números...Mas este fenómeno não é exclusivo do Ministério de Educação, é problema deste Governo!!! Esta atitude leva a cada vez mais austeridade do povo, mas sempre com a exceção de quem nos (DES)governa.

Na minha opinião a exclusão social são os problemas que conduzem ao afastamento de uma ou mais pessoas de determinada comunidade ou grupo onde está inserida. Ora com o aumento do desemprego verificamos cada vez mais pessoas a isolarem-se da sua comunidade, assistimos diariamente a um aumento desgovernado da pobreza.

Falar de exclusão social é também falarmos do direito à educação. Sim, porque não se trata apenas de ser rico ou pobre. A exclusão social pode assumir outras formas, tais como a discriminação contra as pessoas de outras nacionalidades, contra crianças em idade escolar, contra as pessoas com deficiência, entre outros.

Este post serve para relembrar que chegou a hora da mudança. É hora de dizer basta, de fazer um grito de mudança e de se mudarem atitudes e mentalidades!!! 

Não sonho em mudar tudo num momento, mas comecemos por deixar as atitudes discriminatórias que permanecem na nossa sociedade de fora. E passemos a valorizar a diferença e a multiculturalidade!

Cada um de nós tem uma palavra, um gesto para mudar...por isso que a verdadeira Inclusão comece já!!!

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Interrogações

Dizem os estudos que, à entrada no Básico, metade das crianças já não fazem perguntas. No final do Básico, a cifra cai para menos de dez por cento. No Ensino Secundário, são raros os jovens que interrogam. E, nas universidades, quantos alunos fazem perguntas?

Fui professor primário. Quando entrava na sala, dizia: Bom dia, meus amigos! 

Respondiam: Bom dia, professor! 

Quando trabalhei na Universidade, entrava na sala, fazendo idêntica saudação: Bom dia, meus amigos! 

Em silêncio, os jovens universitários escreviam nos seus cadernos: "Bom dia, meus amigos"...

Quem os havia posto assim? Quantos professores se interrogam sobre as origens deste drama? 

Dizia João Guimarães Rosa que vivendo, se aprende; mas o que se aprende mais, é só a fazer outras maiores perguntas. E um texto do Rubem falava de perguntas das crianças da Ponte. A lista é longa, de mais de trinta anos: Professor, como posso tirar carrapatos do meu cachorro, sem o machucar? Porque é que o meu vizinho está velhinho e passa fome? E porque é que nós existimos?... Um sem fim de interrogações. Porque podem interrogar:

Professor, porque foi que os americanos invadiram o Iraque? 

Porque me perguntas isso? - respondi. E lá fomos à descoberta do berço das civilizações, dos povos que habitaram entre o Tigre e o Eufrates, da cultura de Sumérios e abilónicos, reconhecendo a nossa cultura no estudo de outras culturas.

Professor, é verdade que as árvores respiram pelas folhas?

Porque me perguntas isso? - respondi. E o Miguel acrescentou: 

Estive a estudar a árvore que dá folhas para o bicho-da-seda. E a observar a caixinha dos bichinhos. Quando eles saíram dos ovinhos, a amoreira deitou as primeiras folhas. Quando os bichinhos morreram, a árvore deixou cair as folhas, ficou despidinha. Então, se é verdade que as árvores respiram pelas folhas, diz-me, professor, por onde respira a amoreira no tempo em que não tem folhas?

A interrogação do Miguel foi pretexto para um ato de mediação. Conduzi-o à descoberta da Rota da Seda, ao estudo da China, dos tipos de folha, até à descoberta (partilhada por ambos) do modo como as árvores respiram, quando não têm folhas.

Professor, o cristal de quartzo, que está na bateria do meu relógio, é um ser vivo ou é um ser não-vivo?

Quando respondi à pergunta com outra pergunta - Porque me perguntas isso? - a criança disse-me que tinha lido numa cartilha: "ser vivo é aquele que nasce, cresce, se reproduz e morre". Argumentou: O quartzo nasceu quando a Terra nasceu. Não é? Quando visitei o museu, eu vi cristais pequeninos a nascer de um cristal mais crescido. E, quando a pilha do meu relógio acabar, é porque o cristal morreu... Então, professor, o quartzo é um ser vivo ou não-vivo?

E eu, que nunca tinha pensado nisso, por ter andado em escolas onde não era permitido perguntar, aprendi que o conceito de ser vivo, aquele que me tinham "ensinado", estava errado. Aliás, aprendi mais com as perguntas dos meus alunos do que em muitos anos de aluno. Quase tudo o que fui forçado a acumular cognitivamente carecia de significado e foi esquecido. Os hectómetros quadrados e os dígrafos não me fizeram mais sábio nem mais feliz. E, se é comum dizer-se que só se escolhe ser professor por amor ou por vingança, eu quase reconheço ter sido professor por vingança - não quis que as crianças futuras fossem privadas do direito de questionar.

Por: José Pacheco

In: Educare

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Ainda O Desrespeito Do Estado Pelos Alunos Com NEE

Face ao interesse que pode ter para muitos professores de educação especial e pais e encarregados de educação, partilho um texto retirado do blog "Educação do Meu Umbigo" sobre uma situação concreta vivida num jardim de infância de um agrupamento relativo à falta de assistentes operacionais para acompanhamento de alunos com necessidades educativas especiais.

Exmºs Senhores,

Junto envio duas cartas trocadas com o senhor diretor do Agrupamento de Escolas da Damaia, senhor professor António Gamboa.
É urgente que esta situação seja alterada e os direitos das crianças com necessidades especiais respeitados.

Basta!

Somos uma família com três filhos, o Afonso, que tem cinco anos, é portador de paralisia cerebral que o afeta gravemente a nível motor, todos os anos passamos por esta situação, a de ver os direitos do Afonso serem violados, provocando graves alterações no seio familiar e uma enorme instabilidade emocional.

As terapias do Afonso são pagas, os produtos de apoio adquiridos por nós, os únicos beneficios que temos do Estado, dos muitos que o Afonso, supostamente, tem direito são: o lugar e o dístico de estacionamento, subsidio de apoio de 3ª pessoas e bonificação por deficiência num total de 147,85€ mensais.

Apenas pedimos que o Decreto-Lei 3/2008 seja cumprido e o Afonso (e as restantes crianças com NEE) tenha direito a uma Assistente Operacional (AO) que o acompanhe em permanência para que ele possa estar incluído, uma vez que é uma criança que cognitivamente está muito bem, percebe tudo e fica imensamente triste e infeliz, porque não tem as mesmas oportunidades que as outras crianças.

Melhores cumprimentos,

Aldina Maria Oliveira Mota
C.C. 8428522


Via: Incluso

sábado, 13 de outubro de 2012

Reflexão

Durante algum tempo andei distante da escrita e partilha das minha reflexões neste espaço. Algum desânimo, muitas hipocrisias e várias lutas fizeram-me distanciar das reflexões escritas, mas não da luta diária pelos valores de uma Escola Inclusiva.

Sim é verdade que vivemos um período conturbado e que as políticas educativas esquecem-se das pessoas e apenas olham a números, mas quem está no terreno tem o dever de dar valor às pessoas. 

Muitas são as críticas, muitos as lamentações, mas para mim, neste momento, apenas me interessa continuar a lutar por um ideal em que acredito.

O trabalho do dia-a-dia com as crianças, com as suas famílias e com os meus colegas leva-me a acreditar que é possível criar Escolas que defendam a Equidade e a Diversidade, mas também acredito que é realizável tornar a Sociedade em que vivemos verdadeiramente Inclusiva. 

Vivemos rodeados de muitos cépticos que não acreditam nos ideais! São muitos os que me dizem que isso é uma utopia, que não passa de um sonho. Outros afirmam convictamente que nada disto é possível. Existem até pessoas que dizem que "sem recursos não é possível fazer a Inclusão".

Pois bem, em minha opinião, os recursos são realmente importantes, mas os valores de uma Escola realmente Inclusiva estão nas pessoas! É fundamental estabelecer as "pontes" entre todos os intervenientes através do diálogo, do respeito e da compreensão pois só dessa forma se conseguem construir alicerces sólidos.

Acabo esta reflexão fazendo referência a uma metáfora com que o psicomotricista Luís Fernandes terminou a sua intervenção num Encontro, dizendo que é preciso lançarmos mais pedras ao charco para podermos espalhar os valores de uma Escola Inclusiva.


quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Disléxicos também têm sonhos!

Recentemente, um docente afirmava achar estranho a avalanche de relatórios que atestam dislexia e questionava-me se também eu não achava um exagero haver tantas crianças com dislexia.

"Tenho uma filha disléxica de 10 anos. É uma menina disciplinada e responsável, sempre teve notas razoáveis ou boas. Quando mudou para o 5.º ano começou a luta, porque avisei a diretora de turma que a menina deveria ser sinalizada com dislexia. Resposta: vamos esperar pelos resultados do 1.º período. Resultado: a menina teve 3 a Matemática e 4 a todas as outras disciplinas (sem nos esquecermos que para isso ela está no colégio das 8:30 às 17:30 e depois segue para o acompanhamento particular duas vezes por semana até as 19:00 e a seguir vai para casa fazer os deveres e estudar muitas vezes até as 22:00 só com um intervalo para jantar), mas fui informada que uma criança com estas notas não pode ser sinalizada. Será justo uma criança que se esforça e cujo sonho é estar no quadro de excelência e que nunca alcançará não por falta de esforço, mas sim por uma lei pouco justa, pois se ela não se esforçasse e tivesse notas baixas então já teria direito a sinalização!? Trabalha muito e não tem qualquer recompensa."

Só podemos analisar a reflexão aqui apresentada enquadrando-a no contexto escolar atual. Pelo facto de à escola chegarem com muita frequência relatórios com diagnóstico de dislexia, estes são olhados já com alguma desconfiança. Recentemente, um docente afirmava achar estranho a avalanche de relatórios que atestam dislexia e questionava-me se também eu não achava um exagero haver tantas crianças com dislexia. Quanto a isto, parece-me que, tal como afirma Octávio Moura, especialista na área: "Infelizmente existem alguns falsos positivos no diagnóstico da dislexia, não só porque em determinados locais tudo é dislexia e as crianças saem sempre de lá com esse diagnóstico, mas também porque alguns técnicos encontram-se mal preparados para efetuarem o diagnóstico desta perturbação da aprendizagem que é complexa, que implica uma avaliação específica em diversas funções neurocognitivas (existem evidências científicas e um amplo consenso internacional sobre as áreas deficitárias na dislexia e as funções a serem avaliadas) e a necessidade de uma avaliação diferencial cuidada." Os falsos diagnósticos acabam por ter repercussões muito negativas, porque os pais "agarram-se" a eles e têm muita dificuldade em aceitar que o que motiva as dificuldades dos filhos não se trata realmente de uma dislexia, mas de um problema de outra ordem, que exige um outro tipo de intervenção. Gostaria de voltar a sublinhar que esta descrição é referente a um contexto global, que não pode ser menosprezado, dado que é no seu seio que os relatórios chegam e são analisados.

Quanto à sinalização, parece-me que esta mãe se refere à necessidade de que a sua filha seja referenciada para a educação especial. Referenciação esta que, segundo ela, é travada pelos razoáveis ou bons resultados escolares obtidos. O que é referido como objetivo do Decreto-Lei n.º3/2008, que regulamenta o acesso è educação especial, é que este visa "a criação de condições para a adequação do processo educativo às necessidades educativas especiais dos alunos com limitações significativas ao nível da atividade e da participação num ou vários domínios de vida, decorrentes de alterações funcionais e estruturais, de carácter permanente, resultando em dificuldades continuadas ao nível da comunicação, da aprendizagem, da mobilidade, da autonomia, do relacionamento interpessoal e da participação social". Mesmo que esta menina fosse sinalizada/referenciada para educação especial, o que se verificaria ao elaborar o relatório técnico-pedagógico (relatório onde constam os resultados decorrentes da avaliação, obtidos por referência à Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, da Organização Mundial de Saúde) é que esta não apresentaria provavelmente alterações significativas ao nível da atividade e participação, decorrentes de alterações graves das funções do corpo, e, por isso, não integraria o regime educativo especial, dado que à luz da legislação atual não reuniria condições para tal.

Dado que ainda temos "pano para mangas", a reflexão continuará num próximo artigo.

Por: Adriana Campos

In: Educare