O caminho é certamente o de reforçar meios, incentivar culturas, estabelecer políticas, encorajar práticas.
Em 2006 as Nações Unidas aprovaram o texto de uma Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência. Esta Convenção foi ratificada por Portugal e vertida em Lei aquando da sua publicação em 2009 no Diário da República. Não estamos, pois, a falar de uma lei estrangeira, mas sim de uma lei que tem toda a legitimidade para ser considerada uma lei nacional.
Periodicamente a execução e cumprimento desta legislação é avaliada por comités de especialistas que, examinando o que os diferentes países foram concretizando, se pronunciam sobre o progresso que consideram que foi feito. Acaba de ser publicado o relatório que um grupo de especialistas internacionais produziu sobre os progressos que no nosso país foram feitos para que se cumprisse o que está determinado na Convenção.
Como muitas vezes sucede nestes casos a avaliação independente e internacional vem sublinhar e reforçar o que os atores mais atentos em cada país já vinham sentido, analisando e criticando. Sem dúvida que estas avaliações robustecem e apontam aspetos das políticas nacionais que, sem esta avaliação, poderiam ser desvalorizadas como simples “opiniões”. Cabe como ponto prévio dizer que a Convenção, no seu artigo 24º (1) reconhece explicitamente “o direito das pessoas com deficiência à educação. Com vista ao exercício deste direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os Estados Partes asseguram um sistema de educação inclusiva a todos os níveis e uma aprendizagem ao longo da vida (…)”. Comentaremos muito brevemente cinco aspetos que são referidos no relatório de avaliação das Nações Unidas sobre a Educação Inclusiva em Portugal.
Antes de mais é feita uma referência que não deve ser esquecida que em Portugal uma grande maioria de estudantes com deficiência frequentam as escolas públicas. Os dados disponíveis apontam para cerca de 98% o que é uma das percentagens mais elevadas que se podem encontrar em países tanto europeus como fora da Europa. Obviamente que estes números não são por si só um critério de qualidade, mas é importante sublinhar um esforço continuado de décadas que nos conduziu a ter esta percentagem de alunos com deficiência a receberem a sua educação em escolas públicas.
Um segundo ponto relaciona-se com a observação que o Comité faz sobre os cortes que a austeridade fez nos recursos humanos e materiais que deveriam apoiar estes alunos. É muito clara a relação que é estabelecida no relatório entre a efetividade dos apoios e o sucesso da Educação Inclusiva. Ouvimos nos últimos anos afirmar que não tinha havido cortes nos recursos e logicamente nos apoios. Este relatório vem confirmar que estes cortes existiram, que a austeridade teve um papel importante nestes cortes e que é urgente que estes cortes sejam revertidos e proporcionados recursos às escolas para poderem desenvolver culturas e práticas inclusivas.
Esta avaliação refere-se ainda às escolas de referência e considera-as estruturas de segregação e de discriminação. Muitas vezes foi sugerido em Portugal que se fizesse um estudo e uma avaliação sobre a bondade da medida das “escolas de referência”. Só um trabalho bem situado nas práticas e funcionamento destas escolas nos poderá informar sobre as suas vantagens. As informações que se dispõem são casuísticas e necessitariam de uma maior sistematização e abrangência. Fica, no entanto, e desde já, este alerta que aponta para os perigos iminentes de descriminação e segregação.
Um quarto aspeto respeita à recomendação para que o Estado garanta condições de igualdade em todos os níveis de ensino e à formação profissional. Aqui temos também um longo caminho a percorrer. Lembramos algumas etapas deste caminho: a) o insuficiente apoio aos estudantes com deficiência até aos 18 anos, b) o lacunar apoio aos estudantes universitários, c) o funcionamento de estruturas que garantam a formação profissional. É indispensável inverter a triste e injusta situação de pessoas com deficiência que apresentam níveis de escolarização, de formação e de emprego claramente inferiores aos da população sem deficiência.
Um último aspeto refere-se à importância que o relatório dá à criação de uma cultura inclusiva e de confiança para todos os alunos. Ainda que este relatório se refira explicitamente aos estudantes com deficiência não é abusivo considerar que estas mudanças, adequações, adaptações que as escolas devem fazer para os alunos com deficiência se destinam não só a eles mas a considerar uma escola que seja recetiva e hospitaleira (nas palavras de Derrida) para todos os alunos.
Estas “tomadas de vista” do exterior são usadas para engrossar argumentários políticos frequentemente de opiniões opostas. O importante, agora como antes, é ler tudo o que este relatório diz, entender a importância da opinião de pessoas que olharam para a nossa realidade de uma forma desassombrada e construtiva e sobretudo considerar e aprender com brio e humildade o que é dito. Pensar na Educação Inclusiva em Portugal como uma catástrofe em que está tudo por fazer, ou pensar na Educação Inclusiva como um feito extraordinário e em que tudo está resolvido são certamente dois pontos extremos que não nos ajudam a entender, a discutir e a melhorar o que é preciso e urgente ser melhorado.
O caminho é certamente o de reforçar meios, incentivar culturas, estabelecer políticas, encorajar práticas que nos aproximem mais e mais de uma escola que não pense só nos que os alunos devem ser mas também naquilo que eles são.
Por: David Rodrigues
Presidente da Pró-Inclusão / Associação Nacional de Docentes de Educação Especial, Conselheiro Nacional de Educação
In: Público
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