sexta-feira, 21 de outubro de 2011

As birras acontecem porque há dois mundos diferentes

Mário Cordeiro afirma que é preciso perceber o que está em causa quando a "dona birra" aparece. É preciso explicar aos mais pequenos que, por vezes, é necessário mudar de jogada. O pediatra aborda os medos e as birras no seu último livro.


As birras fazem parte da vida e os medos também. Da vida dos mais novos e dos mais velhos. O que fazer quando não há maneira de convencer a criança a tomar banho? O que dizer quando os berros se ouvem no supermercado porque a compra não é satisfeita? Como contornar o choro quando o prato chega à mesa? Que estratégias usar quando se quer adiar os trabalhos de casa de amanhã? Mário Cordeiro diz que os pais não se devem sentir envergonhados, cansados ou esgotados com as birras. Elas existem e o importante é compreendê-las para saber como contorná-las.


As birras não significam um comportamento anormal ou desviante. Nada disso. "As birras são a expressão daquilo que é a frustração, quando mal assumida, gerida e metabolizada. Temos desejos e expectativas, e temos a realidade. E o fosso entre um lado e outro pode ser grande, sobretudo quando colocamos as fasquias muito altas e, simultaneamente, consideramos que a nossa vida é péssima", explica o pediatra ao EDUCARE.PT. O autor de O Grande Livro dos Medos e das Birras, livro recentemente editado, diz que, quando mal gerido, o hiato de frustração conduz à raiva, à vitimização, perplexidade, incompreensão, agressividade.


Os sentimentos multiplicam-se e crescer é um processo complexo. No caminho, é preciso aprender a lidar com as frustrações e os mais velhos devem mostrar aos mais novos que o mundo não acaba hoje, que há muito para fazer e que mudar de jogada, ou arranjar novas estratégias, fazem parte do prazer de viver. "Aprender a gozar o que se tem e não chorar sempre pelo que não se tem". A eterna insatisfação não conduz a lugar algum. "Mais do que não fazer birras é aprender a fazê-las, em qualquer idade", refere.


O que se tem e o que se quer podem não coincidir, o fosso entre os dois mundos pode ser grande, mas o importante é ter planos B na manga. "As crianças, por terem menos experiência e sabedoria, entenderem pior os seus sentimentos e não terem uma visão sistémica do mundo, além de serem, por default, muito 'umbiguistas', narcísicas e egocêntricas, ficam num emaranhado de sentimentos que não sabem gerir". Quase num beco sem saída. "Enquanto não arranjarem uma 'saída para a crise', entram em disrupção corporal, incapacidade de pensar e, por vezes, agressividade extrema e violência". Há casos em que basta uns minutos para se recomporem e voltarem ao sítio.


Não há milagres, nem receitas infalíveis, para prevenir birras. "Mas há bom senso, compreensão do 'enredo' da dona birra, perceção do que está em causa". E como explicar a uma criança que o seu comportamento é duvidoso? Com firmeza afetiva, dando um tempo para refletir e ajudá-la a ultrapassar o mau momento. Sempre mostrando que a disponibilidade é total.


Explicar que nem tem de abdicar dos seus desejos - quando muito, terá de adiá-los -, nem que a sua vida é má e rasteira. O que não pode ser permitido são manifestações violentas: cuspir, morder, arranhar, bater, atirar com coisas, etc."


Birras em miúdos, adultos caprichosos? Não há uma associação direta. "Há crianças mimadas no mau sentido, ou seja, têm tudo o que querem e, portanto, não se habituam a que o mundo do real é o mundo do possível e não do desejo e da fantasia. Quando acontece serem contrariadas ficam sem saber o que fazer". "Mas é verdade que uma criança que se habitua a fazer birras e, sobretudo, a ver as birras triunfarem e serem uma excelente moeda, nunca aprenderá a deixar de ser narcísica e omnipotente", adianta o pediatra.


O livro de Mário Cordeiro pretende transmitir aos pais, educadores e todos os interessados que as birras e os medos fazem parte do dia a dia e que há perigos em não saber dar a volta a essas situações. Numa parte mais conceptual, o autor aborda o medo da morte. "É um livro que, para mim, fala de nós próprios enquanto seres humanos, e acho que os leitores vão gostar dessa perspetiva.".


In: Educare

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