No início de cada ano lectivo, milhares de alunos entram num território completamente desconhecido e bastante assustador. Não existem horários e eles mesmos devem organizar os seus. Não existem directores de turma, turmas ou números para a “chamada” do início das aulas. Os professores não lhes conhecem os nomes e provavelmente continuarão a não conhecê-los no final do ano lectivo. Não existem manuais e as indicações de leitura parecem bulas de medicamentos estrangeiros. Por vezes, entram em salas com quase 100 alunos, nas quais até os lugares no chão escasseiam. “Doutores” e “engenheiros” sem diplomas ridicularizam, rebaixam, exigem ser tratados com deferência. Bem-vindos ao ensino superior!
Se a transição do ensino secundário para o ensino superior é exigente para todos os alunos, imagine-se para aqueles que têm necessidades educativas especiais.
Até ao final da escolaridade obrigatória, o decreto-lei 03/2008 regula um conjunto de apoios e ajustamentos para garantir a igualdade de oportunidades aos alunos com necessidades educativas especiais de carácter permanente. As medidas previstas, que não comprometem a progressão académica do aluno nem o seu acesso a níveis superiores de ensino, vão desde o apoio pedagógico personalizado, às adequações no processo de avaliação e às adequações curriculares individuais. Em complementaridade, cada ano lectivo, o Júri Nacional de Exames delibera um conjunto de orientações para aplicação de condições especiais na realização de provas e exames do ensino básico ao secundário para estes alunos.
As medidas adoptadas, na frequência e na prestação de provas e exames do ensino básico e secundário, permitem que cada vez mais alunos com necessidades educativas especiais ingressem no ensino superior. A legislação define como alunos com necessidades educativas especiais aqueles que têm “limitações significativas ao nível da actividade e da participação, num ou vários domínios de vida, decorrentes de alterações funcionais e estruturais, decarácter permanente, resultando em dificuldades continuadas ao nível da comunicação, da aprendizagem, da mobilidade, da autonomia, do relacionamento interpessoal e da participação social”. Perante esta definição, na qual saliento os conceitos “permanente” e “continuado”, não deixa de ser surpreendente que, uma vez no ensino superior, não exista legislação nacional que garanta a igualdade de oportunidades a estes alunos. Chegados a este território desconhecido e assustador, os alunos com necessidades educativas especiais ficam à mercê de regulamentos e estatutos específicos, quando existem, de serviços/pessoas de referência para o acolhimento de alunos com necessidades especiais, quando existem, e, de um modo geral, da boa vontade de alguém, quando existe.
Com o objectivo de informar e apoiar estes alunos, o Grupo de Trabalho para Apoio a Estudantes com Deficiência no Ensino Superior (GTAEDES) detalha no seu website os apoios existentes (ou não existentes) em instituições de ensino de Norte a Sul do país e ilhas, incluindo o serviço ou pessoa de contacto, a existência regulamento ou estatuto específico e a possibilidade de ajustamentos no processo ensino aprendizagem.
Ainda que a maioria dos estatutos e regulamentos existentes apenas contemplem alunos com deficiência visual, auditiva, dificuldades na mobilidade e dificuldades de aprendizagem específicas, tenho encontrado boas intenções na realização de ajustamentos a alunos com outras necessidades especiais de carácter permanente, nomeadamente, perturbações psicóticas e perturbações do espectro do autismo. Porém, a escassez de recursos, de disponibilidade e de conhecimento continua a manter muitos alunos com potencial e direitos longe das cerimónias de entrega de diplomas.
Por: Sandra Pinho
Psicóloga Clínica, CADIn
In: Público
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