Enquanto o discurso for que “os professores não querem avaliação” e “os que se opõem são mal-intencionados”, vamos continuar a fazer de conta que tudo está bem.
O processo da avaliação dos professores para acesso à carreira está ainda longe de estar resolvido. Não adianta fazer manobras de diversão dizendo que é um assunto encerrado, que até foi decidido por Governos anteriores e que a contestação a esta prova é manipulada por umas poucas de pessoas desordeiras e mal-intencionadas. Estas opiniões, que têm sido veiculadas por pessoas responsáveis no Ministério da Educação (ME), procuram construir uma parede de normalidade e de certezas numa prova que está eivada de incorreções.
Recentemente, o Conselho Científico do Instituto de Avaliação Educativa considerou por unanimidade que esta prova não era válida para os fins a que se propunha. Esta posição de um órgão independente onde têm assento os representantes das associações de professores das disciplinas curriculares, não mereceu qualquer comentário do ME, como se fosse mais uma daquelas “ações desordeiras”. Afinal, o que será preciso mais, depois deste parecer, depois da contestação da comunidade científica das Ciências da Educação, depois da contestação dos sindicatos mais representativos da profissão, para que o ministério, de uma maneira honesta e cidadã, arrepie caminho?
Antes de mais, cabe dizer que a avaliação de professores é um processo essencial. Há muito que se devia saber (e atuar em conformidade) que a avaliação pode e deve ter uma função formativa e apontar áreas e justificações que podem melhorar o desempenho profissional. Os professores não são iluminados e inspirados por forças sobrenaturais: são inspirados pela análise reflexiva das suas práticas, pelos conhecimentos que adquirem e pelas atitudes que desenvolvem face à sua profissão. Assim, deve-se pugnar por uma avaliação que seja útil e ética, isto é, uma avaliação formativa. Como disse antes, a avaliação regular e formativa é essencial ao longo da carreira.
E no que respeita à entrada na carreira? Vejamos: é facilmente compreensível que, havendo mais candidatos do que vagas, existe a legítima possibilidade do empregador, neste caso o ME, usar processos de seleção que lhe permitam recrutar os melhores profissionais. Estes processos de seleção, no caso de um serviço público, devem ser escrutinados e conhecidos. Penso que não colhe o argumento que as instituições de formação são acreditadas e isso basta. Todos sabemos que há critérios e bitolas de classificação diferentes, já para não falar em todo o conjunto de práticas e modelos de formação que não permitem aquilatar com base só na classificação do curso a qualidade de um profissional diplomado. Isto não constitui uma desconfiança: é uma simples constatação da heterogeneidade de modelos de formação.
Mas então quais são as questões com a avaliação dos professores para a entrada na carreira? São múltiplas, mas gostaria de comentar três delas:
a) A presente avaliação não avalia o que pretende avaliar. Uma avaliação séria deveria fornecer dados sobretudo em três áreas: conhecimentos específicos sobre Ciências da Educação e das matérias que irão ser lecionadas, desempenho da profissão (ex: competências de planeamento, de intervenção, de interação, de avaliação, de cooperação de diferenciação do currículo, etc.) e atitudinais (atitudes mais ou menos positivas face ao papel da educação, da escola e do progresso dos alunos). Nenhuma delas é satisfatoriamente avaliada nesta prova;
b) Realizar uma prova sobre conhecimentos gerais é humilhante para qualquer profissional. Procurar selecionar pessoal com base em “questões de algibeira” menoriza o profissional e não dá qualquer informação sobre a sua capacidade profissional. Estes resultados são falaciosos fossem eles aplicados a professores, a membros do Governo, a médicos, etc.;
c) Diz-se que os 15% de professores que “chumbaram” na prova deram erros ortográficos inaceitáveis. Mas depois de toda a parafernália justificativa da adequação da prova em termos de conhecimentos gerais e específicos, não ficou claro se este assunto dos “erros ortográficos” não é um critério inesperado e de repente se tornou decisivo.
Para resolver esta trapalhada avaliativa, há vários modelos e possibilidades. Por exemplo, que exista um ano probatório; por exemplo, que a componente de trabalho de projeto ou estágio nos mestrados em Ensino seja repensada, em colaboração com o Ministério da Educação; por exemplo, que exista uma supervisão do estágio profissional que permita uma dupla certificação: para a escola de formação e para o Ministério da Educação.
Há muitas possibilidades se houver o desejo de ser ético, de enfrentar problemas complexos com justiça e com competência. Enquanto o discurso for que “os professores não querem avaliação” e “os que se opõem são mal-intencionados”, vamos continuar a fazer de conta que tudo está bem. Vai-se continuar a cometer incorreções e injustiças. E pior: vamos continuar a erosão de prestígio e de confiança que a profissão de professor ter sido alvo nos últimos anos.
Por: David Rodrigues
Professor universitário, presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial
In: Público
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