Conselho Nacional de Educação defendeu esta semana o fim das retenções. No concelho de Cascais, um agrupamento de escolas já o faz há 12 anos.
No Agrupamento de Escolas de Carcavelos, o maior do concelho de Cascais, a regra é clara: "Aqui não se chumba", revela o diretor, Adelino Calado. No ensino básico, há casos de alunos que passam com negativa a várias disciplinas. "Se não comeram a sopa da primeira vez, não é por lhes servirmos uma segunda, exatamente igual, que vão passar a comer. A retenção não resolve o problema do insucesso", acredita Calado.
Em alternativa, os jovens com mais dificuldades são colocados em turmas mais pequenas, com mais professores, currículos adaptados e muitos apoios, até que consigam recuperar. É o exemplo do modelo defendido esta semana pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), semelhante ao que vigora em países como a Finlândia ou a Noruega.
Num parecer divulgado na última segunda-feira, este órgão consultivo do Ministério da Educação, presidido pelo ex-ministro David Justino, defendeu o fim das retenções. No país com a terceira maior taxa de chumbos da OCDE, a recomendação é polémica. Em Portugal, o chumbo é visto, tradicionalmente, como um ato de rigor e exigência.
Adelino Calado, que há 12 anos praticamente acabou com a retenção no Agrupamento de Carcavelos, contesta essa mentalidade. "O nosso modelo não é facilitista. Pelo contrário, é muito mais exigente para a escola, para os professores e para os alunos. Requer muito mais trabalho de todos." O CNE concorda: "A transição responsável de alunos com baixo rendimento escolar acarreta maior exigência, uma vez que pressupõe por parte de todos os intervenientes um esforço acrescido no desenvolvimento de estratégias e medidas de apoio e reforço das aprendizagens."
Nas escolas de Carcavelos, frequentadas por mais de 2000 alunos do 1º ao 12º ano, a regra de não chumbar ninguém permite "raríssimas exceções" - a taxa de retenção é de apenas 3%, a mais baixa do país, e muito próxima do zero no ensino básico. A medida é tomada apenas em último caso, somente por unanimidade do conselho de turma, e não depende do número de negativas, mas do perfil do estudante. "Em Portugal, o chumbo é encarado como um castigo para o aluno que não trabalha. Mas na maioria dos casos não funciona. O repetente vai para uma turma só com alunos mais novos, passa a ser o líder e não liga nenhuma às disciplinas porque já as teve no ano anterior", defende Adelino Calado.
Para evitar os chumbos, as dificuldades dos alunos são detetadas precocemente. No ano passado, por exemplo, a escola identificou 18 alunos do 4º ano que não sabiam o suficiente para passar para o 2º ciclo. Ainda assim, passaram. Foram colocados, todos juntos, numa turma do 5º ano onde não entrou mais ninguém e onde recebem um acompanhamento especial: têm três professores a Matemática, três a Português e dois a cada uma das restantes disciplinas. Os docentes a mais servem para ajudar a tirar dúvidas e dão apoio individualizado a cada aluno, quase como se fossem explicadores privados.
"Modelo deve ser replicado"
"No final deste ano, os que recuperarem totalmente vão para uma turma normal. Os que ainda tiverem dificuldades ficam com um currículo alternativo, com programas menos extensos a algumas disciplinas e uma vertente mais prática. Não deixamos ninguém para trás", explica o diretor, um dos 12 especialistas ouvidos pelo CNE.
A lei permite este tipo de medidas, mas raramente são postas em prática. Certo é que a estratégia tem dado frutos. No ano passado, o Agrupamento subiu 174 posições no ranking do secundário e ficou em 138º lugar entre mais de 500 escolas, com 10,85 valores, acima da média nacional. "O modelo está a ser testado há vários anos com bons resultados e deve ser replicado", considera o presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, Adalmiro da Fonseca.
O Conselho Nacional de Educação está longe de ser a única entidade a alertar para as consequências negativas da retenção e para os benefícios de acabar com ela ou, pelo menos, de a tornar residual. Já no ano passado, o Banco de Portugal (BdP) tinha defendido o mesmo. No estudo "Retenção Escolar no Ensino Básico em Portugal", publicado em junho no boletim económico do BdP, os investigadores Manuel Coutinho Pereira e Hugo Reis revelaram que os alunos portugueses que chumbaram no 1º e 2º ciclos "não retiraram qualquer benefício" de terem ficado retidos e obtiveram mesmo piores resultados no PISA - o maior estudo internacional de Educação, que compara as competências dos jovens de 15 anos em vários países - "do que teriam obtido se não tivessem repetido" o ano.
Por isso, os dois investigadores do Departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal concluíram que "a retenção numa fase inicial da vida escolar parece ser prejudicial para o desempenho educativo a longo prazo" e sublinharam que "poderá haver vantagem em substituir, em parte, esta prática por programas alternativos de apoio" aos estudantes com mais dificuldades.
Também a Comissão Europeia critica a "cultura da retenção" que diz ainda persistir em alguns países, nomeadamente Portugal, Espanha e Bélgica. Num relatório divulgado em 2011, a Eurydice (Rede de Informação sobre a Educação na Europa) conclui que o chumbo "deve ser suplantado por uma abordagem alternativa para responder às dificuldades de aprendizagem dos alunos".
Jorge Ramos do Ó, especialista em História e Psicologia da Educação, concorda: "Chumbar só serve para produzir culpa nos que reprovam, ao mesmo tempo que desresponsabiliza a escola." Mas o problema é mais vasto, diz. Para o investigador da Universidade de Lisboa, é o próprio modelo de ensino que promove o insucesso. "Estamos a preparar os alunos da mesma forma que preparávamos há 50 ou 100 anos, baseando o ensino exclusivamente na capacidade de reproduzir conteúdos, sem valorizar a criatividade ou a experimentação. Ensinamos tudo a todos da mesma maneira e ao mesmo tempo, o que já não faz qualquer sentido numa sociedade que entretanto mudou radicalmente.
In: Expresso
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