A característica mais evidente de qualquer sala de aula nas nossas escolas é a diversidade dos alunos. Como é reconhecido, esta diversidade decorre, entre outros factores, da obrigatoriedade escolar de há muito instituída e progressivamente alargada, de políticas educativas que procuram implantar princípios de educação inclusiva, da mobilidade dos cidadãos ou, naturalmente das óbvias diferenças individuais entre os alunos.
Durante algumas décadas, apesar de alguns sobressaltos, hesitações, dificuldades, resistências ou falta de recursos pensou-se e tentou-se estruturar uma escola que pudesse ser capaz de diferenciar, de incluir, de acomodar diferenças entre os alunos a escola. Realizaram-se progressos notáveis mas muito estava ainda por fazer.
Escrevo estava porque, entretanto, começaram a soprar ventos de mudança. De uma escola que se procurava orientar numa perspectiva de diferenciação, não responder de forma igual ao que é diferente, temos vindo a assistir a uma reorientação da escola assente numa ideia de "normalização" que, do meu ponto de vista e alguns indicadores sugerem, corre o sério risco de produzir exclusão.
É também claro que a exclusão escolar, educativa, representa quase sempre a primeira etapa da exclusão social em comunidades cada vez mais desenvolvidas e exigentes na qualificação dos cidadãos.
Na verdade, esta visão de "normalização" é estruturante de boa parte da política educativa. Traduz-se de forma substantiva na hipervalorização da avaliação externa, apesar de necessária, em detrimento da avaliação de natureza mais formativa ou na recusa de uma verdadeira autonomia das escolas que lhes permita responder com a organização e os recursos adequados às especificidades contextuais de natureza social, cultural ou educativa.
A OCDE tem alertado em sucessivos documentos para este caminho mas parece estar instalada a ideia de que os exames, só por existirem, promovem qualidade, o que, evidentemente, não acontece, antes pelo contrário, promovem uma retenção que não contém potencial de melhorias como bem assinalou o CNE em relatório recente e os últimos resultados dos estudos comparativos internacionais parecem indiciar.
Em consequência desta "examocracia" em que se tem transformado o nosso sistema educativo, sobrevalorizando a pressão para resultados, constrói-se um processo educativo de "normalização", burocratizado e pouco flexível levando, por exemplo a que muitos alunos nem sequer sejam sujeitos aos exames pois, provavelmente, os seus resultados comprometeriam objectivos institucionais que são "premiados", por assim dizer, pelo MEC numa estranha opção política.
Neste contexto, é peça importante a organização curricular, altamente prescritiva, extensa e burocratizada, assente em metas curriculares também extensas e, dizem os especialistas, inadequadas, que fazem correr o sério risco de que o ensino se transforme na gestão de uma espécie de "check list" das metas estabelecidas implicando a impossibilidade de acomodar as diferenças, óbvias, entre os alunos, os seus ritmos de aprendizagem, criando ambientes escolares pouco amigáveis, por assim dizer, para crianças que experimentem algum tipo de dificuldade.
Dito de outra maneira, a escola estará a sentir progressiva dificuldade em acomodar as diferenças pois deve acrescentar-se a insuficiência de recursos docentes e técnicos fruto da política do MEC que dificulta sobremaneira a existência de dispositivos de apoio ao trabalho de alunos e professores.
Assim, vítimas de uma espécie de "darwinismo" educativo, vão saindo das salas de aula os "menos dotados", os "preguiçosos", os "sem jeito para a escola", que são remetidos, "empurrados" para espaços guetizados ou vias educativas consideradas de segunda, dentro ou fora das escolas.
Neste contexto inquietante em que a maioria dos professores, apesar do MEC, tenta reinventar diariamente o sentido da sua missão e acolher todos os alunos parece-me na verdade imprescindível repensar desta ideia de "normalização" que nos poderá sair demasiado cara.
No entanto, como sempre, mantenho algum optimismo na capacidade que enquanto comunidade tenhamos de caminhar noutro sentido, diferenciar, responder com exigência, com qualidade e de forma diferenciada ao que é ... diferente.
Gostava que o meu neto viesse a frequentar uma escola para todos, com equidade e com qualidade, mesmo consciente das dificuldades, dos sucessos e fracassos inerentes à acção educativa, nas escolas, tal como nas famílias.
Por: José Morgado
Doutorado em Estudos da Criança
In: Público
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