Os portugueses foram responsáveis, no fim do século XV e princípio do século XVI, por dar ao mundo a sua primeira foto de família. Ao ligar e mapear quase todas as partes do planeta, as navegações portuguesas permitiram ter a primeira visão global do mundo e também — à escala do conhecimento do seu tempo — uma globalização precoce.
Podiam ter sido outros, podia ter sido noutra altura, mas foram os portugueses que deram esta inestimável e pioneira contribuição para que o mundo se possa rever como uma totalidade que se relaciona. É assinalável que o tempo em que Portugal assumiu uma posição mais proeminente no mundo corresponde também ao tempo em que o país mais se abriu e interagiu com outros povos. Parece pouco provável que um país etnocêntrico, obcecado consigo e centrado nos seus valores humanos e sociais, pudesse desempenhar este papel de globalização e de relação com os outros.
Esta abertura essencial ao desenvolvimento é igualmente essencial para o florescimento da Educação. Olhar a Educação como um sistema reprodutivo, transmissivo e fechado é meio caminho andado para instituir uma educação que aprisiona os educandos em lugar de lhes dar a oportunidade de progredirem e libertarem as suas capacidades. Em Portugal, as pessoas que viveram durante o Estado Novo sabem disto muito bem. De como com o afã de transmitir valores, de doutrinar, de disciplinar, de formatar os alunos, a escola do Estado Novo se tornou caricata confundindo respeito com medo e transmissão com criação. A procura de outra escola que não esta confundiu-se com a procura de outro regime político que não fosse aquele.
Desde o 25 de Abril de 1974, a Educação em Portugal tem tido muitos discursos, reformas, legislações, tem tido os seus pontos altos e os seus pontos mais baixos. Mas nunca mais quis regressar aos modelos nem ao protagonismo seguidista de antes.
O “E” de Educação deve pois ser colocado junto dos três “D” (Democratizar, Descolonizar e Desenvolver) que sintetizaram os ideais de Abril. Só um esforço continuado ao longo destes 41 anos permitiram que a evolução lenta e temerosa da Educação se tornasse, depois do 25 de Abril, numa prioridade nacional. Os resultados estão à vista e dispomos agora de um sistema educativo que pode ombrear com os sistemas homólogos dos países no nosso espaço geopolítico.
Está tudo bem? Que a comemoração do que se conseguiu não enevoe o que é preciso conseguir... Aqui chegados precisamos de olhar para mais longe, para onde olham as nossas crianças e os nossos jovens. Precisamos de levar mais adiante o que conseguimos. Muito há para fazer mas, colhendo inspiração nos ideais de Abril, apontaria para três linhas de melhoria. Antes de mais, continuar a democratizar a escola. Democratizar a escola significa aprofundar a efetiva igualdade de oportunidades entre os alunos. O facto de os alunos terem capacidades e potencialidades diferentes não pode ser justificação para que recebam uma educação de diferente qualidade. Aprofundar a democracia significa que temos de ter e manter expectativas elevadas sobre todos os jovens. Eles estão na fase da sua vida em que a Educação pode fazer mesmo diferença e, mesmo que eles não saibam disso, nós sabemos.
Precisamos ainda de descolonizar a escola. A escola foi colonizada por um conjunto de valores que, se continuarem, irão torná-la inviável como estrutura social e de cidadania. Quando pensamos em escolas centradas exclusivamente em metas de aprendizagem, em sacrossantos currículos, no cumprimento estrito e cadenciado do programa não podemos deixar de considerar que esta ideologia é incompatível com a escola deste século. Não foram só os conteúdos e os programas que mudaram: os nossos jovens também mudaram e se continuarmos a ensiná-los com os valores educativos mais tradicionais e conservadores vamos alargar e tornar intransponível o fosso que já existe entre muitos jovens e a cultura escolar. Descolonizar a escola é terminar com o domínio de ideologias pedagógicas bafientas e que desconfiam dos alunos.
Enfim, precisamos de desenvolver a escola, de investir nos recursos, nos projetos transdisciplinares, na formação e acompanhamento de pais e professores, numa ligação fértil às tecnologias, enfim, precisamos de desenvolver a escola para que ela cumpra a sua função de acolher todos os que vão ser o futuro do país.
A Educação de Abril para consumar os três “D” precisa do “E” que é afinal a ferramenta mais eficaz, a que tem de atuar mais precocemente, mais globalmente, aquela que não pode ser pusilânime na qualidade para todos. A Educação de Abril já está nas nossas escolas. Basta lá ir para ver. Mas precisamos de não esquecer as das suas sementes para podermos melhor tratar e sonhar a frondosa árvore do futuro.
Por: David Rodrigues
Presidente da Pró-Inclusão/Associação Nacional de Docentes de Educação Especial; Conselheiro Nacional de Educação
In: Público
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