É muito gratificante saber que o Conselho Nacional de Educação publicou, depois de aprovar por unanimidade, um relatório em que analisa o fenómeno das reprovações. Muito já se tinha vindo a dizer e a comprovar sobre esta matéria, mas é muito positivo que o órgão consultivo mais qualificado do país venha assumir uma posição tão unânime e afirmativa.
A publicação deste relatório esclarece vários pontos. Antes de mais, que as reprovações não têm nada que ver com a exigência do sistema educativo. Os sistemas educativos exigentes, aqueles que procuram sinceramente cumprir a missão para que foram criados, são aqueles que mais apoiam os alunos que evidenciam dificuldades. Os relatórios internacionais mostram que os países que têm melhores resultados educativos são também aqueles que mais apoio prestam aos alunos com dificuldades e em que a diferença entre os bons alunos e os maus alunos é menor. Assim, o que as reprovações evidenciam é um sistema que negligencia as dificuldades dos alunos e que, ingenuamente, confunde exigência com carência de apoios. Sempre me lembro da história verídica de um professor que, depois de se vangloriar que reprovava muitos alunos, pensando que com isto se promovia junto dos seus colegas, ter ouvido de um deles: "O colega tem muita sorte por ensinar em Portugal: se fosse nos Estados Unidos, ao reprovar essa percentagem de alunos, era despedido por incompetente".
Há, pois, uma confusão sobre o real significado das reprovações: onde alguns veem o toque de qualidade, outros – incluindo o Conselho Nacional de Educação – veem uma situação embaraçosa e injusta. Perseguir a excelência sem apoiar efetivamente os alunos com dificuldades é uma posição que mostra ignorância sobre o que são os desafios atuais da Educação e, sobretudo, sobre a forma como é possível que a Educação vença as desigualdades.
Tornou-se óbvio que as repetências são injustas e despesistas. São injustas porque, quase sempre, acontecem em consequência de não terem sido tomadas atempadamente medidas que evitassem ter de se chegar à situação de reprovar o aluno. O aluno acaba assim por representar o "elo mais fraco", isto é, aquele que arca com as consequências por outras instâncias não terem assumido as suas responsabilidades. É ainda injusta porque, apesar de o aluno poder ter a aprovação em certas disciplinas, a reprovação obriga-o a repetir todas, mesmo aquelas em que ele foi aprovado, o que constitui uma punição mesquinha. É injusta ainda porque a reprovação não prevê que se identifiquem e se procurem resolver as causas da reprovação: a simples "repetência" (termo muito elucidativo…) resolveria a questão. Por fim, é ainda injusta porque os seus efeitos vão muito para além da procura da aprendizagem: sabemos que a repetência é um processo humilhante, que desmotiva, que aumenta a probabilidade de o aluno repetir de novo e incrementa a possibilidade de o aluno abandonar precocemente o sistema de ensino (aspeto em que Portugal – inerentemente – é triste exemplo).
A reprovação é também um modelo despesista. Avalia-se em cerca de 4.000 euros o custo de cada repetência (gastos per capita de um ano de ensino). Se tomarmos o número de 150.000 reprovações anuais, chegamos, por alto, ao valor de 600 milhões de euros. Isto sem contar com todas as outras despesas inerentes à repetência. Ora, não seria muito mais lógico, útil e justo que se investisse este dinheiro e o mais que fosse preciso de forma a apoiar estes alunos de modo a que eles não reprovassem?
Levanta-se por fim a questão: se este processo é tão injusto, ineficiente e deseducativo, porque é que ele permanece? A resposta é complexa porque para ela concorrem muitos níveis de explicação. Pode-se avançar com dois que talvez sejam mais determinantes. O primeiro é que vivemos tempos de políticas conservadoras em Educação. O temor quase psicanalítico de "os alunos passarem sem terem aprendido" acaba por justificar as reprovações em nome de uma ideia irreal de qualidade. Em segundo lugar, só será possível diminuir drasticamente as reprovações provendo a escola de meios de apoio à aprendizagem, nomeadamente professores de apoio, professores de Educação Especial, outros técnicos e recursos de apoio a uma aprendizagem personalizada. Se estes apoios não chegarem à escola, se continuarmos a reduzir o número de professores, de apoios e de recursos, não há outra possibilidade que não seja a de continuar a separar os alunos em "bons" (que passam) e "maus" (que reprovam). O problema é que esta separação, para além de injusta, liga o temporizador de uma bomba social que irá tornar as nossas sociedades ainda mais desiguais, injustas e conflituosas. A reprovação constitui uma mensagem muito clara de que a Educação não é justa para todos. A expressão popular é muito feliz: reprovar é levar um tiro de chumbo como os coelhos e as perdizes. Não será possível oferecer nada de melhor aos 35% de jovens portugueses que aos 15 anos já levaram pelo menos uma vez um tiro destes?
Por: David Rodrigues
Professor universitário, presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial
In: Público
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