Não conhecendo esta notícia com profundidade e com o necessário contraditório uso-a com prudência mas, apesar disso, como mais um provável exemplo de um sistema educativo, que tende a funcionar em modo "dupla mensagem". Vou tentar clarificar.
Boa parte das peças normativas e de orientação em matéria de educação emanadas pela 5 de Outubro, bem como muitos discursos dos responsáveis a diferentes níveis, contêm referências abundantes e explícitas à educação inclusiva e à equidade de oportunidades no âmbito da educação escolar. Essas referências enxameiam os preâmbulos e justificações para orientações e decisões. Esta é a primeira das duas mensagens e radica no facto de Portugal estar vinculado pelas leis que produziu e pelas Convenções internacionais que subscreveu e num discurso "politicamente correcto" que "manda" defender a educação inclusiva.
A questão é que existe uma outra mensagem, o reverso da medalha, por assim dizer.
De facto, também abundam os exemplos noutro sentido, vejamos alguns ao correr da lembrança.
Os constrangimentos em matéria de docentes, técnicos especializados e pessoal auxiliar que impossibilitam a resposta adequada e em tempo oportuno a todos os alunos com necessidades especiais. Em nome da educação inclusiva, evidentemente.
A Portaria que regula o cumprimento da escolaridade obrigatória até aos 18 anos para os alunos com necessidades especiais e que, de forma incompreensível e inaceitável, estabelece que estes alunos "apenas" devem frequentar as escolas regulares num mínimo de 5 horas semanais. Em nome da educação inclusiva, evidentemente.
A forma como em matéria de exames muitos alunos com necessidades especiais têm sido "normalizados" desrespeitando as suas necessidades individuais. Em nome da educação inclusiva, evidentemente.
O entrave à frequência que algumas escolas colocam ou, outra variante, a sugestão feita às famílias para que tenham as crianças com necessidades especiais mais tempo em casa pois na escola não existem condições. Este tipo de procedimento radica, provavelmente, nas condições das escolas mas também na sua cultura. Em nome da educação inclusiva, evidentemente.
A definição de respostas para grupos particulares de necessidades que, em algumas circunstâncias, funcionam de forma tão "guetizada" que os alunos que as frequentam nem sequer aos intervalos contactam com os seus colegas de escola. Em nome da educação inclusiva, evidentemente.
A estruturação de um sistema educativo assente num ensino que já não é educação mas cada vez mais a "passagem" de competências instrumentais nas áreas disciplinares verdadeiramente importantes. A aquisição destas competências é certificada através de uma enxurrada de exames que vão excluindo os menos dotados, os preguiçosos, os que não querem aprender. O grupo resultante deste processo darwinista e de acordo com as suas capacidades será encaminhado para a aprendizagem nas empresas (chamam-lhe ensino dual), para formação de segunda ou, os menos dotados, para instituições. Em nome da educação inclusiva, evidentemente.
Funciona, portanto, assim a mensagem dupla em matéria de educação inclusiva produzida pelo MEC, e não só. Sempre me lembro o Mestre Almada que na extraordinária "Cena do Ódio" falava sobre "a Pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões".
Tantos discursos, normas e orientações em defesa da educação inclusiva e tantas crianças e jovens que ....
Texto de Zé Morgado
Sem comentários:
Enviar um comentário