Há muitos anos, visitei uma escola secundária, que vivia em estado de sítio. Fui até lá, correspondendo ao apelo de um grupo de professores, qual pronto-socorro de projetos, exercendo solidariedade no interior deste país de brandos costumes. Cheguei a tempo de assistir a um episódio que correspondia a outras situações antes descritas pelos professores com quem trocara correspondência.
Quando entrava, quase fui atropelado por professoras em louca correria. Outras estavam 'perfiladas de medo', coladas às paredes dos corredores, enquanto por elas passavam hordas de furiosos jovens. Quando consegui estabelecer diálogo com uma das ofegantes colegas, fiquei sabendo que ela tinha acabado de retirar a sua viatura incólume do parque de estacionamento da escola, mas que outras não tinham tido sorte, pois os seus carros ficaram com vidros partidos, por efeito de pedradas. Gerara-se confronto entre
gangsde alunos. E até mesmo um polícia, que interviera na refrega, havia ficado sem a sua pistola. A escola vivia num caos permanente.
Quando a tempestade pareceu amainar, entrámos para uma sala. Conversámos. Quis saber se a escola dispunha de um regulamento. Responderam que havia, mas que eram frequentes as repreensões, as faltas disciplinares, os processos disciplinares, as suspensões temporárias e até mesmo expulsões de alunos. Respondi que não era isso que eu pretendia saber. E que as faltas e expulsões nada resolviam.
Gerou-se alguma perplexidade. Perguntaram-me se eu estava ali para ajudar, ou para criticar. Acalmei as hostes e insisti na ideia de analisar o 'estatuto disciplinar do aluno' que, entretanto, alguém tinha ido buscar ao directoral gabinete. Li-o. Era um repositório de proibições. Quase todas as alíneas começavam pelo advérbio 'não'. Os professores assentiram que os alunos não tinham participado na redação das regras. Mas:
- Que é que os alunos têm a ver com isto? - inquiriu uma professora mais exaltada.
- Têm tudo, colega - ripostei, com algum cuidado, pois o ambiente estava muito tenso. - Se os alunos não participam na elaboração de um regulamento, dificilmente o compreenderão, e muito menos o hão de cumprir.
- Isso é tudo treta, colega! Vê-se bem que não trabalha nesta escola! Fala como um extraterrestre... E eu não estou para perder mais tempo! - e dali se foi, resmungando.
Pedi às que ficaram que lessem a primeira alínea do regulamento disciplinar. Leram: 'Não podes fumar no WC'. E eu perguntei:
- Se algum jovem ler esta proibição, como reagirá? Certamente, irá ao WC tirar umas passitas, só para 'chatear os setôres'. É ou não é?
Por ali fiquei, mais de três horas, escutando as professoras que, confiando na minha discrição e solidariedade, desocultaram factos que pareciam extraídos de um qualquer filme de terror: um aluno do décimo ano apontou uma navalha à professora; outra professora foi encostada ao fundo da sala e, não fora a intervenção de um colega, arriscar-se-ia a ser violada. E mais não conto, porque julgareis inverosímil a narração...
No fim da reunião, fui dizendo às professoras que, para o médico, o problema não é o doente mas a doença, e que o mesmo se aplica ao professor: o problema não é o aluno. Se um aluno denota desajuste e comportamentos 'disruptivos', ou o aluno está doente, ou está doente a escola. Ambos padecem de uma enfermidade que urge diagnosticar e sanar. E isso não se consegue com recurso a proibições e sanções. Uma ferida profunda e gangrenada não se cura com pensos de mercurocromo...
Perante as adversidades, esmagados entre as representações e atitudes dos pais dos seus alunos e as agruras de um difícil quotidiano, muitos professores optam por uma saída pela porta do fundo, enjeitando a centralidade do seu papel. O que poderá explicar que uma escola só se aperceba de que uma criança encontrada morta na rua era aluno seu, apenas quando comparou a fotografia do morto com a da caderneta do professor? Porquê esta trágica impessoalidade, esta desumanização? Na base das dificuldades de controlo de impulsos agressivos não estará uma pretensa 'neutralidade' na relação?
A degradação do sistema de relações pode ser um dos fatores de indisciplina. Mas eles são múltiplos e deverão ser abordados de modo sistémico. Muita da indisciplina que povoa as nossas escolas resulta, também, da insegurança e do medo - um 'medo que nos salva da loucura', como diria o O'Neil, no seu poema - que remete o professor para uma atitude defensiva, garantia de sobrevivência.
O medo é o filho dileto da solidão do professor. Os professores carecem de interrogar uma Escola sem sentido e de resgatar a solidariedade perdida num solitário exercício da profissão. Precisam ir mais fundo na identificação das causas da degradação do sistema de relações, que conduz a fenómenos como a indisciplina. Urge que o professor se decifre a si próprio, para que possa decifrar e erradicar violências que se ocultam por detrás de aparências, para que consiga compreender que o medo que o 'salva' da loucura é da natureza do que lhe confere o direito de expulsar alunos, que o medo que impele os alunos à indisciplina é da mesma natureza da infelicidade do professor.
Por: José Pacheco
In: Educare
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