Sinto que arrancaram um pedaço de mim, que amputaram uma parte do coração da minha escola. E, como é na escola que está a minha vida, se despedaçam um pouco da minha escola, também eu sou atingida e sofro, com muita raiva e indignação.
Se uma escola tem uma identidade, mais do que no Projeto Educativo, no Projeto Curricular ou no Plano Anual de Atividades, ela está nas pessoas que os constroem e lhes dão vida. Ela está nos docentes e no pessoal não docente que todos os dias nela trabalha. Ela está em quem constrói e mantém a vida da escola. Ela está naqueles que lidam com as crianças dentro e fora das salas de aula, naqueles que contribuem para a sua educação e para a sua formação, naqueles em quem antigos e atuais alunos pensam quando pensam na escola, naqueles que todos os que vivem na escola sabem que são os pilares dela. Está naqueles que levantam os projetos que fazem da escola o que ela tem de especial e de característico, naqueles com quem todos contam, porque nunca dizem que não e a todos ajudam. Essas pessoas são o rosto, o coração, a alma da escola.
Uma nota informativa da Direção-Geral da Administração Escolar obrigou os diretores a declararem os professores sem componente letiva para o próximo ano letivo, até ao dia 6 de junho. E isto, antes que estejam definidas diversas variáveis que condicionam o conhecimento pelos diretores das reais necessidades que a escola vai ter. Na nota informativa da DGAE, o tom não é para brincadeiras. A pressão para o "corte" é notória e os diretores, responsabilizados por um possível incumprimento.
E foi assim que ontem os professores da minha escola (e de todas as outras) ficaram a saber quem não vai ter componente letiva, isto é, quem "está a mais", ou seja, quem vai ter que concorrer, para escolas de uma área geográfica grande, mas onde, pela certa, vários outros professores estão a receber idênticas informações, e não haverá vagas. Estamos a falar de professores do Quadro de Agrupamento, que podem já ultrapassar vinte anos de serviço (contando só os exercidos nesta escola) ou aproximarem-se bastante dessa conta.
Não me tocou essa "sorte". Mas sinto-me de luto. Não reconheço a minha escola. Como vou lá entrar e não encontrar aqueles que são alguns dos mais importantes pilares da escola; que a sustentam; que dinamizam projetos; que são "pau para toda a colher"; que são professores com que todos os colegas contam; que são professores a quem alunos de há muitos anos, de repente, telefonam a contar que se vão casar ou que têm saudades e gostavam de ir tomar um cafezinho com eles?
Não farão estes professores falta à escola, quando tanto significam para ela, para os seus projetos, para todos os que nela trabalham e para todos os que têm vindo a ter a sorte de ser seus alunos?
Revolta-me pensar nos milhares de professores contratados que ficam no desemprego, sem sequer parecerem contar nas estatísticas, apesar de já trabalharem há tantos anos e, também eles, poderem ser a alma e o coração da sua escola. Revolta-me pensar nestes professores dos quadros que hoje foram "dispensados" e obrigados à incerteza de um concurso. Revolta-me pensar no que vão perder os alunos que não os vão ter. Por isso, em vez de verter lágrimas, escrevo. Escrevo com o coração, com a alma, com a revolta que sinto. Espero poder ajudar, assim, todos estes professores a não se sentirem sós. Espero poder contribuir para que todos compreendam que a escola amputada dos seus melhores não é uma escola com valores e é uma escola que vai perdendo valores. De valores se faz a formação, não apenas de conhecimentos a debitar em exames. Não posso calar-me. As nossas crianças e os nossos jovens merecem crescer num mundo humano e numa escola humana com professores que lhe deem alma, coração, identidade e suporte.
Os professores que tudo têm dado à escola e tanto têm ainda para dar merecem, no mínimo, a solidariedade de quem vive nas escolas e para as escolas.
Por: Armanda Zenhas
In: EDUCARE
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