Os Direitos Humanos – tal como foram sintetizados e proclamados na Declaração de 1948 – têm constituído um alicerce sólido para a criação de uma ética de relacionamento entre as instituições e os cidadãos.
A Europa, esse espaço utópico que continuamos a perseguir, foi fundada tendo como fundamento ético a Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) tal como prova a aprovação em 1950 da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais. Mais tarde, em 1961, a Carta Social Europeia, filia-se na mesma matriz ao garantir à população deste continente os seus direitos sociais de forma a assegurar o seu nível de vida e o seu bem-estar social. Os Direitos Humanos converteram-se, assim, numa espécie de religião laica que, tendo princípios considerados sagrados e inamovíveis, é aplicada por estruturas agnósticas e burocráticas…
A DUDH continua a ser – retomando a metáfora religiosa – um domínio de perseguição da perfeição ao mesmo tempo que se constitui como um programa de aperfeiçoamento das sociedades. As aspirações da Declaração são de tal forma ambiciosas e simples que ainda hoje o seu artigo primeiro “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade” se constitui tão idealista e radical quanto a declaração de Jesus, 2000 anos antes ao recomendar “Fazei aos outros o que gostariam que os outros vos fizessem a vós”.
Um documento com a importância política e ética que tem a DUDH acaba por construir a sua própria história e deixa sulcos indeléveis nesse seu caminhar. Hoje, os Direitos Humanos são estudados em variadas disciplinas (ex: Direito, Sociologia, Educação, Ciência Política, etc. ); em variados contextos (Universidades, ONG’s, etc.); e, apesar da sua vida não ser muito longa, pode-se já falar de uma história dos Direitos Humanos.
Um olhar mais atento leva-nos a encontrar várias “gerações” destes direitos. A primeira geração debruça-se sobre os direitos civis e individuais; é uma primeira urgência que procura assegurar as liberdades individuais e civis, certamente fundamentais para que qualquer outro Direito Humano possa ser equacionado e cumprido. Nascem nesta geração todos os direitos políticos e, em suma, a qualidade de “cidadão” detentor de direitos políticos e cívicos e dispondo de liberdades públicas. A geração seguinte, a chamada segunda geração dos Direitos Humanos agrupa os direitos sociais, económicos e culturais. Estes são designados muitas vezes como “os direitos à…” por oposição aos direitos da primeira geração que são “direitos de…”. Ter “direito a…” alguma coisa, não implica só uma dimensão individual mas implica e mobiliza o Estado para cumprir a sua parte na consecução destes direitos tais como a educação, a saúde, o trabalho, os direitos à livre iniciativa ou ao acesso à cultura.
Hoje discute-se a emergência de uma terceira geração de Direitos Humanos. Esta nova geração começou a desenvolver-se em quadros legislativos sobretudo ocidentais e refere-se à protecção tanto da qualidade de vida proporcionada pelas sociedades como aos direitos de grupos socialmente mais vulneráveis como, por exemplo, a preservação do meio ambiente. De certa forma esta geração de direitos debruça-se sobre um dos vértices da trilogia da Revolução Francesa: a Fraternidade. Estes direitos emergentes referem-se a áreas muito distintas mas que se enquadram em preocupações sociais extremamente actuais: o direito ao desenvolvimento, o direito a viver em paz, o direito a uma vida digna, o direito a viver numa sociedade que seja ecologicamente saudável e sustentável, etc.
De entre estes direitos emergentes, tem vindo a tomar dimensão a consideração do direito a viver em sociedades equitativas e inclusivas. A Inclusão constitui-se como um Direito Humano emergente em variados documentos internacionais entre os quais salientaríamos a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Nações Unidas, 2006) e um documento recentemente publicado pelo Conselho da Europa intitulado Inclusão Social de Crianças e Jovens com Deficiência (Conselho da Europa, 2013).
“Densificar” o direito à inclusão social (e concomitantemente à inclusão escolar) é, hoje em dia, plenamente assumido como um tema que está no centro dos esforços de promoção de todos os outros direitos. Pensar no direito à inclusão não é obrigar ninguém a ser incluído em comunidades que não quer, é sobretudo assegurar que todos os cidadãos – independentemente da sua situação e condição – têm direito a não ser barrados, impedidos ou segregados face aos bens criados para usufruto de todos.
Dirão as pessoas mais conservadoras que antes de falar nestes direitos de “3.ª geração” se deveriam assegurar os direitos das gerações anteriores. Mas não é assim: muitos dos direitos que hoje se constituem como emergentes são absolutamente fundamentais para assegurar vidas plenas e dignas nas sociedades contemporâneas e certamente que o aprofundamento destes direitos influencia positivamente a eficácia da luta incessante pela efectivação dos direitos de gerações anteriores.
Por: David Rodrigues
Professor universitário, presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial
In: Público online
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