Há por aí alguma vozearia em torno do concurso deste ano para colocação de professores e docentes, como se esta semana estivesse a abrir mesmo um concurso externo para ingresso na carreira docente.
Nada de mais errado.
Há muito tempo que eu achava que o concurso nacional de 2009 tinha sido o último nos moldes a que estávamos mais ou menos habituados. Pensei que poderia mesmo desaparecer, ser pulverizado em termos regionais ou qualquer outra coisa. No entanto, formalmente, o Ministério da Educação e Ciência (MEC) manteve o compromisso de novo concurso ao fim de quatro anos. E esta semana abre o dito concurso. Ou melhor, em termos puramente formais, abre um concurso. Mas em termos reais não abre concurso algum, que não seja meramente de mobilidade interna. As vagas para admissão de contratados são praticamente virtuais.
Nada como demonstrar o que afirmo: no concurso para vinculação extraordinária entraram 603 docentes contratados, aos quais só foi atribuído um quadro de zona pedagógica (QZP) de referência que nem sequer é um dos que agora está já em vigor (passaram de 23 para 10). No actual “concurso” são abertas 618 vagas positivas e 11.325 negativas. As tais 618 vagas positivas serão ocupadas pelos mecanismos de mobilidade interna normais, seguindo-se a colocação dos professores admitidos no concurso de vinculação extraordinária. Apressadamente, houve quem considerasse que o MEC tinha aberto 1221 vagas. Nada de mais errado. Abriu 603 e agora mais 15. Apenas e tão só, enquanto declara que existem 11.325 horários que são para extinguir.
O que significa que este ano, o concurso externo foi o da vinculação extraordinária e este que começa na próxima semana é um simulacro, sendo equivalente em 99% a qualquer dos concursos anuais de mobilidade interna que já existia. Este ano não há qualquer verdadeiro concurso nacional de docentes, sendo igualmente falso que isto tenha qualquer coisa a ver com um redimensionamento dos quadros das escolas que resulte das suas reais necessidades. O objectivo é extinguir lugares de quadro, colocando os números – para efeitos de cálculos que conheceremos mais tarde – em níveis aceitáveis pela troika, pelos especialistas de gabinete e pelos grupos privados interessados a médio (curto?) prazo na concessão da gestão das escolas e agrupamentos mais rentáveis.
Este emagrecimento dos quadros é uma das pré-condições para os privados aceitarem – com um imenso sacrifício, como se calcula – a missão de assumir a gestão de uma educação low cost, argumento fulcral para o spingovernamental nesta matéria, apesar dos estudos (engavetados) mais recentes terem demonstrado que o custo por aluno e turma é mais baixo no ensino público do que no privado subsidiado, mesmo daquele com práticas de proletarização laboral e desrespeito pelas normas legais que, ao que parece, nenhuma auditoria demonstrará antes de ser mesmo conveniente ou impossível manter na neblina.
Quanto ao facto destas 618 vagas corresponderem, no essencial, às necessidades de provimento da vinculação extraordinária (mesmo que isso não signifique qualquer colocação directa), basta verificar o quadro-síntese disponível no Blog DeAr Lindo.
Este é um não concurso, aberto formalmente para dizer que abriu, sendo que o verdadeiro foi o da vinculação extraordinária, aberto para que a Federação Nacional de Educação (FNE) e o MEC não ficassem mal vistos depois do que anunciaram em inícios de Setembro de 2012. Tudo isto é uma enorme ficção e, já agora, uma inútil perda de tempo e dinheiro, pois o que está em causa é um mero simulacro.
Mas vai mal quem aproveita este não concurso para recuperar um passado não tão distante assim, mistificando o que se passou em 2009. Vejamos: é verdade que em 2009 foram abertas formalmente mais de 20 mil vagas… mas… quantos contratados entraram no concurso externo? 396!
Ficção por ficção, cada um escolhe a que mais lhe agrada, mas o enredo tem um desfecho semelhante. Que já há por aí gente a acenar com o concurso do ano eleitoral de Sócrates, é algo bem evidente, mas não passa de mistificação Esquecem-se de dizer a verdade toda. Em 2009 entraram menos de 400 contratados. O que aconteceu foi a conversão de muitas vagas de QZP em vagas de escola ou agrupamento, mas as pessoas já estavam na carreira e nos quadros.
A verdade é que em dois concursos nacionais (2009 e 2013) o total de entradas nos quadros é de pouco mais de mil professores contratados, enquanto as aposentações, outras saídas da profissão e vagas negativas, no mesmo período (ou desde 2006, o anterior concurso) são na ordem das dezenas de milhar. O resto não passou de mobilidade interna.
Este ano, o concurso não passa de uma ferramenta prévia para o alargamento da mobilidade geográfica e preparação da mobilidade especial. Acredito que exista quem ache que 90 a 95.000 professores conseguirão fazer o que faziam, há bem pouco tempo, 140.000. Mas mesmo a redução alegada pelo ministro Nuno Crato de 14% de alunos dificilmente explica uma redução superior a 35% de professores.
Embora perceba que a degradação do serviço público de Educação seja uma etapa necessária para a justificação da sua privatização.
De: Paulo Guinote
O autor é professor do ensino básico e autor do blogue A educação do meu umbigo.
In: Público
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