quinta-feira, 5 de junho de 2014

Medicalização e patologização da educação

De repente, ou talvez aos poucos, um elevado número de crianças foram sendo catalogadas de anormais e a necessidade de tomarem algo foi-se impondo como um facto quase inquestionável.

“Nem pensar em dar medicação ao meu filho. Já trabalhei no contexto da saúde e sei bem o que isso significa.” Foi com perplexidade que ouvi as palavras desta mãe, como resposta à afirmação da professora titular de que o filho muito provavelmente seria hiperativo e talvez precisasse de tomar algo que o acalmasse. A determinação e firmeza daquela mãe fecharam completamente a hipótese de solucionar o problema daquela criança através do uso de fármacos. A aceitação relativamente pacífica, ou aparentemente pacífica, com que os pais frequentemente aderem à perspetiva de que os filhos venham a tomar medicamentos permitiu a esta mãe destacar-se pela diferença.

Para quem trabalha em contexto escolar, a invasão medicamentosa não constitui novidade. De repente, ou talvez aos poucos, um elevado número de crianças foram sendo catalogadas de anormais e a necessidade de tomarem algo foi-se impondo como um facto quase inquestionável. Questões não médicas foram-se transformando artificialmente em problemas médicos (medicalização). Os pais, de certa maneira pressionados por uma escola pouco preparada para ir respondendo à diferença, acabam por ir procurar nos médicos a solução para a agitação motora, falta de atenção, comportamentos de oposição e outros, potenciadores de insucesso e opositores à boa gestão da sala de aula. Para quem ouve os mais novos, é perfeitamente claro que querer mantê-los horas a fio fechados em cubículos apertados não facilita o processo de aprendizagem e potencia a instauração da indisciplina. Causa-me intranquilidade pensar que temos de “drunfar” as crianças para estas se adaptarem a uma escola que não está adequada a elas. Causa-me inquietação que os pais, na busca da melhor e mais rápida solução para os problemas (não tenho dúvida de que os pais querem o melhor para os filhos), vão procurar soluções químicas, que poderão traduzir-se de uma forma pouco positiva na saúde dos filhos. Perturba-me pensar que há gente a aproveitar-se e a ganhar dinheiro com a febre da solução rápida dos problemas. Causa-me preocupação que grandes questões políticas, sociais, culturais e afetivas sejam mascaradas como “doenças”, “transtornos”, “distúrbios”; que questões coletivas sejam tomadas como individuais e que problemas sociais e políticos sejam assumidos como problemas de foro biológico. Neste processo, que gera angústia e ansiedade, a pessoa e as famílias são responsabilizadas pelos problemas, enquanto governos, autoridades e profissionais são absolvidos das suas responsabilidades.

Felizmente, há já um elevado número de pessoas sensibilizadas para as questões aqui expostas. No dia 16 de maio realizou-se na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, da Universidade do Porto, um seminário de grande interesse, cujo tema era precisamente “Por uma abordagem não medicalizante nem patologizante da educação“, em que estas e outras questões foram alvo de análise e reflexão. 

Para concluir, gostaria de sublinhar que o problema aqui apresentado não é um problema individual. Os pais são frequentemente pressionados a recorrer ao apoio da saúde, os professores sentem-se impotentes pois não conseguem que os alunos atinjam as metas estipuladas e a medicação surge como a solução mágica, já que em muitas situações até resulta e bem! A minha dúvida, em muitas situações, é se o bem de hoje se traduzirá em bem futuro. Gostaria também de sublinhar que em algumas situações a medicação é mesmo necessária; o problema que se coloca é ter-se generalizado como solução para um grande número de problemas, que não serão, de todo, de foro individual.

Por: ADRIANA CAMPOS

In: EDUCARE

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