Pode parecer uma contradição mas a solução para os problemas das crianças com défice de atenção e hiperactividade pode estar, afinal, numa chávena de café. É pelo menos para aí que apontam as conclusões preliminares de um estudo que está a ser realizado por uma equipa de investigadores da Universidade de Coimbra (UC), liderada por Rodrigo Cunha.
“O princípio activo que é hoje usado para tratar crianças com défice de atenção e hiperactividade é o metilfenidato que é um derivado das anfetaminas, ou seja, um estimulante. Num sistema que já está tão acelerado, isto é quase como dar um empurrão que o obriga a regressar aos carris. E foi pelo facto de termos visto que havia um paralelismo tão grande entre as respostas à anfetamina e à cafeína, em termos sobretudo motores, que decidimos lançar este estudo que veio confirmar essa ideia de que é possível utilizar nestas crianças um estimulante que não tenha consequências tão gravosas como o metilfenidato”, sustenta Rodrigo Cunha, docente da Faculdade de Medicina da UC, ao PÚBLICO.
A pesquisa, cujas conclusões foram aceites para publicação na revista European Neuropsychopharmacoly, poderá levar ao desenvolvimento de uma nova geração de fármacos muito mais selectivos, ou seja, “que actuam apenas no tratamento do défice de atenção, sem a toxicidade e a dependência” que, segundo o investigador, estão presentes nos fármacos actualmente utilizados para tratar um problema que se calcula afectar cerca de 7% das crianças europeias”. Mas, conforme ressalva Rodrigo Cunha, “a prudência manda que se espere por um estudo clínico antes de os pais se porem a mudar os hábitos dietéticos destas crianças”.
Os primeiros ensaios decorreram, ao longo dos últimos três anos, em ratinhos. Por estes dias, a equipa de investigadores debate-se com a necessidade de conseguir financiamento na ordem dos “250 mil a meio milhão de euros” para as duas fases que se seguem. “Por um lado, queremos transpor esta intervenção para crianças com défice de atenção e hiperactividade em ambiente hospitalar e, em paralelo, queremos avançar para a segunda fase da experimentação animal que nos permitirá identificar os alvos moleculares e os mecanismos pelos quais a cafeína confere este benefício”, explica Rodrigo Cunha.
O estudo pré-clínico foi financiado com verbas norte-americanas, do National Institute of Health, onde se calcula que 20% das crianças sofrem de problemas relacionados com hiperactividade e défice de atenção. Em regra, a patologia surge por volta dos nove anos de idade e “atinge o pico” de modificação de comportamento, entre os 13 e os 14 anos.
Mário Cordeiro alerta para diagnósticos "apressados"
Na reacção a esta investigação, o pediatra Mário Cordeiro alerta para os diagnósticos “apressados” de défice de atenção e hiperactividade em crianças que “o que têm é um problema de ritmos de vida e de sobrecarga de estímulos”.
“Os rapazes, por exemplo, devido à sua constituição cerebral, têm grande dificuldade em se concentrar quando sujeitos a estímulos variados, e consequentemente dispersam-se, tornando-se depois irrequietos”, exemplifica, para sustentar que “o número de crianças com real síndroma de défice de atenção é reduzido, e nestas, sim, o fármaco deve ser dado porque substitui mediadores químicos cerebrais que estão ‘em baixa’”.
No seu consultório, há muitos anos que Mário Cordeiro preconiza que seja dado café pela manhã a algumas destas crianças “desde o 1.º ano do 1.º ciclo”, porquanto este “ajuda a filtrar os estímulos inúteis laterais, a focar a atenção e, consequentemente, a aprender mais na escola e a levar menos estímulos e informação inútil para casa, aprendendo melhor e dormindo melhor porque à noite o cérebro tem menos “lixo informativo” para deitar fora”. Cordeiro acrescenta que “como a semivida do café é, no máximo, de dez horas, às seis da tarde já não há café no organismo e as crianças dormem muito bem”. “De resto”, acrescenta, “se não houver contra-indicação (certas situações patológicas raras), o café não tem efeitos colaterais e faz bem, nesta sociedade de hiperestimulação e de pouco repouso”.
In: Público online
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