A humanidade sempre viveu em estado de mudança. Mesmo quando tudo parecia parado, existiram movimentos, para muitos impercetíveis, de mudança e de pensamento para o futuro. A questão atualmente é que a mudança que antes só alguns percebiam, é agora sentida pela grande maioria das pessoas. Tornou-se óbvio para todos que a sociedade tal como a conhecemos atualmente está a modificar-se muito e muito depressa. As atitudes face a esta visível e inevitável mudança são várias: para alguns o melhor é ignorar a mudança; talvez se não lhe dermos importância ela não se venha a meter connosco… Para outros, enfrentar as mudanças pressupõe uma atitude entusiástica de rejeição de tudo o que era antigo em favor dos novos valores, uma corrida acrítica para o “novo”. Para outros ainda, a atitude face à mudança é a de acha-la sempre nefasta tendo em conta o “bem” com que as coisas se passavam “antigamente”. E dizem: “antigamente, havia mais respeito, mais limpeza, mais educação, mais segurança, melhores médicos, melhor educação. Tudo era bom e até a comida sabia melhor…”
Esta atitude de desvalorizar o presente em nome do passado, de achar que à nossa frente só pode estar o pior e de endeusar o passado, chamarei “retropia” , isto é, olhar para o passado como se fosse a idade do ouro e para o presente como o paraíso conspurcado pela evolução. É uma utopia ao contrário, a olhar para trás o que é, obviamente, a negação da ideia de utopia. As pessoas “retrópicas” dizem que tudo foi já inventado, que o passado (história) nos ensina como se vão passar as coisas e que, se seguíssemos as lições do passado, resolveríamos não só o presente mas também o futuro.
Também existe “retropia” em Educação? Claro que sim. Irei realçar três aspetos:
a) O funcionamento que as escolas tinham antes é o modelo a seguir atualmente. Bom, para aceitar esta premissa é preciso ser um “retrópico” empedernido. Na verdade, o funcionamento que as escolas tinham (desde as básicas, às técnicas e aos liceus e universidades), é completamente desadequado ao estádio de desenvolvimento social, produtivo e humano que agora dispomos. Por exemplo, as escolas promoviam a homogeneidade e esta homogeneidade constituía a “justificação” para uma impiedosa seleção social, que hoje assumimos que a educação deve combater. Hoje, precisamos de uma escola a tempo inteiro e de uma escola que se constitua como um espaço de cidadania, de liberdade e de responsabilidade. Pensar, por exemplo, que as Áreas de Enriquecimento Curricular podem vir a desaparecer, deixar de ser gratuitas ou ser fatalmente atingidas por critérios de falta de qualidade é, sem dúvida, uma atitude “retrópica”.
b) O ensino precisa de retomar as antigas metodologias em que todos aprendiam. Bom, falar do ensino em que todos aprendiam, mais que uma retropia, é uma amnésia. Apesar da escola atual ter ainda um espaço muito amplo de melhoria, nunca as metodologias de ensino estiveram tão perto de todos os alunos. Encontramos hoje nas escolas projetos, clubes, apoios, laboratórios que permitem não só aproximar o que se ensina do que se aprende mas também que estas metodologias são, não para uma minoria, mas para todos os alunos (isto é, deveriam ser para todos os alunos…). Não temos nada que retomar as antigas metodologias de ensino antes de mais porque se elas forem precisas continuam disponíveis mas sobretudo porque hoje conseguimos, mesmo com as inerentes dificuldades, aumentar e superar o leque de opções de ensino e de aprendizagem que os métodos tradicionais nos permitiam. Reduzir a capacidade de apoio que a escola deve dispor para promover o sucesso de todos os alunos é pois, uma atitude “retrópica”.
c) Controlar os alunos: mão dura na disciplina. Há problemas de disciplina nas escolas. Basta falar com qualquer professor para saber que sim. Mas, estes problemas têm que ser entendidos antes de ser intervencionados. Temos que saber por exemplo, que os fatores motivacionais que a escola tinha antes já não existem agora e por isso é preciso mudar, inventar, criar novos espaços de pensamento e significação da escola. Precisamos de uma escola que confie nos alunos que não aja com as bafientas ideias feitas que “eles” são preguiçosos, irresponsáveis, malcriados, cruéis, etc. A escola tem que acreditar nos alunos, nas suas possibilidades, nos patamares de responsabilidade e de solidariedade que podem assumir. Se não promovermos formas de funcionamento da escola em que os alunos sejam comprometidos e responsabilizados – e, pelo contrário, reforçarmos por exemplo, a “transmissão” do conhecimento – assumimos, pois, uma atitude “retrópica”.
Acreditar na criança não significa retomar a ideia de J.J. Rousseau da bondade natural da criança: é antes acreditar na ação, na influência e na bondade da educação. Pensar a escola é, conhecendo o passado e conhecendo o presente (conhecendo muito bem o presente…), lançar pontes para uma organização da escola e da aprendizagem, para um currículo, para uma cultura escolar com sentido de futuro. E para as pessoas “retrópicas”, para aquelas que acham que a sua educação foi tão boa, tão boa, que devia ser seguida por todos e sempre, dizemos que é tempo de evitar mais acidentes, isto é, é tempo de tirar os olhos do retrovisor e olhar através do para-brisas.
Por: David Rodrigues
Professor Universitário
Presidente da Pró – Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial.
In: Público (1/06/2013)
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