terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

“A melhor idade”

Sempre as mesmas inúteis discussões. Sempre as mesmas abstrações. Quando se refere a palavra "aluno", de que aluno (em concreto) estaremos a falar? Do João? Da Maria? De nenhum... A melhor idade é a idade de cada qual.

Pensei que estivessem usando a expressão para (cruelmente) designar aquilo que, até há bem pouco tempo, designava, em linguagem pura e dura, a "terceira idade". Enganei-me. Em qualquer debate, a pergunta insistente passou a ser: "Qual a melhor idade para aprender a ler? Os 6, ou os 7 anos?"

Talvez ainda sejam organizados congressos para se encontrar resposta para uma pergunta que aporta um pressuposto - o de que todos deverão fazer o mesmo, aprender o mesmo, no mesmo momento: "Qual é a melhor idade para aprender a ler?" Perguntas sem sentido, pois conheço crianças de 4 anos aptas para a alfabetização e jovens de 10 anos sem condições para aprender a ler.

Sempre as mesmas inúteis discussões. Sempre as mesmas abstrações. Quando se refere a palavra "aluno", de que aluno (em concreto) estaremos a falar? Do João? Da Maria? De nenhum... A melhor idade é a idade de cada qual.

O processo de letramento é um processo de inclusão. Aprender a ler é desejo e esforço. A linguagem é produção social. E não pode ser ensinada como se todos fossem um só. A linguagem é aprendida socialmente, nas interações verbais, como nos avisam Baktin e Freire. Ao ensinar a ler como se todos fossem um só, a escola não promove o uso da leitura e da escrita como meio de comunicar e de assumir a cidadania.

Quando uma professora quis ensinar a letra fê, recorreu a uma daquelas frases de antologia, que só traduzem desprezo pela inteligência e criatividade da infância. Leu para toda a turma, ao mesmo tempo, do mesmo modo: "A mãe afia a faca."

"A Fia sou eu! - exclamou uma aluna.

"Não é nada disso, Jéssica! Eu disse afia! Afia é como... amola. Percebeste?"

"A mola?" - perguntou a aluna, com cara de nada entender.

"Sim. Amola! Já vi que compreendeste!" - concluiu a mestra.

Por este fonético equívoco e por outros é que alguém já disse que a linguagem é font_tage de mal-entendidos. Quando visitava uma escola, perguntei a um pequenito: "Estás a ler essa revista?"

"Não. Eu estou só vendo e cortando. Não estou lendo!"

Sábio moço! Tinha consciência de que cortar de uma revista palavras "que tivessem o ca e o co", como mandara fazer a professora, não era o mesmo que ler. Nunca lera Boff, mas sabia que cada leitor e cada escritor é coautor, que cada leitor lê e relê com os olhos que tem, porque compreende e interpreta a partir do mundo que habita.

O que está nos Planos Curriculares não logrou entrar na maioria das salas de aula. Uma pesquisa recente diz-nos que metade dos professores nem sequer leu o que lá está escrito. Talvez por isso, se deixem influenciar por quem quer rever um documento que nunca passou à prática. Talvez por isso, se deixem envolver em debates estéreis como os que visam definir "qual é a melhor idade para começar o fundamental".

Talvez por isso, os cursos remediativos de alfabetização de adultos cresçam exponencialmente. Já adultos, os alunos sabem porque querem aprender a ler: "Eu vim aprender a ler, para poder ler os bilhetes que estão nos bolsos do casaco do meu marido". Mas também os mais pequenos nos podem dar lições de pedagogia. Como a Luciana: "Ler é saber em silêncio."

Apesar das evidências, sei que os professores não são desistentes: "Os nossos alunos, na sua grande maioria, repudiam a escola, querem fugir dela. A nossa escola sufoca, não desenvolve a cidadania, mas nós acreditamos numa outra escola, e vamos lutar para que ela exista."

Por: José Pacheco

In: Educare

1 comentário:

  1. Muito obrigada, foi muito gratificante ler e compreender este artigo, tenho um filho c/ NE e um bem haja para pessoas que são assim, pensam assim e agem assim.
    Gostei muito.

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