Uma mãe inconformada fez chegar a questão à Provedoria de Justiça – um aluno com dislexia deve ou não ter direito à leitura, por um professor, dos enunciados dos exames nacionais de Português e de Matemática do 9.º ano? A resposta do Júri Nacional de Exames (JNE) é “não”, mas os especialistas consideram que depende do grau de dificuldade com que se debate a criança.
O caso foi relatado pela agência Lusa. Apesar da recomendação da escola de Odemira em que Constança, de 14 anos, está matriculada; do parecer da respectiva terapeuta; e até de um despacho da Direcção Regional de Educação do Alentejo no sentido de que JNE desse aval à leitura dos enunciados da prova de exame, a resposta foi negativa.
Em comunicado enviado à comunicação social a propósito deste caso, o JNE – que funciona na dependência do Ministério da Educação – alega que os alunos com dislexia podem usufruir de uma tolerância de 30 minutos, para além do tempo fixado para as provas; e ainda que são classificados de forma específica, com base naquilo que designa como “Ficha A”, para evitar penalizações.
Em concreto, refere o JNE, “a Ficha A contém informação relativa às dificuldades específicas de cada aluno disléxico, podendo ser assinalados, na área da expressão escrita, campos associados ao desenvolvimento linguístico, à ortografia, aos traçados grafomotores e à linguagem quantitativa”. Em todos estes campos, sempre que são assinalados com dificuldades específicas da dislexia de cada aluno, “o professor classificador pode adaptar os critérios de classificação das provas de forma a não penalizar o aluno pelos erros ou omissões cometidos”, aponta o JNE. Neste contexto determina, de forma taxativa, que “a alunos com dislexia, cujas provas de avaliação externa são já classificadas com o apoio da Ficha A (…) não pode ser autorizada a leitura dos enunciados”.
“Nalguns casos é como dar ordens a um cego para que leia as perguntas ou a um tetraplégico para que faça ginástica”, exemplifica o neuropediatra Nuno Lobo Antunes.
A questão, contudo, não é pacífica. A mãe de Constança alega que a filha sempre teve aquele apoio, que lhe foi dado, inclusivamente, quando realizou as provas de aferição do 6.º ano. O JNE escreve, de forma crítica, que “algumas escolas generalizavam certas condições especiais de realização das provas de uma forma pouco criteriosa, em particular a medida ‘leitura de enunciado por um professor’”. A mãe, citada pela Lusa, insiste, que “é a mesma coisa que tirarem os óculos a um míope no exame”. E o neuropediatra Lobo Antunes vai mais longe na comparação – “Nalguns casos, de dislexia grave, é como ordenar a um tetraplégico que faça ginástica”, disse, em declarações ao PÚBLICO.
“Um defeito neurológico é mais difícil de conceptualizar, porque é um defeito escondido, mas o problema está lá. E há situações em que uma criança não consegue ler ou não é capaz de entender o que está a ler, mas sabe responder perfeita e correctamente se a pergunta for feita oralmente ”, explica Lobo Antunes, que defende que a decisão de permitir a leitura dos enunciados de exame “deve ser tomada caso a caso, com base em pareceres técnicos, independentes”.
Na mesma linha, Ana Paula Vale, autora do primeiro estudo sobre a prevalência da dislexia em crianças portuguesas em idade escolar (que revelou que 5,4 por cento sofrem têm este problema), frisa que “não se pode generalizar a resposta”. “As crianças com dislexia podem e devem aprender a ler, pelo que um aluno com dislexia ligeira a moderada, em princípio, pode fazer as provas com os apoios concedidos pelo ME”, diz.
A especialista sublinha, no entanto, que “cada caso é um caso”, tanto em relação às crianças como às disciplinas. E defende, como exemplo, que “faz sentido os alunos com dislexia terem direito à leitura do enunciado no exame de Matemática”. Isto, explica, na medida em que, “ao contrário do que acontece numa prova de Português, não se pode alegar que está a ser testada a capacidade de ler e de interpretar, mas sim, exclusivamente, o raciocínio matemático”.
Marcelino Pereira, investigador da Faculdade de Psicologia da Universidade de Coimbra e coordenador da Consulta de Dislexia naquela instituição tem uma visão diferente. Considera que, em princípio, “um aluno que chegou ao 9º ano de escolaridade está capaz de ler e interpretar o enunciado de qualquer prova, desde que lhe seja dado o tempo extra”. Leonor Ribeiro, Técnica Superior de Educação Especial e Reabilitação e coordenadora do Núcleo de Dislexia do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil, frisa, no entanto, que “é precisamente por as provas serem lidas que muitas das crianças com este problema “conseguem ter êxito académico”. A mesma ideia – de que os alunos têm tido esse apoio que agora lhes é negado – é reiterada por Albino Almeida, presidente da Confederação das Associações de Pais (Confap), que disse estar em contacto com o Ministério da Educação, para reclamar que o caso de Constança e outros semelhantes sejam resolvidos. Diz admitir “que um ministro até tenha o poder para determinar que uma criança que não domina a leitura e a interpretação não deve seguir para o secundário”, mas frisa que “não pode ser assim”. “Isso tem de ser legislado e não vertido numa informação do JNE “, diz, criticando também o facto de a decisão ter sido anunciada durante o ano lectivo, “provocando a ansiedade de pais, alunos e professores”.
In: Público
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