Horários reduzidos e vencimentos baixos levam centenas de professores a recusarem AEC. Autarquias tiveram que oferecer disciplinas alternativas.
A disciplina de Inglês nas Actividades de Enriquecimento Curricular (AEC) não está a chegar a todos os alunos do 1.º ciclo. Os baixos vencimentos pagos aos professores e os horários muito fragmentados levaram à existência de centenas de recusas de candidatos, o que fez esgotar as listas de docentes disponíveis em vários municípios O fenómeno aconteceu sobretudo no Norte do país e levou as câmaras a optarem por concentrar oferta no 3.º e 4.º anos, dando aos alunos mais novos disciplinas alternativas.
Os casos mais graves recolhidos pelo PÚBLICO aconteceram no Minho. A Câmara de Braga conseguiu colocar todos os professores de AEC no início do ano lectivo, excepto os de Inglês e, em Outubro, já tinha esgotado a lista de candidatos face ao número de desistências. Com 40 horários por preencher, a autarquia “procedeu a um novo concurso de Inglês, mas só conseguimos colocar 17 professores”, revela a vereadora da Educação, Lídia Dias. Os restantes 23 horários foram preenchidos com outras actividades, como Ciências Experimentais, Expressão Musical, Expressão Dramática e Expressão Plástica, escolhidas pelos agrupamentos em função dos professores disponíveis.
Ao todo, 306 professores recusaram ir dar aulas nas AEC de Braga. Em Guimarães, o número de recusas foi ainda superior (366) e as listas de candidatos no Inglês também foram esgotadas. A solução foi “tentar algumas permutas”, de forma a garantir que pelo menos os alunos do 4.º ano têm todos Inglês, “atribuindo uma outra área aos restantes anos de escolaridade”, explica a vereadora Adelina Paula Pinto.
O esgotamento das listas de candidatos a professores das AEC aconteceu também em Nelas, no distrito de Viseu. Ainda assim, a autarquia conseguiu colocar todos os horários previstos. Em Espinho, nenhum horário ficou por ser atribuído, “mas houve uma diminuição clara do número de candidatos a manifestar interesse nos horários das AEC”, revela fonte da autarquia.
Entre os motivos apresentados pelos docentes para esta recusa em dar aulas aos alunos do 1.º ciclo está, sobretudo, o facto de os horários das AEC serem reduzidos (entre cinco e oito horas semanais, tipicamente). “Isso condicionou os interessados devido à remuneração”, explica Rui Costa, vice-presidente da Câmara de Alenquer, outro município onde houve dificuldade em colocar professores.
Os docentes queixam-se ainda de que os horários das actividades são “completamente desestruturados”, o que os obriga a fazer o serviço em itinerância permanente, “às vezes deslocando-se para escolas muito distantes umas das outras, com uma retribuição salarial miserável”, ilustra Celeste Duarte, do Sindicato dos Professores da Região Centro.
O despacho que regulamenta as AEC foi publicado no Verão passado (ver caixa) e esteve no centro da polémica motivada em particular pelo fim da obrigatoriedade da oferta do Inglês e pelo recurso obrigatório a professores dos quadros de cada agrupamento para estas aulas. O Governo abriu então a possibilidade de esta oferta passar para a parte curricular, de frequência obrigatória, desde que as escolas tivessem meios para tal, ou seja, professores disponíveis. Segundo o MEC, a manutenção da oferta de Inglês nas AEC ou a sua passagem para a parte curricular “está no âmbito da autonomia das escolas”, razão pela qual cessou a obrigatoriedade de esta oferta surgir nas Actividades de Enriquecimento Curricular, que se prolongam até às 17h30.
Entre as alterações recentes, houve também cortes na comparticipação do Estado nos custos do 1.º ciclo, o que levou muitos municípios a não assumirem durante este ano lectivo a gestão das AEC, que foram entregues às associações de pais e IPSS ou, na maioria dos casos, aos próprios agrupamentos escolares. Mais de 60% das autarquias contactadas pelo PÚBLICO ao longo das últimas semanas não têm este ano responsabilidades directas sobre esta oferta.
Governo não volta a mexer na lei
Depois das modificações introduzidas nas AEC antes do início do ano lectivo em curso, o Ministério da Educação e Ciência (MEC) não vai voltar a mexer, no curto prazo, no quadro legal que regula a oferta de actividades complementares para os alunos do 1.º ciclo do ensino básico. Mesmo com os problemas que se registaram ao longo do ano um pouco por todo o país, a tutela não tem prevista nenhuma alteração para o próximo ano lectivo.
O Despacho n.º 9265-A/2013, que regula as AEC, foi publicado em Julho do ano passado e “não está prevista para o ano lectivo 2014/2015 a introdução de qualquer alteração ao modelo de funcionamento das AEC”, informa o gabinete de comunicação do ministério liderado por Nuno Crato. A tutela salienta ainda que as entidades promotoras podem “desde já organizar e definir as áreas que constituirão a sua oferta” a pensar no próximo ano lectivo, de modo a evitar possíveis atrasos na colocação dos docentes. com Jorge Talixa, Patrícia Carvalho, Sara Dias Oliveira, Maria João Lopes, Idálio Revez, Sandra Rodrigues
In: Público
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