segunda-feira, 25 de agosto de 2014

"O MUNDO, O MUNDO É A RUA DA TUA INFÂNCIA"



Um trabalho interessante no Público sobre as actuais circunstâncias de vida das crianças, muito tempo em casa e o mundo espreitado através dos ecrãs, leva-me a retomar algumas notas sobre a importância do brincar e andar na rua, situação que tem vindo a desaparecer da vida de muitos miúdos.

É certo que as questões da segurança e, sobretudo, dos estilos de vida e a mudança verificada nos valores e nos equipamentos, brinquedos e actividades dos miúdos, o brincar na rua começa a ser raro. Aliás, para muitos miúdos quase que se pode dizer que brincar é mesmo uma actividade que vai ficando em desuso. A prioridade é aprender, aprender muito, aprender tudo, ser excelente em tudo e não perder tempo com inutilidades como brincar.

Embora consciente das questões como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível “devolver” os miúdos a circular e brincar na rua, de formas que a peça sugere e talvez com a supervisão de velhos que estão sozinhos as comunidades e as famílias conseguissem alguns tempos e formas de ter as crianças por algum tempo fora das paredes de uma casa ou escola onde passam tempos infindos, centro comercial, automóvel, de ateliers onde desenvolvem inúmeras actividadas fantásticas que promovem competências fantásticas ou dos ecrãs, a ponte pela qual muitas crianças e adolescentes visitam o mundo que as rodeia e no qual muitas crianças e adolescentes vivem trancadas.
No imperdível “O Mundo, o mundo é a rua da tua infância”, Juan José Millás recorda-nos como a rua, a nossa rua foi o princípio do nosso mundo e nos marca. Quantas histórias e experiências muitos de nós carregam vindas do brincar e andar na rua e que contribuíram de formas diferentes para aquilo que somos e de que gostamos.

Como muitas vezes tenho escrito e afirmado, o eixo central da acção educativa, escolar ou familiar, é a autonomia, a capacidade e a competência para “tomar conta de si” como fala Almada Negreiros. A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente), os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa autonomia.

Curiosamente, se olharmos às nossas condições climatéricas, Portugal é um dos países com valores mais baixos no tempo dedicado a actividades de ar livre, situação com implicações menos positivas na qualidade de vida, nas suas várias dimensões, de miúdos e crescidos.

Talvez, devagarinho e com os riscos controlados, valesse a pena trazer os miúdos para a rua, mesmo que por pouco tempo e não todos os dias. Eles iriam gostar e far-lhes-ia bem.
Aliás, brincar é actividade mais séria que as crianças realizam.

Texto de Zé Morgado

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