terça-feira, 14 de maio de 2013

Educação: o retrocesso de 40 anos

A notícia de 17/04/2013 do PÚBLICO onde a presidente da Associação de Professores de Matemática (APM) acusa o Ministério da Educação e Ciência (MEC) de provocar um retrocesso de 40 anos com a publicação do novo programa de Matemática, merece atenção por parte de todos os professores, nos quais me incluo. Não pode uma classe sair à rua apenas por razões de carreira ou corporativismo. O processo de ensino e aprendizagem é o âmago da profissão e por ele devemos igualmente manifestar-nos.

O retrocesso de que fala a APM atinge igualmente a Educação em Ciência, nomeadamente a disciplina do ensino básico de Ciências Naturais, através da revisão curricular proposta por Nuno Crato. É sobre esta que falarei por ser a que melhor conheço. Associar a Nuno Crato a palavra retrocesso quase parece injúria, mas a realidade mostra que assim não é.

A atual equipa ministerial iniciou uma revisão curricular em dezembro de 2011. Esta mantém-se em curso e consiste, segundo a própria equipa do MEC (decreto-lei n.º139/2012 de 5 de julho), na elaboração de matrizes curriculares (já prontas) e na definição de objetivos por disciplina que constituem a base da avaliação do desempenho dos alunos. Estes objetivos são apresentados em documentos intitulados “Metas Curriculares”, que para algumas disciplinas ainda estão em processo de elaboração e discussão.

Nas aprendizagens, no caso das Ciências Naturais, o retrocesso está na definição dos objetivos ou “Metas Curriculares” que se centram quase exclusivamente nos conteúdos e na sua avaliação. Esta proposta de ensino e aprendizagem não dá ênfase ao desenvolvimento de competências/capacidades na área do inquiry (processo utilizado pela ciência para obter e utilizar o conhecimento) que segundo a investigação é a metodologia que serve o ensino das ciências (Rocard, et al,. 2007). As competências não se transmitem, mas sim desenvolvem-se colocando o aluno em situações que as promovam (Perrenoud, 2003). É sem dúvida mais fácil avaliar conteúdos, perguntando definições e obrigando a memorizá-las, sem questionar para que servem e onde se aplicam. Estou consciente da dificuldade suscitada pela avaliação de competências. Contudo a opção pela facilidade não é a solução para a educação.

As “Metas Curriculares" de Ciências Naturais não possuem equilíbrio entre a aquisição e verificação do conhecimento adquirido versus desenvolvimento de competências/capacidades. Basta contar o número de metas por ano de escolaridade para perceber o inferno em que está metido o processo de ensino e aprendizagem, e verificar em simultâneo este desequilíbrio.

Por muito que custe ao MEC, é na abordagem por competências e respetiva avaliação que o mundo da Educação em Ciência dentro e fora da OCDE trabalha. Talvez a perceção desta realidade explique a introdução da expressão “desenvolvimento de capacidades” nos documentos do MEC em substituição de “desenvolvimento de competências” presente nos documentos revogados. Não se iludam os professores que não gostam desta abordagem. Apesar de reduzida ao mínimo nesta revisão curricular, ela surge no processo ensino/aprendizagem com esta farsa semântica.

A avaliação de competências continua na ordem do dia. Basta lembrar o Programme for International Student Assessment (PISA) 2006 que avaliou as competências em literacia científica em alunos com 15 anos e que cobre 95% da economia mundial, onde participam os 30 países da OCDE e 27 países parceiros da OCDE. A avaliação em literacia científica realizada no PISA 2006 não se limita a medir o domínio dos conteúdos, mas sobretudo o da capacidade dos estudantes para identificar questões científicas, explicar fenómenos científicos e utilizar evidências científicas na resolução de problemas que envolvam Ciência e a Tecnologia (OCDE, 2008).

Portugal como membro da OCDE participou neste programa. Os resultados portugueses no PISA 2006 não foram bons (24,5% d alunos com os níveis de proficiência 1 e -1). O país ficou posicionado abaixo da média da OCDE. O PISA 2006 motivou em países europeus reformas curriculares profundas. Dentro de dois anos, a avaliação de competências para a literacia científica dos nossos alunos será realizada pelo PISA 2015.

Em síntese, o retrocesso desta revisão curricular é protagonizar uma mudança em nome do rigor persistindo num modelo de ensino do séc. XIX que valoriza mais a aquisição e avaliação de conhecimentos adquiridos em lugar de equilibrar esta com o desenvolvimento de competências. Não inova no processo de ensino e aprendizagem, nem chama a atenção dos professores para as falhas identificadas pela investigação (Osborne & Dillon, 2008) nesta matéria. O que agora se pede aos professores é o que eles já faziam, não os incentivando a inovar/mudar. Deste modo ficaremos mais longe dos nossos parceiros europeus.

Pode-se então perguntar o porquê desta revisão curricular.

A resposta está nas ideias conceptuais expressas no Despacho n.º17169/2011 de 23 de dezembro, de revogação do Currículo Nacional do Ensino Básico - Competências Essenciais que fundamenta e espelha a linha conceptual do processo de ensino e aprendizagem do seu autor. Nele é referido que o Currículo Nacional para o Ensino Básico “respondia a recomendações pedagógicas que se vieram a revelar prejudiciais. Em primeiro lugar erigindo a categoria de competências como orientadora de todo o ensino, menorizou o papel do conhecimento e da transmissão de conhecimentos, que é essencial a todo o ensino.” Ainda no mesmo despacho diz-se que “o conhecimento e a sua aquisição têm valor em si, independentemente de ser mobilizado para a aplicação imediata”. Afirma-se ainda que foram adotadas “versões extremas de algumas orientações pedagógicas datadas e não fundamentadas cientificamente. E fê-lo pretendendo impor essas visões como orientadoras oficiais de toda a aprendizagem”.

É caso para perguntar: em que estudos se baseou o ME para fazer estas afirmações? Ocorreu uma avaliação do currículo anterior? Que referências bibliográficas fundamentam estas afirmações e esta revisão curricular, totalmente omissas? E agora, não há a intenção de impor uma orientação pedagógica oficial?

A autora é mestre em Educação na área de especialização Didática da Ciência e escreve segundo o Acordo Ortográfico.

Por: MARIA P. S. LOBO ANTUNES

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