quinta-feira, 31 de maio de 2012

Intervenção Baseada na Evidência

O título soa bem, não soa? De imediato fazemos uma analogia com o que se passa na Saúde. Se um dia estivermos deitados numa maca num corredor do serviço de urgência de um hospital, sabemos bem o que significam estas palavras: significam que esperamos que o pessoal de saúde que nos vai tratar nos trate em conformidade com o melhor conhecimento de investigação de casos semelhantes ao nosso. Quase apetece perguntar: “Doutor, qual foi o último artigo científico que estudou sobre a minha situação?”

Este movimento da Intervenção Baseada na Evidência (IBE), saltou rapidamente da Saúde para a Educação. Aparecem em fóruns internacionais e em publicações mais vozes que clamam que em Educação (e em particular na Educação Especial) a intervenção se deveria basear naquilo que já sabemos que funciona por experiência e sobretudo pela investigação. E eu diria que, à semelhança do que se passa na Saúde, nada há a obstar a este salutar princípio. Mas (ai os mas…) parece que o assunto em Educação é um pouco mais complexo que na saúde. E isto diria que por três razões que correspondem a cada uma das palavras que compõem este acrónimo IBE:

1. Intervenção. Queremos certamente dizer intervenção educacional, e não só um aspeto restrito da aprendizagem de uma tarefa. Será que este termo “intervenção” se reporta a uma ação de um professor que num ambiente controlado influi numa aprendizagem bem delimitada do aluno? Se assim for, trata-se de uma ação muito delimitada que dificilmente poderá ser reproduzida em contextos diferentes dos que foram experimentados. Se o termo intervenção é usado numa aceção mais lata, então teremos que contemplar a aprendizagem que se faz através de equipamentos, de colegas, enfim um conceito bem mais complexo de interação que é impossível de reproduzir.

2. Baseada. Baseada não quer dizer reproduzida nem copiada. Baseada quer dizer “inspirada” “com referência a “. Não se espera portanto que os procedimentos onde se obteve uma dada informação sejam fielmente reproduzidos. Espera-se que os princípios e as relações que foram encontradas possam inspirar novas formas de ensino e de aprendizagem. Ora essas novas formas têm que ser criadas, inventadas no contexto em que o aluno, professor e escola se encontram.

3. Evidência. O termo evidência refere-se ao conhecimento acumulado e sufragado pela investigação. Assim, não se faz o que nos parece melhor, mas sim o que deve ser feito, o que é correto fazer. É interessante rever o que se quer dizer por evidência. Existem alguns princípios sancionados pela experiência ou pela investigação que poderão ser denominados de “evidência”. Os professores e os técnicos devem conhecê-los e dominar a sua aplicação mas a variabilidade humana leva necessariamente a uma variabilidade de condições de aplicação e de obtenção de resultados.

Enfim, quando falamos em IBE devemos ser prudentes e não pensar que tudo poderá ser resolvido com a aplicação de um conjunto de “técnicas” que poderão eliminar as dificuldades dos alunos.

Para uma criança que está implicada num processo educativo a sua grande ferramenta de desenvolvimento, de autonomia, de participação e de socialização é a escola na sua complexidade e diversidade. Nenhuma IBE poderá substituir a riqueza e diversidade que a escola pode proporcionar aos alunos. Precisamos de conhecer o que nos ensina a IBE não para tornar o ensino num hospital em que o tratamento é a pedagogia mas numa oportunidade de aprender em contexto, de aprender em conjunto e de aprender “em” e “para” a autonomia.

Por: David Rodrigues
Presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial


In: Newsletter n.º 41 da Associação Nacional de Docentes de Educação Especial

1 comentário:

  1. Sou um aluno de 12ºano a finalizar o curso de Ciências e Tecnologias na Escola Secundária de Nelas. Sou disléxico e no ano passado foi-me concedido o direito à leitura dos exames nacionais de fisico-quimica e biologia e geologia. Qual não é o meu espanto quando, hoje, sou informado de que este ano me é recusada a leitura dos exames nacionais de português e matemática. Ter dislexia não é uma opção minha. A disléxia é um um distúrbio genético e neurobiológico de funcionamento do cérebro para todo processamento linguístico relacionado à leitura e, como tal, é imprescindivel a leitura das provas que só por acaso vão decidir a minha vida académica. É frustrante e desconcertante o que o JNE fez comigo. Será assim tão dificil entender que se eu ler a questão pouco ou nada entendo, mas se a questão me for lida eu compreendo perfeitamente?
    Este direito à leitura dos Exames Nacionais troxuce consigo os deveres de ir a aulas e apoios extra nos meus tempos livres.
    Neste caso não posso contestar, não posso reclamar e muito menos pedir reavaliação. O exame é dentro de dias e eu simplesmente tenho de me resignar às condições que me são, agora, impostas. Pelo trabalho, pelo emprenho, pela dedicação e pelo grande esforço para chegar ao fim do 12ºano, mesmo com dislexia profunda, merecia que me concedecem aquilo a que tenho direito.

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