Bancadas da maioria recomendaram esta quinta-feira ao Governo que reveja diploma aprovado em 2012
Os grupos parlamentares do PSD e CDS defenderam nesta quinta-feira a revisão de uma portaria aprovada em 2012, que afasta das escolas secundárias os alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE) severas.
A portaria nº 275-A/2012 estabelece que estes alunos, que frequentaram o ensino básico com programas de estudo adaptados (os chamados currículos específicos individuais), terão um horário de 25 horas semanais quando passam para o secundário, das quais apenas cinco deverão ser passadas numa escola regular.
Em resposta a uma petição pela revogação da portaria 275-A/2012, assinada por 6445 pessoas, as bancadas da maioria apresentaram um projecto de resolução onde se recomenda ao Governo que proceda à revisão daquele diploma, já com efeitos a partir do próximo ano lectivo, de modo que se assegure que a passagem ao ensino secundário dos alunos com NEE “não represente uma descontinuidade” face ao percurso seguido por estes estudantes no básico, afirmou a deputada do PSD Catarina Almeida.
“Três anos foram suficientes para provar que a portaria está desajustada. É consensual que este diploma não só não é adequado, como não é cumprido, deixando desprotegidos os alunos com Necessidades Educativas Especiais”, corroborou a deputada do CDS, Inês Teotónio Pereira, para quem a portaria de 2012 assenta em dois princípios errados: “ ignora as famílias na definição dos percursos educativos de filhos e falta-lhe flexibilidade, ao reduzir o leque de alternativas propostas aos alunos com NEE e criando um fosso ainda maior face ao mercado de trabalho”.
Resultado: “muitos alunos estão a ser socialmente segregados da escola”, alertou a Associação de Pais pela Inclusão, que foi a promotora da petição. Em resposta a questões do PÚBLICO, o Ministério da Educação e Ciência também já indicou que está a considerar “a possibilidade de vir a rever” a portaria de 2012. O ministério adianta que “promoveu uma audição alargada de todos os intervenientes na área da deficiência, "estando agora a analisar os contributos recebidos para melhor decidir”.
No ano passado, o MEC constituiu um grupo de trabalho com o objectivo de “desenvolver um estudo com vista à revisão do quadro normativo regulador da educação especial”. Foram ouvidas 55 entidades. Entre as conclusões a que chegou este grupo de trabalho figura a alteração da portaria nº 275-A/2012.
A plataforma que esteve na origem da petição foi formada por mães com filhos com NEE. Pouco antes de seguirem para o Parlamento contaram ao PÚBLICO algumas das suas experiências e anseios.
Sara Martins: “Este não é o futuro que queremos"
"O meu filho Guilherme tem 13 anos e foi-lhe diagnosticado autismo aos três. Vivemos em Évora e ele está agora no 7.º ano, numa turma regular, mas beneficiando de alterações curriculares. É um rapaz pouco verbal, mas temos conseguido que o seu percurso académico esteja preenchido de oportunidades. É essa a inclusão em que acreditamos e a que exigimos da escola e do Ministério da Educação. O Guilherme fez o exame de escola no 6.º ano e teve um 4 e um 3 (numa escala de 0 a 5). Esta portaria veio dar um pontapé para trás ao apontar como destino a institucionalização. Não é esse o futuro que queremos para os nossos filhos. Porque isso não é futuro."
Marcelina Souschek: “Sabemos que os nossos filhos aprendem”
"Tenho cinco filhos. A Vera, que é a número três, tem trissomia 21. Tem 12 anos, está numa escola particular, onde frequenta o 5.º ano numa turma regular, mas com currículo adaptado. Acreditamos que eles são capazes, que lhes devem ser dadas oportunidades porque sabemos que os nossos filhos aprendem E as turmas onde eles estão acabam por ser as mais solidárias. É uma aprendizagem comum."
Sílvia Alves: “O que são 45 minutos semanais? Nada”
"O João tem 10 anos, tem um quadro de multideficiência e uma doença pulmonar. Tem capacidade cognitiva, mas poucas possibilidades de exposição às aprendizagens devido às suas necessidades de saúde especiais. Este ano, por causa da doença pulmonar, ainda não conseguir ir à escola. Está no 4.º ano num estabelecimento público da linha de Sintra, mas quando lá vai não estará mais do que uma hora na sua turma, depois é transferido para a unidade de multideficiências. Estão sempre a levantar obstáculos à sua frequência porque dizem que não têm quem o alimente por sonda ou mude as fraldas. Nos relatórios deste ano dizem que está a beneficiar de 45 minutos semanais de aulas por televisão. É o que a escola em conjunto com o Centro de Recursos para a Inclusão de Sintra dizem ser possível. Mas o que são 45 minutos semanais? Nada. Não lhe trazido qualquer aprendizagem."
Teresa Fernandes: "Como é possível serem empurrados para fora?"
"O Pedro tem 12 anos, é autista. Está incluído numa turma regular do 6.º ano, com currículo individual, mas numa escola que não tem unidade de multideficiências. O Pedro precisa de acompanhamento individualizado. Não sabe ler, nem escrever, mas já apresenta trabalhos aos colegas. Temos até agora conseguido implementar a inclusão. Vamos construindo estas oportunidades e depois, quando chegam ao secundário, são empurrados para fora da escola? São institucionalizados? Como é isto possível?"
Madalena Ferreira: “ O meu filho autista está na universidade"
"O meu filho Carlos (nome fictício) tem 20 anos, é autista e aluno universitário. Está no 2.º ano de uma licenciatura em cinema, numa universidade privada, porque foi a única que aceitou criar condições para o receber. Antes tentámos escolas profissionais e nenhuma o quis. Fez todo o seu percurso educativo em turma regulares, com muitos apoios, adaptações curriculares e professores que lhe deram muitas horas fora do seu horário normal. Diria que quem o diagnosticou, quando era muito pequeno, apontando para uma autonomia muito limitada, ficaria agora surpreendido. O que facilitou a vida do meu filho foi a integração numa turma regular. Não esteve armazenado numa sala na escola, como são as da multideficiência. Se no secundário o tivessem afastado estaria agora provavelmente entregue a instituições cuja vocação profissional é zero. Não aconteceu e não vai acontecer. Quero que o meu filho aprenda, que não viva de impostos, mas que os pague porque estará a trabalhar."
Paula Jardim: “Quero ter o direito de escolher”
"O Manuel tem 16 anos e um espectro de autismo pouco verbal. Está no 10.º ano com Currículo Específico Individual e a maior parte do sue tempo na escola é passado numa turma regular. Tem um programa desenhado para ele, que está a funcionar muito bem. É uma aprendizagem para todos, para ele, para os seus colegas e professores. E sinto o Manuel muito contente. São escolhas que têm sido muito importantes para o seu crescimento. Se a portaria lhe tivesse sido aplicada iria passar cinco horas na escola e 20 horas numa instituição que não teria capacidade de promover as actividades que o Manuel está a fazer e que o estão a ajudar a crescer. Quero ter para este meu filho o mesmo direito de escolher que tive para a minha filha mais velha."
In: Público
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