A Joana tem 6 anos.
Adora a escola, os amigos, a família, a irmã...e até agora guardou um terrível segredo...Foi recentemente diagnosticada com uma doença extremamente rara chamada Mucopolissacaridose tipo 3C, ou Síndrome Sanfilippo C.
NOTA IMPORTANTE:
A leitura deste texto NÃO É SUFICIENTE PARA OBTER TODA A INFORMAÇÃO.
O AJUDAS.COM salvaguarda a necessidade de recorrer a um médico especialista ou ao médico de família em caso de dúvida
Mucopolissacaridose tipo 3C, ou Síndrome Sanfilippo C é uma doença metabólica, em que a falta de uma enzima crucial (acetyl-CoA: α-glucosaminide N-acetyltransferase) faz com que exista acumulação de material tóxico (sulfato heparano) no seu corpo, mais concretamente no cérebro, atacando o seu sistema nervoso central.
Trata-se de uma doença neuro-degenerativa, em que com o tempo esta acumulação vai causando uma série de danos no cérebro, resultando numa progressiva perda de faculdades, nomeadamente a visão, fala, equilíbrio, demência e imensos problemas de motricidade. Infelizmente estas crianças não vivem muitos anos, uma vez que o seu corpo aos poucos vai sucumbindo a esta terrível doença.
É portanto de uma doença genética, autossómica recessiva, e faz parte do grupo das doenças dos lisossomas para a qual não existe actualmente qualquer cura ou terapia.
O facto de o sistema atacado ser o Nervoso, faz com que uma série de condicionantes ao desenvolvimento de uma terapêutica se imponham, dada a dificuldade de atravessamento da barreira hemato-encefálica.
Desde cedo, revelou atraso no desenvolvimento da linguagem. Aos 3 anos iniciou as consultas de desenvolvimento infantil. Pretendia-se que esse atraso na fala se revelasse o menor possível no futuro. Não havendo indicação de que algo mais de errado se passaria com a Joana, os pais seguiram todas as indicações dos especialistas: Terapia da fala, colocação de tubos nos tímpanos (duas intervenções cirúrgicas) devido a frequentes otites serosas e que poderiam afectar a audição e consequentemente a linguagem, inúmeros exames, etc....
Por insatisfação com as respostas dadas pelos especialistas, os pás mudaram três vezes de pediatra de desenvolvimento. Nenhum deles relacionou o atraso na linguagem, a hiperactividade, as infecções recorrentes nos ouvidos, a moderada hepato-megália, com nada específico. A Joana andou a ser seguida em inúmeras especialidades diferentes e foi mal diagnosticada pelo menos durante três anos.
Até à data o diagnóstico da Joana era a Perturbação de Hiperactividade com Défice de Atenção. Andou medicada para tal (com metilfenidato) durante um ano, com frequente ajuste de doses, dada a ineficácia da terapêutica. As variadas indicações dos especialistas de que no futuro a situação iria melhorar, deixava os pais minimamente tranquilos.
Mas a sensação de que algo não continuava bem e de que faltava qualquer peça que preenchesse o puzzle, fez os pais consultarem mais uma vez uma nova opinião. Desta vez um neuro-pediatra, que numa única consulta e com a prescrição de uma análise à urina, juntou a tal peça que faltava...
Depois de longos meses entre testes, exames e confirmação dos mesmos a Joana foi finalmente diagnosticada com Síndrome Sanfilippo C.
Os pais entraram num universo desconhecido, de enzimas, mutações genéticas, em que nada fazia sentido.
A sensação e a informação de que até agora os pais dispunham, de que tudo iria melhorar, com o tempo e a idade, caiu por terra. Afinal, com o tempo, tudo iria piorar!
Quanto mais conhecíam a doença, mais aumentava a revolta, o choque, a sensação de injustiça...Como é possível retirar desta forma a oportunidade de uma vida a uma criança? E como foi isto acontecer, dada a baixa incidência deste síndrome?
A revolta rapidamente deu lugar à vontade de mudar o destino da Joana.
A busca exaustiva por informação, levou os pais a trocar contactos com outros pais e especialistas noutras partes do Mundo, dada a inexistência de uma associação ou entidade específica da doença aqui em Portugal.
A raridade da doença e o facto do gene associado à mesma ter sido descoberto em 2006, justifica de alguma forma a ausência de terapêuticas.
Também não existe iniciativa das companhias farmacêuticas de promover investigação para estas doenças raras dada a baixa rentabilidade comercial e a dificuldade de retorno de investimento.
Assim a investigação é normalmente financiada particularmente e aquando da descoberta de uma terapêutica o acesso à mesma é feito através dos designados medicamentos órfãos.
Torna-se URGENTE:
- Promover a investigação para o tipo C
- Divulgar Sanfilippo - com o objectivo de alertar profissionais de saúde, pais, educadores, evitando erros de diagnóstico durante anos
- Encontrar outras famílias afectadas – o poder está nos números! Com certeza existem muitas mais crianças afectadas sem o saberem. A inexistência de um registo sobre o número de crianças afectadas, torna difícil conhecer com exactidão quantos somos. A demanda por uma cura tem de ser promovida pelo maior número possível de pessoas.
- Encontrar uma cura num futuro próximo, financiando a investigação – ajudar não só a Joana, mas também as gerações futuras.
O que é Sanfilippo Tipo C?
Síndrome Sanfilippo é uma doença hereditária do metabolismo que torna o corpo incapaz de degradar longas cadeias de moléculas de açúcares chamadas glicosaminoglicanos (GAGs) ou mucopolissacáridos. O
Síndrome pertence a um grupo de doenças chamadas de mucopolissacaridoses (MPS), mais concretamente é conhecida como MPSIII.
O Síndrome Sanfilippo ocorre quando as enzimas necessárias para degradar a cadeia de açúcar sulfato de heparano são inexistentes ou defeituosas. Assim este substrato (sulfato de heparano) é armazenado dentro dos lisossomas de cada célula no corpo. Por isso as mucopolissacaridoses pertencem ao grupo das chamadas doenças dos lisossomas.
Com a acumulação daqueles GAG’s ao longo do tempo, estes acabam por danificar as células, o que leva a uma progressiva deterioração do sistema nervoso central. No cérebro o nível de sulfato de heparano acumulado é crucial para o seu correcto funcionamento.
Até à data existem quatro tipos do Síndrome Sanfilippo, dependendo de qual a enzima afectada. Estes quatro tipos são designados de A, B, C e D. Cada tipo tem uma progressão diferente, sendo que o tipo A é considerado mais severo que o tipo C ou D. No entanto, todos os tipos são fatais e a progressão da doença acaba por seguir o seu rumo.
Sanfilippo Tipo A é o mais comum. Os pacientes com este tipo, ou não têm ou têm uma forma alterada de uma enzima chamada heparan N-sulfatase. Incidência 1:100 000.
Sanfilippo Tipo B ocorre quando existe deficiência ao nível de uma enzima chamada N-Acetyl-α-glucosaminidase. Incidência 1:200 000.
Sanfilippo Tipo C ocorre quando existe deficiência ao nível de uma enzima chamada acetyl-CoA: α-glucosaminide N-acetyltransferase. Incidência 1:1 400 000.
Sanfilipo Tipo D ocorre quando existe deficiência ao nível de uma enzima chamada N- acetylglucosamine6-sulfatase. Incidência 1:1 000 000.
A doença desenvolve-se em três estados:
O primeiro estádio torna-se normalmente óbvio até aos anos pré-escolares, com um ligeiro atraso no desenvolvimento global, caracterizando-se principalmente por atraso na linguagem, dificuldades de aprendizagem, infecções recorrentes ao nível dos ouvidos, diarreias.
O segundo estádio caracteriza-se por problemas comportamentais acentuados, hiperactividade e distúrbios do sono.
No terceiro estádio o corpo começa a sucumbir aos efeitos da acumulação tóxica do sulfato de heparano. Os problemas comportamentais desaparecem lentamente mas vários órgãos são afectados, bem como os ossos. Problemas de visão podem ocorrer. Perder a capacidade de comer, falar, andar, acaba por ocorrer.
Pacientes com o tipo A vivem normalmente até uma década.
Tipo C e D vivem normalmente até à terceira década.
O tipo B situa-se entre os dois espectros.
Projectos que se pretendem financiar:
Dr. Alexey Pshezhetsky, Universidade de Montreal, Canadá – aproximação terapêutica por ‘chaperones’ no recentemente criado modelo animal (rato) tipo C.
Parceria com Dr. John Hopwood, Austrália, especialista de renome na área, que se encontra a desenvolver terapias a serem testadas naquele modelo animal.
4 anos de financiamento ≅ € 500 000
Dr. Brian Bigger, Universidade de Manchester, Reino Unido - Ensaio clínico em humanos: Genistein, substância demonstrada eficaz ao nível da parte neurológica, com efeitos na redução dos GAG’s bem como da inflamação ao nível do cérebro. Efeitos ao nível do retardo da progressão da doença. Espera-se o início destes ensaios (fase II/III) no próximo ano ou dois, dependendo do financiamento.
Financiamento ≅ € 900 000
Dr. Daniel Grinberg and Dra. Lluïsa Vilageliu, Universidade de Barcelona, Espanha: proposta de desenvolvimento de quatro aproximações terapeuticas:
- terapia de redução do substrato por RNA interferência;
- terapia génica – através de um vector viral, um gene saudável é transportado, a fim de substituir o afectado;
- aproximação terapêutica para mutações nonsense;
- aproximação terapêutica baseada em morfolino oligonucleótidos;
Financiamento ≅ € 110 000 para um total de dois anos
Estudo da história natural da doença: estudo necessário para comercialização de qualquer terapêutica. Só é possível aferir a eficácia de uma terapêutica, se existir previamente um estudo de desenvolvimento da doença e que permita comparar a eficácia de uma terapêutica no curso normal da mesma.
Financiamento ≅ € 440 000 para um total de três anos
mail: rm.mps3c@gmail.com – pais da Joana
Este artigo foi reescrito por Sandra Morato, com o objectivo de sensibilizar a comunidade portuguesa para esta doença do foro raro, a qual não dispõe de muita informação e muito menos em português e também como um acto de apoio e solidariedade com os pais da Joana – para já um dos poucos casos portugueses diagnosticados.
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