Comecemos por dizer que as intenções das decisões da tutela são normalmente boas, embora muitas vezes não funcionem na prática porque não foram submetidas a um período de reflexão e experimentação. No entanto, neste caso da agregação de escolas não se vislumbram sequer as boas intenções!
É legítimo pedir ao Ministério da Educação que nos esclareça quanto às questões que se nos colocam após uma leitura atenta das finalidades, princípios, critérios e calendarização enumerados no despacho n.º 5634-F/2012, de 26 abril. Façamos pois esse exercício:
1. Agrega-se o quê?
Agregam-se edifícios, assistentes operacionais e técnicos, professores, alunos... ou apenas as direções?
Finalidade: "Prevenir a exclusão social e escolar"
Qual devia ser o foco de atenção e de sinergia das escolas? Sem qualquer dúvida, o aluno. Então, como pode uma escola com 3000 alunos tratar cada um deles como único? Qual o destino do apoio às crianças com necessidades educativas especiais, que implicam, necessariamente, um paradigma de proximidade? Como fazer nos casos de indisciplina que, como todos sabemos, devem ser resolvidos no próprio momento, com assertividade, sob pena de este fenómeno se vir a agravar ainda mais? E o combate ao abandono escolar, no qual o diretor tem um papel preponderante, de acordo com o Estatuto do Aluno?
2. Agrega-se porquê? E para quê?
Por motivos de ordem política, pedagógica ou económica?
Princípio: "Garantir e reforçar a coerência do projeto educativo e a qualidade pedagógica das escolas e estabelecimentos de educação pré-escolar que o integram, numa lógica de articulação vertical dos diferentes níveis e ciclos de escolaridade".
MAS:
A articulação vertical desejada não se consegue por decreto, juntando escolas aleatoriamente. A sequencialidade faz-se essencialmente através de uma boa articulação dos currículos de cada disciplina (intra e com as restantes disciplinas). Esse, sim, é um trabalho necessário que não está feito - basta analisar "sequencialmente" os currículos dos alunos para encontrarmos repetição de matérias (entre disciplinas e mesmo na própria disciplina, em diferentes anos), graus de aprofundamento incongruentes, etc.
A melhoria da qualidade pedagógica anunciada fica inviabilizada em mega-agrupamentos em que as estruturas intermédias de gestão pedagógica se tornarão inoperacionais devido ao número de docentes e áreas de estudos que abarcam.
3. Agrega-se com quem?
Com a escola vizinha ou mesmo com outra(s) que fica(m) a algumas dezenas de quilómetros? Com quantas? Com quem tem mais, menos ou os mesmos níveis de ensino? Com quem tem o mesmo tipo de cursos ou diferentes?
Princípio: "Proporcionar um percurso sequencial e articulado dos alunos abrangidos numa dada área geográfica e favorecer a transição adequada entre níveis e ciclos de ensino".
MAS:
Ao agregar escolas que distam entre si vários quilómetros, com o argumento da importância de um projeto educativo único e sequencialidade do ensino, esquece-se que a maioria dos alunos irá optar por frequentar o ensino secundário em escolas mais próximas da sua residência, ou no curso pretendido e não no agrupamento original.
Que sentido tem agregar escolas que têm uma filosofia e identidade muito diferentes? O objetivo é "fundir" identidades? A ideia é homogeneizar ou diversificar?
4. Agrega-se quando?
A que obedece o calendário? A princípios educativo-pedagógicos ou outros? Quais?
Calendarização: "No âmbito da reorganização..., o Ministério da Educação e Ciência concluirá, até final do ano escolar de 2012 -2013, o processo de agregação de escolas e a consequente constituição de agrupamentos."
MAS:
Como argumentar a agregação de escolas que neste momento funcionam bem e que demoraram muitos anos a conquistar a sua identidade e maturidade? Agrega-se quando as escolas sentem que podem beneficiar com a agregação ou de forma imposta pela tutela? Dado que as escolas com contrato de autonomia não são agregadas, será que podemos concluir que este processo é contrário à tão apregoada autonomia das escolas?
5. Agrega-se como?
Quais os critérios? Quais os valores subjacentes a eles? Em que se sustentam estas opções?
Critério: "Construção de percursos escolares coerentes e integrados".
Relembramos que não será possível garantir a continuidade de percursos escolares no mesmo agrupamento, a não ser que todos os agrupamentos ofereçam todos os cursos profissionais e cientifico-tecnológicos do ensino secundário. Por outro lado, as orientações para a constituição da rede de ofertas formativas para 2012-2013 recém-divulgada, preconiza a especialização das escolas de cada concelho em termos da oferta de cursos profissionais e de aprendizagem. Onde está a coerência? Como compatibilizar boas intenções, inviáveis na prática? Será que se pretende que os alunos abdiquem das suas opções em favor de uma finalidade que é a continuidade do Projeto Educativo do agrupamento - em detrimento do Projeto de Vida de cada aluno?
Critério: "Articulação curricular entre níveis e ciclos educativos"
Como foi referido acima, a articulação curricular não fica garantida ao agruparem-se escolas. Os programas rígidos, estanques e extensíssimos existentes, sem preocupações de coerência e/ou continuidade, são o grande obstáculo à articulação e gestão dos currículos. E porquê, então, agregar escolas que têm exatamente os mesmos níveis/ciclos de ensino?
Critério: "Eficácia e eficiência da gestão dos recursos humanos, pedagógicos e materiais"
A gestão eficaz e eficiente dos recursos fica comprometida quando se criam mega-estruturas que só conseguirão ser eficazes se se desagregarem para o seu funcionamento diário. Para além disso, eficácia e eficiência são conceitos distintos dado que a primeira se refere à melhoria do funcionamento pedagógico da escola (resultados escolares) e a eficiência refere-se aos resultados escolares relativos ao custo por aluno/escola.
Critério: "Proximidade geográfica"
A tutela propõe a agregação de escolas que distam vários quilómetros entre si.
Critério: "Dimensão equilibrada e racional"
Falamos de quê? De agrupamentos com mais de 3000 alunos, departamentos curriculares que podem ultrapassar a centena de professores, grupos disciplinares que podem ultrapassar os 60 professores, reuniões de diretores de turma com mais de 80 professores, conselhos de representantes dos encarregados de educação que podem ultrapassar as 200 pessoas, conselhos de delegados e subdelegados de turma com mais de 200 alunos, etc. Equilibrado? Racional?
Estas são algumas das perguntas a que ainda ninguém respondeu de forma clara. Não é legítimo que se provoque um "tsunami" desta grandeza nas escolas sem que antes se esclareça claramente o que leva a tamanha insensatez!
O facto de normalmente só nos preocuparmos com aquilo que é imediato faz-nos descurar o impacto dos nossos investimentos na educação bem como na saúde. E é exatamente isso que faz toda a diferença quer em termos económicos (um aluno repetente fica muito caro ao estado, assim como um cidadão que não cuide da sua saúde), quer em termos de impacto social, pois normalmente o insucesso tem um efeito de contágio, ou seja, tem tendência a perpetuar-se na família e nos amigos.
O elo mais fraco da educação e da saúde é a prevenção! E este movimento de agregação, nas mega-dimensões em curso, irá remeter as escolas para a ação imediata e irrefletida porque não haverá condições humanas nem logísticas para refletir e agir por antecipação, logo, realizando a essencial prevenção.
Curiosamente, os melhores sistemas de ensino do mundo assentam, precisamente, em pressupostos que contrariam este movimento de agregação: maior autonomia das escolas na seleção dos professores, maior autonomia dos professores na seleção dos currículos, maior autonomia dos alunos na seleção das disciplinas e currículos. Por exemplo, na Finlândia uma das maiores preocupações consiste em criar nas escolas um ambiente "sereno e acolhedor", sendo o tamanho médio das escolas entre os 300 e os 500 alunos, de forma a criar uma atmosfera de proximidade que permita ao diretor conhecer pessoalmente todos os alunos da escola.
Para além disso, uma escola não é uma empresa em que o diretor não tem contacto direto com os clientes. Nas escolas, os "clientes" finais são os alunos e suas famílias e é muito natural que todos queiram conhecer o diretor e falar diretamente com ele. Aliás, isso só tem vantagens, pois dessa forma potenciam-se compromissos. É muito importante que os pais e alunos saibam que o diretor os conhece, que acompanha os seus percursos, pois se para a administração central, já há alguns anos, o que parece contar são números, para a escola cada aluno é uma pessoa e cada pai/mãe só tem aquele(s) filho(s), pelo que a escola não pode falhar a sua missão!
Por último, convém não esquecer que se lideram e inspiram pessoas e se gerem recursos. Aquilo de que cada escola precisa é de um bom líder, porque a gestão, essa sim, pode agregar várias escolas.
E, por favor, não ignorem que em educação não se plantam eucaliptos! Em educação é preciso tempo. As reformas precisam de ser lentas e devem resultar do envolvimento de todos. Como diz o professor Joaquim Azevedo "coloque-se as escolas numa rota de melhoria gradual e não numa rotura permanente".
De facto, é verdade que há fortes constrangimentos económicos, mas também é verdade que há muita precipitação e, acima de tudo, muita falta de estudo que fundamente este tipo de decisões da tutela.
Por: Paula Romão