sexta-feira, 31 de maio de 2013

Que escola para o futuro?

Há uma cruzada europeia contra os professores. Melhor, contra o horário de trabalho que eles asseguram. Agora já não importa saber o que a escola ensina ou se ensina. Importa apenas, a estes demagogos, o estudo comparado das horas e dos horários de trabalho.

O império economicista cresce, numa espécie de ilusionismo de quantidades, comparáveis e fáceis de quebrar a coesão social. Agora já não importa saber o que a escola ensina ou se ensina. Importa apenas, a estes demagogos, o estudo comparado das horas e dos horários de trabalho.

Há uma ideia sinistra por detrás de todo esse argumentário idiota. Todos nós deveríamos assegurar o mesmo número de horas, assim se aplacando a fúria dos que só alcançam, por essa via, a paz provisória.

A Europa enlouqueceu de vez, apesar da crença no contrário! 

Deixem-nos ao menos argumentar com o horário dos ideólogos da cruzada, ou melhor, com a inutilidade em que se transformam as horas que apregoam dedicar à causa pública. São ministros de manhã, secretários ou membros do partido da parte da tarde e porta-vozes de pouca ou coisa nenhuma à noite, viajando entre todos os cargos ou deveres, como se fosse coisa nenhuma, tamanha é a ineficácia dos resultados. 

Enchem, pelo menos, os noticiários e alimentam as intrigas palacianas para deleite de alguma opinião pública.

É essa inutilidade que os expõe que motiva a vingança de querer mostrar que os professores nada fazem, porque nada produzem. Eles próprios, vendo bem, embora não o assumam ou digam, são já o produto dessa " nova escola". Uma escola que os dispensou na exigência e no esforço, projetando-os para destaques que nunca mereceram. É essa escola, domesticada e simplória, desprovida de crítica e de crivo que querem inaugurar com mais quantidade.

Pobres inúteis que desprezam a escola do pensamento e do rasgo. Pobres inúteis que parecem inventar uma contabilidade impossível de observar.

Os verdadeiros professores não precisam de alargar horários. Eles fazem da escola a sua vida. Os verdadeiros professores não discutem o tempo que dão à escola, porque lho dão todo. Os professores verdadeiros, nessa medida, têm isenção de horário. A estes, aos verdadeiros professores, se lho quiserem alargar, será para, num dia de manhã, venderem uma qualquer matéria, destilada de forma mecânica e sem alma, repetida numa tarde qualquer, à procura de uma visibilidade que os equipare a qualquer contabilista ou político de corredor. Nessa altura, se esse tempo vier, então a escola será uma mera praça de sombras, coberta pelos silêncios amargos da vergonha.

Se esse tempo chegar só nos resta resistir. Em nome da escola e da decência.

Por: Acúrcio Domingos

In: Educare

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Conferência do Prof. Doutor Seamus Hegarty: "Educação Inclusiva - Uma Perspetiva Internacional”

A Pró-Inclusão - ANDEE em parceria com o Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, realizou no dia 18 de maio, a conferência intitulada"Educação Inclusiva - Uma Perspetiva Internacional” dinamizada pelo Professor Seamus Hegarty (Reino Unido). Uma iniciativa que contou com um auditório bem “ornamentado” pelas cerca de 120 pessoas.

O preletor iniciou com a sua exposição com uma provocação: a Inclusão é algo complicado, mas simultaneamente simples. Parece existir um consenso acerca do conceito de educação de qualidade. A investigação já mostrou o que é uma educação de qualidade; porém, porque é que não se faz mais para incluir efetivamente Todos! As mudanças no mundo têm sido extremamente rápidas, mas as mudanças na Educação são pouco evidentes, porquê? A Educação não tem mudado, de forma significativa e as políticas que devem ser impulsionadoras de mudança têm sido favoráveis a essa mudança? Ou, por vezes revelam-se como entraves? 

Em Inglaterra nos anos 70 surge o conceito de NEE, que vem ser reforçado pelo Warnock Report. Tornou-se óbvio que as escolas deveriam/poderiam dar uma boa resposta às crianças com NEE. A questão não é como se deve fazer na atualidade, a questão é como fazer? Em Inglaterra as políticas dos anos 80 centraram-se na melhoria da escola – é então criado um currículo nacional, rankings e a inspeção escolar. Estas políticas funcionaram bem com as crianças da classe média e média alta, mas para as crianças de classes baixas o insucesso aumentou levando as escolas a “filtrar” as entradas baseadas no sucesso escolar, promovendo a exclusão dos alunos baseada na seleção dos melhores. A Inspeção não estava preparada para este novo modelo de Escola. 

Passando para a realidade dos EUA o orador referiu que a educação é da responsabilidade do Estado mas é possível observarmos uma grande diversidade entre os vários Estados. Podemos observar que em determinados estados têm níveis semelhantes à Coreia e Japão. No entanto existem Estados que têm desempenhos inferiores aos de Portugal. 

A legislação “No Child Left Behind” (nenhuma criança deve ser deixada para trás) foi um marco importante e consiste em assegurar que todas as crianças recebem uma educação de qualidade; no entanto, esta situação teve um dano colateral por ser uma lei muito fechada. Foram surgindo várias tensões entre as Escolas e as Famílias, tendo mesmo havido inúmeros processos em tribunais com o consequente dispêndio financeiro e ruptura entre estas duas instituições. 

O orador falou das tensões que se verificam na atualidade: 
  • As políticas servem para diminuir o fosso entre resultados dos alunos, ou pelo contrário estão a aumentar esse fosso? 
  • A educação é cara e a educação especial é ainda mais cara, com tantos cortes como continuar a fazer bem com menos dinheiro? 
  • Qual o limite da responsabilidade local e qual a abrangência da responsabilidade central? 
  • Os alunos com NEE devem ser educados na Escola Pública ou em Instituições de Educação Especial? 
  • A avaliação deve continuar a direcionar-se para a área académica ou ser direcionada para uma vertente mais ampla para incluir as crianças com NEE? 
  • Porque insistir num sistema de avaliação que se tem revelado “produtor” de insucessos? 

Sobre a formação de professores, Seamus Hegarty refere que há bons profissionais que desenvolvem um excelente trabalho mas questiona, tal como em todas as áreas do trabalho, se todos os professores têm competências para trabalhar com as crianças com NEE? É importante termos bons recursos nas escolas, para se criarem bons ambientes, ambientes inclusivos e que promovam a relação escola/ família. 

A formação de professores nos EUA tem-se centrado na formação contínua, em permanência dado que trabalhar com estes alunos revela-se um desafio constante. 

Esta é uma área de investimento muito valorizada – a formação tem incidido no desenvolvimento da capacidade do professor em motivar o aluno para a aprendizagem. 

O preletor referiu ainda, os fatores que segundo a sua perspetiva influenciam as políticas: 
  • Os meios de comunicação; 
  • O lobbying, ou seja como podemos influenciar a legislação para defender os nossos interesses; 
  • A tradição, que se traduz, nos EUA na organização do calendário escolar de acordo com costumes que, atualmente já não existem; 
  • Os recursos, que cada vez escasseiam mais; 
O processo de decisão política é muito complexo e tem múltiplas variáveis e que muitas vezes as ideias que parecem ser boas podem ter como consequência maus resultados. 

Respondendo a uma questão sobre o que faria se tivesse todo o poder para alterar os rumos da educação, Seamus Hegarty respondeu: “professores, professores, professores! Em todos os sistemas do mundo existe demasiada proteção dos professores. Deveríamos ser mais afirmativos em relação a isso.

Há professores que se mantêm no sistema sem terem qualidade no seu desempenho e esta situação pode gerar situações de destruição de uma vida de uma criança e em última análise do sistema de ensino e continuou afirmando que é fundamental fundamentarmos a nossa prática em investigação e valorizar da mesma forma os pequenos avanços dos alunos NEE como valorizamos os grandes avanços dos alunos sem dificuldades”.

Conclusões de Ana Rosa Trindade e Nelson Santos

In: newsletter da segunda quinzena de maio, da Pró-Inclusão: Associação Nacional de Docentes de Educação Especial

terça-feira, 28 de maio de 2013

Discurso de António Sampaio da Nóvoa no congresso da Fenprof

Espero que ouçam e consigam refletir...

Palestra fantástica de uma das vozes mais lúcidas a falar de Educação...


In: Público


Para refletir...

"Que a escola pública é um espaço para todos os alunos, no sentido de que todos a ela acedem e nela permanecem, constitui uma evidência. Temo, porém, que tão evidente como isso seja também a conclusão de que, estando to-dos na escola, a escola não seja realmente para to-dos, transformando-se, ela própria, para vários dos alunos, também em fator de reforço da exclusão."

Excerto da entrevista a Laborinho Lúcio

In: Revista Educação Inclusiva - Vol. 4 . n.º 1 - maio 2013

segunda-feira, 27 de maio de 2013

PROFESSORES PRODUTIVOS MAIS BEM PAGOS

Em entrevista ao Público, o Professor Erik Hanushek, economista da educação retoma a tese que já em 2011 apresentou em Lisboa, a defesa a qualidade do trabalho do professor como chave o sucesso da educação. Na sua perspectiva, o professor de qualidade, que Hanushek expressa dificuldade em definir objectivamente, não só é capaz de contrariar as desigualdades sociais dos alunos, como gerir eficazmente turmas grandes embora a investigação sugira que o efectivo de turma seja uma importante variável contributiva para sucesso educativo. 

Hanushek defende também que os professores deveriam ser avaliados, responsabilizados e pagos diferenciadamente em função dos resultados dos seus alunos e minimiza o impacto dos factores culturais quando se analisam, por exemplo, os efectivos de turma em alguns países, o eterno exemplo dos países asiáticos, que obtêm bons resultados genéricos.

Como é evidente, melhores professores, obtêm melhores resultados na generalidade das circunstâncias mas é necessário outro tipo de olhar. Nesse sentido, algumas breves notas.
Hanushek, economista, da educação, centra a sua análise em resultados e, do meu ponto de vista, desvaloriza ou esquece, dados de natureza processual ou contextual de que as mais recentes investigações em qualidade na educação sublinham a importância.

A título de exemplo e centrando-nos numa realidade que todos conhecemos, a portuguesa, é evidente que um professor de qualidade ou eficiente, seja lá isso o que for, lidará mais tranquila e eficazmente com uma turma de 28 alunos ou mais numa escola que sirva uma população qualificada do ponto de vista escolar, uma das varáveis mais associada ao desempenho dos alunos, do que uma turma com igual número mas constituída por alunos oriundos de famílias com menos qualificação académica, em contextos sociais desfavorecidos, com problemas sociais graves, realidade que, aliás, se espelha nos resultados escolares das escolas que servem de base aos rankings. Eu sei que mesmo em contextos menos favoráveis os bons professores conseguem que os seus alunos obtenham melhores resultados do que os "maus" professores, mas é evidente que devem ser obrigatoriamente consideradas variáveis culturais e de contexto na discussão sobre o efectivo de turma, a definição do critério resultados dos alunos como base da avaliação dos professores ou da definição do seu salário. Quase que seria dispensável referir a diferença entre trabalhar com trinta alunos num estabelecimento privado de acesso condicionado ou o mesmo número de alunos num mega agrupamento de uma escola pública em que um professor lida com várias turmas, centenas de alunos e se desloca entre escolas para trabalhar. Hanushek esquece ou desconhece, que a educação é mais do que economia, os estudos de "input-output" são curtos, importa considerar variáveis de processo e de contexto.

Um outro dado interessante de discutir quando consideramos os resultados escolares dos alunos como base para a avaliação e salário dos professores, será o trabalho educativo com crianças ou jovens com necessidades especiais. Nessa perspectiva, teríamos mais um bom motivo para os retirar das escolas, comprometem o rendimento dos professores pois os seus resultados escolares podem ressentir-se dos seus problemas, a mesma razão porque algumas alunos com falta de rendimento académico são "convidados" a sair de alguns estabelecimentos para não comprometer a sua imagem e ranking. Outra realidade que Hanushek esquece ou desconhece.

Finalmente, sublinho um ponto essencial em que concordo em absoluto com Hanushek, o professor é o factor chave do sucesso na educação. Por esta razão me refiro frequentemente à forma preocupante como a classe docente é tratada pelo MEC através de várias das dimensões da PEC - Política Educativa em Curso, por alguns "opinion makers" e também pelos próprios discursos de alguns dos seus "representantes", que me parece ser um péssimo contributo para a qualidade na educação.

Uma última nota. Hanushek vem participar na conferência “Educação, Ciência, Competitividade”, organizada pelo MEC a que, lamentavelmente, por compromissos inadiáveis não posso assistir. A sua intervenção terá como tema “Políticas Educativas para a Qualidade e para o Crescimento Económico”. Antecipo que a sua intervenção virá legitimar, intencionalmente ou não, alguns dos aspectos da PEC, por exemplo, o aumento do número de alunos por turma.
Não é grave, é a política, estúpido.

Texto de Zé Morgado

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Revista Diversidades, Número 38 - Bullying

Partilho hoje com todos vocês a revista Diversidades n.º 38. Este número é chamado Bullying.


A actividade motora em alunos com necessidades educativas especiais em debate

Conferência no próximo sábado aborda práticas

As Irmãs Hospitaleiras promovem no sábado de uma conferência sobre Práticas e Contextos no Ensino Especial, subordinada ao tema 'A Actividade Motora em Alunos com Necessidades Educativas Especiais', às 10h30, no Centro de Reabilitação Psicopedagógica da Sagrada Família. Os trabalhos começam com a intervenção de Graça Faria, com a comunicação 'Contextos de Intervenção em Psicomotricidade'. Segue-se Francisco Drumond, com 'A Educação Física e o Desporto em Alunos com Necessidades Educativas Especiais. A moderação está a cargo de Maria José Camacho.

Um debate antecede o fim do evento, aberto ao público em geral e especialmente vocacionado para os estudantes e profissionais das áreas da Saúde, Educação Física, Ciências Sociais ou que trabalhem directamente com pessoas com necessidades especiais.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Cadeira de rodas inteligente portuguesa soma prémios

A cadeira desenvolvida 
pelos investigadores nacionais 
já foi testada em 
doentes com paralisia cerebral
Um projeto nacional de robótica que tem por objetivo o desenvolvimento de uma cadeira de rodas inteligente - que já foi testada em pacientes com paralisia cerebral - acaba de receber a sua quinta distinção: o prémio de "Best Paper" conquistado durante a International Conference on Autonomous Robot Systems and Competitions, que decorreu em Lisboa no passado mês de Abril.

Esta tecnologia, coordenada pelo professor Luís Paulo Reis, da Escola de Engenharia da Universidade do Minho (EEUM) e cujo desenvolvimento conta também com a com a participação das universidades do Porto e de Aveiro, "pode ser comandada através de movimentos de cabeça ou corpo, voz, expressões faciais e até pensamentos". 

A IntellWheels: Cadeira de Rodas Inteligente com Interface Multimodal consegue desviar-se dos objetos, planear tarefas e comunicar com outros dispositivos e o trabalho dos investigadores portugueses já foi até escolhido pela Fundação para a Ciência e Tecnologia como projeto modelo. 

"A ideia foi sobretudo a de criar uma cadeira de rodas inteligente, de baixo custo e impacto ergonómico, que pudesse ser comandada por um interface multimodal flexível", explica Luís Paulo Reis, do Departamento de Sistemas de Informação da EEUM, em comunicado enviado ao Boas Notícias.

Segundo o especialista, "os utilizadores poderão escolher entre vários modos de comando e até combiná-los". Entre as opções de comando já disponíveis, acrescenta, existem "os comandos de voz, movimentos de cabeça ou o 'brain computer interface', que permitirá dirigir a cadeira através dos pensamentos". 

Luís Paulo Reis mostra-se, ainda, otimista em relação ao futuro da robótica, dizendo acreditar que dentro de duas décadas não haverá diferenças significativas no que toca à inteligência e capacidade de realização de tarefas complexas entre humanos e robôs.

"Os robôs serão os nossos parceiros", afirma o docente, que esclarece que estes "poderão não ser robôs humanóides, com uma aparência muito semelhante à do ser humano, mas trabalharão connosco, em equipas mistas de humanos e robôs, na resolução de problemas do dia-a-dia ou de desafios maiores, nomeadamente a exploração dos oceanos e de outros planetas". 

Cinco distinções nacionais e internacionais

Além das universidades do Minho, Porto e Aveiro, o projeto IntellWheels engloba ainda o Laboratório de Inteligência Artificial e Ciência de Computadores, o Centro Algoritmi da UMinho, o INESC Tec, o Instituto de Engenharia Eletrónica e Telemática de Aveiro, a Escola Superior de Tecnologia da Saúde do Porto e a Associação do Porto de Paralisia Cerebral.

Até ao momento, esta cadeira de rodas inteligente já foi premiada cinco vezes por várias entidades nacionais e internacionais. A última distinção deveu-se ao artigo "Manual, Automatic and Shared Methods for Controlling an Intelligent Wheelchair: Adaptation to Cerebral Palsy Users". 

Os autores, Brígida Mónica Faria, Luís Paulo Reis e Nuno Lau, que venceram na categoria de "Best Paper" (Melhor Artigo, em português), receberam o galardão recentemente numa conferência internacional realizada no âmbito do 13º Festival Nacional de Robótica.

FORUM INR - 30 de maio de 2013, MONTIJO

Com o tema "Desporto para Todos / Direitos Humanos", o INR, I.P., realizará uma sessão descentralizada do FORUM INR 2013, no Montijo, na Casa do Páteo D' Água, na Avenida dos Pescadores.

A sessão está agendada para o dia de 30 de maio, quinta-feira, com inicio às 15 horas e encerramento previsto para às 17:30 horas.

Dinamizarão esta sessão "Desporto para Todos / Direitos Humanos", o Dr. José Dias Ferreira, Presidente do Special Olympics Portugal, o Prof. José Pavoeiro, Presidente da Federação Portuguesa de Desporto para as Pessoas com Deficiência e o Dr. Jorge Carvalho, Diretor do Departamento de Desporto do Instituto Português do Desporto e Juventude, I.P.

A entrada é livre, sem inscrição prévia.

Nota - As Pessoas surdas devem indicar pelo email - inr@inr.msss.pt - a necessidade de serviço de intérprete de Língua Gestual Portuguesa, até às 17:00 horas do dia 22 de maio de 2013, quarta-feira.

In: INR

quarta-feira, 22 de maio de 2013

VALE A PENA INTRODUZIR AS TIC NA ESCOLA?

Como podem as escolas e os professores enfrentar com êxito o desafio de incorporar na escola e na sala de aula as Tic, enquanto meios auxiliares do ensino e da aprendizagem? Como devem reagir a resultados tão opostos, quando estudados os efeitos da utilização das Tic na promoção do sucesso escolar e educativo dos nossos alunos? Como evitar este jogo da cabra cega com que, volta e não volta, nos encontramos cercados?

Iniciada a segunda década do século XXI, temos já a bater-nos à porta uma terceira vaga dessa revolução digital. E ela aí está, mais enérgica que qualquer das outras, a deixar-nos cada vez mais interdependentes, a mudar tudo à nossa volta, a mergulhar-nos num mundo de ficção, de perplexidade e de imaginário.

A primeira vaga foi sustentada pela popularização e democratização dos computadores pessoais e dos telemóveis; a segunda, pela massificação do acesso à Internet e da oferta low cost da banda larga; a terceira está a ser protagonizada pela redução de todas as fontes da cultura, do saber e do lazer ao formato digital, acompanhada pela vulgarização do comércio electrónico de bens e serviços, também eles em formato digital. A tendência é apetecível, as novas gerações de consumidores já lhe deram o seu consentimento, logo, o caminho anuncia-se irreversível. Sem ilusões: nada mais vai ser como dantes…

Metaforicamente, poderíamos afirmar que, no futuro próximo, as grandes “fontes de poder” vão estar ancoradas nas “fontes de água” e nas “fontes de saber”. As primeiras vão rarear, as segundas, pelo contrário, irão proliferar. O que resultar desta antinomia, deste confronto dialéctico entre o “saber” da natureza e o “saber” do Homem, converter-se-á no futuro, futuro esse onde iremos passar o resto das nossas vidas.

Mais depressa, e de forma mais eficaz e definitiva, do que os CDs substituíram os discos de vinil, a música em formato digital fará desaparecer, num curtíssimo espaço de tempo, o suporte musical em formato de CD. Hoje, quem entrar num quarto de um adolescente já não vê caixas de CDs, nem livros espalhados por todo o lado. A música e os textos circulam em suportes digitais, configurados em leitores Mp3, em Pen Flash Drives, discos rígidos externos, em smartphones ou em leitores tipo Kindle. E os filmes também. Não se vai à loja, à discoteca ou à livraria formais. Vai-se à Net e faz-se umdownload, legal ou ilegal, tanto faz, desde que cumprido o objectivo. Permutam-se discos, filmes e textos à velocidade de um clic, toma lá, dá cá. Uma parte das revistas e livros em suporte de papel têm os dias contados. As bases de dados digitais constituirão uma fonte inesgotável de conhecimento ao alcance dos dedos de uma das mãos. Devido a isso, o crescimento do conhecimento vai evoluir de uma forma exponencial. A humanidade poderá combater melhor as desigualdades, as doenças, a fome, a miséria, o nepotismo e todas as formas de degradação do Homem. A humanidade poderá, ainda, ser una e mais solidária, face ao desenvolvimento social e ao progresso científico proporcionado por esta revolução digital.
A Amazon divulgou que mais de cinquenta por cento dos livros vendidos o foram já em formato digital (e-books). Ao preço de um telemóvel pode-se comprar um gadget (Kindle, Kobo…) armazenador e leitor de revistas e livros com capacidade para guardar uma biblioteca de mais de quatro mil volumes. Estes livros e revistas podem ser adquiridos on-line, porwireless, ou através de uma ligação 3G a preços populares, devido à óbvia diminuição de custos, em livrarias virtuais. Pouco faltará para que se possa trazer no bolso a biblioteca de Oxford, com possibilidade de aceder aos textos através de um motor de busca à base de palavras-chave. Mais de cinquenta mil filmes são alugados ou comprados no iTunes todos os dias. A publicidade na Net já alcançou mais de metade do valor investido nos meios tradicionais de comunicação social…

Aviso: não se trata do fim dos livros, jornais e revistas em suporte de papel. Como não o foi o anunciado fim dos discos de vinil. Mas é um novo renascer dos modelos de divulgação da cultura, da informação e da ciência, só comparável ao renascimento proporcionado, nos finais da época de quatrocentos, pela prensa de Gutenberg. Um novo renascimento que possibilitará crescimentos culturais e científicos em ordem geométrica, dada a possibilidade de divulgação da informação de forma generalizada e em poucos segundos.
E a escola? E os professores e educadores? Já o afirmámos variadíssimas vezes: vivemos um tempo que pretende reconfigurar a sociedade e a escola, atribuindo-lhe um novo formato, centrado em renovadas formas de receber e transmitir a informação. Isto implica uma busca permanente do conhecimento disponível e das suas fontes de informação. Para alcançar tal objectivo, imputa-se à escola mais uma responsabilidade: a de contribuir significativamente para que se atinja o que se convencionou designar por analfabetismo digital zero.

Para tal, a educação para a utilização das novas tecnologias digitais precisa ser planeada, com base no conhecimento pedagógico, desde o jardim-de-infância. Sem preconceitos ou desnecessárias coacções, sem substituir atabalhoadamente o analógico pelo digital, mas sim reforçando a capacidade cognitiva dos alunos e guiando a descoberta de novos horizontes. Formando os professores e equipando as escolas. Este movimento deve ser capaz de preparar os jovens para serem leitores críticos e escritores aptos a desenvolver essas competências em qualquer dos meios suportados pelas diferentes tecnologias.

É que nem tudo parece ser um mar de rosas… Por exemplo, as escolas que viram a sua média descer ou subir menos do que a média global nos exames do 9.º ano de escolaridade, são as que mais usaram a Internet", como referiu Rodrigo Belo, co-autor do estudo "The Effects of Broadband in Schools: Evidence from Portugal", realizado em parceria com Pedro Ferreira e Rahul Telang. Estes investigadores do Instituto Superior Técnico, Universidade Católica e Carnegie Mellon University, sublinham que o estudo não mede os eventuais impactos positivos do acesso generalizado aos computadores e à Internet na vida futura dos alunos e apenas alerta para o facto de o acesso às novas tecnologias não garantir, por si só, uma melhoria dos desempenhos.

Os professores da designada geração digital também já estão a chegar às escolas. E, com eles, as mudanças pedagógicas vão ser mais rápidas, porque baseadas no domínio de novas competências, na experiência e na forte motivação para o uso das novas tecnologias. A escola tradicional vai mudar. Desde logo necessitará de menos espaços físicos. Através da comunicação on-line, o contacto com o mundo exterior e com as outras escolas da aldeia global será permanente. Desta “conexão” de escolas globais – as connecting classrooms - resultarão aprendizagens, também elas globais, e em simultâneo, proporcionadas pelos vários docentes globalizantes, porque globalizadores do conhecimento e da tutoria dos aprendentes.

O que vamos fazer do “pátio dos recreios” quando, nos intervalos, os jovens já só se confinarem à manipulação dossmartphones ou das tablets? A resposta depende de acreditarmos, ou não, de que a escola nunca deixará de ser a Escola e de que nós nunca deixaremos de ser Professores.

Por: João Ruivo

ruivo@rvj.pt

Recebido via e-mail

Eduardo Sá e o ensino pré-escolar

A ideia foi defendida por Eduardo Sá no encontro “Vale a Pena ir à Pré”, uma iniciativa conjunta da Carlucci American International School of Lisbon (CAISL) e da revista Pais&filhos destinada a debater e esclarecer o valor do ensino pré-escolar na educação de uma criança.

Eduardo Sá, que começou por manifestar o seu desacordo pela “distinção que é feita entre educação infantil e ensino obrigatório”, considerou depois que ainda existem alguns “erros” nos moldes em que, por vezes, o ensino pré-escolar é praticado.

“O jardim de infância não é para aprender a ler nem a escrever”, criticou, lembrando que “as crianças antes de aprender a ler, aprendem a interpretar “ e que “não é por tornarmos uma criança um macaquinho de imitação que ela vai ser mais inteligente”. Eduardo Sá, psicólogo clínico com grande parte da sua carreira dedicada à psicologia infantil, defendeu que o jardim de infância deve antes ser um local onde a criança exerça atividade física pois, justificou, “as crianças aprendem a pensar com o corpo” e se souberem mexer o corpo “mais expressivas serão em termos verbais”.

Além disso, prosseguiu, o jardim de infância deve ser um local para a criança receber educação musical (“a música torna-os mais fluentes na língua materna”) e educação visual (“quanto mais educação visual tiverem, menos dificuldades têm de ortografia”). Por outro lado, disse ainda, as crianças precisam de “contar e ouvir histórias” no jardim de infância, sublinhando que “as histórias ajudam a pensar” e a “linguagem simbólica a arrumar os pensamentos”.

Mas, mais que tudo isso, o jardim de infância deve ser um espaço para a criança brincar. A brincadeira é um “património da humanidade” que a ajuda “a pensar em tempo real e a resolver dificuldades”, salientou o psicólogo, sublinhando que “brincar não pode ser uma atividade de fim de semana” nem os espaços para brincar podem estar confinados a pátios fechados. “É obrigatório que as crianças brinquem na rua”, defendeu.

Em suma, concluiu, “o jardim de infância faz bem à saúde” e é urgente que seja “acarinhado”. Sob pena de virmos a pagar no futuro “custos exorbitantes” por tal esquecimento.


segunda-feira, 20 de maio de 2013

Revista Educação Inclusiva - Vol. 4 . n.º 1 - maio 2013

Revista da Pró-Inclusão: 
Associação Nacional de Docentes de Educação Especial 
Vol. 4 . n.º 1 - maio 2013
À VENDA - 7€ 



Capa gentilmente cedida por Natalina Coias, a quem muito agradecemos o seu contributo generoso para o prestígio da nossa revista.

Breve excerto do Editorial:

" (...) 

Se mesmo em situações mais estáveis as Associações têm um papel relevante, que dizer do seu papel em condições tão tensas e difíceis como as que atualmente temos de enfrentar? Nesta situação redobra ainda a importância do associativismo docente por três razões.

(...). "

Sumário da Revista

04 Laborinho Lúcio

ENTREVISTA

06 David Rodrigues
ARTIGO: As Tecnologias de Informação e Comunicação em Tempo de Educação Inclusiva

13 Ana Isabel Van Krieken e Sónia Sanches

ARTIGO: A Qualidade de Vida dos Jovens com NEE após a Escolaridade 

20 Isabel Correia

OPINIÃO: Mensagens Inclusivas precisam-se!

22 Luiza Cortesão

OPINIÃO: Inclusões/Exclusões, que significados?

25 Luisa Beltrão (Associação Pais em Rede)

Caminham ao nosso lado… 

27 Cristina Franco 

Dar a voz a...

30 Elvira Cristina Silva 

Instantes Inclusivos

32 Elvira Cristina Silva 

RECENSÃO: "Ladrão de Sombras". Marc Levy

33 Direção da Pró-Inclusão: Associação Nacional de Docentes de Educação Especial

Memorando para a DGE

PÁGINAS CENTRAIS - Dossier Temático: Perturbações do Espectro do Autismo

Este dossier é complementado com um conjunto de materiais disponibilizado em CD: Guia Síntese sobre as abordagens de intervenção com alunos com Perturbação do Espectro do Autismo e Indicadores de Qualidade no Autismo - Louisiana para as Escolas (com a grelha para preenchimento em anexo).

domingo, 19 de maio de 2013

Por que as crianças francesas não têm Deficit de Atenção?

Nos Estados Unidos, pelo menos 9% das crianças em idade escolar foram diagnosticadas com TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), e estão sendo tratadas com medicamentos. Na França, a percentagem de crianças diagnosticadas e medicadas para o TDAH é inferior a 0,5%. Como é que a epidemia de TDAH, que tornou-se firmemente estabelecida nos Estados Unidos, foi quase completamente desconsiderada com relação a crianças na França?

TDAH é um transtorno biológico-neurológico? Surpreendentemente, a resposta a esta pergunta depende do fato de você morar na França ou nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, os psiquiatras pediátricos consideram o TDAH como um distúrbio biológico, com causas biológicas. O tratamento de escolha também é biológico – medicamentos estimulantes psíquicos, tais como Ritalina e Adderall.

Os psiquiatras infantis franceses, por outro lado, vêem o TDAH como uma condição médica que tem causas psico-sociais e situacionais. Em vez de tratar os problemas de concentração e de comportamento com drogas, os médicos franceses preferem avaliar o problema subjacente que está causando o sofrimento da criança; não o cérebro da criança, mas o contexto social da criança. Eles, então, optam por tratar o problema do contexto social subjacente com psicoterapia ou aconselhamento familiar. Esta é uma maneira muito diferente de ver as coisas, comparada à tendência americana de atribuir todos os sintomas de uma disfunção biológica a um desequilíbrio químico no cérebro da criança.

Os psiquiatras infantis franceses não usam o mesmo sistema de classificação de problemas emocionais infantis utilizado pelos psiquiatras americanos. Eles não usam oDiagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders ou DSM. De acordo com o sociólogo Manuel Vallee, a Federação Francesa de Psiquiatria desenvolveu um sistema de classificação alternativa, como uma resistência à influência do DSM-3. Esta alternativa foi a CFTMEA (Classification Française des Troubles Mentaux de L’Enfant et de L’Adolescent), lançado pela primeira vez em 1983, e atualizado em 1988 e 2000. O foco do CFTMEA está em identificar e tratar as causas psicossociais subjacentes aos sintomas das crianças, e não em encontrar os melhores bandaids farmacológicos para mascarar os sintomas.

Na medida em que os médicos franceses são bem sucedidos em encontrar e reparar o que estava errado no contexto social da criança, menos crianças se enquadram no diagnóstico de TDAH. Além disso, a definição de TDAH não é tão ampla quanto no sistema americano, que na minha opinião, tende a “patologizar” muito do que seria um comportamento normal da infância. O DSM não considera causas subjacentes. Dessa forma, leva os médicos a diagnosticarem como TDAH um número muito maior de crianças sintomáticas, e também os incentiva a tratar as crianças com produtos farmacêuticos.

A abordagem psico-social holística francesa também permite considerar causas nutricionais para sintomas do TDAH, especificamente o fato de o comportamento de algumas crianças se agravar após a ingestão de alimentos com corantes, certos conservantes, e / ou alérgenos. Os médicos que trabalham com crianças com problemas, para não mencionar os pais de muitas crianças com TDAH, estão bem conscientes de que as intervenções dietéticas às vezes podem ajudar. Nos Estados Unidos, o foco estrito no tratamento farmacológico do TDAH, no entanto, incentiva os médicos a ignorarem a influência dos fatores dietéticos sobre o comportamento das crianças.

E depois, claro, há muitas diferentes filosofias de educação infantil nos Estados Unidos e na França. Estas filosofias divergentes poderiam explicar por que as crianças francesas são geralmente mais bem comportadas do que as americanas. Pamela Druckerman destaca os estilos parentais divergentes em seu recente livro, Bringing up Bébé. Acredito que suas idéias são relevantes para a discussão, por que o número de crianças francesas diagnosticadas com TDAH, em nada parecem com os números que estamos vendo nos Estados Unidos.

A partir do momento que seus filhos nascem, os pais franceses oferecem um firme cadre- que significa “matriz” ou “estrutura”. Não é permitido, por exemplo, que as crianças tomem um lanche quando quiserem. As refeições são em quatro momentos específicos do dia. Crianças francesas aprendem a esperar pacientemente pelas refeições, em vez de comer salgadinhos, sempre que lhes apetecer. Os bebês franceses também se adequam aos limites estabelecidos pelos pais. Pais franceses deixam seus bebês chorando se não dormirem durante a noite, com a idade de quatro meses.

Os pais franceses, destaca Druckerman, amam seus filhos tanto quanto os pais americanos. Eles os levam às aulas de piano, à prática esportiva, e os incentivam a tirar o máximo de seus talentos. Mas os pais franceses têm uma filosofia diferente de disciplina. Limites aplicados de forma coerente, na visão francesa, fazem as crianças se sentirem seguras e protegidas. Limites claros, eles acreditam, fazem a criança se sentir mais feliz e mais segura, algo que é congruente com a minha própria experiência, como terapeuta e como mãe. Finalmente, os pais franceses acreditam que ouvir a palavra “não” resgata as crianças da “tirania de seus próprios desejos”. E a palmada, quando usada criteriosamente, não é considerada abuso na França.

Como terapeuta que trabalha com as crianças, faz todo o sentido para mim que as crianças francesas não precisem de medicamentos para controlar o seu comportamento, porque aprendem o auto-controle no início de suas vidas. As crianças crescem em famílias em que as regras são bem compreendidas, e a hierarquia familiar é clara e firme. Em famílias francesas, como descreve Druckerman, os pais estão firmemente no comando de seus filhos, enquanto que no estilo de família americana, a situação é muitas vezes o inverso.

Via Facebook

O meu comentário:

Começo por relembrar algumas palavras que escrevi num artigo na Revista Educação Inclusiva - Vol. 2 . n.º 1 - junho 2011: "Muitas são as afirmações, frequentemente proferidas com alguma leveza, que actualmente levam a uma banalização do termo hiperactividade. Tudo isto resultou numa vulgarização no diagnóstico desta perturbação, o que faz com que qualquer criança que apresente modificações a nível comportamental possa ser, desde logo, identificada como uma criança hiperactiva, sem muitas vezes se tentar compreender quais as circunstâncias ou as variáveis que podem justificar tais comportamentos." Isto vai de encontro ao que costumo dizer que nem sempre os diagnósticos são feitos de forma correta...O diagnóstico deve ser feito por uma equipa, mas infelizmente são poucos dos diagnósticos que são realizados efetivamente por uma equipa. 
Algo que também vai causando muita discussão é a utilização de medicação. Na minha opinião essa deve ser a última opção, existe outro tipo de estratégias que podem surtir muito mais efeito. "
intervenção junto destas crianças requer a articulação e colaboração estreita entre vários profissionais constituída pelos pais, professores, psicólogo, pediatra e, eventualmente, neurologista bem como outros profissionais. A criança deverá ser uma participante activa na intervenção, devendo ser informada de todo o processo que a envolve. 
Os pais têm um papel muito importante, pois crianças com esta perturbação exigem a modificação do funcionamento familiar de forma a poderem responder às suas necessidades de acompanhamento, que são muito particulares. 
Acreditamos que só com diálogo e articulação, numa lógica de trabalho em equipa, entre todos os intervenientes, que intervêm directa ou indirectamente, com esta criança, poderemos ajudá-la a melhor compreender e lidar com o problema, bem como a adaptar-se aos mais diversos contextos. Uma realidade que só é possível, tal como referimos anteriormente, com o envolvimento da família."

sábado, 18 de maio de 2013

Tenho medo do meu filho! Tenho medo de mim!


"Parece que quanto mais tempo passa o Fábio piora! É capaz de estar horas a fio a perguntar-me ‘E porquê? Porquê? Porquê? Porquê?' ao qual eu respondo, ‘Porquê, o quê, filho?' e ele continua, continua, continua."

Chama-se Sandra, tem 30 anos e tem um filho autista com 12 anos, o Fábio.

A Sandra chegou até mim completamente desesperada. O seu primeiro desabafo foi "Eu não aguento mais, só me apetece desaparecer!".

Deixei-a falar. Deixei-a expurgar a sua dor. Enquanto isso, tentava mentalmente procurar "soluções" para aliviar a sua angústia e encontrar estratégias para mais tarde as discutirmos em conjunto.

O Fábio nasceu do primeiro casamento. Dado ao desgaste provocado pelo filho, o pai não foi capaz de continuar a sua verdadeira missão e foi para longe, para bem longe, um país distante.

Todavia e apesar da separação, esta mãe redobrou forças na esperança que o Fábio melhorasse, sobretudo, a nível comportamental.

Voltou a casar e a engravidar. O casamento durou quatro anos. O Fábio não aceitava ver a mãe a ser "partilhada" com um outro homem e com outro filho. A convivência entre os quatro era insustentável. Mais uma vez ficou sozinha. Porém, desta vez, a separação foi mais dura, pois o filho mais novo ficou à guarda do pai. Esta decisão foi tomada em conjunto para assegurar o bem-estar do filho mais novo.

"- Mais uma vez, fiquei só com o Fábio! Sinto-me ‘presa' a este filho! Já não durmo, já não como, ando em psiquiatria, os medicamentos não fazem efeito, sinto-me a definhar!". Disse-me ela, num choro compulsivo.

"- Parece que quanto mais tempo passa o Fábio piora! É capaz de estar horas a fio a perguntar-me ‘E porquê? Porquê? Porquê? Porquê?' ao qual eu respondo, ‘Porquê, o quê, filho?' e ele continua, continua, continua.

Pela manhã a pergunta é diferente: "O que vamos jantar hoje? O que vamos jantar hoje?" De nada serve dizer-lhe o que vamos jantar, pois, ele continua : "O que vamos jantar hoje? O que vamos jantar hoje?". Tento por vezes tapar os ouvidos, às vezes grito-lhe: "Para Fábio para!". E depois, fico com sentimentos de culpa. Todos os dias é assim. Não tenho um dia de descanso. 

Enquanto a ouvia, pensava: "O que poderei eu fazer?". Não me ocorria nada. Esta mãe, já estava a ser acompanhada por um psicólogo e psiquiatra. Comecei a cruzar a informação entre a mãe e o filho.

O Fábio tinha-me dito: "A minha mãe tem agora um namorado novo, ele é simpático mas a minha mãe é MINHA."

Pois...

Confrontei a mãe com este desabafo do Fábio. Não constituiu novidade para ela. De facto, estava noutro relacionamento...

"- Eu sei que o meu companheiro também não vai aguentar por muito tempo. Ele tem tentado de tudo para cativar o Fábio mas... de nada vai adiantar. Um dia ele vai-se embora como os outros. Até porque o Fábio tornou-se desafiador, já ameaça bater-me... tenho medo! Medo pelo Fábio, medo por mim... e culpa, uma grande culpa por estar longe do meu outro filho."

"- Ele ameaça bater-lhe?" Pergunto-lhe.

"- Sim. Já não é a primeira vez. O ídolo dele é outro menino especial que este ano veio para a turma dele. Este miúdo é altamente agressivo. Já atentou contra um professor e sim... já agrediu a mãe! O Fábio imita-o em tudo! E já me disse que se o Ricardo bate na mãe, ele também pode bater!"

Pois e agora? O que tenho eu para dizer a esta mãe? Porque não tenho soluções, vou tentando soluções até encontrar a aproximação da "solução"!

Esta mãe precisa de ajuda urgente. O Fábio precisa de ajuda urgente. Bem ou mal... defini estratégias quer para um, quer para outro.

Vamos por partes: a mãe!
1.º- Pedi uma reunião com a família próxima e alargada da Sandra. Entre eles, agilizarão um dia por semana para ficar com o Fábio. Assim, a mãe terá, finalmente, um dia de descanso, um dia SÓ para ela.
2.º- Pedi que a mãe solicitasse uma reunião na escola para que no próximo ano o Fábio seja "separado" do Ricardo, para que este não influencie negativamente o comportamento do Fábio.
3.º- A mãe terá de continuar com o acompanhamento médico.
4.º- Estabelecemos um conjunto de regras na sua relação mãe/filho.
5.º- Todas as semanas eu e a mãe iremos reunir para que juntas possamos contribuir para a melhoria comportamental do Fábio.

Agora com o Fábio:
1.º- Trabalhar o comportamento positivo.
2.º- Elevar-lhe a autoestima.
3.º- Motivá-lo para a aprendizagem.
4.º- Trabalhar a "recompensa".
5.º- Trabalhar em "rede" com os terapeutas, médicos e escola.
6.º- Estabelecer um plano de intervenção conjunto.
(...)

Logo se verá! Oxalá, juntos, consigamos devolver a esperança a esta mãe, apaziguar-lhe o coração, sentir-se segura por ela e com o filho e... quanto ao Fábio... tentar cativá-lo para o hábito de um comportamento "feliz".

A ver vamos! Se não resultar... tentaremos novamente...

À Sandra e ao Fábio... Um sorriso muito especial.

Por: Manuela Cunha Pereira

In: Educare

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Recomendações do Conselho Nacional de Educação

Foram publicados, hoje dia 17 de maio, dois documentos emitidos pelo Conselho Nacional de Educação.

Recomendação sobre formação contínua de educadores de infância e professores dos ensinos básico e secundário



Recomendação sobre Políticas Públicas de Educação e Formação de Adultos

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Conclusões Seminário de Educação Especial e Inclusiva “Nós e os Laços” - Castelo Branco

Conclusões 

A Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial em colaboração com o Instituto Politécnico de Castelo Branco e a Associação Nacional de Professores (secção de Castelo Branco) realizou, no dia 4 de maio de 2013, o Seminário de Educação Especial e Inclusiva “Nós e os Laços”. 

Da riqueza dos debates e das comunicações apresentadas, elaboraram-se as seguintes conclusões: 

Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) na Inclusão 

Orientados pelos princípios da Educação Inclusiva (EI) e pelo pressuposto de que as tecnologias têm impacto nos processos de ensino e de aprendizagem foram apresentados os resultados de diferentes investigações na área. 

Os resultados das investigações apresentadas permitiram concluir que: 1) A criação de uma rede social através da plataforma NING, constituiu-se como um espaço de apoio, de partilha, de reflexão e de aprendizagem, nomeadamente entre os profissionais, uma vez que esta é uma área ainda pouco explorada em termos de investigação. É verificada a existência de um impacto positivo nas práticas pedagógicas dos docentes e no estabelecimento de relações de afiliação online entre todos os intervenintes; 2) Constatou-se um elevado grau de motivação e de interesse revelados através do uso das TIC; 3) Realça-se a importância para formação adequada, especializada e orientada para as NEE; 4) Verificam-se evoluções em termos comunicativos, facilitando a interação com pares, professores, família e restantes profissionais contribuindo assim para a melhoria da sua qualidade de vida. 

Em jeito de conclusão sobre este tema, foi evidenciado que as tecnologias constituem-se como um veículo promotor de sucesso nos mais variados contextos inclusivos. Porém, é fundamental que para além da utilização destas tecnologias (e-mail e e-learnig) se vivam também as “e-moções”. 

Educação Inclusiva e Equidade 

Ao debater-se as opções e as perspetivas da Educação Inclusiva e Equidade questionou-se se a Escola Pública é de e para todos? Ou é apenas para alguns? Reafirmou-se a necessidade de se deslocar o discurso político em práticas efetivas. 

Não obstante, estes fatores, a inclusão fez avanços significativos nas últimas décadas. Temos que reconhecer que muito de bom já foi realizado no nosso país, no entanto existem tensões que devem e podem ser ultrapassadas. Devem criar-se estratégias que progressivamente se orientem para responsabilizar a administração escolar, bem como envolver a administração local no sentido de se elaborarem projetos efetivos de prestação de serviços apropriados para todos os alunos. 

Para que isto se realize é fundamental: a) rever-se a formação de professores (seja ela inicial ou contínua); b) investir na intervenção precoce; c) repensar a transição para a vida pós-escolar; d) desenvolver práticas educativas eficazes e eficientes; e) a tónica tem de deixar de estar centrada na pessoa com deficiência e passar para o contexto; f) desenvolver trabalho cooperativo; g) o papel da escola tem de despertar inteligências/interesses; h) redefinir o papel dos docentes; i) avaliar e reavaliar as práticas diárias; j) criar um sentimento de confiança e desenvolver uma cultura de esperança. 

É necessário desafiar o conceito de EI e ir mais além centrando a questão na vertente da Equidade – aqui entendida como uma propriedade dos sistemas educativos que permite neutralizar as origens sociais (e outras variáveis) dos alunos e que não é incompatível com a excelência. Vários estudos transacionais, nomeadamente o PISA, mostram que são os sistemas educativos com maior equidade aqueles que evidenciam também maior excelência. Assim a Equidade e Excelência estão ligadas uma a outra. 

Foi abordada a teoria da ecologia do desenvolvimento humano de Bronfenbrenner à realidade da educação inclusiva onde foi possível verificarmos que é possível analisarmos os aspetos mais e menos positivos. Ao nível macro refletiu-se sobre as políticas e legislação; ao nível exo, sobre as escolas “especiais” e a comunidade; ao nível meso, sobre os profissionais e as famílias e ao nível micro sobre os valores, políticas e práticas escolares compreendendo-se assim a influência dos diferentes sistemas. 

Às medidas referidas anteriormente, acresce a necessidade de desenvolver práticas que promovam mudanças de atitudes e o envolvimento de toda a comunidade. É indispensável que se realize trabalho para se efetuarem mudanças de ideias, sentimentos e ações. Para além disto é fundamental que se promova o compromisso ativo e crítico, a cooperação e a participação ativa de Todos os agentes. É através das relações e parcerias entre “o nós” que conseguimos comunicar e crescer. A comunicação é fundamental para a criação de sinergias que nos façam modernizar as práticas educativas. 

Será Utopia? Os presentes neste seminário reafirmam que não, até porque a utopia serve para que não se deixe de caminhar! Devemos trabalhar de forma proativa no local para expandir o nacional, pois só assim poderemos passar da retórica para a prática. Sim, porque a INCLUSÃO É O FUTURO! 

É na diferença que nós conseguimos comunicar! Assim, torna-se essencial construir pontes firmes entre a Escola e a Família! 

É fundamental ter presente que a EI não é uma pedra que se deixa escorregar pela encosta abaixo, é uma pedra que para chegar ao seu destino persistentemente se empurra encosta acima. 

Finalizando e em jeito de conclusão, lembramos que o processo de inclusão está longe de ser uma batalha vencida. Uma parte importante das nossas crianças e jovens continuam ainda à margem da Educação. Fica-nos uma certeza, a solução não está em segregar, mas sim em transformar a Escola para que seja acessível a Todos. 

Gostaríamos ainda de reiterar a importância de se estreitarem laços entre todos os agentes educativos em prol da educação de todas as crianças e jovens. Para tal deixamos aqui o repto a todos os presentes para nos tornármos em “protagonistas improváveis”, numa constante descoberta dos Nós e dos Laços das nossas Escolas...

Relatores: Nelson Santos e Helena Neves

In: Newsletter n.º 59 (maio 2013 - 1.ª quinzena) da Associação Nacional de Docentes de Educação Especial

terça-feira, 14 de maio de 2013

Educação: o retrocesso de 40 anos

A notícia de 17/04/2013 do PÚBLICO onde a presidente da Associação de Professores de Matemática (APM) acusa o Ministério da Educação e Ciência (MEC) de provocar um retrocesso de 40 anos com a publicação do novo programa de Matemática, merece atenção por parte de todos os professores, nos quais me incluo. Não pode uma classe sair à rua apenas por razões de carreira ou corporativismo. O processo de ensino e aprendizagem é o âmago da profissão e por ele devemos igualmente manifestar-nos.

O retrocesso de que fala a APM atinge igualmente a Educação em Ciência, nomeadamente a disciplina do ensino básico de Ciências Naturais, através da revisão curricular proposta por Nuno Crato. É sobre esta que falarei por ser a que melhor conheço. Associar a Nuno Crato a palavra retrocesso quase parece injúria, mas a realidade mostra que assim não é.

A atual equipa ministerial iniciou uma revisão curricular em dezembro de 2011. Esta mantém-se em curso e consiste, segundo a própria equipa do MEC (decreto-lei n.º139/2012 de 5 de julho), na elaboração de matrizes curriculares (já prontas) e na definição de objetivos por disciplina que constituem a base da avaliação do desempenho dos alunos. Estes objetivos são apresentados em documentos intitulados “Metas Curriculares”, que para algumas disciplinas ainda estão em processo de elaboração e discussão.

Nas aprendizagens, no caso das Ciências Naturais, o retrocesso está na definição dos objetivos ou “Metas Curriculares” que se centram quase exclusivamente nos conteúdos e na sua avaliação. Esta proposta de ensino e aprendizagem não dá ênfase ao desenvolvimento de competências/capacidades na área do inquiry (processo utilizado pela ciência para obter e utilizar o conhecimento) que segundo a investigação é a metodologia que serve o ensino das ciências (Rocard, et al,. 2007). As competências não se transmitem, mas sim desenvolvem-se colocando o aluno em situações que as promovam (Perrenoud, 2003). É sem dúvida mais fácil avaliar conteúdos, perguntando definições e obrigando a memorizá-las, sem questionar para que servem e onde se aplicam. Estou consciente da dificuldade suscitada pela avaliação de competências. Contudo a opção pela facilidade não é a solução para a educação.

As “Metas Curriculares" de Ciências Naturais não possuem equilíbrio entre a aquisição e verificação do conhecimento adquirido versus desenvolvimento de competências/capacidades. Basta contar o número de metas por ano de escolaridade para perceber o inferno em que está metido o processo de ensino e aprendizagem, e verificar em simultâneo este desequilíbrio.

Por muito que custe ao MEC, é na abordagem por competências e respetiva avaliação que o mundo da Educação em Ciência dentro e fora da OCDE trabalha. Talvez a perceção desta realidade explique a introdução da expressão “desenvolvimento de capacidades” nos documentos do MEC em substituição de “desenvolvimento de competências” presente nos documentos revogados. Não se iludam os professores que não gostam desta abordagem. Apesar de reduzida ao mínimo nesta revisão curricular, ela surge no processo ensino/aprendizagem com esta farsa semântica.

A avaliação de competências continua na ordem do dia. Basta lembrar o Programme for International Student Assessment (PISA) 2006 que avaliou as competências em literacia científica em alunos com 15 anos e que cobre 95% da economia mundial, onde participam os 30 países da OCDE e 27 países parceiros da OCDE. A avaliação em literacia científica realizada no PISA 2006 não se limita a medir o domínio dos conteúdos, mas sobretudo o da capacidade dos estudantes para identificar questões científicas, explicar fenómenos científicos e utilizar evidências científicas na resolução de problemas que envolvam Ciência e a Tecnologia (OCDE, 2008).

Portugal como membro da OCDE participou neste programa. Os resultados portugueses no PISA 2006 não foram bons (24,5% d alunos com os níveis de proficiência 1 e -1). O país ficou posicionado abaixo da média da OCDE. O PISA 2006 motivou em países europeus reformas curriculares profundas. Dentro de dois anos, a avaliação de competências para a literacia científica dos nossos alunos será realizada pelo PISA 2015.

Em síntese, o retrocesso desta revisão curricular é protagonizar uma mudança em nome do rigor persistindo num modelo de ensino do séc. XIX que valoriza mais a aquisição e avaliação de conhecimentos adquiridos em lugar de equilibrar esta com o desenvolvimento de competências. Não inova no processo de ensino e aprendizagem, nem chama a atenção dos professores para as falhas identificadas pela investigação (Osborne & Dillon, 2008) nesta matéria. O que agora se pede aos professores é o que eles já faziam, não os incentivando a inovar/mudar. Deste modo ficaremos mais longe dos nossos parceiros europeus.

Pode-se então perguntar o porquê desta revisão curricular.

A resposta está nas ideias conceptuais expressas no Despacho n.º17169/2011 de 23 de dezembro, de revogação do Currículo Nacional do Ensino Básico - Competências Essenciais que fundamenta e espelha a linha conceptual do processo de ensino e aprendizagem do seu autor. Nele é referido que o Currículo Nacional para o Ensino Básico “respondia a recomendações pedagógicas que se vieram a revelar prejudiciais. Em primeiro lugar erigindo a categoria de competências como orientadora de todo o ensino, menorizou o papel do conhecimento e da transmissão de conhecimentos, que é essencial a todo o ensino.” Ainda no mesmo despacho diz-se que “o conhecimento e a sua aquisição têm valor em si, independentemente de ser mobilizado para a aplicação imediata”. Afirma-se ainda que foram adotadas “versões extremas de algumas orientações pedagógicas datadas e não fundamentadas cientificamente. E fê-lo pretendendo impor essas visões como orientadoras oficiais de toda a aprendizagem”.

É caso para perguntar: em que estudos se baseou o ME para fazer estas afirmações? Ocorreu uma avaliação do currículo anterior? Que referências bibliográficas fundamentam estas afirmações e esta revisão curricular, totalmente omissas? E agora, não há a intenção de impor uma orientação pedagógica oficial?

A autora é mestre em Educação na área de especialização Didática da Ciência e escreve segundo o Acordo Ortográfico.

Por: MARIA P. S. LOBO ANTUNES

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Pedido de desculpas aos alunos do 4.º ano


UM PROGRAMA NOVO QUE DE NOVO ... BASICAMENTE TRAZ PROBLEMAS

Há umas semanas quando foi colocado em discussão um novo Programa de Matemática, o Ministro Nuno Crato sustentou a iniciativa com a “grande liberdade metodológica aos professores”, para ensinarem de acordo com “a sua experiência, as suas técnicas e a sua sala de aula” face a um programa moderno e com "objectivos mais facilmente perceptíveis". O Ministro insistiu que "a ideia foi sempre dar esta liberdade metodológica”, para que cada docente fique livre de definir o seu próprio método de ensino dos diversos conceitos. Muito bem. Confesso que me pareceu, escrevi na altura, um pouco estranha a afirmação, como se as opções didácticas e pedagógicas de profissionais cientificamente preparados fossem determinadas pelo Ministério, algo que até no plano ético e deontológico é discutível. Ainda assim e à cautela, fica bem agradecer ao MEC a "liberdade" concedida aos professores.

Voltando às metodologias, no Documento em discussão, no seu ponto 6 lê-se "Tendo em consideração, tal como para os níveis de desempenho, as circunstâncias de ensino (de modo muito particular, as características das turmas e dos alunos), as escolas e os professores devem decidir quais as metodologias e os recursos mais adequados para auxiliar os seus alunos a alcançar os desempenhos definidos nas Metas Curriculares.

A experiência acumulada dos professores e das escolas é um elemento fundamental no sucesso de qualquer projeto educativo, não se pretendendo, por isso, espartilhar e diminuir a sua liberdade pedagógica nem condicionar a sua prática letiva. Pelo contrário, o presente Programa reconhece e valoriza a autonomia dos professores e das escolas, não impondo portanto metodologias específicas.

Sem constituir ingerência no trabalho das escolas e dos professores, nota-se que a aprendizagem matemática é estruturada em patamares de crescente complexidade, pelo que na prática letiva deverá ter-se em atenção a progressão dos alunos, sendo muito importante proceder-se a revisões frequentes de passos anteriores com vista à sua consolidação." Segue-se a orientação para que não se use a calculadora.

Registe-se de novo a enorme preocupação com a liberdade metodológica dos professores e um texto que ... não diz nada, ou seja, um bom exemplo do que o Ministro Crato designava por eduquês.

O que continuo com uma enorme dificuldade em entender é como é que esta retórica sobre "liberdade metodológica", "características das turmas e dos alunos", "autonomia dos professores e das escolas, "revisões frequentes", etc., se torna compatível com um definição de metas curriculares que para Português e Matemática no 1º ciclo correspondem a 177 objectivos e 703 descritores que estabelecem o que os alunos deverão imprescindivelmente revelar, “exigindo da parte do professor o ensino formal de cada um dos desempenhos referidos nos descritores”. Acontece ainda que, de uma forma geral e decorrente da agregação de escolas os professores trabalharão com turmas lotadas, 24 alunos.

O ensino tenderá a transformar-se na gestão de uma espécie de "check list" das metas estabelecidas implicando a impossibilidade de acomodar as diferenças, óbvias, entre os alunos, os seus ritmos de aprendizagem o que culminará, antecipa-se, com a realização de exames todos os anos. Por outro lado, como também já escrevi, a lógica de elaboração das metas curriculares remete para uma lógica de ano de escolaridade e não de ciclo como prevê a Lei de Bases, ou seja, os objectivos são definidos para o ciclo e não para o ano, aliás, os exames, tão caros ao MEC, acontecem exactamente no final de ciclo.

Apesar do MEC acenar com a referência aos modelos anglo-saxónicos como selo de qualidade, o que está longe de acontecer, devo confessar que estou apreensivo tal como os autores do Programa de Matemática que estava em vigor, a Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação Matemática e a Associação Nacional dos Professores de Matemática que hoje volta a manifestar a sua fortíssima crítica ao novo programa de Matemática, alertando para o risco de retrocesso nos resultados positivos que os últimos dados dos estudos comparativos internacionais demonstraram utilizando um programa que estava agora a terminar a sua fase de generalização e era de 2007.

Também a Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM), afirmou que só se justificaria a revogação do programa de Matemática se "nesta altura, se tiver sido detectada alguma impossibilidade legal de aplicar as metas curriculares no próximo ano lectivo”, o que não parece verificar-se produzindo-se assim uma desnecessária turbulência.

Mas como é habitual a infalibilidade e a arrogante genialidade do MEC que escondem a ignorância e uma agenda ideológica, embrulhadas em palavras como rigor, exigência continuam a sua trajectória, vão correndo com os professores e irão correndo com os alunos para as fábricas logo de bem cedo. Restará o pequeno grupo que constituirá a elite e assim se cumprirá a visão de escola desta gente.

Texto de Zé Morgado