Desde o início da criação dos Centros de Recursos para a Inclusão, estruturas dependentes, por exemplo, das Instituições de Educação Especial, cujo espaço de intervenção estava em profunda alteração mercê de uma orientação política de colocar, não lhe quero chamar integrar, nas estruturas de ensino regular as crianças e adolescentes com necessidades educativas especiais, referi publicamente as minhas reservas face a este modelo e entendi-o como um enorme equívoco que, seria uma questão de tempo, adiante se perceberia. O percurso observado e a situação actual ilustra com clareza esse meu entendimento que, aliás, mereceu alguma discordância incluindo de pessoas ligadas às estruturas envolvidas.
Os tempos de aperto financeiro e os contornos da PEC - Política Educativa em Curso, em que o esforço é de normalização e cortes nos dispositivos de apoio a alunos com dificuldades sérias vieram acelerar a evidência do equívoco. Depois de já em 2012 algumas instituições terem suspendido os apoios para pressionar o MEC nas questões de financiamento, neste momento estamos de novo com as instituições a entenderem a incapacidade de providenciarem os apoios por asfixia financeira e decisões administrativas da tutela ameaçando com a paragem da prestação de serviços de apoio.
Estas crianças e jovens, as suas famílias, professores e técnicos, especializados ou do ensino regular não vão estranhar, conhecem, sobretudo sentem, um conjunto enorme de dificuldades para, no fundo, garantir não mais do que algo básico e garantido constitucionalmente, o direito à educação de qualidade e, tanto quanto possível, junto das crianças da mesma faixa etária. No fundo, é apenas mais uma vez que vêem os seus direitos atropelados por quem deveria ser o garante do seu cumprimento.
Por outro lado, a situação agora criada mostra como o modelo de parceria decidido é desajustado e carece de reforma apesar da avaliação positiva presente no estudo encomendado pela Direcção-Geral da Educação ao Centro de Reabilitação Profissional de Gaia, "“Avaliação das Políticas Públicas – Inclusão de Alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE): O Caso dos Centros de Recursos para a Inclusão”.
Afirmava-se, “Os recursos humanos, físicos e financeiros afetos ao modelo de educação inclusiva não serão completamente adequados, afetando a ação dos CRI e dos próprios agrupamentos de escolas e escolas, bem como o desenvolvimento e aprendizagens dos alunos com necessidades educativas especiais”. No entanto, apesar das dificuldades enunciadas, era referida a avaliação "bastante positiva" por parte de alunos, encarregados de educação, professores das escolas de ensino regular e técnicos dos Centros de Recursos para a Inclusão.
Também já afirmei que apesar de não conhecer o Relatório e sem exprimir, portanto, nenhuma reserva face a metodologias e isenção, julgo que o estudo deveria ser realizado por entidades externas ao universo em estudo. O MEC ensinou-nos a ser cautelosos, por assim dizer.
O Secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário fez em entrevista ao DN em Março de 2015 a apologia do modelo instituído, reconhece falta de meios e recursos pelo que afirma estarem a ser feitos progressos, "No atual ano letivo, já reforçámos em cerca de 20% o financiamento da educação especial para os CRI", o apoio passou de 8,6 milhões de euros para 10,4 milhões. Afirma ainda a intenção de reforço e alargamento do número e do prazo dos contratos a estabelecer.
Do meu ponto de vista, um dos problemas da designada educação especial é justamente este modelo que não parece ser questionado na avaliação. O MEC, dentro da sua visão política de normalização e selecção, desinveste na educação e escola públicas e vai entregando à iniciativa privada serviços educativos, repito serviços educativos, que no âmbito da escolaridade obrigatória deveriam ser da responsabilidade e competência dos serviços educativos públicos.
De facto, tem-se desenvolvido a prestação por parte de estruturas privadas de serviços educativos não só dos Centros de Recursos para a Inclusão como também empresas de prestação de serviços na área dos apoios ou da psicologia.
Não quero, nem devo, discutir aqui a natureza específica, quer em termos de adequação, quer de qualidade da intervenção dos técnicos envolvidos, conheço experiências muito positivas e experiências verdadeiramente atentatórias contra os direitos dos alunos a uma educação de qualidade.
A minha questão é o modelo que a suporta e os recursos necessários. A situação existente assume um modelo errado, ineficaz, independentemente do esforço e competência dos profissionais envolvidos. Trata-se, também aqui, de mais uma entrega de serviço público à iniciativa privada sendo que esta “entrega” está hipotecada aos recursos disponíveis e à visão política que, como sempre, desvaloriza os grupos mais vulneráveis.
Como é que se pode esperar que alguém de fora da escola, fora da equipa, técnica e docente, fora dos circuitos e processos de envolvimento, planeamento e intervenção, com pouco tempo de permanência na escolas, desenvolva um trabalho consistente, integrado e bem-sucedido com os alunos e demais elementos da escola?
Se se entende que os técnicos podem ser úteis na escola como suporte às dificuldades de alunos, professores e pais, em diversas áreas, não substituindo ninguém, mas providenciando contributos específicos para os processos educativos, então devem fazer parte das equipas das escolas, base evidentemente necessária ao sucesso da sua intervenção.
Quero ainda referir que as estruturas como os designados CRI podem e devem ter um papel importante no universo da educação, por exemplo na chamada transição para a vida activa no final e após a escolaridade obrigatória ou na prestação de apoios altamente especializados, que deve ser enquadrado pelas escolas no âmbito da sua autonomia que vai sendo beliscada apesar da retórica do MEC.
Parece-me, no entanto, que qualidade e EDUCAÇÂO inclusiva não são muito compatíveis com um modelo que assenta no "outsourcing" apesar, repito, de algumas boas práticas que se conhecem.
Texto de Zé Morgado
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