Um bailarino, uma socióloga, dois informáticos e uma professora, todos vítimas da doença, falam sobre os seus projectos profissionais numa obra que será lançada nesta segunda-feira na Casa da Música.
Rui Reisinho, 37 anos, bailarino, DJ, designer numa empresa multimédia, fundador da A_JU_DANÇA, a primeira companhia de dança inclusiva do país, sonha com um campeonato de dança para pessoas com deficiência. Rui ouve, mas não fala. Tem uma folha com as letras do alfabeto e os números de 0 a 9 para compor frases e comunicar.
Ana Catarina Correia, 23 anos, frequenta o mestrado de Sociologia na Faculdade de Letras do Porto. Está a concluir a tese onde aborda as desigualdades das mulheres com deficiência. É activista do Movimento de (d)Eficientes Indignados, que luta para que os deficientes possam escolher a forma como querem ser apoiados. Defende a criação de institutos de vida independente como alternativa à institucionalização. Ou seja, residências para deficientes como as que existem na Suécia que lhes permitem alguma autonomia. Ana anda de cadeira de rodas, não consegue mexer-se ou levantar-se sozinha. Mora numa residência universitária e tem o apoio de uma assistente pessoal. Quer dedicar-se à investigação sociológica e trabalhar numa Organização Não Governamental.
José Pedro Gomes, 23 anos, licenciado em Informática, está a desenvolver uma aplicação informática que permitirá às pessoas com deficiência, e não só, usar um telemóvel ou um tablet através do olhar. No início do ano recebeu uma carta da presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves, que realça o seu “exemplo de excelência”. Depende de uma cadeira de rodas para se deslocar, tem problemas na fala. Quer criar uma empresa que arranje soluções para pessoas com deficiência. Maria de Fátima Ferreira, 38 anos, professora em Rio Tinto, escritora, várias vezes campeã nacional de natação adaptada, ganhou 40 medalhas de ouro. Vive com os pais. José Rui Silva, 24 anos, mestre em Ciências da Informação, estudou a forma de desenvolver um sistema para ajudar a controlar o absentismo dos profissionais de saúde do Hospital de São João, no Porto. Quer ser consultor em tecnologias e sistemas de informação. É atleta federado de vela adaptada e praticante de natação. As cinco histórias destas pessoas são contadas no livro Por Acaso… de Fátima Araújo, jornalista da RTP, que hoje é apresentado na Casa da Música, no Porto, por ser Dia Nacional da Paralisia Cerebral.
A obra não nasceu por acaso. Fátima Araújo andou seis meses a ouvir e gravar o que pessoas com paralisia cerebral, casos de superação, tinham para dizer. O desafio foi lançado pela IMOA – Clothing for All, de São João da Madeira, que faz roupa inclusiva e que testou o vestuário em utentes da Associação do Porto de Paralisia Cerebral. Foi quando que se deu o clique: havia histórias que tinham se ser contadas. Fátima Araújo aceitou o convite. Chama-lhe reportagem jornalística e não livro e justifica o nome com os acasos da vida. “Por acaso, todos somos fruto de algum acaso, tenha sido ele mais ou menos feliz. Por acaso essas pessoas são assim, mas por acaso têm a capacidade de se auto-superar e demostram-no diariamente” nos seus projectos profissionais, refere.
O neurocirurgião João Lobo Antunes assina o prefácio. “Estas são cinco histórias sobre quem recusou render-se e é, portanto, um cântico de louvor à vitória sobre o próprio corpo ferido e rebelde, uma luta em que as armas que mais contam são a vontade, a tenacidade – quero dizer a vontade sustentada -, a esperança – no sentido da procura da realização de um objectivo -, e uma inesgotável dieta de amor por parte daqueles que cuidam destas pessoas”, escreve.
Fátima Araújo colocou de lado um discurso derrotista. Há bons exemplos a contar, mas há também aspectos a mudar. A jornalista defende uma “grandiosa reestruturação social para mudar mentalidades, práticas e políticas”.
“Foram dois os objectivos do livro. Por um lado agitar consciências no sentido de dar visibilidade a casos positivos e, por outro, até porque as conversas com os protagonistas do livro discorriam sempre nesse sentido, dar visibilidade àquilo que eles próprios reivindicam, para o que eles acham que é necessário fazer, para o que faz falta aperfeiçoar”. As últimas páginas destinam-se ao que deve ser feito. Mais apoios e respostas sociais, criação de “subsídios dignos” para as famílias, mais cursos de formação para cuidadores e assistentes de pessoas com deficiência e a eliminação de barreiras arquitectónicas são algumas das propostas.
Telas, Camané e Laginha
A Associação do Porto de Paralisia Cerebral e a Federação Portuguesa das Associações com Paralisia Cerebral assinalam hoje o Dia Nacional da Paralisia Cerebral. Os números mostram a realidade desta deficiência que se caracteriza por um conjunto de défices permanentes dos movimentos e da postura provocados por algum distúrbio no encéfalo durante o desenvolvimento do feto ou depois do nascimento. Em Portugal, há mais de 20 mil pessoas com paralisia cerebral e, por ano, surgem 200 novos casos. Mais de 40 por cento têm uma inteligência normal e mais de 45 por cento das crianças dependiam de terceiros para toda a vida, segundo um estudo realizado em 2006.
O livro Por Acaso… é apresentado na Casa da Música pelas 19h00, seguindo-se um concerto de Camané e Mário Laginha. Durante o dia há mais iniciativas espalhadas pelo Porto. Quem passar no largo da Estação da Trindade, entre as 10h30 e as 12h00, é convidado a pintar telas em pessoas com paralisia cerebral para a construção cromática de uma obra de arte viva, num projecto orientado pela artista plástica Suzete Azevedo. No Centro de Reabilitação de Paralisia Cerebral constrói-se um labirinto interactivo com utilização de várias tecnologias, das 10h00 às 12h00. No auditório Horácio Marçal, em Paranhos, passam às 10h30 os documentários IV Campus Artístico e Bola Cá, Bola Lá. O workshop prático de expressões Não aos Sentidos Proibidos tem lugar no Hub do Porto, das 10h00 às 13h00. Pelas 16h30, na praça da Casa da Música, há uma performance em que todos podem participar.
In: Público
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