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Espaço crítico e construtivo, mas acima de tudo um espaço de partilha de saberes e vivências. Discutamos a EDUCAÇÃO ESPECIAL em tempos de mudança.
quinta-feira, 30 de outubro de 2014
quarta-feira, 29 de outubro de 2014
As nossas Malalas
A história de Malala Yousefzai é bem conhecida: tendo teimado, contra os dirigentes talibans do seu país em ir à escola, acabou baleada e, tendo sido resgatada da morte, tornou-se uma líder mundial advogando o direito de todas as crianças usufruírem do Direito à Educação. Há cerca de duas semanas Malala foi galardoada com o Prémio Nobel da Paz por esta curta mas intensa e justa dedicação a uma causa tão nobre. À nossa causa como educadores e professores.
Ao mesmo tempo que a imprensa divulgava a atribuição do Prémio Nobel a Malala outra notícia apareceu. Menos mediática, logo esquecida. Num bairro social do Zambujal – Amadora, durante a noite incendeia-se uma habitação social. Lá dentro estavam cinco crianças a dormir. Os pais não estavam em casa e a mais velha das crianças tinha 13 anos. Quando o fogo se declarou, esta menina de 13 anos carregou ao colo os irmãos para os salvar das chamas e conseguiu salvá-los a todos. Só ela, depois de os ter posto a salvo sucumbiu e veio a falecer. Esta menina era responsável pelos irmãos dado que os pais desempregados e usufrutuários do RSI, não estavam na altura em casa. Era ela que ia pedir comida para dar aos irmãos, era ela, criança/mãe, que assegurava a precária sobrevivência deles. E como seria esta menina/heroína na escola? Talvez uma menina desatenta, talvez com mau aproveitamento escolar. Talvez… não sei… mas iria jurar que não tinha aproveitamento para entrar num curso de educadora de infância. Mas era ela, no dizer de uma vizinha que “Era uma menina lindíssima e muito crescida. Era ela que levava os irmãos à escola e que tratava deles”. Desta menina que no meio de condições duríssimas tratava dos irmãos, que os alimentava, os levava à escola não sabemos muito mais exceto que morreu por não se ter salvo, por ter trocado a vida dela, pela deles.
Sabem qual é o nome dela? Eu também não sei. Consultei dois jornais, vi duas vezes a notícia na televisão e o nome dela não apareceu. É só “a irmã mais velha”, “a menina de 13 anos”.
Não sei o teu nome mas para mim tu és feita da mesma matéria de grandeza, de humanidade e de amor que é feita a Malala de que todos sabem o nome.
Hoje para que não me esqueça de ti vou acender uma luz em minha casa e chorar por dentro pelas crianças que não tendo recebido quase nada, são capazes de dar quase tudo.
Por: David Rodrigues
Presidente da PIN-ANDEE
In: 77.ª newsletter da Associação Nacional de Docentes de Educação Especial
Saiba se é um adulto com défice de atenção e hiperatividade
Cerca de 75 por cento dos adultos com PDAH apresenta pelo menos uma outra perturbação psiquiátrica e cerca de 30 por cento apresenta duas ou mais perturbações
«PDAH» pode não soar-lhe a nada, e pode ser uma sigla desconhecida para si, mas é importante saber que é a denominação que corresponde à Perturbação de Défice de Atenção e Hiperatividade, um problema crónico de desatenção que perturba não só as crianças, como os adultos.
Sim, há adultos que sofrem de défice de atenção e de hiperatividade. Em Portugal, segundo o estudo epidemiológico nacional de saúde mental, realizado em 2013, a incidência é de 0,4 por cento nos adultos, enquanto nas crianças o número é um pouco mais elevado: 4,6 por cento.
Os autores deste estudo entrevistaram 2.060 indivíduos com mais de 18 anos de idade e utilizaram os instrumentos de avaliação do Inquérito Mundial da Saúde Mental (IA-WMHS), que tem um módulo que serve para fazer diagnósticos psiquiátricos, entre os quais transtornos de controlo dos impulsos, incluindo a PDAH.
Ainda que os números sejam baixos, a especiaista Sandra Pinho do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil (CADin) desmistifica este problema:
«A perturbação de défice de atenção e hiperatividade (PDAH) é a designação usada para descrever um problema crónico de desatenção, o que perturba o funcionamento no estudo, no trabalho e nas relações familiares e sociais.
Cada vez mais rapazes e raparigas, homens e mulheres, são diagnosticados com esta perturbação. Contudo, o que está a aumentar não é o número de pessoas com problemas de desatenção, mas sim o número de pessoas que reconhecem as suas dificuldades como sintomas de uma perturbação tratável, que ocorre tanto nos homens como nas mulheres, tanto nas crianças como nos adolescentes e adultos. Estas pessoas existiram em todas as gerações. No entanto, eram provavelmente interpretadas como pouco capazes, preguiçosas, imaturas ou desmotivadas.
À medida que professores, psicólogos e psiquiatras testemunham as melhorias notáveis que se obtêm com o tratamento da PDAH, vão ficando mais alerta para os sintomas desta perturbação e sugerem a avaliação e intervenção para aqueles que possam beneficiar.
As pessoas com PDAH habitualmente experimentam dificuldades em áreas como a organização no trabalho e no estudo, a gestão do tempo e do dinheiro, a toma de medicamentação e as relações interpessoais. Na maioria dos casos, os sintomas de PDAH persistem na adolescência e idade adulta tornando-se até mais problemáticos.
Por definição, a PDAH deve desenvolver-se antes dos 7 anos de idade, mas frequentemente esta perturbação só é diagnosticada mais tarde. Tratando-se de uma desordem das funções executivas, e torna-se mais incapacitante à medida que o desenvolvimento do indivíduo impõe mais exigências a estas funções.
As exigências de autocontrolo e autorregulação aumentam rapidamente na escola básica e secundária e, sobretudo, nos primeiros anos do ensino superior. Nesta fase, os estudantes enfrentam uma série de exigências de organização e controlo das suas atividades cognitivas e sociais. Além disso, os pais começam a retirar a ajuda na organização e a exigir que o jovem se autonomize.
A transição para a idade adulta representa inúmeros desafios às funções executivas do cérebro como gerir o tempo, o dinheiro e, por vezes, um lar; organizar o estudo; procurar e manter um emprego; moderar uso de substâncias; obter cuidados médicos; fazer e manter relacionamentos, entre outros. Assim, é nesta fase de forte apelo às funções executivas do cérebro, que muitos jovens e adultos com PDAH poderão enfrentar dificuldades mais flagrantes e incapacitantes, recorrendo a avaliações médicas das quais resultam o diagnóstico de PDAH.
Os sintomas centrais da PDAH são a desatenção, a impulsividade e a hiperatividade (manifestada, no adulto, por uma atividade mental incessante, sensação de inquietação e incapacidade para se envolver em atividades calmas ou sedentárias).
Contudo, no adulto, esta perturbação envolve frequentemente outras dificuldades: a procrastinação (o adiar sistemático de atividades ou projetos importantes), a baixa tolerância à frustração, as rápidas variações do humor, a baixa autoestima, a desorganização (dificuldades na gestão do tempo e do dinheiro, na organização no lar, no trabalho e no cumprimento de prazos), os problemas de atitude no relacionamento com chefias, colegas e amigos, a dificuldade em controlar os impulsos nos relacionamentos interpessoais, a procura de sensações fortes e a gratificação imediata (resultando em consumos excessivos, comportamentos sexuais de risco e acidentes de viação).
Cerca de 75 por cento dos adultos com PDAH apresenta pelo menos uma outra perturbação psiquiátrica e cerca de 30 por cento apresenta duas ou mais perturbações.
Entre as que mais frequentemente surgem associadas à PDAH estão: as perturbações do humor (depressão, mania, distimia), as perturbações da ansiedade (desordem de pânico, fobia social, agorofobia, etc.), as perturbações de oposição e de conduta, a perturbação obsessivo-compulsiva, as dificuldades específicas de aprendizagem (dislexia, disgrafia, discalculia), o abuso de substâncias, as perturbações do sono, a síndrome de Tourette.»
Sintomas de desatenção em adultos:
Ter dificuldade em manter a atenção na leitura
Ter dificuldade em completar tarefas
Ter dificuldade em gerir o tempo
Ser distraído e esquecido
Ter fraca concentração
Ser desarrumado
Sintomas de hiperatividade em adultos:
Ser irrequieto
Ter os mãos ou pés inquietos quando está sentado
Falar excessivamente
Sentir-se oprimido
Fazer uma seleção de empregos «ativos»
Sintomas de impulsividade em adultos:
Ser irritável e zangar-se facilmente
Conduzir com excesso de velocidade, provocando alguns acidentes de viação
Mudar impulsivamente de emprego
In: TVI24
segunda-feira, 27 de outubro de 2014
Formação Acreditada Gratuita - Ciclo de Palestras "Formação em contexto de trabalho: Reflexões e debate"
Visando a apropriação de conhecimentos e o desenvolvimento de competências relevantes para o exercício da atividade profissional dos alunos, realizando transições entre ciclos de ensino, bem como entre a Escola e o mundo do trabalho, a Formação em Contexto de Trabalho (FCT) tem conduzido a uma preocupação constante no sentido de dar cumprimento aos seus objetivos, o que tem suscitado algumas dificuldades, como o não reconhecimento e valorização da FCT pela Escola e pela sociedade.
É em contexto de reflexibilidade crítica que o Centro de Formação de Escolas António Sérgio, sito em Lisboa, organiza o ciclo de Palestras "Formação em Contexto de Trabalho: Reflexões e Debate", a decorrer nos dias 1, 15 e 29 de novembro, entre as 8:30 e as 13:30, no auditório da Escola Sede deste centro - Escola Secundária D. Dinis, em Lisboa. Pretende-se ser um fórum transdisciplinar, onde participam alunos, especialistas, investigadores, empresários, professores, psicólogos e outros agentes educativos e sociais, dando voz aos diferentes intervenientes nos processos de FCT, contribuindo para uma melhor inclusão escolar e social dos alunos.
Este ciclo de palestras está acreditado pelo CCPFC para efeitos da progressão da carreira docente com 0,6 créditos, bem como pela DGAE para Psicólogos Escolares.
A entrada é gratuita, sujeita a inscrição e á lotação da sala, devendo inscrever-se no seguinte link:
Para mais informações, por favor contacte-nos para o seguinte email palestrasfct2015@gmail.comou no site do Centro de Formação de Escolas António Sérgio
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P'la Organização,
Joaquim Melro (Diretor do Centro de Formação de Escolas António Sérgio)
Fernanda Bento (Psicóloga e Colaboradora do Centro de Formação de Escolas António Sérgio)
“Um tipo todo torto que insiste em ter uma vida normal”
A pensão social de invalidez destina-se a quem tem rendimentos inferiores a 167,69 euros. Se for casado, 251,53 euros. João Sousa e Silva, com 30 anos, perdeu o direito à sua quando se casou.
Ela pediu-lhe que se casassem. Pensou muitíssimo antes de lhe fazer o pedido. Ouvira tantas vezes as pessoas mais importantes da sua vida, os seus pais, dizerem que aquela relação tinha tudo para correr mal. Onde já se vira uma rapariga saudável unir-se a um rapaz com um grau de incapacidade de 98%?!
— Então e se eu ficar surdo? — perguntou ele, que já mal vê, só dá pequenos passos, apoiado em alguém.
— Já pensei nisso tudo.
Pensara. Pensara em todos os cenários imagináveis. Pensara, sobretudo, no pior possível: ele, numa cama, incapaz de falar com ela, incapaz de a ouvir, capaz apenas de reagir ao seu toque. Por vezes, na brincadeira, punha-se a escrever palavras simples nas costas dele e ele punha-se a adivinhá-las. O nome dele: “João.” O nome dela: “Sofia.” A palavra que tantas vezes lhes vem à boca: “Amo-te.”
Ele também tinha medo. Ainda tem. “Tenho medo que se concretize o que ela teme. Eu sou um tipo todo torto que insiste em ter uma vida normal, o mais normal possível, num país que não está feito para isso. Nem posso sair à rua sozinho! Tenho calçada portuguesa à porta de casa. A maior parte está maltratada, mas, quando se fala em alterá-la, as pessoas vão aos arames. Pronto, querem os velhinhos e os deficientes dentro de casa. E assim conseguem, assim conseguem!”
A avaliar pelos últimos censos, 17,4% das pessoas entre os 15 e os 64 anos têm dificuldade em fazer pelo menos uma destas coisas: ver, mesmo com óculos; ouvir, mesmo com prótese auditiva; andar, descer ou subir degraus; sentar-se ou levantar-se, dobrar-se, esticar-se, levantar ou transportar, agarrar, segurar ou rodar algo; memorizar ou concentrar-se; comunicar, compreender ou fazer-se compreender. E tudo se agrava com a idade. Ultrapassa os 50% entre os maiores de 70 anos.
Estamos na sala de casa da mãe dele, que é a casa deles desde que, há quase um ano, se tornaram um casal com papel passado. Ele está sentado numa poltrona. E ela está bem junto a ele, sentada no braço da poltrona, um pouco torta, a sorrir. De vez em quando, solta uma pequena gargalhada.
Talvez esteja tudo naquele sorriso. Ele fá-la rir desde o princípio. Ela podia dizer-lhe qualquer coisa banal, como: “Ó João, vês isto aqui?” E rir-se ao ouvi-lo retorquir: “Ver! Tu sabes bem que eu não posso ver!” Ele brinca tanto com a sua situação que ela depressa aprendeu a fazer o mesmo.
Logo no início, não estava Sofia habituada ao desequilíbrio que João tem no andar, ele segurou-se no braço dela e ela olhou para um lado e para o outro e comentou: “As pessoas que olharem para nós hão-de pensar que apanhámos uma piela desgraçada.” E ele, divertido, contou-lhe que, certa ocasião, fora com uma amiga comprar cinco litros de vinho e ela lhe pedira que levasse a carga. Também aí ele se perguntou, como ela se perguntava naquele momento, o que diria quem olhasse para ele, “todo desengonçado, com uma box de cinco litros numa mão”. E a amiga pôs-se a imaginar: “Olha aquele, acabou-se-lhe o vinho e foi comprar mais!” Risos.
João Sousa e Silva sentia-se “casado” sem notário e padre, mas Sofia Casal e Silva queria ter firmeza nos passos e acreditava que essa firmeza seria maior se houvesse reconhecimento de humanos e bênção de Deus. Nunca pensaram que, casando, ele perderia direito à pensão social de invalidez.
A pensão destina-se a quem tem rendimentos inferiores a 167,69 euros. Se for casado, 251,53 euros. “Um político pode acumular até dois mil euros. Um deficiente pode acumular até 251,53. Isto é imoral”, insurgiu-se ele. Lembraram-lhe que nunca descontou para a Segurança Social. “É claro que não descontei! Não descontei porque não me deram oportunidade. Estou desertinho por descontar.” Os estudos disponíveis são esparsos, mas apontam para taxas de desemprego entre pessoas com deficiência e incapacidade duas vezes e meia superiores à média.
A voz do jovem, de 30 anos, altera-se ao falar neste assunto, que também afecta a mulher, quatro anos mais nova:
— O Estado decidiu que, casando, ou eu e a minha mulher viveríamos na miséria ou a minha mulher ganharia muito bem, o que não é o caso, e teria de me sustentar. Teria de ser um fardo. Não teria direito a ter qualquer dinheiro no bolso a não ser por caridade da minha mulher.
— Nunca seria por caridade! — atalha ela.
— É uma situação altamente indigna.
— É uma pensão não contributiva. Acaba o Estado por apenas garantir que a pessoa está…
— Ligada à máquina!
Escreveu para a Provedoria de Justiça a protestar. Explicaram-lhe, por escrito, que tal pensão “assenta na solidariedade de toda a comunidade, sendo as despesas inerentes às mesmas custeadas pelo Orçamento do Estado e, isto é, pela generalidade dos contribuintes”. “Perante tal circunstância, o Estado condicionou o acesso a estas prestações sociais aos rendimentos dos beneficiários e dos respectivos agregados familiares, apenas a elas podendo aceder os requerentes cujos proventos económicos próprios e dos respectivos agregados familiares sejam inexistentes ou mínimos.”
Na opinião de Fernando Fontes, da Universidade de Coimbra, que fez tese de doutoramento sobre o movimento de pessoas com deficiência em Portugal e está a fazer pós-doutoramento sobre violência e crimes de ódio, tudo isto combina bem com a ideia dominante de deficiente dependente de familiares. “A questão é que tem consequências terríveis”, salienta o especialista. Reforça a dependência, o cansaço, o desgaste da relação conjugal. Havendo violência, a vítima pode sentir-se tão destituída, tão dependente, que nem pede ajuda.
A luta pela vida independente, que surgiu nos Estados Unidos na década de 1970, só agora desponta em Portugal. É reivindicada por novos movimentos, como o (D)Eficientes Indignados. E por activistas como Eduardo Jorge, tetraplégico que a 23 de Setembro iniciou uma viagem de 180 quilómetros em cadeira de rodas — de sua casa, em Abrantes, até ao Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, em Lisboa. Já no ano passado, fez greve de fome junto à Assembleia da República até o Governo prometer avançar com legislação destinada a promover a vida independente dos cidadãos com deficiência. No mês passado, o Governo anunciou os primeiros projectos-piloto de formação de assistentes pessoais.
A busca pela normalidade é permanente. João veste calças de ganga rotas no joelho e T-shirt preta, como qualquer pessoa da sua idade, mas sente que tem mais necessidades e menos oportunidades, apesar de antes de ele nascer a Organização das Nações Unidas ter estipulado que as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos e as mesmas responsabilidades que as outras.
— Uma pessoa como eu precisa de mais dinheiro, não de menos dinheiro. Não posso comprar um telemóvel de 20 euros, tenho de comprar uma coisa como deve ser.
— O telemóvel básico não está adaptado a ele.
— Preciso de calçado caro e não é luxo, é necessidade. Tenho de usar calçado seguro, que não me caia dos pés. Ainda há pouco saía sozinho, ia ao café ter com alguém, ia levar o lixo, ia ao banco pagar o condomínio, agora já não posso fazer isto. Não saio sozinho. Não posso apanhar o autocarro para ir à Acapo [Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal], preciso de apanhar boleia ou táxi.
Qualquer actividade corriqueira, como gozar uns dias de praia no Verão, implica cuidados. Nada de parque de campismo ou hostel. Só lugares com acessibilidade. A acessibilidade determina até a escolha da praia. E, neste primeiro ano, escolheram a do Paraíso, na Costa da Caparica.
— Eu detesto praia! Fui por causa da Sofia. Quis que tivesse um bocadinho de praia antes de eu ser operado, se não coitadinha…. E lá está, sai caríssimo.
— Não gostaste da praia? — pergunta ela.
— Gostei de andar à beira-mar contigo! A parte da areia é que… alcatroava aquilo tudo!
— Eu sei que é muito difícil para ti andar na areia, mas aquela praia é fantástica. Tem uma rampa espectacular e logo a seguir barraquinhas.
— Preciso de uma barraquinha. Não tenho agilidade para fugir do sol. Nem pele para estar ao sol, mas até fiz surf.
— Nem se via!
— Ia deitadinho na prancha.
Conheceram-se em 2012, no picadeiro, na Quinta do Pinheiro Manso, na periferia de Leiria. João tinha sessões de hipoterapia, abordagem que recorre ao passo, ao trote, ao galope de cavalo para melhorar a percepção do movimento humano. E Sofia, fisioterapeuta, ia lá levar um rapaz que estava a acompanhar.
Nada nele chamava a atenção dela. “Eu sou um estupor”, brinca ele. “Ela via-me, trombudo, num canto, a fumar como uma chaminé.” Poucas palavras trocavam. Um dia, puseram-se a conversar. Ela interessa-se muito por terapias alternativas. E ele tem neurofibromatose tipo 2, doença genética que afecta o sistema nervoso central e se caracteriza pela ocorrência de tumores.
Sofia acabara de aprender terapia sacro-craniana, técnica baseada no toque de suavidade extrema. Não se sentia ainda capaz de o ajudar. Contactaria os professores. Tantas vezes os ouvira dizer que podiam ajudar a resolver problemas que se pensavam sem solução. Eles não lhe responderam.
Esgotou-se o Verão. Ia o ano em Setembro quando tornaram a cruzar-se. Ela estava a entrar e ele estava a sair da Unidade de Cuidados Continuados Dr. Manuel de Aguiar, no centro de Leiria. A mãe dele, que sofre da mesma doença, estava nos cuidados continuados e ele, o cuidador, fora vê-la.
— Olá!
— Olá!
— Pois é! Desculpa! Nunca mais te disse nada. Os meus professores nunca mais me responderam e eu acabei por me esquecer.
“Foi um encontro espectacular”, goza ele. “Eu estava inchadíssimo, a tremer, por causa dos corticóides. Tinha feito mais uma cirurgia.” Ela lembra-se do que pensou ao vê-lo: “Ó, meu Deus!” Tinha de o ajudar. Ele telefonou-lhe volvido um só dia. Encontraram-se para conversar, com vagar. O quadro clínico dele parecia-lhe tão bicudo. Ela achava que não tinha arte para tamanha complicação, mas não queria deixá-lo sem resposta. Foi para casa pensar e escreveu-lhe: “Vou dar o meu melhor.” E ele dispôs-se a aceitar o melhor dela, fosse qual fosse o melhor dela.
João descobriu a doença aos 11 anos. “Foi-me levando coisas de que eu gostava de fazer. Apesar de ver mal, andava de bicicleta. Andar de bicicleta era a minha maior alegria. Ia comprar peças quando notei que alguma coisa estava mal. Não conseguia levantar bem os pés.”
Os médicos perceberam logo. A opacidade subocular pode ser o primeiro sinal da doença. Ele sempre vira mal. E neurofibromatose tipo 2 fora diagnosticada à mãe dele aos 29 anos, ia ele nos oito. Teve de ser operado. Uns tumores comprimiam-lhe a medula. “A minha estrutura óssea ficou comprometida.”
Durante meses, usou uma ortótese da cintura ao queixo. Parecia a pintora Frida Kahlo. Um dia, fartou-se de tanto desconforto: tirou aquilo. “É pá, não preciso assim tanto de andar com a coluna tão direitinha! Prefiro ficar um bocado marreco e sentir-me um bocado bem no dia-a-dia.”
Naquela altura, não tinha grande noção do que lhe estava a acontecer. Entristecia-o não poder andar de bicicleta, mas tinha alternativa: os videojogos. Passava horas agarrado às consolas. Apareceram-lhe outros tumores. Regressou à mesa de operações. “Fiquei com a mão esquerda muito afectada. Deixei de poder jogar com consolas. Virei-me para o computador.”
Não é que não perca a paciência, não pragueje, não solte palavrões. “Palavrões, digo um, dois, 20, 30, 50. Sou um malcriado de primeira. A questão é que não posso desistir. Desisto e depois? Como é que faço? Não tenho feitio para isso! Felizmente, sou bastante plástico. Vamos ver até quando…”
Sofia gaba-lhe a resiliência — aquela mistura de optimismo, confiança, capacidade de manter a calma perante a adversidade, habilidade para analisar o ambiente, posicionar-se no melhor ponto. “Ele quer andar para a frente”, diz ela. Ainda há pouco, com uma lupa digital, conseguia ver as letras no teclado, escrever depressa. “De há dois meses para cá, a perda de visão agravou-se. Ainda se revoltou, mas já consegue escrever outra vez”, prossegue ela. O teclado tem sinais que o ajudam a orientar-se.
Usa tecnologias de assistência. Fala com o telemóvel e com o computador e o telemóvel e o computador “falam” com ele. Não em todos os programas. É nisso que está a trabalhar. Tem uma utopia: “Se não todas, pôr pelo menos a maior parte das aplicações a funcionar com suporte de leitor de ecrã”, isto é, com resposta sonora.
Não se limita a imaginar. Fez licenciatura e mestrado em Informática no Instituto Politécnico de Leiria. “Teve 19 valores na tese de mestrado”, orgulha-se ela. Registou a patente de um método para aumentar a acessibilidade e interacção em transportes públicos. Está a fazer doutoramento na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. O seu objectivo é introduzir etapas de acessibilidade no desenvolvimento de software — projectos Web e aplicações móveis.
Não vai à universidade. “Vou lá nas avaliações e vamos ver até quando.” Ao ouvi-lo, Sofia dá-lhe uma palmadinha no ombro. E ele percebe naquele gesto um modo de lhe pedir que não diga tal coisa, mas continua: “Não tenho bolsa, não tenho apoios, não tenho dinheiro. E as propinas têm de se pagar.”
“As minhas idiossincrasias apontam para investigação”, resume. “É o que sei fazer. É o que posso fazer. E dá-me muito prazer. Gosto de estar em frente ao computador, de ler, de pensar, de escrever. Gosto de tecnologia, de saber o que existe, de desenvolver novas soluções, de optimizar.”
Por duas vezes candidatou-se a bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia. “Faço o projecto e na avaliação aparecem críticas a dizer que há coisas que não estão esclarecidas e as coisas estão ultra-esclarecidas. Com o meu jogo de cintura, precisava de uma coisa mais previsível.”
A experiência diz-lhe o quão necessário seria avançar na acessibilidade digital. E não está a pensar só nos deficientes, como ele. “Queremos pessoas activas aos 70 anos? Essas pessoas vão ver mal, ter menos destreza, ter problemas de audição, precisar de condições de acessibilidade.”
Arranjou uma empresa disposta a acolhê-lo na modalidade estágio de inserção para pessoas com deficiência ou incapacidade. Temeu que o recusasse. O Sistema de Verificação de Incapacidades atribuiu-lhe 98% e no Instituto de Emprego e Formação Profissional disseram-lhe que os manuais não contemplam casos de incapacidade acima de 90%. “Não sei por que me deram 98 e não 95 ou 90%, por exemplo. Sou uma cenoura que por acaso escreve uns artigos científicos!”
Um dia depois desta conversa receberia notícias: “A questão dos ‘mais de 90% de incapacidade’ existe, mas a pessoa venceu, ou seja, a informática não foi chamada. A pessoa responsável disse-me para não me preocupar, se houver problema, é com ela! Agora, preparo-me para fazer o melhor na empresa.” Começou no passado dia 14. Pela primeira vez nos seus 30 anos de vida, entrou numa empresa como trabalhador, a GAIP Consultores, em Gândara dos Olivais. Tem um ano pela frente.
Dia feliz, aquele. Mesmo assim, não tanto como o do casamento de ambos, na Igreja de Santo Agostinho. Ele gostou da ideia de se casar na igreja do santo cientista. E ela gostou da ideia de se casar numa igreja luminosa e sem degraus. Muito perto da unidade de cuidados continuados onde, por acaso, se reencontraram, ela a entrar com um paciente, ele a sair para apanhar um táxi.
Tanto riso nas fotografias de casamento. Dele, dela, mas também dos pais de Sofia, que tão mal reagiram quando souberam que a filha gostaria de passar mais tempo com João. Não era só por causa da doença, era também a religião. Ele é ateu. Ela faz parte do Caminho Neocatecumenal, um itinerário de formação católica. Ela ia buscá-lo para sessões de terapia sacro-craniana. Conversavam durante a meia dúzia de quilómetros que separam a casa dele, na Guimarota, da casa dela, em Marrazes. As conversas alongavam-se, depois, via Internet. Falavam de livros, de música, mas também da saúde e da doença, da vida e da morte, da amizade e do amor. Ela toca saxofone. Um dia, convidou-o para ir com ela e alguns amigos a um concerto da Orquestra de Jazz de Leiria. Era 21 de Dezembro de 2012. Pelas previsões dos maias, o mundo deixaria de existir, pelo menos, tal como o conhecíamos, nesse dia. E foi isso mesmo que aconteceu ao mundo deles. Quando João apareceu, Sofia correu para ele: “Estava desertinha de te ver!” Mal acabou de dizer aquilo, pensou: “Ai meu Deus, o que é que eu disse!” Ficou baralhada. Ficou até zangada. Aquela ânsia não era profissional. Como acontecera aquilo? Não era suposto sentir aquilo por um paciente. Apaixonara-se ao fazer terapia?
— Nunca me tinha acontecido e já tinha tratado outros rapazes bem bonitos — diz ela, agora.
— Não tanto como eu!
— É verdade.
Dias depois, no fim de uma sessão de terapia sacro-craniana, foram sozinhos até à margem do rio Lis. Sentaram-se num banco de madeira. Declararam-se. Beijaram-se. Quando ela tornou a casa, os pais estavam com os cabelos em pé. O pai ordenou-lhe que deixasse de falar com João. E ela chegou a telefonar-lhe a dizer que não se podiam voltar a ver, mas tudo aquilo lhe parecia tão absurdo que pouco depois voltou atrás. Para os pais, aquela relação não tinha sentido; para eles, tinha.
“Apesar das divergências de crenças, os valores são os mesmos”, acredita a rapariga. “E vi que nutria por ele um sentimento muito grande, muito genuíno de o querer ver bem, de o querer ver feliz e, pronto, tenho aquela mentalidade de que Deus providenciará, faço tudo o que estiver ao meu alcance e a partir daí acredito que há mais ajudas — de pessoas, de Deus.” Pôs todos os pontos em todos os is, não fosse o diabo tecê-las: “Não queria brincar. Tinha de ser uma coisa séria. Não ia deixar de ser crente. Não exigiria que ele fosse.”
Pensou tanto no que lhes estava a acontecer: “Queria perceber muito bem se não estava a iniciar uma relação para salvá-lo, se não estava a agir como uma madre Teresa de Calcutá. Fui percebendo que não era nada disso.” As pressões extremas prosseguiam — pais, amigos dos pais, familiares, amigos. “Diziam tantas coisas. Tinham medo. O que trouxe o medo? Evitamento. Quando começaram a ter contacto com o João, perceberam o que eu vi nele: uma pessoa fantástica.”
Primeiro foi a mãe dela. João precisa de caminhar. Caminha todos os dias, devagar, junto ao Lis. Antes de ir para a Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro, em Julho de 2013, Sofia pediu à mãe que o acompanhasse. Ela começou por dizer-lhe que não, mas fê-lo. Durante três semanas, todos os dias foi buscá-lo. “Conversávamos imenso”, recorda ele. A reformada professora do ensino básico ficou rendida e contagiou o marido, responsável pelos transportes de uma empresa.
Já casada, Sofia apanhou um grande susto. Há semanas, João regressou ao bloco operatório dos Hospitais da Universidade de Coimbra. “Foi angustiante. Fiquei cinco horas sem saber dele. Deixaram-me vê-lo a seguir à operação. Quando o vi acordado, com aqueles bracitos no ar, foi maravilhoso. Ele falava, dizia piadas.” Passou as noites num hostel e os dias no hospital, a ajudá-lo. “Desejava estar lá. Tinha de estar lá e acabou. E senti um grande prazer em vê-lo a recuperar.”
Têm falado muito em ter filhos. Foram a uma consulta de genética ver se podem. Há 50% de probabilidade de passarem a doença ao bebé. Para garantir que tal não acontece, têm de recorrer à procriação medicamente assistida. Podem fazer um diagnóstico genético pré-implantatório.
— Não estou disponível para gerar uma criança com esta doença. Sei o que isto custa, não sou inconsciente.
— Dada a minha crença, estava disponível para aceitar uma criança doente. Acredito que podia ser feliz, mas eu nunca passei por lá.
— Eu sou contra. Não quero correr o risco de gerar alguém que tenha de viver na ansiedade em que eu vivo, na perspectiva de ficar surdo com uma mulher saxofonista. Como é que isto é possível?!
É o novo desafio: salvar a audição de João. Encontrar forma de fazer um tratamento quimioterapêutico que está disponível em Manchester, no Reino Unido. “Salvar a audição é uma coisa importante para toda a gente, mas torna-se premente quando a pessoa já é cega, não é? Ainda nem tivemos acesso ao orçamento. A primeira consulta são 500 libras.” Resta saber se o Estado comparticipa. “Há gente, muito humana, a tentar fazer com que isso aconteça. Depois, há a parte economicista que não se importa que eu fique surdo, cego, incontactável com o mundo.”
In: Inclusão
domingo, 26 de outubro de 2014
Para eles... a vida não tem limites
A vida pregou-lhes uma grande partida, eram muito novos. Falharam as pernas, os braços, a visão. Ouviram "não podes, "não voltas a poder". Fizeram ouvidos moucos e passam os dias a superar-se.
O Nuno Vitorino, a Lina Pimental e o Nélson Lopes têm graves deficiências físicas e tiveram de fazer outras contas à vida. Dizem que os problemas não limitam os sonhos. Pelo menos até que lhes provem o contrário. Não lhes têm provado.
Superaram as limitações físicas, seguiram com a vida e, mais do que isso, desafiaram-se e superaram-se. São três dos nossos Stephen Hawking, o físico inglês, amante de atividades radicais que, agora, surge num disco dos Pink Floyd. E que recentemente passou por Lisboa numa viagem de cruzeiro.
Nuno Vitorino fazia full contact e iniciava-se no bodyboard quando um tiro da espingarda que ele e um amigo manuseavam o deixou tetraplégico (tinha 18 anos). O seu mundo foi trocado pelo Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão. Hoje tem 37 anos, a maioria vividos numa cadeira de rodas. O próximo desafio: fazer tow-in. Dito por outras palavras, "surf com reboque" e "dropar" as ondas gigantes de McNamara. Se o conseguir, será a primeira pessoa com deficiência a fazê-lo. Ele já escolheu o local: o ilhéu da Papoa, em Peniche.
In: DN
Adequações curriculares individuais e os cursos profissionais
A questão relativa à aplicação da medida de adequações curriculares individuais aos alunos com necessidades educativas especiais tem suscitado muitas interrogações e, aparentemente, desencadeado respostas nem sempre devidamente esclarecedoras e fundamentadas. Neste texto, vou abordar esta questão e tentar contribuir para o esclarecimento relativamente à aplicação desta medida educativa aos alunos com necessidades educativas especiais incluídos em turmas de cursos profissionais, logo, de nível secundário.
Os cursos profissionais constituem uma modalidade educativa e visam um público específico que, para além de possuir o 9.º ano de escolaridade, procura um ensino mais prático e voltado para o mundo do trabalho, possibilitando, ainda, o prosseguimento de estudos de nível superior mediante a realização dos respetivos exames nacionais. Os programas disciplinares podem ser geridos com alguma flexibilidade tendo em linha de conta o perfil dos alunos. No entanto, tal flexibilidade não significa que os programas sejam elaborados, adaptados e adequados a todos os alunos. Por outro lado, há que ter presente que alguns alunos podem ter a pretensão de se inscrever nos exames nacionais de acesso ao ensino superior e, como tal, precisar de trabalhar os programas disciplinares que os habilite para tal.
A medida de adequações curriculares individuais (cf. art.º 18.º do Decreto-Lei n.º 2008) no ensino secundário e, naturalmente, nos cursos profissionais, tem como padrão o currículo comum e não pode pôr em causa os conhecimentos e as capacidades programáticas das disciplinas. Contrariamente à ideia concetual frequentemente difundida, esta medida educativa não visa eliminar objetivos e conteúdos mas, pelo contrário, prevê genericamente a introdução de conteúdos e objetivos.
Passando a uma análise mais pormenorizada, a medida educativa de adequações curriculares individuais pode ser materializada com a introdução de áreas curriculares específicas que não façam parte da estrutura curricular comum, nomeadamente leitura e escrita em braille, orientação e mobilidade, treino de visão e a atividade motora adaptada, entre outras. Ora, tomando como exemplo um aluno invisual, sobretudo com deficiência visual adquirida num período recente e que ainda não tenha automatizado a leitura e a escrita em braille e desenvolvido a autonomia ao nível da orientação e mobilidade, e que frequente um curso profissional, apenas vislumbro três cenários possíveis: ou tem a introdução e o desenvolvimento do braille e da orientação e mobilidade no âmbito da medida de adequações curriculares individuais; ou está impedido de frequentar um curso profissional, facto que constitui uma negação dos seus direitos, sobretudo quando o perfil de funcionalidade se enquadra e adapta à formação; ou, miraculosamente, o aluno ao ingressar num curso profissional vê a sua limitação visual clinicamente resolvida! A ser possível, este último cenário constituiria, certamente, a solução desejada por todos os alunos com limitações visuais! Mas, posta de parte a intervenção divina, o aluno pode beneficiar da medida de adequações curriculares individuais com a introdução, por exemplo, da leitura e da escrita em braille.
De igual modo, os alunos surdos com ensino bilingue, sobretudo aqueles com limitações adquiridas, podem necessitar da introdução de áreas curriculares específicas para a primeira, a segunda e ou a terceira língua no âmbito das adequações curriculares individuais.
Num outro registo, as adequações curriculares individuais podem consistir na introdução de objetivos e conteúdos intermédios em função do programa do curso ou disciplinas, das características de aprendizagem e das dificuldades específicas do aluno. À semelhança das situações referidas acima, estas possibilidades podem aplicar-se aos alunos com necessidades educativas especiais incluídos em cursos profissionais e enquadram-se no âmbito das adequações curriculares individuais.
Por outro lado, o enquadramento legislativo apenas prevê a dispensa de realização de atividades que se revelem de difícil execução em função da incapacidade do aluno quando o recurso às tecnologias de apoio não é suficiente. Penso que, frequentemente, se extrapola esta particularidade, originando leituras abrangentes da aplicação da medida de adequações curriculares individuais entendendo-se como a redução do currículo. Ora bem, esta singularidade de dispensa aplica-se apenas à realização de atividades e não à redução do currículo ou do programa da disciplina. Pressupõe-se que o aluno deve dominar os conteúdos programáticos estando dispensado apenas da realização das atividades. Esta situação é mais frequente na disciplina de educação física onde, por motivos incapacitantes, alguns alunos não conseguem nem podem realizar determinados exercícios físicos. Logo, estas atividades devem ser retiradas no âmbito das adequações curriculares individuais.
A generalização da ideia de que os alunos com necessidades educativas especiais incluídos em cursos profissionais não beneficiam da medida de adequações curriculares individuais assenta no pressuposto, sem fundamento normativo e educativo, que os programas das disciplinas são elaborados, adaptados e ajustados ao perfil dos alunos, correspondendo, deste modo, às suas características e necessidades. No entanto, e apesar das eventuais adaptações ou reajustes generalizados, os alunos com necessidades educativas especiais mantêm as suas limitações específicas que devem ser correspondidas. Neste cenário, podem, naturalmente, beneficiar da medida educativa de adequações curriculares individuais sempre que tal se justifique e determine.
In: Incluso
sexta-feira, 24 de outubro de 2014
Livro conta histórias de quem deu a volta à paralisia cerebral
Um bailarino, uma socióloga, dois informáticos e uma professora, todos vítimas da doença, falam sobre os seus projectos profissionais numa obra que será lançada nesta segunda-feira na Casa da Música.
Rui Reisinho, 37 anos, bailarino, DJ, designer numa empresa multimédia, fundador da A_JU_DANÇA, a primeira companhia de dança inclusiva do país, sonha com um campeonato de dança para pessoas com deficiência. Rui ouve, mas não fala. Tem uma folha com as letras do alfabeto e os números de 0 a 9 para compor frases e comunicar.
Ana Catarina Correia, 23 anos, frequenta o mestrado de Sociologia na Faculdade de Letras do Porto. Está a concluir a tese onde aborda as desigualdades das mulheres com deficiência. É activista do Movimento de (d)Eficientes Indignados, que luta para que os deficientes possam escolher a forma como querem ser apoiados. Defende a criação de institutos de vida independente como alternativa à institucionalização. Ou seja, residências para deficientes como as que existem na Suécia que lhes permitem alguma autonomia. Ana anda de cadeira de rodas, não consegue mexer-se ou levantar-se sozinha. Mora numa residência universitária e tem o apoio de uma assistente pessoal. Quer dedicar-se à investigação sociológica e trabalhar numa Organização Não Governamental.
José Pedro Gomes, 23 anos, licenciado em Informática, está a desenvolver uma aplicação informática que permitirá às pessoas com deficiência, e não só, usar um telemóvel ou um tablet através do olhar. No início do ano recebeu uma carta da presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves, que realça o seu “exemplo de excelência”. Depende de uma cadeira de rodas para se deslocar, tem problemas na fala. Quer criar uma empresa que arranje soluções para pessoas com deficiência. Maria de Fátima Ferreira, 38 anos, professora em Rio Tinto, escritora, várias vezes campeã nacional de natação adaptada, ganhou 40 medalhas de ouro. Vive com os pais. José Rui Silva, 24 anos, mestre em Ciências da Informação, estudou a forma de desenvolver um sistema para ajudar a controlar o absentismo dos profissionais de saúde do Hospital de São João, no Porto. Quer ser consultor em tecnologias e sistemas de informação. É atleta federado de vela adaptada e praticante de natação. As cinco histórias destas pessoas são contadas no livro Por Acaso… de Fátima Araújo, jornalista da RTP, que hoje é apresentado na Casa da Música, no Porto, por ser Dia Nacional da Paralisia Cerebral.
A obra não nasceu por acaso. Fátima Araújo andou seis meses a ouvir e gravar o que pessoas com paralisia cerebral, casos de superação, tinham para dizer. O desafio foi lançado pela IMOA – Clothing for All, de São João da Madeira, que faz roupa inclusiva e que testou o vestuário em utentes da Associação do Porto de Paralisia Cerebral. Foi quando que se deu o clique: havia histórias que tinham se ser contadas. Fátima Araújo aceitou o convite. Chama-lhe reportagem jornalística e não livro e justifica o nome com os acasos da vida. “Por acaso, todos somos fruto de algum acaso, tenha sido ele mais ou menos feliz. Por acaso essas pessoas são assim, mas por acaso têm a capacidade de se auto-superar e demostram-no diariamente” nos seus projectos profissionais, refere.
O neurocirurgião João Lobo Antunes assina o prefácio. “Estas são cinco histórias sobre quem recusou render-se e é, portanto, um cântico de louvor à vitória sobre o próprio corpo ferido e rebelde, uma luta em que as armas que mais contam são a vontade, a tenacidade – quero dizer a vontade sustentada -, a esperança – no sentido da procura da realização de um objectivo -, e uma inesgotável dieta de amor por parte daqueles que cuidam destas pessoas”, escreve.
Fátima Araújo colocou de lado um discurso derrotista. Há bons exemplos a contar, mas há também aspectos a mudar. A jornalista defende uma “grandiosa reestruturação social para mudar mentalidades, práticas e políticas”.
“Foram dois os objectivos do livro. Por um lado agitar consciências no sentido de dar visibilidade a casos positivos e, por outro, até porque as conversas com os protagonistas do livro discorriam sempre nesse sentido, dar visibilidade àquilo que eles próprios reivindicam, para o que eles acham que é necessário fazer, para o que faz falta aperfeiçoar”. As últimas páginas destinam-se ao que deve ser feito. Mais apoios e respostas sociais, criação de “subsídios dignos” para as famílias, mais cursos de formação para cuidadores e assistentes de pessoas com deficiência e a eliminação de barreiras arquitectónicas são algumas das propostas.
Telas, Camané e Laginha
A Associação do Porto de Paralisia Cerebral e a Federação Portuguesa das Associações com Paralisia Cerebral assinalam hoje o Dia Nacional da Paralisia Cerebral. Os números mostram a realidade desta deficiência que se caracteriza por um conjunto de défices permanentes dos movimentos e da postura provocados por algum distúrbio no encéfalo durante o desenvolvimento do feto ou depois do nascimento. Em Portugal, há mais de 20 mil pessoas com paralisia cerebral e, por ano, surgem 200 novos casos. Mais de 40 por cento têm uma inteligência normal e mais de 45 por cento das crianças dependiam de terceiros para toda a vida, segundo um estudo realizado em 2006.
O livro Por Acaso… é apresentado na Casa da Música pelas 19h00, seguindo-se um concerto de Camané e Mário Laginha. Durante o dia há mais iniciativas espalhadas pelo Porto. Quem passar no largo da Estação da Trindade, entre as 10h30 e as 12h00, é convidado a pintar telas em pessoas com paralisia cerebral para a construção cromática de uma obra de arte viva, num projecto orientado pela artista plástica Suzete Azevedo. No Centro de Reabilitação de Paralisia Cerebral constrói-se um labirinto interactivo com utilização de várias tecnologias, das 10h00 às 12h00. No auditório Horácio Marçal, em Paranhos, passam às 10h30 os documentários IV Campus Artístico e Bola Cá, Bola Lá. O workshop prático de expressões Não aos Sentidos Proibidos tem lugar no Hub do Porto, das 10h00 às 13h00. Pelas 16h30, na praça da Casa da Música, há uma performance em que todos podem participar.
In: Público
quinta-feira, 23 de outubro de 2014
Os concursos de professores: um ponto de ordem
Os “experimentalismos” dos últimos anos passaram pela desregulação e pelo esvaziamento dos concursos efectivamente nacionais.
Após um descalabro sem precedentes na fase final de colocação de professores para o presente ano lectivo, o Governo ensaiou uma manobra despin mediático, com o apoio de alguma opinião publicada, para fazer crer que aquilo que foi, não foi ou foi outra coisa.
Centremos a análise nos factos objectivos e não na sua versão ficcionada.
Não existiu este ano qualquer concurso nacional, interno e externo, para colocação de professores. Na prática, não existe um concurso assim há quase uma década, pois o de 2009 excluiu os então “professores titulares” e o de 2013 foi um exercício no vazio que levou à vinculação, dita ”ordinária”, de dois professores. Mesmo nos tempos pré-informáticos, os concursos nacionais decorreram de forma “centralizada” sem problemas de maior, apesar de envolverem dezenas de milhares de professores. A excepção foi o ano de 2004, quando se verificou um erro efectivamente informático no tratamento dos dados.
O que tem existido todos os anos são concursos parciais, de mobilidade interna por ausência de componente lectiva (vulgo “horários-zero”) ou por condições específicas (vulgo, por razões de saúde), de contratação inicial e de contratação de escola para provimento de necessidades tidas como temporárias. Todos eles decorreram de forma mais ou menos normal, com este ou aquele percalço, até ao momento em que a narrativa da “autonomia das escolas” e da necessidade de adaptar o perfil dos professores contratados aos tipos de escola em que existiam vagas por preencher, em particular as integradas em Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP) e agora também as que assinaram “contratos de autonomia”.
E foi então que o actual MEC decidiu “descentralizar” a fase de contratação de professores para essas escolas, e a partir de Janeiro para todas as escolas em que surgissem horários por preencher pelos mais naturais motivos (doença, aposentação, maternidade), e colocar em prática o método da “oferta de escola” em que as respectivas direcções abriam concursos com requisitos específicos a cumprir pelos candidatos, para além da graduação profissional. E foi assim que durante um par de anos se assistiu ao mais despudorado exercício da “autonomia” com concursos feitos à medida e critérios definidos para excluir todos aqueles que não o(a) desejado(a). A uma escala nunca vista, assistimos à total perversão do que deve ser um concurso para o provimento de um lugar público.
Perante isso, para 2014-15, o MEC ensaiou uma nova solução, que foi a de centralizar a definição de um leque de critérios adicionais correspondentes a uma avaliação curricular, que contaria metade da classificação final do candidato, fazendo média com a graduação profissional. Cada escola escolhia os seus critérios para a avaliação curricular e comunicava as vagas a preencher. O erro da fórmula que tentava fazer uma média com valores absolutos numa parcela e relativos na outra é por demais conhecido e foi o primeiro erro de que a opinião pública se apercebeu.
Mas existem outros erros subjacentes a esta metodologia, quando a lógica do concurso central/local e a definição dos parâmetros informáticos estão desadequados em relação à realidade. Tivemos as duplas colocações de professores em diversas escolas e de dois professores na mesma vaga, assim como até já apareceram casos de professores colocados em mais de um horário na mesma escola.
Isto aconteceu porque o concurso foi “centralizado”, pesado, imenso, desajustado das circunstâncias?
Pelo contrário. Embora algumas luminárias considerem ser o “grau zero da inteligência”, os concursos nacionais, centralizados, com dezenas de milhares de professores, baseados na graduação profissional dos candidatos sempre decorreram com alguma normalidade e nunca atingiram este grau de disparate. Até porque a verificação dos dados dos candidatos era feita nas escolas, a priori, enquanto agora podem ser prestadas falsas declarações, que é quase impossível verificar a posteriori.
O que falhou nos últimos foram exactamente as tentativas para “descentralizar” uma fase do concurso, que está longe de ser aquela que envolve mais professores. E falhou por incompetência política e técnica, ao tentar satisfazer uma necessidade criada artificialmente – a da “flexibilização” dos concursos – e ao criar múltiplos sub-concursos locais. Centrando o procedimento a partir da DGAE ou descentralizando-o para as escolas (leia-se “direcções), a solução produzirá sempre distorções, pois obrigará os candidatos a fazer múltiplas candidaturas e produzirá múltiplas listas ordenadas, com múltiplas colocações sobrepostas, que tornarão as colocações mais morosas, a menos que as direcções sejam autorizadas a contratar quem bem entenderem, sem qualquer respeito pelas normas de uma contratação pública.
Mas voltemos ao essencial: o que se passou este ano não resulta de um concurso hiper-centralizado, que alguns gostam de qualificar como “estalinista” ou “soviético”, em exercícios patéticos de traumática nostalgia. Pelo contrário, foi causado pela desregulação dos mecanismos de graduação dos candidatos e pela pulverização do concurso único em centenas ou mesmo milhares de concursos locais.
Com uma lista graduada ordenada, mesmo que contemplando bonificações para situações específicas (docência em escolas TEIP, com alunos NEE ou turmas de PCA ou PIEF, tudo previamente validado), em que os candidatos definem uma prioridade nas escolas a que concorrem e são retirados do concurso a partir do momento em que obtêm colocação, tudo decorrerá com verdadeira normalidade, desde que tudo seja feito a tempo.
Com “experimentalismos” anuais é que não, em especial quando feitos por quem não aparenta perceber do assunto, da equipa política aos quadros técnicos, todos a tentarem desculpar-se com a responsabilidade dos outros. Os “experimentalismos” dos últimos anos passaram pela desregulação e pelo esvaziamento dos concursos nacionais, através de vinculações “extraordinárias” e de “ofertas” e “bolsas de contratação” de escola. E passaram por erradas formas de compensar distorções nas notas académicas dos candidatos (resultantes de cursos de licenciatura e mesmo de mestrado) com distorções resultantes de uma “avaliação curricular” que se pode basear em dados falsos, porque o modelo retirou a sua prévia validação.
Podem tentar-nos fazer acreditar numa narrativa diferente, mas será sempre um exercício de ficção para encobrir uma realidade embaraçosa.
Por: Paulo Guinote
Professor do 2.º ciclo do Ensino Básico
In: Público
O superior interesse do aluno
Esta é umas das raras vezes em que estou, quase, de acordo com a Opinião de João Miguel Tavares, o génio que substituiu outro Génio, Pedro Lomba, numa coluna de Opinião no Público.
No entanto, embora esteja de acordo com a forma como é descrito o catastrófico processo da colocação de professores, não estou de acordo com a razão que JMT apresenta para todo este enleio.
No final do artigo afirma, "E isto não tem nada a ver com asneiras em concursos – tem a ver com uma visão da escola errada e com as suas prioridades manifestamente trocadas".
Em primeiro lugar existe, de facto, de facto uma enorme incompetência em tudo o que tem sido feito. Tal constatação não parece suscitar dúvidas por parte de quem acompanhe minimamente o processo.
Em segundo lugar, JMT afirma que as prioridades estão "trocadas", existe a defesa do "superior interesse do professor" e não o "superior interesse do Ministério da Educação". Refere, noutra formulação, que se protege o "direito ao posto de trabalho" e não o "direito ao ensino".
Não, não me parece que se passe assim. Existe na verdade uma conflitualidade significativa, naturalmente, com contornos corporativos e contaminada pelos interesses da partidocracia.
No entanto, se existe uma dimensão que pode caracterizar a política educativa mais recente é, justamente, um corte brutal no que JMT chama de "direito ao posto de trabalho", milhares e milhares de professores empurrados para fora do sistema, não porque não façam falta, não porque não sejam competentes mas, "simplesmente" porque é preciso cortar na despesa em educação e este é um caminho que parece fácil.
Estaremos de acordo que "o superior interesse do aluno" não está acautelado, mas não porque seja acautelado o "superior interesse do professor".
Esta política educativa(?), em termos de gestão dos professores, não protege alunos como não protege, globalmente, professores. Esta constatação também me parece não merecer grande discussão.
Protegerá, isso sim, um outro conjunto de interesses e uma visão de sociedade e de educação que vai estando progressivamente mais clara, mas não na forma que JMT a coloca.
Aliás, estou mesmo convencido que Nuno Crato e JMT terão visões razoavelmente próximas sobre educação e escola.
Texto de Zé Morgado
quarta-feira, 22 de outubro de 2014
“Se a escola não se modificar, deixa de ser útil”
Os bons sistemas educativos são aqueles em que a diferença entre os bons e os maus alunos é menor. David Rodrigues, diretor da revista "Educação Inclusiva" participou na conferencia do Mês de Educação
“Uma escola que inclua todos os alunos e em que todos os alunos aprendam uns com os outros.” É esta a meta delineada por David Rodrigues para atingir a plena inclusão nas escolas. Professor catedrático na Universidade Portucalense, presidente da Associação Nacional de Docentes de Educação Especial e diretor da revista “Educação Inclusiva”, discursou perante uma plateia atenta de professores e interessados na Torre do Tombo, em Lisboa.
“A Inclusão nas Escolas” abriu na passada quinta-feira o Mês da Educação organizado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. O tema funciona para todos os ciclos e graus, “desde a primária ao ensino superior”, refere o orador que se juntou a Felicity Armstrong, professora emérita de Educação no Instituto de Educação da Universidade de Londres. David Rodrigues refere que a questão da inclusão ultrapassa os alunos com necessidades especiais. “São, sem dúvida, uma bandeira, por serem aqueles que são mais diferentes. Mas também nos devemos preocupar com os alunos que não aprendem, que vêm de meios muito pobres, que são deixados para trás. A escola foi criada para incluir todos os alunos.”
Critica a “naturalização” das reprovações e do insucesso escolar e afirma: “se uma escola tem 500 alunos, 500 alunos têm de aprender e não pode ser “natural” que 100 desses alunos não aprendam”. A inclusão nas escolas está, em grande parte, na responsabilidade dos professores que, por vezes, estão “muito pouco disponíveis para modificar a sua forma de ensinar”. As novas ferramentas digitais, como a internet e os dispositivos móveis, devem ser vistas pelo professor como um aliado, e não como uma ameaça, porque uma aula não tem de se resumir “ao caderno e ao quadro preto”. “Há professores nos Estados Unidos que pedem um resumo da aula aos alunos com um tweet”, exemplifica.
“A solução não é queimar os bons alunos para salvar os maus alunos”, adverte. Passa, sim, por estimular a aprendizagem, elevar as expetativas, usar os recursos da escola e da comunidade, porque “o objetivo deve ser sempre ensinar todos os alunos, entendendo a turma como um grupo heterogéneo.” E, afinal, qual é a finalidade última da educação? “Tornar os alunos verdadeiramente apaixonados pelo conhecimento”.
Pode visualizar o vídeo aqui.
In: Observador
segunda-feira, 20 de outubro de 2014
Pais de crianças com dislexia preocupados com possíveis recuos na lei
Os pais das crianças com dislexia estão preocupados com um possível recuo na legislação que enquadra o apoio a estas crianças, temendo que fiquem relegadas para segundo plano.
A Associação Portuguesa de Pessoas com Dificuldades de Aprendizagem Específicas realiza hoje em Lisboa um debate sobre a dislexia, que vai abordar as novidades previstas para a nova legislação do ensino especial.
Em declarações à agência Lusa, Eduarda Cabrita, dirigente desta associação, explicou que o relatório do grupo de trabalho sobre educação especial introduz algumas alterações que estão a preocupar os pais das crianças com dificuldades de aprendizagem específicas.
Dislexia, disgrafia, disortografia e discalculia são as quatro dificuldades de aprendizagem específicas, sendo a dislexia a mais prevalente.
"Tememos que os nossos filhos, que representam 48% dos alunos da educação especial, sejam relegados para segundo plano. Tememos que venha a significar menos intervenção junto destas crianças", comentou Eduarda Cabrita, adiantando que os alunos com dislexia "vêm sempre na cauda dos apoios".
Da proposta contida no relatório do grupo de trabalho sobre educação especial, os pais contestam o facto de o documento apontar para uma indefinição de conceitos relativamente à dislexia e às outras dificuldades de aprendizagem específicas.
Para a associação é ainda preocupante que o relatório proponha que a avaliação para diagnóstico destes alunos tenha de ser feita por um médico do Serviço Nacional de Saúde (SNS): "O SNS tem meios e recursos humanos para fazer o diagnóstico de todos os alunos?", questionou Eduarda Cabrita.
A associação contesta também a proposta segundo a qual os pais deixam de ser um dos elementos que podem referenciar a criança, solicitando depois um diagnóstico.
No debate que hoje se realiza em Lisboa, e que conta com a participação da ex-ministra da Saúde Ana Jorge, a associação pretende deixar um "olhar realista sobre a (in)visibilidade da dislexia no sistema educativo português".
In: DN
domingo, 19 de outubro de 2014
Neste jardim de infância em Lisboa há crianças de todo o mundo, mas a única cor que as distingue é a da sala em que estudam
As 85 crianças que frequentam o Jardim de Infância da Pena, em Arroios, têm pais vindos de quatro continentes. O medo de não serem aceites e o facto de muitos não falarem português são barreiras a ultrapassar, mas no fim do dia até as educadares reconhecem que esta multiculturalidade é algo que muito os enriquece.
Os pais de Ivana nasceram na Bulgária, os de Hommar na Guiné-Bissau, os de Esdras em Angola, os de Yasmin no Brasil, os de Rico na China e os de Ahanaf do Bangladesh. Mas aqui, numa das quatro turmas do Jardim de Infância da Pena, em Lisboa, “não há cores”. Ou melhor, até há, mas é só uma: “somos todos laranjas”, diz a educadora Ana, referindo-se à cor que dá nome à sua sala.
Nesta sala, a canção do bom dia é cantada em inglês e os visitantes são saudados em vários idiomas, incluindo português, inglês, francês, italiano, búlgaro, mandarim e urdu. “Já sabemos muitas línguas, não já?”, pergunta a educadora às crianças. Antes de regressarem ao trabalho, ainda há tempo para um afinadinho “namastê”, acompanhado por um unir de mãos.
Ahanaf tem quatro anos e está neste jardim-de-infância, na freguesia de Arroios, há um ano. Quando chegou era em inglês que falava, língua que ainda hoje é aquela a que os seus pais recorrem para tentar comunicar com a educadora, mas ao fim de uns meses já se expressava sem grandes dificuldades em português.
Com uns enormes olhos escuros, Ahanaf lê com facilidade o nome de todos os seus colegas e diz com evidente orgulho que também já sabe os números. Já Rico, cujos pais são chineses e apesar de estarem em Portugal há mais de uma década não falam a língua do país que os acolheu, ainda tem que fazer algum esforço na hora de encontrar a palavra certa para responder às perguntas que lhe fazem.
Esta diversidade que entra pelos olhos adentro a quem visita a Sala Laranja é, para a sua educadora, um gosto. “Enriquece-nos muito. Aprendemos muito sobre outras culturas”, diz Ana, lembrando festas em que as crianças e os seus pais apareceram vestidos com trajes tradicionais do seu país e levaram pratos típicos para partilhar.
Mas como em tudo, não há bela sem senão. “Cria muitas dificuldades”, reconhece a educadora, explicando que é na falta de conhecimento da língua portuguesa que reside muitas vezes o maior desafio. “No jardim-de-infância há áreas e competências que temos de atingir e nalguns casos eles não estão a perceber pevas do que estamos a dizer. Primeiro temos de ensinar o português”, diz, apressando-se a acrescentar que o esforço feito “vale pela conquista, quando se vê a evolução”.
Sentado na mesa ao lado da da adulta da sala, Rico, envergonhado, mal tira os olhos da folha em que desenha uma maçã vermelha. A custo, entre uma fungadela e outra, lá diz que está “doente”, e só parece entusiasmar-se quando se lhe pede que mostre como se escreve o seu nome.
Por sugestão da educadora, o menino de cinco anos dirige-se depois ao parapeito de uma das janelas da sala, de onde traz dois peluches para mostrar: um boneco e uma boneca com roupas chinesas, que Ana decidiu trazer consigo quando foi adquirir o material escolar. Para o ano, a sua intenção é comprar brinquedos alusivos a um outro país, gesto que promete repetir em cada novo ano lectivo. “É importante porque eles identificam-se”, explica.
Nas paredes da Sala Laranja há auto-retratos das crianças, nos quais além do seu nome e idade está também escrito onde nasceram os seus pais. Junto à casinha, espaço de brincadeira eleito por boa parte das meninas, há um cabide com roupas para quem se quiser mascarar. E aqui, mais uma vez, a multiculturalidade de que é feito o Jardim de Infância da Pena está bem patente: lado a lado com um avental com um galo de Barcelos há dois trajes africanos, que foram oferecidos pelo pai de uma das alunas.
Numa das salas do lado, a Azul, são várias as crianças que já sabem contar até dez em inglês e em francês. Mas quando chega a hora de contar em flamengo só se ouve a voz de Mathias, de cinco anos. “O meu pai ensinou-me a falar em flamengo e a minha mãe em francês. O meu pai também fala inglês mas eu não sei”, explica o rapaz de caracóis louros, que nasceu em Portugal mas garante que tem muitos amigos na Bélgica, de onde veio o pai.
Neste ano lectivo, há 85 crianças, com idades entre os quatro e os seis anos, divididas entre as salas Laranja, Azul, Verde e Vermelha. Cerca de três quartos têm ascendência portuguesa, enquanto as restantes (várias das quais já nasceram no país), têm pais vindos de quatro continentes: Bulgária, Bélgica, Roménia, Espanha, Brasil, Estado Unidos da América, Guiné-Bissau, Senegal, Angola, São Tomé, Nepal, Índia, Bangladesh, China e Paquistão são alguns dos seus locais de origem.
Tanto a educadora Ana como Margarida, que além de coordenar o jardim-de-infância tem a seu cargo a Sala Azul, reconhecem que a “desconfiança” dos pais estrangeiros é um obstáculo nem sempre fácil de ultrapassar. “Vêm ansiosos, com medo de não ser aceites”, nota Ana, acrescentando que os miúdos, mais fáceis de conquistar, acabam depois por funcionar muitas vezes como “elos de ligação” com a escola.
Sublinhando que esta é uma escola onde é também frequente a existência de crianças com necessidades educativas especiais, Margarida garante que aqui “ninguém é posto de parte” e que todos os dias se trabalha para “construir um mundo para todos”. “É preciso alguma sensibilidade e um bocadinho de bom-senso”, diz. Mesmo aqueles que chegam de pé atrás, resume a educadora, “acabam por receber a nossa cultura porque nós recebemos a deles”.
Na Sala Vermelha, a educadora decidiu pendurar numa das paredes um mapa do mundo. Com a ajuda dos alunos, espalhou nele pequenos papéis brancos com o nome dos países aos quais têm uma ligação. Depois de no dia 5 de Outubro ter posto as crianças a desenhar e a pintar a bandeira de Portugal, o próximo projecto de Idália passa por lhes ensinar quais são as bandeiras dos locais, mais ou menos longínquos, que já assinalaram no mapa.
“Temos que valorizar a nossa cultura indo ao encontro das deles, de chegar às crianças com a nossa cultura sem os desenraizarmos. Senão não conseguimos chegar a eles”, justifica a educadora. Idália acrescenta que são as próprias crianças que o “solicitam”: “Eu vi o olhar de encantamento de um deles quando descobriu a bandeira do seu país. Eu não posso ignorar isso”, diz.
Também nesta sala, a diversidade que é tão saudada no Jardim de Infância da Pena traz consigo dificuldades ao nível a comunicação. É isso que acontece com Muhtadir, que tem cinco anos e que, conta Idália, “não fala uma palavra de português”. Cada vez que a educadora se dirige a ele, sorri e acena com a cabeça em sinal de concordância com algo que visivelmente não compreende.
Antes do almoço, as crianças da Sala Vermelha, que funciona numa antiga casa de função de professores forrada a azulejos do século XIX, sentam-se num tapete para ler um livro. Dois dos quatro rapazes do Bangladesh juntam-se num canto e começam a cochichar. “Olhe ali aqueles dois… Não percebo nada do que eles dizem”, comenta Idália, que acaba depois por os separar com a desculpa de que é preciso intercalar meninos e meninas.
Livros arrumados e higiene feita, os alunos seguem em pares para o refeitório. Já sentados, é vê-los, independentemente da sua nacionalidade ou ascendência, de nariz torcido e ar enjoado: o almoço é arroz de lulas, e nem a taça de mousse com chocolate a que sabem já que vão ter direito depois da sopa e do prato principal os anima.
Desta vez todos podem comer a mesma refeição, mas nem sempre é assim. Numa coluna do refeitório está afixado um papel com as restrições alimentares das crianças do jardim-de-infância. E não são poucas: aqui há 18 crianças que, devido à sua religião, não podem comer carne de porco e outras cinco cujos pratos não podem ter carne de vaca.
O cuidado em respeitar essas restrições é muito, mas a coordenadora do Jardim de Infância da Pena lembra-se bem do dia em que, por lapso, foi dado um pão com fiambre a uma criança muçulmana, e da reacção pouco compreensiva da mãe quando se apercebeu da gafe. Depois de vários anos a acolher crianças das mais variadas nacionalidades, não faltam a Margarida histórias para contar, incluindo a de um miúdo que perguntou ao pai de um colega, que era muçulmano, porque é que tinha ido de pijama para a escola.
Diferenças culturais à parte, esta educadora não tem dúvidas de que os alunos “aceitam-se muito facilmente uns aos outros”. Afinal de contas, conclui, “a brincadeira é universal”, e mesmo quando nem todas as crianças falam a mesma língua, elas “acabam por comunicar de outras formas”.
In: Público
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