Um dos astrofísicos mais famosos do mundo esteve no Porto e deixou um alerta: "A humanidade pode desaparecer se não fizermos mais nada"
Cosmólogo de 81 anos, é uma das referências mundiais da divulgação científica e esteve em Portugal para uma conferência sobre Cosmos Sustentabilidade e responsabilidade, organizada pela Porto Business School. Não tem receio de se colocar ao lado do Papa Francisco na denúncia da idolatria do dinheiro, mas está convencido de que o futuro da humanidade passa pelo homem deixar de se considerar mais importante do que as outras espécies. Acaba de lançar em Portugal mais uma obra - "Onde Cresce o perigo Surge Também a Salvação", uma adaptação de um verso do poeta alemão Friedrich Hölderlin - que resume duas das suas maiores preocupações de sempre: o ambiente e a astrofísica. Divide a vida entre Paris e a sua cidade natal, Montreal, onde ainda ensina e dá palestras. Há três décadas lançou "Um Pouco mais de Azul", uma obra que o tornou famoso por usar uma linguagem simples e até lírica para explicar complexidades da ciência.
Que mensagem trouxe a Portugal, tendo como plateia empresários e engenheiros?
Quero sensibilizar para a situação perigosa em que nos encontramos. Vemos um crescendo de ameaças ao futuro da vida no planeta, do aquecimento, à poluição ou aumento dos gases de estufa. É interessante falar com pessoas que desenvolvem projectos e ajudá-las a ver o ponto em que nos encontramos, para que possam avaliar de forma mais acertada o que devem e o que não devem fazer.
Sente que este tipo de preocupação tem estado ausente da formação nestas áreas?
Tem melhorado mas ainda pode melhorar mais. Por vezes faltam ideias práticas e foi isso que procurámos fazer: uma espécie de lista de coisas de que não nos devemos esquecer ao pensar num projecto. O meu contributo é no sentido de apresentar uma visão de que temos no presente duas histórias: uma boa, que é como chegámos até aqui desde o início do universo. A outra é como a humanidade está a deteriorar o planeta com a sua presença e influência. O desafio - nosso e deles - é conseguir conciliar as duas histórias.
Somos os vilões nesta última história?
De certa forma. Fizemos coisas maravilhosas como medicamentos, mas temos vindo a transformar o nosso planeta de uma maneira que não é favorável à vida. Estamos a aquecê-lo, a acidificar os oceanos. Temos de fazer alguma coisa se não podemos desaparecer. É a principal mensagem: a humanidade pode desaparecer se não fizermos nada.
Quando?
Ninguém sabe. Pode ser um processo gradual ou repentino. Ninguém sabe o futuro mas a probabilidade existe e parece ser grande. Se aqueceremos a atmosfera 4.ºC, 5.ºC ou 6.ºC, o clima pode tornar-se ingovernável e isso é um perigo para os nossos filhos e netos.
O professor defende um novo humanismo, como quando o Papa Francisco condenou a idolatria do dinheiro. Ciência e fé aproximam-se neste apelo?
O dinheiro, de facto, tem um papel tão negativo, hoje, que deve haver um esforço no sentido de o tornar positivo. Esse esforço passa muito pela responsabilidade das empresas e instituições. Começam a acontecer algumas mudanças - o edifício onde se realizou a conferência acaba de ser construído com preocupações enormes de sustentabilidade [as instalações da Porto Business School obtiveram certificação LEED Gold]. Nesse aspecto, move-nos um mesmo objectivo: salvar a humanidade da destruição.
Vive em França, onde o presidente Hollande, recentemente, anunciou que quer poupar a ciência e o ensino superior de cortes. Em Portugal não têm sido áreas poupadas...
É verdade. Todos os países quando atravessam uma crise, como esta em que estamos, tentam fazer algumas poupanças. A questão é onde se poupa. Se um país como Portugal corta os apoios a escolas, professores e alunos vai depender mais de tecnologia desenvolvida no exterior e no futuro vai gastar mais a comprá-la do que teria gasto ao apostar na formação. Acho que um dos sectores principais a garantir num país, mesmo quando se pensa em questões económicas, é a educação. Por isso é um erro cortar nesta área só porque é mais fácil do que noutras. Já aconteceu noutros países e a longo prazo saíram-se pior do que os que decidiram manter o financiamento. Os apoios à educação, ciência, cultura devem ser os últimos a ser cortados.
Nasceu no Canadá, um dos melhores países na competição global por pessoas qualificadas. Em Portugal agora há a intenção de lançar vistos de talento. Como vê este campo?
A melhor forma de atrair pessoas de fora é ter boas instituições e, para isso, os centros e as pessoas têm de ser apoiadas. Acho que é uma contradição cortar apoios internos se se quer atrair de fora. Se o objectivo é esse, então o caminho e a mensagem estão erradas.
Aos 81 anos quais são os seus sonhos científicos?
Continuar a popularização da ciência, torná-la compreensível. Isto tem um duplo objectivo: por um lado as histórias da ciência são maravilhosas e há um interesse natural por elas, que torna entusiasmante partilhar. Por outro lado, só a popularização da ciência vai permitir que as pessoas percebam a importância do conhecimento e actuem contra o aquecimento global e este paradigma de que a humanidade, através das suas actividades, destrói o planeta.
Para si, qual foi a melhor história?
Muitas. Começou com a confirmação da teoria do Big Bang em 1965 e cada vez sabemos mais sobre o passado e de onde vimos. Para mim, as grandes histórias são estas, a descoberta do átomo. Mas acho que o que mais surpreende a audiência é a ideia de que o universo tem uma história e como a natureza se organiza através de moléculas e átomos. E mesmo que comecemos por falar do universo, de estrelas e planetas, trata-se da nossa própria história. Depois há a questão se tudo isto tem um propósito ou não, que devemos fazer, e não tem resposta.
Uma cientista premiada em Portugal noutro dia defendia a necessidade de maior racionalidade na tomada de decisões, quase uma importação do método científico para a política contra alguma subjectividade. Concorda?
Acho que precisamos de ciência para nos contar donde viemos e o que somos. Mas acho que a ciência não nos pode ajudar a tomar as decisões correctas. Ensina-nos a fazer a bomba atómica e transgénicos mas não é a ciência que nos diz se os devemos usar. Isso é o campo da moralidade, da discussão sobre o mundo em que queremos viver.
A sua defesa de um novo humanismo então também não é estritamente ciência?
Assenta na ideia de que temos de expandir o nosso conceito de humanismo. Tem sido o homem primeiro e depois o resto. O que vemos nos estudos é que é fundamental que a noção de humanismo e humanidade se estenda a toda a natureza porque dependemos de plantas e animais, racionalmente não sobrevivemos sem eles. Somos uma grande rede e esta generalização é importante, é objectiva.
Rompemos o dogma de que a Terra era o centro do universo mas continuámos a pôr o homem excessivamente no centro?
Sim. Somos uma espécie e há muitas outras. Não temos nenhuma razão para acreditar que somos melhores que as outras.