O problema de ligação das empresas com a investigação não se resolve com menos ciência, mas sim com mais ciência.
Vários têm sido, no Governo, os candidatos ao título de campeão da asneira. Rui Machete tem-se esforçado, mas, não querendo ficar atrás dessa figura maior do PSD, um político do CDS, António Pires de Lima, ministro da Economia (dividindo a pasta com Paulo Portas), resolveu entrar na competição quando defendeu há meses a introdução nas escolas básicas e secundárias de uma disciplina obrigatória de Empreendedorismo. A ideia não é só dele: é parte da “Estratégia de Fomento Industrial” aprovada em Conselho de Ministros. A escola, pela voz do ministro da Economia e com a aprovação de todo o Governo, tem de estar ao serviço dos negócios.
Ora isto é um disparate. A escola tem de formar para a vida, transmitindo conhecimentos, moldando atitudes e inculcando valores. E a vida está muito longe de se restringir à gestão de empresas. Pires de Lima, no seu mundo Superbock, acha que a escola tem de formar muitos meninos e meninas para alimentar os quadros empresariais. Olha para uma criança do 1.º ciclo e vê nela um gestor em potência. Não lhe interessa se ela vai dominar o Português, a Matemática ou a Física, para as quais as actuais horas lectivas parecem não chegar: tem é de dominar o Empreendedorismo. Não sabemos que disciplina irá ele extinguir para acrescentar a nova. E falta-nos saber que parte do orçamento do seu ministério irá servir para pagar aos professores de Empreendedorismo, quiçá empresários falidos que ambicionam um emprego escolar. Ou saber se vai apelar aos empresários bem-sucedidos para investirem na contratação de docentes para as nossas escolas.
Não contente com esse disparate, o ministro acrescentou outro há dias. Afirmou que não se pode “alimentar um modelo que permita à investigação e à ciência viverem no conforto de estar longe das empresas e da vida real”. E acrescentou: “Uma boa parte da investigação é financiada por dinheiros públicos e não chega à economia real. Não chega a transformar o conhecimento em resultados concretos que depois beneficiem a sociedade como um todo.” Ficámos a saber que não é só a Educação que tem de se orientar para as empresas, também a Ciência tem de o fazer. Percebemos agora a razão dos cortes na ciência, com a redução drástica do número de bolsas: os investigadores não estão virados para o mundo das empresas. Estão a estudar linguística, topologia ou óptica quântica, em vez de se virarem para o fomento da indústria cervejeira. O ministro Pires de Lima vê um doutorando e acha um desperdício ele não estar a desenvolver estudos na área do engarrafamento. Ficamos expectantes quanto às verbas que o Ministério da Economia vai proporcionar à ciência aplicada ou os benefícios fiscais que vai conceder aos empresários que contratem cientistas utilitários.
O ministro da Economia pouco sabe de Educação e de Ciência. E, absorto como tem andado nos seus negócios (tanto das empresas como da política, os dois entre nós muito bem misturados), também sabe pouco da vida real. Se soubesse, saberia, por exemplo, o que recordou há semanas no Porto, numa Conferência sobre Ciência e Economia, o físico espanhol Pedro Echenique. Em 1995, quando se discutia nos Estados Unidos uma diminuição do financiamento público à investigação científica, os CEO de 15 das principais empresas de base científico-tecnológica, como a IBM e a General Electric, subscreveram uma carta aberta pedindo o reforço da ciência fundamental. Queriam que o Congresso continuasse o apoio "a um vibrante programa de investigação universitária com visão de futuro".
Acontece que o futuro costuma chegar pela mão de cientistas inovadores, em geral muito longe da “economia real”. Não faltam exemplos. O laser foi inventado há mais de 50 anos, numa equipa de ciência fundamental (ora cá está: a óptica quântica!) que trabalhava nos Bell Labs. Na altura foi chamado uma invenção à procura de aplicações. Hoje é o que se sabe: está por todo o lado, nos cabos ópticos, nos CD, nas cirurgias, no corte de materiais, nas luzes das discotecas e até nas caixas de supermercados, por onde passam os códigos de barras das cervejas. Com a orientação de Pires de Lima jamais teria havido lasers.
Existe, de facto, em Portugal um problema de ligação das empresas com a investigação. Mas ele não se resolve com a diminuição da investigação fundamental. Não se resolve com menos ciência, mas sim com mais ciência. Precisamos, em particular, que os gestores percebam o valor da ciência, tal como os seus congéneres norte-americanos, e invistam nela, apoiando os programas públicos de ensino avançado e pesquisa, e contratando, com o seu próprio dinheiro, doutores e pós-doutores. Não precisamos de economias na ciência, mas sim de pessoas na economia que apostem na ciência.
Tudo isto é sabido pelo ministro Nuno Crato. Ele não poderá explicar ao seu colega?
Por: Carlos Fiolhais
Professor universitário, tcarlos@uc.pt
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