Mel Ainscow, Professor da Faculdade de Educação da Universidade de Manchester, Inglaterra, especialista em necessidades educacionais especiais. É consultor de diversos projetos nessa área.
>> O que significa inclusão?
Mel Ainscow: Inclusão é a transformação do sistema educacional, de forma a encontrar meios de alcançar níveis que não estavam sendo contemplados.
Eu compreendo a inclusão como um processo em três níveis: o primeiro é a presença, o que significa, estar na escola. Mas não é suficiente o aluno estar na escola, ele precisa participar.
O segundo, portanto, é a participação. O aluno pode estar presente, mas não necessariamente participando. É preciso, então, dar condições para que o aluno realmente participe das atividades escolares.
O terceiro é a aquisição de conhecimentos - o aluno pode estar presente na escola, participando e não estar aprendendo.
Portanto, inclusão significa o aluno estar na escola, participando, aprendendo e desenvolvendo suas potencialidades.
Um outro aspecto da inclusão é identificar e sobrepujar as barreiras que impedem os alunos de adquirir conhecimentos acadêmicos. Essas barreiras podem ser: a organização da escola, o prédio, o currículo, a forma de ensinar e muitas vezes as barreiras que estão na mente das pessoas. Estas são as mais difíceis.
>> Como superar essas barreiras das pessoas?
MA >> Todo este processo de inclusão é um processo de aprendizado. As pessoas estão aprendendo a viver com os diferentes. E isso só se aprende na ação e dentro de um contexto. Por isso eu acho importante as pessoas estarem abertas para esse tipo de vivência.
>> O que mais o impressionou nas suas visitas às escolas em São Paulo?
MA >> Vi muitas coisas boas nas escolas. Muitas experiências que estão dando certo, mas também situações que precisam melhorar.
O que considero relevante e que muito me impressionou, foram as escolas em que a ênfase está na cooperação. Professores e pais trabalhando juntos de forma muito integrada.
Fiquei muito impressionado com o comprometimento e o entusiasmo dos professores. Como é o caso de uma escola que muito me impressionou pelo progresso alcançado em tão pouco tempo, porque iniciou a inclusão há apenas dois anos.
Um outro ponto que gostaria de destacar é o significativo avanço que o Brasil conseguiu no processo de incluir crianças que antes não tinham a mínima oportunidade de estar na escola. O próximo passo, agora, é tornar as escolas mais eficazes.
Mas há um longo caminho a ser percorrido. Não só aqui no Brasil mas também em todos os lugares do mundo.
>> E o que deve ser feito para que a escola seja realmente efetiva e propicie o que o senhor chamou de terceiro nível de inclusão: alunos presentes na escola, participando e aprendendo?
MA >> Das minhas experiências trabalhando com professores e pessoas nos diferentes países, podemos afirmar que para tornar as escolas mais eficientes no seu ensino-aprendizagem é preciso ter clareza do que se quer, dar aos professores condições de trabalho, reconhecer que eles são fatores essenciais nesse processo de transformação. Eles precisam se sentir reconhecidos e valorizados.
Os professores, por sua vez, precisam se conscientizar que devem estar aprendendo sempre, que precisam também ser pesquisadores. Isso significa estar sempre pesquisando, investigando novas formas de ensinar, refletir sobre o seu trabalho, procurar sempre melhorar o seu próprio trabalho.
Todos devem investir na educação continuada dos professores dentro da escola, se quisermos melhorar a aprendizagem das crianças.
Isso implica na contribuição de muitos profissionais trabalhando juntos para o desenvolvimento da escola e dos professores. Quando há comprometimento, liderança na escola, os professores encontram tempo e espaço para soluções.
Por isso, é muito importante detectar as barreiras dentro da escola, que impedem a participação de todos.
>> Qual seria o número adequado de alunos numa classe em que se dá o processo de inclusão?
MA >> Esta é uma pergunta difícil porque depende muito dos recursos disponíveis e das condições da escola. Eu diria 25 a 30 alunos seria um bom número. Mas, mesmo em classes numerosas, se olharmos para as crianças como possibilidades de ajuda no processo de inclusão de outras crianças, a tarefa torna-se mais fácil. É uma questão de organização da classe e das atividades de forma que as crianças possam contribuir mais. Crianças que passaram pelo processo de inclusão têm uma sensibilidade muito grande. Sabem melhor do que os adultos quais são as dificuldades que outras crianças terão.
>> Qual é sua opinião sobre as salas de apoio às crianças com necessidades especiais de aprendizagem?
MA >> Em relação aos professores especializados, acho bom.
Os professores normalmente têm um longo dia de trabalho na classe. São muitas tarefas. Com a entrada do professor de apoio, há um tempo adicional para que possam pensar melhor sobre suas aulas. Isso é muito bom.
É importante encorajar a participação dos professores especializados como suporte e não como uma forma de enfatizar a segregação e a discriminação.
Neste ponto, torna-se importante esclarecer o que se entende por suporte. Significa a construção da autonomia do aluno no processo de aprendizagem.
Iniciar sempre com o mínimo necessário para que o aluno tenha condições de se desenvolver e, assim que possível, retirar o suporte para que ele possa prosseguir sem criar uma relação de dependência.
As crianças precisam aprender a ter autonomia nas suas aprendizagens, precisam se tornar "aprendizes independentes".
>> Especificamente sobre a inclusão, como está a formação do professor no Ensino Superior? Como ele está sendo preparado nos outros países?
MA >> A escolas são instituições difíceis de se mudar. Isso no mundo todo. As de Ensino Superior são as mais difíceis. Muitas continuam perpetuando as mesmas práticas. O discurso é um e a prática é outra. Professores no Ensino Superior dizem a seus alunos que as aulas devem ser mais instigantes, interativas, que devem proporcionar um aprendizado mais ativo. Quando sabemos que as aulas nas Universidades estão centradas na fala do professor.
Faz-se necessário, portanto, pensar numa reforma na formação do professor. Os professores formadores precisam reconhecer em suas práticas o que recomendam aos seus alunos professores. Precisam ser "modelos" do que dizem. Por exemplo: trabalhar em grupos, na solução de problemas, professor como facilitador da aprendizagem e assim por diante..
Normalmente os professores estudam por um período de três anos. Deste período, apenas algumas semanas são dedicadas à prática.
Na Inglaterra, dedica-se um tempo maior para a observação de professores mais experientes em suas práticas e habilidades. Investe-se mais tempo no desenvolvimento das competências e habilidades do ofício de ensinar.
>> Pela sua experiência, como tem sido a participação da família no processo de inclusão? Colaboradora ou motivo de impedimento?
MA >> Para uma escola ser mais efetiva tem de desenvolver melhor as relações com a família. Isso se quiser melhorar a aprendizagem de seus alunos. Isso vale para qualquer escola.
Normalmente afastamos os pais da escola. Os colocamos nos limites dos portões das escolas.
Eu acho que educação é uma tarefa muito importante para ser executada só por professores. Todos devem fazer parte desse processo. É responsabilidade de todos. Cada um desempenhando o seu papel.
Os pais devem pressionar o governo para que o sistema ofereça vagas e melhores condições de educação. Educação é um direito de todos. Os pais numa escola têm muitas funções. E essa é uma delas.
Pais que têm filhos com necessidades especiais de aprendizagem não recebem treinamento especial para serem pais. Aprendem fazendo, porque simplesmente têm de fazer.
>> Como encontrar parceiros em comunidades carentes?
MA >> É muito importante que a escola venha a desenvolver um equipe forte.
Diretores de escolas precisam visitar e ajudar outras escolas. O supervisor precisa estar inserido no sistema, trabalhar junto com os diretores, professores, alunos e pais. Cada um aprendendo com o outro. Quanto mais as pessoas estiverem isoladas, mais dificuldades terão para resolver problemas. As possibilidades serão sempre limitadas. Conheço uma experiência na América Latina em que seis diretores formaram uma associação para trocar idéias, compartilhar problemas e experiências.
>> Como se dá a interação professor-aluno em quadros complexos de deficiências graves ou em casos de psicose? Como reconhecer se os professores ficam inseguros? Como se trabalha na Inglaterra nesse sentido?
MA >> Não temos respostas. Pessoas de todos os níveis sociais enfrentam os mesmos problemas no momento de criar a inclusão. É um processo, uma longa jornada em que se aprende no percurso. Ingredientes como encorajamento e vontade de realizar são muito importantes.
Muitas escolas são inclusivas por princípio. São muito inclusivas e não têm receitas. Mesmo assim os professores estão conscientes que por mais que trabalhem a inclusão sempre será difícil alcançar todos.
Precisamos aceitar o fato que fazemos o que podemos e fazemos com os recursos de que dispomos. Sabemos que podemos aprender para continuar fazendo mais progressos.
A chamada "Educação Especial", no passado, era para cuidar das crianças que eram excluídas. Hoje ela precisa olhar mais para ela mesma, rever o seu papel e adquirir uma nova função: contribuir para a Educação Inclusiva.
A Educação Especial pode contribuir para a solução colaborativa dos problemas. Mostrar que todos fazem parte do processo. Ajudam e trabalham juntos. Ela pode mostrar que podemos resolver problemas juntos. Somos parte da solução e não do problema.
Gostaria aqui de relatar a experiência de uma escola de Ensino Fundamental, de 1a a 4a série, em São Paulo, que levarei para outros países. Há dois anos, esta escola procede a inclusão de crianças e de adultos portadores de deficiência visual com alunos do Ensino Fundamental regular. Eu nunca tinha visto este tipo de integração.
Ao visitar a escola, estava ocorrendo uma comemoração e todos estavam participando das apresentações de uma forma extraordinária. As mães desses alunos adultos estavam muito emocionadas e satisfeitas porque os filhos estavam tendo uma oportunidade que antes não tinham.
Ao passar em visita pelas classes, esses adultos estavam muitos ansiosos para que eu visse seus cadernos e trabalhos.
Em muitos países, inclusive no meu, adultos nessa faixa etária - entre 30 e 40 anos - são excluídos do processo educacional regular. E, assim, nós perdemos a oportunidade de conviver com eles e eles conosco.