Cartões para melhor identificação nas urgências começaram a ser distribuídos em Dezembro mas ainda não há centros acreditados
O Plano Nacional das Doenças Raras foi aprovado em Setembro de 2008, o ano em que se instituiu a nível mundial o dia dedicado a estes doentes, que se assinala hoje. Cinco anos depois, a maioria dos objectivos nesta estratégia para uma resposta mais integrada e maior formação dos profissionais para lidar com estes casos continua por implementar. Haver cartões especiais que identifiquem os doentes mal dão entrada nos cuidados de saúde foi uma das promessas associadas ao plano, desde 2009 renovada todos os anos. Doentes e associações desconhecem o ponto de situação sobre esta iniciativa mas a Direcção-Geral de Saúde garantiu ontem ao i que já começaram a ser distribuídos, em Dezembro.
Marta Jacinto, presidente da Aliança das Doenças Raras que representa as patologias com maior incidência desconhecia que já estivessem a ser emitidos, não obstante os repetidos pedidos à DGS. "Trabalhámos em vários pontos na elaboração do plano e dos cartões e não temos tido resposta", lamentou a responsável, que defende que para já o impacto do plano que vigora até 2015 é nulo.
O i solicitou à DGS um balanço dos vários indicadores que, de acordo com o plano, deveriam ser monitorizados periodicamente. Era suposto terem sido progressivamente acreditados centros de tratamento por patologia mediante candidaturas dos serviços, que passariam a ser os locais avaliados e para onde deveriam ser encaminhados os doentes perante suspeitas ou diagnósticos. Era também suposto haver um balanço sobre a incidência das doenças ou informação sobre a proporção de doentes com acesso a medicação.
Das várias questões, a DGS apenas esclareceu a situação dos cartões de doente. Começaram a ser testados a 3 de Dezembro e devem solicitados pelos médicos através do portal Plataforma de Dados da Saúde. Visam transmitir informação "clínica mínima essencial" para proteger os doentes quando recorrem a um serviço de urgência, perante "o natural e geral desconhecimento dos clínicos" sobre estas doenças. Estão a ser testados em seis instituições - os centros hospitalares Lisboa Norte, Lisboa Central, de Coimbra, do Porto, do Alto Ave e também em S. João, no Porto. Já foram activados 51 cartões para 24 doenças, entre 137 requisitados. A DGS não esclareceu por que motivo não foram emitidos os restantes mas informa que, das 5441 doenças catalogadas, 68 já têm cuidados de emergência predefinidos, ou seja, existe informação aos profissionais sobre como lidar com estes casos, que por vezes podem não poder fazer medicação simples como aspirina.
No portal Orphanet, gerido em Portugal pelo Centro de Genética Preditiva e Preventiva do Instituto de Biologia Molecular e Celular, existe mais informação. A plataforma visa partilhar informação entre profissionais e doentes e revela que neste momento há 145 consultas especializadas registadas, 1040 testes de diagnóstico disponíveis, 154 projectos de investigação e 24 ensaios clínicos. Há depois 70 associações, para os doentes ouvidos pelo i a principal ajuda não obstante a página portuguesa do Orphanet receber 450 visitas mensais. Estimam-se no país 600 a 800 mil doentes com patologias raras, que afectam uma em cada 2000 pessoas. Não se sabe quantos estão diagnosticados. Este ano o lema do Dia Mundial das Doenças Raras é "Juntos Cuidaremos Melhor". Marta Jacinto sublinha que é um desafio às unidades de saúde, às famílias mas também à sociedade. "Continua a haver estigma", avisa.
01. Joana, uma heroína que quer ser informática
Foi o “olho clínico” de uma médica nas urgências que facilitou o diagnóstico. Joana ainda não tinha 18 meses e estava com dificuldade em respirar. Os olhos grandes e laringe dilatada chamaram a atenção da médica, que já tinha visto um caso. Passou a informação ao pediatra e o diagnóstico não tardou: Mucopolissacaridose do tipo 1, um das doenças raras genéticas que resulta de erros no metabolismo. Estimam-se menos de 5 casos/ano. Hoje com 15 anos, a mãe Isabel Valério diz que a filha é uma heroína e aprendeu a aceitar a doença. Ela assente: queria ser cozinheira, mas com 1,26 m como ia pegar nos tachos? “Vou ser informática, é um projecto que posso ter.” Ter o tratamento que prolonga a esperança de vida implicou muitos emails para o estrangeiro a maioria sem resposta. A mãe falava alemão e isso facilitou o contacto com um dos maiores especialistas, que prometeu que mal começassem os tratamentos a jovem seria incluído. Acabou por ajudar a que o tratamento chegasse a Coimbra. Fá-lo há cinco anos, todas as semanas, o que permite uma vida normal. Isabel aprendeu a viver com as probabilidades: na região Centro, conheceu cinco crianças com a doença. Só duas sobrevivem.
02. Cristina surpreende a mãe há 46 anos
É uma história de amor com 46 anos, conta a mãe Elvira Dias, hoje com 70. Amor e sofrimento. A filha nasceu aparentemente bem, com uma fenda palatina que foi operada e corrigida. Mas depois não cresceu, teve atraso na fala e no andar. O diagnóstico chegou aos oito anos, quando após muito procurar conheceu um médico inglês, que visitou o país. Síndroma de Rubinstein-Taybi. Elvira, que fundou uma associação para ajudar estes doentes, tem conhecimento de 19 casos. A maioria acaba por ter um bom prognóstico, mas Cristina sofreu duas vezes. Aos 17 anos, quando fazia natação e fisioterapia para recuperar fez um aneurisma, ficou numa cadeira de rodas. “Pensei que a culpa fosse minha, por ter puxado por ela. Disseram-me que se não fosse isso talvez não tivesse resistido à operação.” Na mesma altura, uma leucemia fulminante levou-lhe o marido: “Dediquei-me a esta causa não já por nós, mas para que possa passar a minha experiência.” Hoje as forças começam a faltar, precisava de um apoio domiciliário: com o frio e complicações respiratórias, Cristina não pode frequentar o centro ocupacional que a mantém activa desde a adolescência. “Estou cansada mas todos os dias a minha filha me surpreende.”
03. Marta vive um milagre, sem olhar ao futuro
Há dois anos Marta Gonçalves estava em coma, com os médicos a dizer à família que não tinha hipóteses. Depois de adiar o transplante de fígado na expectativa do medicamento que atrasa a progressão da paramiloidose, os sintomas fizeram-na voltar à lista para receber um fígado. Entrou no bloco no dia 27 de Fevereiro de 2012, três meses antes do SNS aprovar a medicação. Rejeitou o fígado, ficou em coma três dias. “Por descargo de consciência, apareceu um fígado que não era compatível nem no tipo de sangue nem no tamanho e mesmo assim tentaram.” Salvou-a esse milagre. Mas aos 39 anos, está bem. “Se soubesse que o medicamento ia ser aprovado tão rápido, não tinha feito o transplante.” Na altura a incerteza era grande e também não lhe disseram que nos portadores da doença dos pezinhos, a doença rara de origem portuguesa, que afecta cerca de 1500 portugueses, a probabilidade de rejeição do fígado – a operação que à partida cura a doença – era de 80%. Não sabe como não lhe disseram. “Hoje estou curada, canso-me muito e tento tonturas. Falo com quem faz a medicação e alguns queixam-se que adia os sintomas, não resolve. Também fiquei com outros problemas. Quem tem uma doença destas nunca deixa de lutar.”
04. Cristina lida com a doença e com o meio pequeno
“Inventam-se tantas coisas. Já disseram que estava numa cama sem me mexer, que não falava. Há muito desconhecimento.” Aos 16 anos, caiu-lhe o mundo. Há algum tempo que andava com perdas de equilíbrio mas o médico de família sempre disse que seriam problemas dos olhos ou da coluna. Numa consulta no Hospital de Serpa, o diagnóstico revelou-se mais grave: ataxia de Friedreich, doença rara neurodegerativa. “Disseram-me que podia deixar de andar, ter problemas de coração.” Pareceu-lhe uma ideia tão remota que ao princípio não acreditou. Até passar a viver numa cadeira de rodas. Seguiu-se o diagnóstico dos dois irmãos gémeos. Os três vivem com a mesma doença em Vila Verde de Ficalho, freguesia de 1400 habitantes no Alentejo. Depois do diagnóstico, Cristina esteve quatro anos em casa sem ir à escola, por falta de transporte. Também por falta de transporte, deixou a fisioterapia. Sente-se a atrofiar, queria completar o 12º ano. Trabalha num centro de internet para pagar a medicação e consultas de medicina alternativa, que lhe deram alguma esperança. No Facebook, uma prima de Lisboa tem procurado ajudar os filhos. “Quem vive isolado e sem meios tem muitas dificuldades”, lamenta.
05. ana Rita sabe o que podia ajudar doentes como ela
Ana Rita foi diagnosticada aos quatro anos com esclerose tuberosa, uma doença rara que pode provocar epilepsia e défice cognitivo. Mas foi com 14, a sair-se mal na escola, que percebeu melhor a doença.“A médica disse-me que não tinha problemas, que podia estudar e muitas crianças como eu não tinham essa possibilidade.” Passou a esforçar-se mais e nem os últimos revezes a fizeram esmorecer: primeiro um tumor no cérebro que teve de ser retirado, depois muitas dores de cabeça, agora um tumor no rim de 8 centímetros. Aos 17 anos, custa-lhe faltar à escola, mas diz que os amigos não a tratam de forma diferente. Mas sabe o que podia mudar: é “especialista em hospitais” e diz que se nota bem a diferença entre enfermeiros, uns muito atenciosos, outros “que não querem saber”. Na escola, mais que os colegas, acredita que devia haver maior sensibilização entre os professores. “Por vezes sinto-me muito exposta. Se sabem que tenho esta doença, porque é que perguntam se vou faltar outra vez ou se não posso fazer ginástica.” Depois do 9º ano, quer seguir artes ou letras. A paixão era o boxe, que descobriu na televisão e no YouTube. Não podendo, gostava de especializar-se em manicure. Mas com espírito de lutadora.
In: I online
Recebido via e-mail através da AETN Portugal
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