O estudo da doença de Machado-Joseph valeu-lhe o prémio Pulido Valente Ciência 2011. Agora está em Paris a trabalhar noutra doença: a ataxia espinocerebelosa tipo-7, uma doença fatal que provoca descoordenação dos movimentos.
Era uma criança como outra qualquer – “o que queria era uma bola de futebol para jogar” – e ser cientista não era propriamente um sonho. Lembra-se do fascínio que um aparelho de medir tensões, que havia lá por casa, lhe causava: o que Sandro Alves queria mesmo era ser médico.
Os “livros científicos” que o pai lhe ofereceu aos oito anos foram, provavelmente, o primeiro contacto a sério com a ciência. Mas o objectivo de ser médico mantinha-se e só uma média de 18,2 valores – insuficiente para entrar em Medicina – o demoveu. “Não consegui entrar”, lembra o jovem de 33 anos, que conversou com o P3 dias depois de ter sido galardoado com o prémio Pulido Valente Ciência 2011.
A Biologia foi a escolha a que o afastamento da Medicina o conduziu. Mas o investigador – é assim que gosta que lhe chamem, a designação de “cientista” soa-lhe “muito pesada” – não queria ser mais um professor ou um biólogo no desemprego. Dedicou-se, então, à investigação do cérebro humano: desenvolve estratégias de terapia genética que têm como base atenuar ou reverter mecanismos neurodegenerativos. É na neurociência que se tem distinguido nos últimos anos.
O último prémio, para cientistas até 35 anos, foi o da Fundação para a Ciência e a Tecnologia e da Fundação Professor Francisco Pulido Valente: a investigação de Sandro Alves provou que o silenciamento não específico da expressão da proteína ataxina-3, envolvida na doença de Machado-Joseph, reduzia de forma drástica a manifestação dessa doença em ratos.
Machado-Joseph, uma doença fatal
A Machado-Joseph caracteriza-se pela "perda de controlo de movimentos voluntários”, explica Sandro Alves. A manifestação da doença acontece sobretudo entre os 30 e os 40 anos e é fatal num período de 10 a 20. O trabalho com esta doença iniciou-se em 2003, num projecto em que Sandro Alves se focou no silenciamento da doença por interferência de RNA, e a eficácia do silenciamento específico do alelo mutado ficou provado em 2008. Mas esta estratégia permitia tratar, “no máximo, 70% do doentes”. Por isso, na investigação agora premiada, Sandro Alves quis ir mais longe: testou qual a eficácia do silenciamento da proteína normal.
Os resultados obtidos sugerem que estratégias que envolvam o silenciamento não específico podem ser "seguras e eficazes". Falar de tratamento é um cenário ainda longínquo, mas Sandro Alves não esconde o objectivo: “Estamos a desbravar terreno para que a médio-longo prazo possamos ter algum resultado”, diz. Sandro há-de voltar à doença de Machado-Joseph, cuja investigação continua a ser feita por alunos de doutoramento orientados por Luís Pereira de Almeida, na Universidade de Coimbra. O jovem espera que os testes sejam, no futuro, feitos num animal superior (macaco): "Não há planos para isso, ainda, mas seria muito importante".
Para já, está no Instituto do Cérebro e da Espinal Medula, em Paris, onde se dedica a outra doença: a ataxia espinocerebelosa tipo-7. "É uma doença fatal, semelhante à de Machado-Joseph no que toca à descoordenação dos movimentos voluntários, adicionando-se também a perda de fotoreceptores que podem levar a uma perda gradual da visão", explica Sandro Alves. O investigador está a desenvolver estratégias de "silenciamento genético da ataxina-7 mutante".
Ser investigador é "passar muitas horas e muitas madrugadas nos laboratórios", define. Uma "profissão" cada vez mais possível em Portugal: "Temos centros de excelência. O atraso em alguns campos, relativamente ao que existe em Paris, tem apenas a ver com o facto de se ter investido mais tarde", avalia. Portugal, diz Sandro Alves, é mesmo visto como uma "fábrica de talentos" lá fora. Um conselho para os jovens investigadores? "Que sejam exigentes com eles mesmos; que sejam sempre auto-críticos."
In: P3 Público
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