Há poucas oportunidades como o pré-escolar para anular a distância entre os que nasceram com tudo e os que não podem pedir aos papás que paguem o ballet, a música ou as explicações de matemática
Escolher uma creche ou jardim-de-infância será das decisões mais importantes que os pais tomam pelos filhos. Parece exagero, mas não é, garantem os especialistas. O pré-escolar é o princípio de tudo. É o ponto de partida que tem de arrancar bem para as crianças terem mais hipóteses de crescer e ser bem-sucedidas. Haverá poucas oportunidades como o pré-escolar para encurtar a distância que separa os sortudos dos menos afortunados, que não podem pedir aos papás que paguem o ballet, o teatro, a música ou até as explicações de matemática.
A creche e o jardim-de-infância são importantes para garantir a igualdade de oportunidades, mas isso só será verdade se oferecerem um plano educativo correcto às crianças, adverte o presidente da Associação de Jardins-Escolas João de Deus. “Um bebé oriundo de uma família muito desfavorecida ao ter acesso a uma creche com educadores de infância que sabem como estimular as suas funções cerebrais terá exactamente a mesma possibilidade de sucesso que o outro bebé, que nasceu numa família de um nível cultural e económico elevado”, defende António Ponces de Carvalho.
APRENDER A BRINCAR O pré-escolar é importante pela simples razão de grande parte das funções cerebrais do ser humano se desenvolver até aos cinco anos. Cálculo aritmético ou lógica são aptidões que se aprendem nos primeiros anos: “Mesmo a aprendizagem da leitura, sabe-se hoje, deve começar entre os quatro e os seis anos.” Boa parte do desenvolvimento do bebé depende portanto de uma educadora de infância que sabe o que está a fazer quando conta uma história ou brinca com jogos, plasticina ou folhas de papel: “É através destes estímulos que os meninos vão desen-volver as suas computações neuronais.” Sem esse bom ponto de partida, o de-senvolvimento neuronal será muito mais lento e limitado, diz Ponces de Carvalho.
É claro que nem tudo está perdido quando a criança perdeu essa oportunidade. É sempre possível aprender mais tarde. Só que nunca será com a mesma facilidade porque a estrutura cerebral perdeu a plasticidade que caracteriza a criança até aos cinco anos. E é por isso que o presidente das Escolas João Deus está convencido de que uma instituição que se limita a guardar as crianças enquanto os pais estão a trabalhar está a prestar um “péssimo serviço e a perder um tempo que é precioso para a criança crescer e se desenvolver em pleno”.
O pré-escolar é determinante não só porque ajuda a criança a crescer, mas também porque assume uma função diferente da escola básica, acrescenta o dirigente da Confederação Nacional de Associações de Pais (Confap). “Ao contrário do que acontece nos outros ciclos de ensino, em que a função dos encarregados de educação é complementar à escola, no pré-escolar há uma substituição do seu papel”, avisa Albino Almeida. Além de terem de assegurar os cuidados de saúde, a segurança, a educação e os afectos, as creches e os jardins-de-infância são os lugares onde os profissionais devem também estar preparados para detectar e despistar eventuais problemas, como dislexia, espectro de autismos, dificuldades auditivas ou de visão.
LIBERDADE DE ESCOLHA Escolher a melhor creche é no entanto uma capacidade muito limitada para os pais, defende o presidente da Confap: “Até aos três anos, não havendo oferta pública, a escolha fica muito limitada.” O resultado, explica Albino Almeida, são as “corridas desenfreadas” às instituições de futuras mamãs que querem assegurar um lugar nas escolas em que confiam: “Conseguir uma vaga depende sobretudo dos conhecimentos que se tem e das condições económicas”, diz Albino Almeida, defendendo que a escolha só acontece a partir dos três anos, em que além dos privados já existe uma rede pública de pré-escolar.
As listas de espera quilométricas são aliás o dia-a-dia das Escolas João de Deus em centros urbanos como Lisboa e Porto. “Tenho muitas crianças inscritas antes de nascerem. Damos prioridade aos irmãos e só essa regra é suficiente para preencher todas as vagas. Este ano, por exemplo, só nos três jardins-escola da capital temos milhares de candidatos”, conta Ponces de Carvalho. Por outro lado, há lugares por preencher nas zonas interiores, “o que é preocupante para um país que, sendo pequeno, encolhe ainda mais com esta concentração da população no litoral”.
Só que a liberdade de escolher o melhor pré-escolar para os filhos não se resume à maior ou menor oferta de instituições, avisa o dirigente da Associação de Escolas João de Deus.
Ao ter de optar entre público e privado, António Ponces de Carvalho questiona a possibilidade de escolher livremente quando “os pais têm por um lado de optar por uma instituição onde se paga e por outro por um jardim-de-infância que é gratuito”, remata.
In: I online
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